domingo, 31 de março de 2019

Concurso para "Chefe de Posto"

Anúncio publicado no Boletim Oficial em Fevereiro de 1957 onde se informa sobre as "provas práticas do concurso para chefe de posto do quadro administrativo" da província de Macau. Inclui provas de "língua indígena, noções de construção civil, política indígena, serviços dos postos e agricultura e pecuária coloniais".
Frente ao edifício onde estas provas eram prestadas (o Palácio das Repartições, ao lado do actual hotel Metrópole) os candidatos tinham ainda de fazer "demonstrações de ciclismo e fotografia".

sábado, 30 de março de 2019

Menu do Hotel Boa Vista há 120 anos...

Sopa de tomate, salmão e galinha à francesa são algumas das sugestões do menu para o jantar de 26 de Março de 1899 no hotel Boa Vista inaugurado a 1 de Julho de 1890.
Um dos primeiros hóspedes do hotel foi Arnold Henry Savage Landor, um conhecido pintor, explorador, escritor e antropólogo inglês. Mas essa história terá de ficar para outro post...

Na época o hotel era bastante recente e o mais cotado entre a oferta disponível, proporcionando uma vista magnífica sobre a baía da Praia Grande. Num relato da altura pode ler-se: "Numa encosta artística com um fundo pitoresco e um ambiente encantador, fica o Boa Vista Hotel, um edifício imponente que recebe o viajante enquanto sua embarcação contorna a curva oeste antes de entrar no porto interior. Bastante moderno, os móveis e decoração são insuperáveis ​​na colónia. (...). A mais estrita supervisão quanto à comida, limpeza e higiene é exercida, e todos os visitantes falam em termos entusiásticos da conduta geral do estabelecimento e do conforto e conveniências proporcionados".
Anúncio do final do século XIX
Localizado na encosta na encosta da Penha, logo por cima da fortaleza do Bom Parto, no nº 1 da Rua do Tanque do Mainato, o edifício foi construído ca. 1870 como residência da família Remédios sendo registado em 1890 como hotel (20 quartos), propriedade do capitão britânico William Edward Clarke (e da mulher, Catherine Hannack Clarke) que na época era comandante de um dos navios a vapor que fazia a ligação marítima entre Hong Kong e Macau.
 Entre 1891 e 1894* a gerência do hotel era da responsabilidade de L. M. Remédios e da  mulher, Maria Bernardina dos Remédios. A 11 de Novembro de 1899, Clarke e a mulher hipotecaram o hotel por $15 000,00 à empresa onde trabalhava, a “Hong Kong, Canton and Macau Steamboat Company".
Perante a hipótese do governo francês adquirir o edifício para ali instalar algumas das tropas que estavam estacionadas na Indochina, o governo de Macau acabou por expropriar o edifício e vendeu-o à Santa Casa da Misericórdia por 80 mil patacas que passou a explorar a unidade hoteleira.
No anúncio do final do século 19 informam-se os clientes da excelente localização do hotel com acesso directo à praia do Bispo e junto a uma pequena leitaria, no caso a Leitaria Macaense". Para completar um pouco da história deste edifício até à primeira metade do século XX, importa dizer que a partir de 1917 passou a albergar o Liceu de Macau (contrato entre o Governo e a Santa Casa) e a partir de 1923 o governo comprou-o à Santa Casa passando a ser de novo um hotel.
*neste anúncio de 1894 Maria B. dos Remédios intitula-se como proprietária do hotel, uma informação que contraria a história conhecida até hoje.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Horta da Mitra e/ou Horta do Bispo

No livro "Curiosidades de Macau Antiga" Luíz Gonzaga Gomes descreve assim a zona:
"Assim um trecho da cidade que ainda é conhecido pelos chineses com o nome de Tchèok-Tchâi-Un, um local hoje dos mais populosos e sobrecarregado de casas encostadas umas às outras e separadas por uma apertada rede de ruas. Entre nós, é este sítio conhecido por Horta da Mitra e abrangia todo o terreno que ia desde a antiga Rua de Pák-T'âu-Kâi (Rua Nova das Cabeças Brancas, isto é dos Parses), actualmente denominada de Rua Nova à Guia, até ao Ho-Lán-Un (Jardim dos Holandeses), ou seja o bairro Uó Lông, sendo limitado ao norte pela Calçada do Gaio, na altura por onde passava a muralha que noutros tempos cercava a antiga cidade. 
Todo este terreno foi outrora ocupado por uma extensa e densa mata e, como há trezentos anos a cidade era ainda pouco povoada, no intuito de se fomentar o seu desenvolvimento populacional, foi permitido a um grupo de imigrantes chineses de apelidos Mâk, Tch'iu e Leong estabelecerem-se ali. 
Este minúsculo núcleo inicial conseguiu transformar, com o tempo, o local numa aldeiazinha e os seus componentes viviam da venda de lenha que podavam na mata e cuja altas e frondosas árvores que a cercavam estavam sempre cobertas de pássaros que alegravam o bosquete com a sua chilreada, dando so sítio um aspecto de parque. Foi por esse motivo que os chineses deram ao local o nome de Tchèok-Tchâi-Un que quer dizer Jardim de Passarinhos".
Desde o ano de 1939 que ali está instalado o mercado Municipal da Horta e Mitra, mas que a eles todos se referem como o mercado do Tch`eok-Tchâi-Un. Nesta zona, na Rua da Praia do Manduco, fica o templo Fok Tak.

quinta-feira, 28 de março de 2019

"The Fan-Qui in China in 1836-7"

