terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

"Porto do Nome de Deos da China"

Numa carta do padre Manoel Teixeira enviada de Macau para a Europa em Dezembro de 1565 pode ler-se "Porto do Nome de Deus" na China. O rei D. Sebastião, numa carta sobre a "conversão da China" que envia ao Bispo D. Belchior Carneiro em 1569 escreve:
"Reverendo Bispo amigo, Eu el Rey vos envio muito saudar Vi vossa carta feyta no porto do Nome de Deos da China em Novembro de mil quinhentos sessenta & nove agradeço vos muito o que tendes feyto nessas partes para reformação dos costumes dos Portuguezes & exemplo dos Chins & tudo he conforme a confiança que de vós tenho (...)" 
De António Bocarro, 1636

Macau seria renomeada Cidade do Porto do Nome de Deus de Macau na China na bula Super Specula Militantis Ecclesiae de 23 de Janeiro de 1576 em que o Papa Gregório XIII a erige em diocese, a mais distante de Roma, recebendo por isso o epíteto de Roma do Extremo Oriente (Goa era a Roma do Oriente) ou "Mãe das Missões da Ásia", segundo Monsenhor Manuel Teixeira. A jurisdição religiosa de Macau abrangia a China, Tartária, Tonquim, Japão, Coreia e ilhas adjacentes.
Em 1586 D. Duarte de Meneses, vice-rei da índia, conferiu ao território a categoria de cidade com o nome de "Cidade do Nome de Deus do Porto de Macau na China".
Numa edição de 1888 do Chinese Recorder and Missionary Journal pode ler-se que no ano de 1583 "Portuguese gave name of Porto de nome de Deos to Macao and Porto de Amacao. The etymology of Macao from its earliest name, Ama ngao, port of Ama, the Goddess of the ancient temple near the Bar fort. Later it was also called Cidade do nome de Deos do Porto de Macao, at present called Cidade do Santo nome de Deos de Macao. Mandarins call it Gaou mun (provincial aou mun) and city "Gaou king". Found in books as Gau kan, Ghao kim and Gau min."

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

"Topographia Macaense"

Joaquim Heliodoro Callado Crespo*, ex-cônsul de Portugal em Cantão, publica em 1902 no Ta-ssi-yang-kuo: archivos e annaes do Extremo-Oriente portuguez um artigo sobre a "Topographia Macaense".
* é o autor de "Cousas da China: costumes e crenças" publicado em Lisboa pela Imprensa Nacional em 1898 e "A China em 1900", publicado também em Lisboa no ano de 1902.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

" Nouvelle Relation de la Chine"