O título deste livro pode parecer estranho mas o autor, Charles Toogood Downing, explica o significado logo na introdução.  "The Fan-Qui in China in 1836/7" foi publicado em 1838 em Londres num total de 3 volumes e tem na capa a ilustração de uma sampana com a legenda "Macao Egg Boat".
"Many persons may be puzzled to understand the meaning of the word Fan Qui. Those who have been to China will comprehend it well enough as they must often have heard it applied to themselves. It literally signifies barbarian wanderer or outlandish demon but having been so long accustomed to the epithet and hearing it so often pronounced we are willing to hope that it is now used without intention to insult and may fairly translated Foreigner. This term of reproach therefore if such it still be expresses in China not only the English but all Europeans, Americans, Parsees, Arabs, Malays and the inhabitants of every other quarter of the globe excepting their own Celestial Empire.
The object of this work is to illustrate in an easy and popular manner the intercourse at present subsisting between these said Fan quis and the children of Hân To take the reader through the Bocca Tigris up to the Provincial City and to show him in a more minute and descriptive manner than has yet been done how matters really stand between them the manner of life of both how the trade is at present conducted and the prospects which exist of a more friendly alliance."
De seguida apresento alguns excertos da obra relativos a Macau - onde o autor, cirurgião, esteve - ficando hospedado no hotel denominado Marcwick Tavern, tido como único hotel inglês no território:
"Macao is first seen over a spit of land which forms the outer boundary of the harbour Before rounding this point you have a full view of the place which bears some resemblance to an amphitheatre and strikes the eye of the stranger as one of surprising beauty The country is broken into small hills which slope down almost to the water's edge. A handsome row of houses is built at the bottom of the small round bay with a parade in front of it embanked with stone against the encroachments of the sea. This is interrupted once or twice by granite quays with steps leading up to the top of the bank. Behind the terrace the houses are built upon the steep sides of the hill and as nearly the whole of them are seen at a little distance they appear jumbled together and placed one on the top of the other. The variety of architecture adds to the singularity as plain and simple gableends are mixed up with the tops of steeples and light and airy summer houses. Where the mass of buildings decreases to form the outskirts or suburbs of the town it is flanked on the right by a very handsome church and beyond that a fort on the top of the cliff. On the left rises a distinct and separate hill on the summit of which is a Portuguese nunnery while beneath it at the extreme end of the semicircle is placed a castle which protects the entrance of the inner harbour. (...) 
When the Canton merchants arrive at Macao the appearance of that place is completely altered. A gay and lively season ensues and is continued from that time until a return to the Provincial City is allowed. Those who have resided at the place at this part of the year say that the town is then highly attractive. The Carnival is held by the Portuguese with more than the usual sumptuousness of Catholic ceremonies and rice Christians a term which has very properly been applied to those natives who are converted only during such time as they are living upon the charitable donations of the priests flock in more than ordinary numbers to the churches. Balls routs and masquerades are also given by the gentry and public concerts are occasionally held. On one occasion as I am informed this little town was honoured with the presence of some eminent vocalists from Europe. (...)
Macao possesses very few things which can interest a stranger after the novelty of seeing so remote a place has worn off You are interested at first by walking up and down the narrow alleys where every thing and every body is different from what you have been accustomed to but you soon tire of that and find it impossile to extend the sphere of your amusements. The markets attract your attention with the great variety of fruits and vegetables exposed for sale for the Chinese are not surpassed by any nation in the cultivation of their gardens. There are no shops here as in Canton with those ingenious wonderful productions of minute art which belong almost exclusively to China and in the examination of which the greater part of the time is occupied by those who visit that place No theatre or exhibition of any kind is in the town at this time of the year so that you soon feel thrown upon your own resources for mental occupation. One thing worth seeing however is the menagerie or zoological garden as we should name it of Mr Beale not having seen it.
I can give no description but I was told that there were among other curiosities some Birds of Paradise alive. You may go all over the world before you may see them again except in their wild state in Sumatra and Borneo as they are perhaps the most delicate of the feathered creation .
Nota: Há uma versão em 2 volumes de 1838 com o título "The Stranger in China: Or, The Fan-qui's Visit to the Celestial Empire in 1836/7". Foi impressa em Filadélfia e é a primeira edição do livro nos EUA.

quarta-feira, 27 de março de 2019

Asylo dos Orphãos da Santa Casa da Misericórdia

A Santa Casa da Misericórdia de Macau celebra este ano 450 anos de existência. Foi fundada pelo primeiro Bispo de Macau, em 1569, seguindo o modelo de uma das organizações de caridade mais antigas de Portugal. Em Macau foi responsável pela criação do primeiro hospital de estilo ocidental (Misericórdia/S. Rafael) e de outras estruturas sociais de cuidados de saúde e apoio assistencial que que ainda hoje funcionam. Na sua génese tinha com um dos papéis principais prestar apoio a órfãos e viúvas de marinheiros perecidos no mar. Por volta de 1900 foi criado ao Asylo dos Orphãos. 
Excertos da Portaria nº 31 de 14 Abril 1900: Regulamento do Asylo dos Orphãos 
Postal do Collegio dos Orphãos na zona do Tap Seac
Década 1940 vendo-se à direita o "Gimnasio"
Posteriormente o edifício da zona do Tap Seac albergou o Liceu, os Serviços de Saúde (década 1980, imagem acima) e actualmente é a sede do Instituto Cultural da RAEM.


terça-feira, 26 de março de 2019

Isidoro Francisco Guimarães: primeiro e único Visconde da Praia Grande

Isidoro Francisco de Guimarães (1808-1883), primeiro e único Visconde da Praia Grande de Macau,) foi Governador de Macau entre 1851 e 1863, um dos mandatos mais longos de sempre. Esteve 12 anos sendo reconduzido no cargo três vezes. Durante o seu governo deu um impulso decisivo na legalização do jogo.
A 10 de Dezembro de 1862 foi agraciado com o título de Visconde da Praia Grande pelos relevantes serviços prestados ao território durante o seu governo.
Nas Efemérides da História de Macau de Luís G. Gomes pode ler-se:
19.11.1851: O Capitão-Tenente da Armada Isidoro Francisco Guimarães desembarcou às 15.00 horas sendo recebido pelo Governador cessante Francisco António Gonçalves e demais autoridades. Após a recepção, no Palácio do Governo, o Governador cessante dirigiu-se à Sé, para buscar o bastão que havia depositado aos pés de Nossa Senhora da Conceição, dirigindo-se, em seguida, ao Monte, seguido das autoridades. Após a entrega do bastão e das chaves da Fortaleza e troca de discursos, dirigiram-se os dois governadores para o Leal Senado, afim de o novo Governador assinar o auto da posse, findo o qual voltou à Sé, para depositar novamente o bastão aos pés da Nossa Senhora da Conceição. Isidoro Francisco Guimarães, durante os anos da sua inteligente e próspera governação, conseguiu restaura por completo o estado financeiro da província que, encontrando-se em 1852 deficitário, em 48.309 patacas, apresentou, em 1862, um saldo de 104.633 patacas.


30.01.1863: Partiu para a metrópole, ao cabo de catorze anos de residência em Macau e onze de governo, o Conselheiro Izidoro Francisco Guimarães. Ao tomar conta do Governo, encontrou a caixa pública exausta e com grandes dívidas aos servidores do estado, mal chegando para as despesas o subsídio da metrópole. O Conselheiro não impôs um único tributo. Fiscalizou unicamente com rigor os existentes, empregando a mais severa economia, conseguindo, em menos de três anos, não só pagar em dia mas dispensar o subsídio da metrópole, não obstante as despesas terem aumentado do ano para ano com as obras públicas e a força naval e com socorros de avultadas somas para outras províncias, deixou a caixa com um saldo de milhares de patacas. Introduziu notáveis melhoramentos na colónia despendendo para isso grandes quantias, como como o novo Palácio do Governo, aumento sobre o mar de quase toda a linha da Praia Grande, além da reconstrução do Bazar, depois do incêndio que o reduziu a cinzas, reconstrução do Bazar, depois do incêndio que o reduziu a cinzas, reconstrução que tornou aquela parte importante da cidade, não só maior, pelos acréscimos sobre o rio, como muito mais regular e elegante. Foi também ele quem concluiu, satisfatoriamente para Portugal, os tratados com o Sião, Japão e China, que trouxeram muita honra para Portugal, bem como idênticas vantagens alcançadas pelas outras nações estrangeiras.
Curiosidade: Existiu um navio denominado "Visconde da Praia Grande de Macau"; era um navio a vapor armado a iate e lançado ao mar em 1883.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Manuel Graça Dias: 1953-2019

Manuel Graça Dias, arquitecto que se iniciou profissionalmente em Macau, onde celebrou a“glória do vulgar”, faleceu este domingo em Portugal aos 66 anos.
Depois de se ter licenciado em 1977 pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, Graça Dias rumou até Macau no ano seguinte para se tornar colaborador do arquitecto Manuel Vicente, função que desempenhou até 1981. Durante esse período, trabalhou em alguns projectos residenciais, como é o caso das Torres da Barra.
Em declarações à TDM – Rádio Macau, o arquitecto Rui Leão considera que Manuel Graça Dias, como membro do chamado “grupo de Macau”, viria a ser o mais destacado intérprete do espírito iniciado por Manuel Vicente: “[Graça Dias] é uma das figuras mais importantes desse grupo de arquitectos. É aquele que levou para a frente de uma forma mais completa as posturas e maneira de estar num projecto de Manuel Vicente”.
A expressão “grupo de Macau” surgiu em 1991 pela pena de Pedro Vieira de Almeida, para designar uma “terceira via” além das escolas de Lisboa e do Porto na arquitectura portuguesa. Foi também em 1991 que, juntamente com Manuel Vicente e Helena Rezende, Manuel Graça Dias publicou “Macau Glória – a glória do vulgar”, um livro feito ainda no final da década de 1970. No prefácio, os três autores escrevem que “neste lugar de encontro português do extremo-oriente nada se produziu de notável, ao longo destes quatro séculos, a não ser a arquitectura”, que “nunca deixou de se mostrar, recolhendo das viagens, das constantes chegadas e partidas, a informação suficiente para robustecer uma cidade que só no começo deste século se começou a desfazer”.
Rui Leão recorda que “Macau Glória – a glória do vulgar” é uma celebração de uma Macau que já não existe: “Esse livro é uma jóia porque não se imaginava que Macau fosse desaparecer da maneira que desapareceu nos anos seguintes. Tem uma série de registos incríveis de arquitectura popular e recente, não só clássica. Tenta perceber a engenhosidade que havia na maneira de fazer arquitectura em Macau. O livro está cheio de fotografias do Manuel Graça Dias, mas também de desenhos que ele fazia em cima das fotografias. Ele desenhava lindamente. Acho que esse livro foi muito importante para ele, para o Manuel Vicente e para outros, porque, de alguma maneira, serviu como referência na própria arquitectura que depois se veio a fazer”.
Como arquitecto, Leão observa que Graça Dias “fazia muito esse exercício de tentar celebrar o vulgar, de fazer arquitectura a partir da observação da cidade, de como as pessoas viviam e faziam arquitectura, e, portanto, fazer não a partir do histórico ou do instituído. Acho que um dos fascínios grandes que a arquitectura dele tem vinha dessa frescura”. 
Manuel Graça Dias foi também um divulgador da arquitectura, deixando vários artigos de crítica em jornais e revistas da especialidade, bem como o autor de um programa sobre arquitectura na RTP2, “Ver Artes/Arquitetura”, entre 1992 e 1996. Foi, ainda, colaborador da rádio TSF e do semanário Expresso na área da crítica de arquitectura (2001/2006).
Manuel Graça Dias tem trabalhos construídos em Almada, Braga, Chaves, Guimarães, Lisboa, Porto, Vila Real, Macau, Madrid, Sevilha e Frankfurt. Em 1999, Graça Dias e Egas José Vieira ganharam o Prémio AICA/Ministério da Cultura de Arquitectura, pelo conjunto da sua obra construída. Em 2006, Manuel Graça Dias foi agraciado, pelo então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, com a Ordem do Infante D. Henrique (grau comendador).
Texto: Hugo Pinto/TDM Rádio

domingo, 24 de março de 2019

A casa de Wenceslau de Moraes

Em 1928, um ano antes de morrer, Wenceslau de Moraes escreve, a pedido de um amigo japonês, a sua biografia:
«Sou português. Nasci em Lisboa (capital do país) no dia 30 de Maio de 1854. Estudei o curso de marinha e dediquei-me a oficial da marinha de guerra. Em tal qualidade fiz numerosas viagens, visitando as costas de África, da Ásia, da América. Estive cerca de cinco anos na China, tendo ocasião de vir ao Japão a bordo de uma canhoneira de guerra e visitando Nagasaqui, Kobe e Yokohama. Em 1893,1894, 1895 e 1896, voltei ao Japão, por curtas demoras, ao serviço do Governo de Macau, onde eu então estava comissionado na capitania do porto de Macau. Em 1896, regressei a Macau, demorando-me por pouco tempo e voltando ao Japão (Kobe). Em 1899 fui nomeado cônsul de Portugal em Hiogo e Osaka, lugar que exerci até 1913. Em tal data, sentindo-me doente e julgando-me incapaz de exercer um cargo público, pedi ao Governo português a minha exoneração de oficial de marinha e de cônsul, que obtive, e retirei-me para a cidade de Tokushima, onde até agora me encontro, por me parecer lugar apropriado para descansar de uma carreira trabalhadora e com saúde pouco robusta. Devo acrescentar que, em Kobe e em Tokushima, escrevi, como mero passatempo, alguns livros sobre costumes japoneses, que foram benevolamente recebidos pelo público de Portugal.»
Lei Chi Ngok 李志岳 Li Zhiyue 1996.
Watercolour and pencil on paper