Nouvelle Relation de la Chine, contenant la description des particularitez les plus considerables de ce grand Empire. Composée en l'année 1668. Par le R. P. Gabriel de Magaillans, de la Compagnie de Jesus, Missionaire Apostolique. Et traduit du Portugais en François par le Sr B., Paris, 1688.
Este é um dos relatos europeus mais importantes sobre a China na segunda metade do século XVII. Gabriel de Magalhães foi um jesuíta português que, depois de passar seis anos em Goa, passou por Macau em viagem para a China para trabalhar com o imperador Kangxi (ver em baixo o elogio ao padre, quando morreu, feito pelo imperador). Mais tarde, fundou a Igreja de S. José em Pequim. Neste trabalho documentou a história, costumes e língua do povo chinês. Esta é a primeira edição, traduzida do original português para o francês. Seria posteriormente traduzida para o inglês e outras línguas.
O título original é: "Nova relação da China: contendo a descrição das particularidades mais notáveis deste grande império" pelo Padre Gabriel de Magalhães". Luís Gonzaga Gomes fez uma tradução da versão francesa que foi editada em Macau em 1957. Teve uma reedição em 1997.
Excerto da Bibliotheca Lusitana, vol. II sobre o padre Gabriel de Magalhães (1609-1677):
Naceo na Villa de Pedrogaõ distante quatorze legoas da Villa do Crato em o anno 1609. de Pays igualmente nobres, e piedosos chamados Manoel Calvo de Magalhaens, e Maria de Andrade. Foy educado por hum seu Tio Conego com taõ virtuosos documentos, que havendo estudado os primeiros rudimentos de Gramatica com os Padre Jesuitas se afeiçoou tanto ao seu instituto que foy a elle admetido em o Noviciado de Lisboa a 24. De Março de 1624 quando contava quinze annos de idade. Acabada a carreira dos estudos Escolast icos pedio com repetidas instancias a Superiores faculdade para promulgar o Evangelho no Oriente, e tanto que a alcançou partio sem demora para Goa onde chegando no anno de 1634. Depois de dictar Rethorica aos seus domesticos passou a Macao a ler Filosofia de cuja laboriosa incumbencia o divertio hum Madarim Portuguez que o levou à Cidade Hamcheu Capital da Provincia Chekiam onde assistia o ViceProvincial o qual tendo recebido noticia de estar gravemente infermo o P. Luiz Buglio de naçaõ Siciliano assistente na Provincia de Sûchùem para nella fundar huma Missaõ, se ofereceo o P. Magalhaens para seu Companheiros naõ lhe servindo de obstaculo a larga jornada de quatro mezes até chegar a Sûchúen. 
Horriveis foraõ as perseguiçoens, e cruelissimos os tormentos, que constantemente tolerou este Operario Evangelico maquinadas pela malicia dos Bonzos concitando muitas vezes ao povo contra a sua pessoa e delatando-o aos Tribunaes como pertubador da paz publica, sendo condenado a hum tenebrozo carcere por espaço de quatro mezes onde jazia oprimido com tres Cadeyas no pescoso, tres nas mãos, e tres nos pés, e algumas vezes era açoutado rigorosamente naõ podendo tantas tribulaçoens emtibiar o ardor da sua Charidade assim na conversaõ, como no bautismo de muitos Gentios. Na Corte de Pekim foy muito aceito ao Emperador da China cujo afecto conciliou com a offerta de algumas peças engenhosamente fabricadas por suas maõs. Tres annos antes da sua morte padeceo penetrantes dores cauzadas do pezo dos grilhoens cuja molestia se augmentou com hum grave difluxo que lhe difficultava a respiraçaõ. Conhecendo ser chegado o termo de serem premiados os seus Apostolicos trabalhos se confessou geralmente, e recebendo os Sacramentos na presença de muitos Padres, e Christaõs morreo placidamente na Corte de Pekim a 6. de Mayo de 1677 quando contava 66. annos de idade, e 43. de Religiaõ. 
Ao dia seguinte foy o vice Provincial o Padre Fernando Verbiest certificar ao Emperador da morte do P. Magalhaens para cujo enterro mandou logo outocentos Francos, e dez pessas de Damasco o qual foy disposto pela ordem seguinte. Precediaõ a toda a comitiva vinte quatro trombetas, e outros instrumentos com dez Officiaes que levavaõ em humas taboas escritas pelos Mandarins a cominaçaõ do castigo daquelles que naõ dessem lugar para a passagem do Funeral. Seguiase huma Liteira em que hia escrito em Setim amarello o Elogio que o Emperador mandou fazer ao Padre defunto que constava destas palavras: 
'Agora entendo que Nghaen ven sú (era o nome que na China se dava ao Padre) he morto da doença. Façolhe esta escritura em rezaõ de que em tempo de meu Pay primeiro Emperador da nossa Familia, este Padre com suas obras engenhosas acertou com o genio, e gosto do dito meu Pay, e tambem porque depois de estar inventadas, teve cuidado de as conservar com huma deligencia extrema, e sobre suas forças; e muito mais em rezaõ de que viera de taõ longe, e alem do mar por viver como viveo muitos annos na China. Era homem verdadeiramente sincero, e de hum engenho solido como mostrou por todo o discurso da sua vida. Esperava eu que a sua infermidade se pudesse vencer com os remedios, mas contra a minha esperança se apartou de nòs com grande pesar, e sentimento de meu coraçaõ. Por estas resoens lhe mandei dar duzentos escudos, e dez grandes pessas de Damasco para que se conheça que minha tensaõ he nunca me esquecer de Vassallos vindos de taõ longe. No anno 16. do Emperador Camhi (he o de Christo de 1677.) aos 6. do quarto da Lua (que he a 7. de Mayo.)' 
Cercavaõ esta liteira muitos Eunuchos Christaõs dos quais alguns eraõ da Caza do Emperador. Seguiaõ se tres liteiras ornadas de seda de varias cores. Na primeira hia huma Cruz; na segunda a Imagem de N. Senhora, e na terceira a de S. Miguel acompanhadas de muitas bandeiras, e lanternas. Em outra liteira se via o retrato do P. Magalhaens, que mandara copiar o Emperador por hum primoroso pintor do seu Palacio a qual hia seguida de grande multidaõ de Christãos, e Mandarins. No fim de toda esta pompoza comitiva era levado o feretro por sessenta homens cubertos de luto o qual estava posto sobre huma caixa envernizada com o tecto forrado de veludo roxo. O numero das pessoas que acompanhava o enterro era taõ grande, que os primeiros distavaõ dos ultimos o espaço de huma milha. Chegada esta comitiva ao lugar da Sepultura se cantou o Responso com as cerimonias determinadas pelo Cerimonial Romano, e se finalizou esta funebre funçaõ com as lagrimas de todos os assistentes. 
Fazem delle mençaõ Rougemont Histor. Tartaro Sinica pag. 216. n. 147. e 166. P. Luiz Buglio Abrege de la vie e de la mort. du P. Gabriel de Magaillans no fim da sua Relaçaõ da China. Cathalog. PP. Societ. Jes. qui post obitum S. Francisci Xavierij ab anno 1581. usque ad an. 1681. in Imp. Sinar. I. C. fidem prepagarunt. pag. 32 . n. 52 . Compoz.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Macau nas "Jornadas pelo Mundo" no Conde de Arnoso