No livro "Traços do Extremo Oriente”, publicado em 1895, Wenceslau de Moraes escreve à sua irmã sobre a sua casa em Macau:
“(…) Compreendes, pois, o penoso trabalho a que me dei ao pôr pé na China, acompanhado de duas malas com roupa e dum caixote com livros, vendo-me por primeira vez nos complicados apuros de precisar dum abrigo em terra. Coragem! mãos à obra! A primeira preocupação era naturalmente a escolha da casa. Encontrei-a, comum, banal, como todas as casas de aluguer de todos os países; numa rua qualquer, ou antes num beco, com vizinhos à direita e à esquerda, e na frente também; não faltando olhares acessos em bisbilhotice, a entrarem sem cerimónia para dentro das minhas cinco janelas. Por fora é pobremente pintada a ocre amarelo, destacando as gelosias verde-salsa; por dentro uma demão de cal, duma alvura imaculada, cobre uniformemente as paredes dos aposentos, dando-lhes assim uns ares de mesquita árabe, que não deixam de seduzir-me. Os meus vizinhos fronteiros são chinas, graças a Deus. Sem o minimo ponto de contacto com o meu modo de ser, interessados dissemelhantemente na vida, pelos usos, pelos hábitos, pela língua, pelos afectos, pelas crendices, pouco os deve preocupar o que faz no seu albergue o vizinho europeu, o ‘fan-quai’, o diabo estrangeiro. E para mim – confesso-o aqui entre nós – proporciona-me o ensejo, esta boa gente chinesa, de em horas de fastio distrair-me em devassar-lhe a íntima existência; condenável egoísmo o meu, em que me pese dizê-lo….”. (...)
Em "A Minha Casa" escreve:

"Está tudo bem. Estes quadros japoneses, destacando das paredes muito brancas, trazem-me ao espírito uma agradável reminescência do maravilhoso país de Nipão, que há anos percorri com tanto interesse. Na estante, perfilam-se na melhor ordem os meus livros preferidos, os meus bons companheiros. Sobre a mesa ampla, uma verdadeira mesa de trabalho, espadanam folhas viçosas dum vaso de porcelana do Japão; a um canto, numa jarra, um ramo de flores frescas e perfumadas; o papel, as penas, o tinteiro, o tabaco, as bagatelas de uso habitual, agrupam-se, amontoam-se, numa desordem toda minha, convidando ao trabalho de espírito, na paz serena da solidão."
O primeiro tenente Venceslau de Morais chegou a Macau a 7 de Julho de 1888. Em 1890 foi nomeado um novo governador: Custódio Miguel Borja. Em 16 de Outubro desembarcou na Praia Grande. A 20 de Janeiro de 1891, Morais assumiu o comando interino da Estação Naval de Macau. Só exerceu o comando até Março. Terminada a comissão nos mares da China, a "Tejo", sob o comando de Morais, regressou ao reino de Portugal. 
De regresso a Macau, em 1891, Morais foi promovido a capitão-tenente e nomeado imediato do capitão do porto de Macau. Foi depois mandado reassumir as funções de delegado do Superintendente da Importação e Exportação do Ópio, em Macau. A 30 de Dezembro de 1893 foi promovido a capitão de fragata sendo exonerado a 3 de Fevereiro de 1894 e a 16 de Abril tomou posse do cargo de professor de Matemática Elementar do Liceu Nacional de Macau.
A 4 de Julho de 1897 Morais seguiu para o Japão na comitiva do governador de Macau, coronel Eduardo Galhardo. A missão foi recebida em Quioto pelo imperador Meiji. Regressou a Macau a 28 de Agosto do mesmo ano.
A 22 de Setembro de 1897 Morais foi nomeado para fazer parte do júri de exames de instrução secundária no liceu de Macau. A 8 de Junho de 1898 Morais foi exonerado de imediato da capitania de Macau, para ser nomeado encarregado da gerência interina do Consulado português de Kobe e Osaka. Nunca mais regressaria a Macau onde esteve entre 1888 e 1898.
Eis algumas das referências ao território nos textos que escreveu:
Carta de 20 de Maio de 1895: "Temos a peste em casa. Contam-se já centenas de vítimas entre os chineses, e bastantes entre os macaenses; os europeus têm sido até agora poupados. A enorme população do Bazar foge para diferentes pontos da China. Macau acha-se muito despovoada. Está feita a paz entre a China e o Japão."
No livro Traços do Extremo Oriente... sobre a Gruta de Camões:
"O jardim da Gruta de Camões é um dos sítios mais aprazíveis do nosso pequenino domínio no Extremo Oriente; ao prestígio da sua velha lenda reúne o encanto natural da posição culminante dos horizontes vastos, da vegetação vigorosa que aqui encontra asilo, aconchegada com as rochas contra a fúria inclemente dos tufões. (...) "Vê-se em baixo a cidade, a amálgama prodigiosa das negras casas chinesas, a linha serpeada das vielas; e chega-nos confuso o som de mil pregões dos bazares, o papear insólito dos garotos, o ruído dos tantãs e dos foguetes festivos."
Sobre um passeio com o seu cão:
"Há pouco, os caminhos brancos de luar, alcatifados pela sombra rendilhada do arvoredo, convidavam ao passeio. Agora não, estão lôbregos. A cidade repousa: são mais de dez horas, e em solo chinês a actividade exterior declina ao cair da noite. Dentro das habitações, portas fechadas, trabalha-se ainda porventura, ou bebe-se chá em íntimo convívio; e, nos cenáculos de prazer, os ricos fumam ópio, ou saboreiam repastos prodigiosos, enquanto que as raparigas, flores, nos cabelos e cingidas em sedas lhes cantarolam trovas, ou lhes enviam sopros capitosos ao doce arfar das suas ventarolas. Ao longe ressoavam os tantãs."
Carta de 1905 ao seu amigo e condiscípulo da Escola Naval, José Godinho de Campos:
"Vão-me aparecendo ganas de largar este poiso. Mas, largando-o, é a reforma e a modorra, não provavelmente no Reino, mas talvez em Macau, onde os fados me chamam. Ora, custa-me a decidir-me por este sepulcro antecipado; bem mais valeria que o diabo me levasse daqui; mas vaso ruim não quebra, e posto que fraco, não morro... Se me reformar... Para Macau é que conto ir viver. Em que havia de dar o 'Loti português'!..."

sábado, 23 de março de 2019

Greve dos "conductores dos carros jinrickshas" em 1895

Até à vulgarização do automóvel em meados do século XX, os transportes em Macau eram feitos por carruagens puxadas a cavalo, cadeirinhas e riquexós ou jerinxás. As cadeirinhas eram uma espécie de liteiras, carregadas por dois ou mais homens. No caso das cadeirinhas enquanto a esmagadora maioria tinha de recorrer ao aluguer, os mais abastados tinham a sua cadeirinha particular. Para se perceber o quanto se vulgarizaram refira-se que logo em 1872 se encontravam na “praça” cadeirinhas para alugar sendo mesmo publicadas no Boletim Official a tabela de preços a praticar entre outras regras no âmbito do Código de Posturas do Leal Senado da Câmara de Macau (21 Novembro 1871 e revisão em 11 de Maio 1872). A partir de 1900 as cadeirinhas foram sendo progressivamente substituídas pelos riquexós.
O primeiro regulamento deste meio de transporte data de 1883, tendo sido alterado em 1888. Incluía questões relacionadas com a sinalização, estacionamento, circulação e preços do respectivo aluguer. 
Jerinxás juntos aos Correios na Praia Grande ca. 1900
Como forma de regularizar este sistema de transporte o governo optou pela concessão em regime de monopólio o que se veio a revelar-se uma má opção a ponto de terem surgido nos últimos anos do século 19 várias greves. 
Notícia do jornal Echo de Macau de 3 de Janeiro de 1895:

"Estão em greve os conductores dos carros jinrickshas [riquexós]. É a segunda vez que isto acontece. Já estava previsto que o regime de monopolio traria por repetidas vezes estas semsaborias. O monopolista não pode explorar o publico, porque não pode alterar a tabella dos preços, visto que se obrigou por contrato a respeitá-la. Resta-lhe portanto explorar o trabalho insano dos pobres conductores. Augmentou o aluguel dos carros, exigindo dos conductores 17 avos por dia em logar de 15, além de urna pataca de deposito para garantia do mesmo aluguel. Reagindo contra esta exigencia, os conductores fizeram greve, que dura ha dois dias, causando serios inconvenientes ao publico. Quem cederá? É de crér que o monopolista terá de ceder, porque o contracto de monopolio, se não nos falha a memoria, obriga-o a pôr em circulação um certo numero de carros, sob pena de rescisão do contracto. [...] N’estas circunstancias, o único expediente que resta ao monopolista, para salvar a situação, é importar conductores para substituir os actuais, o que traz sérios inconvenientes, porque é de crer que os antigos conductores, acossados pela fome, sejam impelidos a cometer desatinos."

Para tentar revolver o problema, surgiu a hipótese de municipalizar este serviço. Uma ideia reflectida na imprensa local.Veja-se por exemplo o artigo publicado no jornal a A Verdade, de 15.6.1909 com o título: "Municipalização do serviço dos carros jinrickshas":

Sob o titulo neologico, aventa a Vida Nova a ideia de municipalizar o serviço dos jinrickhas, isto é, ficar o Leal Senado com o exclusivo dos serviços de transporte, ou, falando mais tecnicamente, da recovagem, assumindo esta corporação os direitos e deveres de recoveiro."

sexta-feira, 22 de março de 2019

Escolas para "meninas" na segunda metade do século 19


1862: Escola de Meninas dirigida por "mestras francesas", irmãs do Instituto de S. Paulo

1872: escola de instrucção primária para o sexo feminino

quinta-feira, 21 de março de 2019

Da Varanda de Santa Sancha

O brigadeiro António Adriano Lopes dos Santos (1919-2019) tomou posse como Governador em Abril de 1962 e terminou funções em 1966. Em 1991 deu a conhecer algumas memórias do seu mandato numa crónica intitulada "Da Varanda de Santa Sancha*: Memórias do Ex-Governador António Adriano Faria Lopes dos Santos", publicada na Revista de Cultura, nº 16, (Outubro/Dezembro de 1991) e da qual recupero aqui alguns excertos:
* referência à residência dos governadores de Macau
(...) Convidado em Nampula, em Outubro de 1961 (governava então o distrito de Moçambique), para Governador de Macau pelo Professor Dr. Adriano Moreira, aceitei o cargo com a prévia condição de ser simultaneamente nomeado Comandante-Chefe das Forças Armadas de Macau, isto por duas razões que na altura reputava fundamentais:
- Não desejar abandonar a carreira militar, da qual já estava afastado havia quase 3 anos;
- Desejar minimizar possíveis atritos, muito em voga na época, levantados entre o Comando Militar e o Governo, o que ficava eliminado à partida colocando o Comandante Militar na dependência hierárquica do Comandante-Chefe e Governador.
Só que o Comandante Militar era na altura coronel, aliás militar distintíssimo, o coronel de Art. ª Eduardo Bessa, e o Governador era tenente-coronel! Assim, e pela primeira vez na história das Forças Armadas Portuguesas, foi nomeado, pelo Governo de Salazar, Comandante-Chefe de Macau, com prerrogativas definidas na Carta de Comando, um tenente-coronel, tendo como subordinados um coronel, Comandante Militar, e um Capitão de Fragata, Comandante Naval. Tudo correu depois sem quaisquer atritos, dadas as excelentes relações pessoais mantidas com ambos aqueles comandantes. Não deixou, contudo, de ser uma situação singular, fora dos mais elementares princípios da hierarquia militar. Tudo se teria resolvido, sem qualquer aumento de encargos, pois as funções de Comandante-Chefe não eram remuneradas, através da graduação no posto imediato. Mas, inexplicavelmente, não o quiseram fazer. (...)
A primeira vez que fomos recebido pelo Dr. Salazar, em Abril de 1962, pouco depois de tomar posse do cargo de Governador, deparámos na então muito modesta e austera residência do Presidente do Conselho de Ministros, em S. Bento, com maquetas de bairros implantados num simulacro de urbanização, pretensamente destinados a alojar em Macau, talvez milhares de refugiados. Tal ideia era da iniciativa de D. Fernanda Jardim, representante em Portugal da Caritas e pessoa com acesso - que diziam relativamente fácil - ao Dr. Salazar.
Ao passar pelas maquetas perguntou-me: já viu isto? Respondi afirmativamente, insistindo ele a seguir: e que acha? -Não me parecem adaptadas nem adequadas para refugiados chineses, atenta a sua forma de viver muito especial e o seu baixo nível de vida. Respondeu com o silêncio habitual que o caracterizava, pois se sabia que gostava muito mais de ouvir do que de falar.
Escusado será dizer que as maquetes, apesar de enviadas para Macau, não foram executadas, nem os projectos constituíram encargo de Macau, como aquela senhora pretendia, alegando ter o Dr. Salazar aprovado a sua execução...! (...)
Já em 1958, o Governador de Macau, Comandante Correia de Barros, antigo aviador naval, com comissão de serviço prestada em Macau, havia proposto ao Ministério do Ultramar a execução dum aeródromo nos terrenos do Porto Exterior, incluindo o Projecto no Plano Intercalar de Fomento 1959/62, elaborado a seu pedido, pelo signatário, então chefe do Estado-Maior da Guarnição, na sua qualidade de engenheiro, e com a concordância do então Comandante Militar. (...)
De regresso duma missão oficial a Timor, passou por Macau, em 1966, o professor Edgar Cardoso, figura então já sobejamente conhecida e altamente prestigiada, em Portugal e no estrangeiro, pelos seus projectos, tidos como revolucionários, no domínio das pontes. (...) Perguntou se não estava nos planos do Governo ligar Macau à Taipa, ao que a resposta foi de imediato afirmativa, só que a falta de verbas disponíveis não havia ainda permitido a sua inscrição no Plano de Fomento em execução, mas que tal teria lugar no Plano seguinte, uma vez construída a ligação Taipa-Coloane. Imediatamente se ofereceu para fazer o primeiro estudo da ponte Macau-Taipa, por um preço simbólico, apenas suficiente para dar cobertura às despesas.
No dia seguinte propôs-se ao Governador fazer o estudo por 300 contos, o que levou o Governador a transmitir a respectiva proposta ao Ministro do Ultramar. Assim se concretizou o primeiro passo para uma obra a todos os títulos notável para o progresso e desenvolvimento de Macau e das Ilhas. Mas a ponte só foi possível graças à grande dedicação e tenacidade do Governador Nobre de Carvalho, que soube vencer todas as dificuldades e contratempos, vendo o seu trabalho coroado com a inauguração em fins de 1974, no termo do seu mandato. (...)