"(...) Embarcados na canhoneira Rio Lima levantamos ferro do porto de Hong Kong pelas oito horas da manhã do dia 23 de junho em direcção a Macau. Navegando contra vento e corrente cinco horas levamos a percorrer as quarenta milhas que separam as duas cidades. Pela uma hora da tarde entravamos na rade em frente da Praia Grande. (...)
Conde de Arnoso

Inunda-nos a alma uma alegria sem egual ao ver nas fortalezas da Guia do Norte de S. Francisco e no frontão do palacio, tremular a nossa querida bandeira, achámos pittoresca a Penha de França surgindo de dentro do arvoredo risonho o aspecto da casaria assombreada pelas altas arvores em frente da curva graciosa da Praia Grande e até as ruinas do velho convento de S. Paulo recortando-se nitidas no ceu azul nos parecem um enorme arco triumphal. Lançámos ferro e entramos na galeota do governo commandada pelo immediato do porto e onde vem o secretario geral da provincia. Salvam as fortalezas. No caes, os governadores de Macau e Timor, o bispo cabido da Sé, o Leal Senado, os officiaes, todos os funccionarios, os chinas influentes e a grande massa da população china aguardam anciosos o nosso querido amigo Thomaz Rosa que durante os ultimos tres annos fora a primeira autoridade da provincia. Estrugem com enthusiasmo os vivas clamorosos que o presidente do Leal Senado levanta ao mesmo tempo que atròam os ares os estalidos alegres dos panchões. (...)
Encontrar terra portugueza a mais de 3 600 leguas de distancia da nossa querida patria é tamanha ventura que os cinco dias que estivemos em Macau contarão na nossa vida como para o caminhante no deserto contam as horas de descanço passadas á sombra bemfazeja das palmeiras d um oásis (...)
A peninsula de Macau cercada de ilhas pequena como é com a sua varzea fertilissima e as suas seis collinas d um relevo gracioso: Guia, Penha de França, Mong ha, D. Maria e Gruta de Camões é tudo quanto se possa imaginar de mais pittoresco. Quando d'aqui a alguns annos as 60 000 arvores creadas e mandadas plantar por Thomaz Rosa, e que parecem vingadas, cobrirem com a sua sombra aquellas encostas, Macau será um verdadeiro paraiso e a concorridissima estação de verão do extremo oriente. Já agora. os habitantes de Hong Kong procuram no clima natural de Macau um refugio aos excessivos calores d'esta quadra. É com verdadeiro prazer que um portuguez se encontra em Macau mesmo depois de ter visitado Aden, Colombo, Singapura, Saigon e Hong Kong, onde os inglezes e francezes a peso d'ouro teem creado estabelecimentos de primeira ordem. Nada nos envergonha.