A posição geográfica de Macau, território encravado na China Continental, envolvido por águas chinesas, praticamente sem recursos naturais, aconselhava, por parte do Governador de Macau, a manter os desejos de boa vizinhança com a China Continental. (...)
Desejo apenas salientar as dificuldades que o governo enfrentava na década de sessenta. Ver-bas largamente insuficientes, com o orçamento, em 1966, a rondar os 50 milhões de patacas, o que em pouco ultrapassava os 8 milhões de dólares norte-americanos. Valor aproximado tinha então o orçamento do Plano de Fomento o que, no total, significava uma disponibilidade anual, para o governo e serviços autónomos, da ordem dos 500 mil contos; números que, em valor acrescentado, não têm paralelo com os orçamentos actuais. De resto, também não são comparáveis com as de hoje as estruturas dos departamentos públicos e empresas privadas da altura, e consequente capacidade de produção e de realização.
Bastará lembrar que, ainda em 1966, o governo de Macau era constituído pelo Governador, com um chefe de gabinete, um secretário e um ajudante de campo, apoiado pelos serviços públicos encabeçados por chefes de serviço.
Durante o meu governo as soluções tinham de ser pensadas e repensadas, sobretudo quando os problemas eram de natureza política em relação à RPC, ou afectos a organizações ou a pessoas a ela ligadas. Para isso contribuía a não existência de relações diplomáticas com a RPC e também a presença em Macau, até Abril de 1965, da Delegacia Especial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Formosa, de que falaremos adiante.
Aliás, Macau foi sempre, ao longo de mais de quatro séculos de presença portuguesa, um território, embora minúsculo, muito difícil de governar, um quebra-cabeças quase permanente para os capitães-generais e, depois, para os Governadores. Apesar de tudo, nunca a bandeira portuguesa deixou de flutuar nos mastros da "cidade do Nome de Deus, não há outra mais leal". 
Considerámos sempre fundamental aumentar a presença de elementos qualificados, naturais de Macau, em lugares de importância da Administração, como entendemos ser indispensável a colaboração de figuras de relêvo locais, portugueses, alguns naturais de Macau, e da comunidade chinesa. Foram muitos, e é justo salientar que se obteve sempre a melhor colaboração de todos.
Assim, eram com frequência ouvidas - quanto a assuntos com previsíveis implicações políticas, ou quanto a outros que chegavam ao governador já com problemas criados, alguns ridículos na aparência, mas reais frente a interesses chineses.
Destes citarei, sem ir mais longe, os das hortas da Ilha Verde e dos Aterros do Porto Exterior, terrenos com frequentes interesses para construção ou para arruamentos. O Conselho do Governo, presidido pelo Governador e com reuniões reservadas, era também ouvido com frequência. Não vou citar nomes para evitar melindres. 
 A tranquilidade do território significava, para o governo, condição "sine qua non" do seu desenvolvimento. Na verdade, procurava-se, através do aumento e melhoria das actividades industriais, fomentar o progresso do território, pois não podia apoiar-se essencialmente, como sucedia, nas receitas da concessão do ouro, então a maior, e da concessão do jogo. Daí que a matriz determinante da acção govemativa fosse o factor político relativamente, claro está, à R. P. C.. Como consequência, tinha especial interesse para o Governo estreitar as relações com algumas entidades chinesas de Macau.
Ho Yin, como presidente da Associação Comercial e deputado à Assembleia Nacional Popular em Pequim, como representante dos chineses de Macau, era o mais saliente dirigente da comunidade chinesa de Macau, já comprovado amigo dos portugueses e, do antecedente, membro do Conselho Legislativo.
Sem dúvida homem notável e esclarecido, mostrou-se sempre disponível e pronto a colaborar com o Governador na resolução de casos "difíceis" com implicações políticas locais ou externas em relação à RPC. De notar que este conceito tinha, em Macau, um significado mais lato que o usual. Por vezes pequenas questões afectas à administração portuguesa, serviços públicos, departamentos militares ou Leal Senado, envolvendo população ou interesses chineses, avolumavam-se, sobretudo quando intervinha a Associação dos Operários, na pretensa defesa dos interesses dos associados. Mas, e não só, outras figuras de relêvo da comunidade chinesa, como Ma Man Kei, vice-presidente da Associação Comercial, Chui Tak Kei, vogal da Comissão Administrativa do Leal Senado, Roque Choi, procuravam defender os interesses de Macau, perante o Governo.
De salientar que pouco tempo após a minha chegada a Macau, logo a seguir à ocorrência do incidente em que foram recolhidos nos limites das nossas águas, por uma vedeta da Polícia Marítima e Fiscal, alguns fugitivos da RPC, perseguidos por uma vedeta chinesa, em conversa com Ho Yin concluí pela grande vantagem em iniciar contactos com o Sr. Ho Ping, efectivo representante da RPC em Macau e gerente da firma Nam Kwong, verdadeiro entreposto comercial da RPC em Macau. Os contactos passaram a realizar-se, mas com carácter reservado e na residência de Santa Sancha.
Considerei-os sempre da maior utilidade, durante cerca de três anos, mantendo nós as melhores relações pessoais, embora não oficiais, como é óbvio, com pleno conhecimento do Ministro do Ultramar e do Dr. Salazar. Aliás o Sr. Ho Ping só contactava o Governador em casos considerados graves, principalmente relacionados com actividades da Delegacia da Formosa, ou quando recebia indicações do Governo de Cantão, geralmente através de cartas, escritas em cantonense, de que era portador, já traduzidas em português, sempre dirigidas ao "Sr. António Lopes dos Santos", pelo chefe do Departamento de Negócios Estrangeiros do Governo de Cantão.
Durante o meu governo três problemas eram levantados com relativa frequência por aquelas autoridades e transmitidos por cartas que normalmente o Sr. Ho Ping ou o Sr. Ho Yin, me entregavam, sempre acompanhados por Roque Choi que as explicava em Português:
- A exigência da entrega às autoridades da RPC dos sete fugitivos atrás indicados, afirmando serem espiões com crimes praticados antes da fuga, reclamação que nunca foi atendida, alegando o governo de Macau o direito de asilo político, mantendo-os o governo presos, para evitar piores implicações com a RPC;
- O aluguer, afirmavam aquelas autoridades, da emissora de radiodifusão oficial de Macau aos americanos, sob a capa de uma sociedade comercial, constituída no território. O governo de Macau estudou profundamente o assunto e a natureza da Sociedade a quem a direcção da Emissora tinha alugado as horas de emissão, por contrato, tendo o governador, ouvido o consultor jurídico, decidido considerar aquele contrato nulo e de nenhum efeito e suspender o aluguer, o que motivou um recurso daquela empresa para o Conselho Superior Ultramarino ao qual foi negado provimento, o que fez morrer o assunto;
- As actividades da Delegacia do Governo da Formosa em Macau, consideradas pela RPC atentatórias da sua soberania e criminosas. Na verdade, provou-se que aquela Delegacia apoiava, se é que não dirigia, actividades clandestinas contra a RPC. Mais do que um posto diplomático era um centro de actividades clandestinas e de espionagem. Assim, por determinação do governo central através do Ministério do Ultramar, foi aprovada a proposta do Governo de Macau e encerrada aquela Delegacia em Abril de 1965, após várias e infrutíferas tentativas em contrário do Governo da Formosa.
Refira-se, por curiosidade, que os E.U.A., da sua equipa diplomática sediada em Hong Kong, dispunham de nada mais nada menos do que de sete cônsules acreditados em Macau, cada um deles com o seu "pelouro" específico. Macau era, nessa altura de difíceis relações entre os E. U. A. e a China, uma excelente porta de entrada. (...)

Gov. Lopes dos Santos no aeroporto de Lisboa de regresso a Macau: 10.5.1965

De seguida reproduzo um depoimento de Garcia Leandro publicado no jornal Ponto Final, também ele ex-governador de Macau (1974-1979), sobre o mandato de Lopes dos Santos:

“Governou Macau em época politicamente difícil para Portugal e para a China, a que se adicionaram também problemas financeiros locais, tendo criado um excelente relacionamento com as comunidades locais e com os representantes da R. P. da China. Deste período ressalta como decisão fundamental o ter alargado para 25 anos a concessão do jogo à STDM, com revisões possíveis em cada cinco anos.” (...) 
Embora o contrato com a STDM tivesse representado um grande salto qualitativo dado pelo antecessor de Lopes dos Santos - Jaime Silvério Marques - em 1961, a fixação de um limite de apenas cinco anos não permitia exigir àquela Sociedade um plano de grandes investimentos de médio e longo prazo. “Com a alteração de Lopes dos Santos tal tornou-se possível, situação de que ainda vim a beneficiar com a primeira grande revisão do contrato dos jogos com a STDM assinado em Abril de 1976, em que a posição do Governo saiu muito reforçada, não só nas receitas que aumentaram muito, mas também noutras condições como as relacionadas com a fiscalização e respectivos controlos. Foi um processo muito difícil e tenso, tendo o futuro vindo a provar a justeza das exigências do Governo; veio a verificar-se que a SDTM poderia pagar muito mais, o que posteriormente se concretizou. E uma árvore para crescer precisa sempre de uma semente; o bem-estar e os créditos que Macau passou a receber e que têm vindo sempre em crescendo têm a sua origem nestas sementes lançadas há mais de quarenta anos”.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Eliza Ruhamah Scidmore (1856–1928)

Nascida no Iowa (EUA), Eliza Scidmore (1856-1928) foi a primeira redactora oficial da revista National Geographic. Foi igualmente fotógrafa e chegou a pertencer à administração da NG.
Em 1876, com 19 anos, foi enviada para relatar a Exposição Internacional do Centenário em Filadélfia pelo “National Republican”, tornando-se uma das primeiras mulheres jornalistas do país. 
Aventureira, empreendeu uma viagem até ao então inexplorado Alaska e foi ainda ao Japão, muito desconhecido no ocidente. Em 1890 tornou-se membro da National Geographic Society (criada em 1888). Um conselho composto apenas por homens elegeu-a como “correspondente da administração”. Quando o presidente da NGS lhe pediu opinião sobre a revista ela respondeu que “precisava de um abanão.” Em 1909 pediu ao editor da NG para imprimir as suas fotografias de templos chineses a cores. A série de 11 imagens foi publicada em 1914 e Eliza recebeu 450 dólares, o valor mais alto pago pela revista até então.
Eliza Scidmore continuou a colaborar com a NGS enquanto atravessava a Ásia. Após a Primeira Grande Guerra, mudou-se para Genebra para fazer a cobertura noticiosa da recém-criada Liga das Nações.
Morreu em 1928 e foi sepultada no Japão. Todos os anos, na Primavera, a cidade de Washington celebra o seu legado. Depois da sua primeira visita ao Japão, em 1885, Eliza Scidmore passou três décadas a sensibilizar as autoridades locais para que se plantassem cerejeiras na cidade. Actualmente, as fugazes flores das cerejeiras atraem a esse local mais de 1,5 milhões de visitantes todos os anos.
Eliza Ruhamah Scidmore (1856–1928) was an American writer, photographer, journalist and geographer, who became the first female board member of the National Geographic Society. Scidmore was born in 1856 in Clinton, Iowa. Her interest in travel was aided by her brother, George Hawthorne Scidmore, a career diplomat who served in the Far East from 1884 to 1922. Eliza was often able to accompany her brother on assignments and his diplomatic position gave her entree into regions inaccessible to ordinary travelers. Her career as a travel writer began in 1883 during a trip to Alaska which she documented in her first book, Alaska, Its Southern Coast and the Sitkan Archipelago (published 1885).
It was on their return to Washington, D.C. in 1885 that Eliza had her famous idea of planting Japanese cherry trees in the capital. She joined the National Geographic Society in 1890, soon after its founding, and became a regular correspondent and later the Society's first female trustee. 
Though Scidmore contributed articles to many popular magazines, she was most active for National Geographic (between 1893 and 1914). Scidmore promoted intercultural understanding and cooperation and particularly encouraged the relationship between America and Japan, where her brother served as a Consul General in Yokohama. She was decorated by the Japanese emperor for her sympathetic reporting of Japanʹs treatment of prisoners of war during the Russo-Japanese War.
She died in Geneva, Switzerland on November 3, 1928, at the age of 72. Her grave is at the Yokohama Foreign Cemetery, Yokohama, Japan next to the graves of her mother and brother.
Books/Livros:
Alaska, Its Southern Coast and the Sitkan Archipelago (1885); Jinrikisha Days in Japan (1891); Westward to the Far East (1892); Java, the Garden of the East (1897); China, the Long-Lived Empire (1900); Winter India (1903); As the Hague Ordains (1907). 
As cerca de uma dezena de fotografias de Macau da autoria de Eliza Scidmore foram registadas, segundo as notas da própria autora, em 1896. Aqui ficam alguns exemplos. Em cima uma fotografia com a legenda "Approach of Macao".
The barrier gate - limit of the portuguese territory, Macao (Porta do Cerco)
Old fort from Boa Vista hotel (Forte do Bom Parto)

terça-feira, 19 de março de 2019

Façade du Grand Temple a Macao

No livro "Monuments de tous les peuples: décrits et dessinés d'après les documents les plus modernes" escrito por Ernest Breton (1812-1875) em 1846 encontra-se uma ilustração do templo de A-Ma com a legenda: "Façade du grand temple à Macao". O livro teve várias edições, incluindo em várias línguas e as ilustrações também surgiram ora a preto e branco ora coloridas. Seguem-se alguns excertos relativos a Macau.
Para além do texto, François Pierre Hippolyte Ernest Breton, que foi ainda arqueólogo, assina também a autoria das ilustrações.
"Le grand temple de Macao est un des plus élégants édifices de l'empire; mais aussi il n'en est point dont aspect soit moins approprié à sa destination. Ses portiques gracieux et coquetes semblent bien plutôt former l'entrée d'un lieu destiné au plaisir que donner accès à un sanctuaire consacré à la prière."
"O grande templo de Macau é um dos mais elegantes edifícios do império; mas é também aquela cujo aspecto parece ser o menos apropriado ao seu destino. Seus pórticos graciosos e coquetes parecem formar a entrada de um lugar mais destinado ao prazer do que a dar acesso a um santuário dedicado à oração."
"Outre ces grandes places fortes le sol de la Chine et surtout les côtes et les bords des rivières sont couverts de forts comme celui qui défend l entrée du Tigre ou celui qui s élève à plus de trente mètres au milieu de la ville de Fou yang fou ou de fortins isolés construits exactement sur le modèle des tours qui flanquent leurs murailles. Ces fortins ont quatorze à quinze mètres de hauteur on y entre par une voûte pratiquée à une certaine élévation au dessusdu niveau du sol et qui par conséquent n est accessible qu au moyen d une échelle que la garnison a soin de retirer après elle. Ces tours carrées ont deux étages sont crénelées et défendues par quelques pièces de canon mais leurs murailles n ont guère que trente trois centimètres d'épaisseur et ne pourraient résister un seul instant à l'artillerie européenne. Je ne ferai qu indiquer en terminant les forts de Nossa Senora de la Guia, de San Francisco, de la Peina et autres qui défendent Macao ils sont l'ouvrage des Portugais et comme tels ne doivent point attirer ici notre attention."

segunda-feira, 18 de março de 2019

Fortalezas Extramuros, Baluartes e Fortins


Na edição da revista Macau de Janeiro de 1999 Beatriz Basto da Silva assina o artigo intitulado “Fortalezas Extramuros, Baluartes e Fortins”. Segue-se um excerto sobre o Fortim de São Pedro - em cima numa imagem da década 1930, pouco antes da demolição:
"A meio da Baía da Praia Grande, coadjuvando com as suas operações os Fortes de S. Francisco (a Norte) e do Bom Parto (a Sul), encontrava-se quase rasante e de atalaia ao Porto Exterior este fortim de pequenas dimensões.
Aparece referido em variadas plantas e gravuras antigas de Macau mas nada dele resta, coincidindo o local onde existiu com uma pequena praça onde se levanta hoje a estátua em memória de Jorge Álvares, o primeiro português a chegar à costa da China.
As referências escritas - entre elas a do cronista António Bocarro - permitem-nos datá-lo de 1622 e, em 1775, ainda se conservava a primitiva planta triangular.
A tarefa de assegurar a defesa da ampla baía foi substituída, com o tempo e o modo, pelo uso em casos de pompa e circunstância, quando se impunha saudar com salvas de artilharia a chegada de navios amigos, de novos governadores, de visitantes ilustres ou então nascimentos insignes, enlaces reais e outros acontecimentos de excepção.
Essa finalidade era, todavia, perigosa para a segurança dos edifícios próximos, entre eles a antiga residência do Governo, que teve de ser demolida por causa dos estragos da trepidação a que se juntava a inclemência dos tufões. Em 1934 o que restava do velho fortim foi arrasado quando se traçou um novo arranjo e aproveitamento da Baía da Praia Grande."
Localização do Fortim de S. Pedro na Baía da Praia Grande

domingo, 17 de março de 2019

El Pabellón de Macau

Por estes dias, há 90 anos, ultimavam-se as obras relativas à participação de Macau na Exposição Ibero-Americana de Sevilha, 1929.
Em cima excerto do Guia Oficial da exposição onde se destaca a representação de Macau com um "pavilhão especial" cuja "instalação e decoração oferecem um espectáculo curioso e atraente". No pavilhão de Macau, com uma área de 200 metros quadrados (outras fontes referem perto de 350) e localizado frente ao Pavilhão de Portugal na avenida com o mesmo nome estiveram expostos artigos de "mais de 100 espécies diferentes alguns dos quais verdadeiramente exóticos.
Em baixo retirado do Catálogo Oficial da Exposição Portuguesa em Sevilha. 
O Pavilhão de Macau foi idealizado pelos arquitectos Guilherme e Carlos Rebello
Sugestão de leitura:
"Macau A Mais Antiga Colónia Europeia no Extremo Oriente".
Macau: Escola Tipográfica do Orfanato, 1929. 151 pág.
Monografia histórica escrita por ocasião da Exposição Portuguesa em Sevilha.

Entrada do pavilhão e anúncios da O. C. Moosa no catálogo da Representação de Macau