O palacio do governo, comprado á familia Cercal é um vasto edificio de bella apparencia. Durante algum tempo estiveram n'elle diversas repartições, mais tarde, durante a ultima administração, todas se installaram com grande commodidade para o serviço publico no antigo palacio do governo, um optimo edificio tambem e onde principalmente se admira a sala do tribunal, que era a antiga sala do throno do palacio. Quantas capitaes de districto na metropole invejariam este edificio para as suas repartições e como todos desejariamos que o tribunal da Boa Hora se parecesse de longe com o tribunal de Macau.
Ao lado fica o pequeno correio estabelecido tambem durante o governo de Thomaz Rosa. Até então era coisa que não havia na provincia. Toda a correspondencia se enviava pelo vapor da carreira ao correio de Hong Kong.
O quartel de S. Francisco no extremo da praia grande mandado edificar pelo benemerito governador Coelho do Amaral. espaçoso bem arejado em excellentes condições. é occupado pelo batalhão do regimento do ultramar destacado em Macau.
Mais acima, no alto d'uma pequena collina, assenta o hospital S. Januario, magnifico e elegante estabelecimento que Macau deve, entre outras muitas coisas, á larga iniciativa do conde de S. Januario. 
A Sé e egrejas de S. Lourenço, S. Domingos, Santo Antonio, S. Lazaro, Santo Agostinho, Santa Clara, S. José teem o cunho essencialmente portuguez das grandes e alegres egrejas das nossas terras de provincia. A de S. Lazaro, situada n'um bairro de chinas christãos é a mais antiga de todas. (...)

A policia de Macau é feita pela guarda policial que tem as suas companhias nos quarteis de Santo Agostinho, dos Mouros, Flora e S. Domingos. Soldados chinas locanes completam a falta das praças europeias, os locanes usam o sapato e a meia china apolainada, calção largo e azul, casaco da mesma fazenda, largo tambem e apertado por um cinturão. Na cabeça trazem o chapeu de palha chinez com as armas reaes pintadas na frente e as palavras Guarda Policial de Macau. Esta guarda foi armada ha dois annos com espingardas Remington. Existe tambem o batalhão nacional que tem uma companhia em serviço effectivo aquartelada no centro da cidade china. Assistimos ao exercicio de instrucção d'uma companhia d'este batalhão causando-nos impressão muito agradavel a sua boa apparencia, firmeza e precisão nos movimentos. O systema de defeza de Macau deixa muito a desejar. O actual governador e nosso amigo Firmino José da Costa procura modifica-lo; para esse fim mandou já transformar a bateria Primeiro de Dezembro n'uma bateria a barbete.
A provincia tem tudo a esperar do seu intelligente e illustrado governo que estamos certos será fecundo em beneficios de toda a natureza. Não pudemos visitar o edificio do senado, uma construcção de excellente apparencia porque se acha n'este momento em obras. Na antiga horta da mitra, transformada por Thomaz Rosa n'um bairro muito salubre está edificada a pequena mas elegante escola Principe D. Carlos, onde os chinas, com grande beneficio para o prestigio do nosso dominio, aprendem o portuguez. 
É deveras bonito o pequeno palacio da Flora, habitação tambem do governador e onde se vèem ao lado d'um jardim do estylo de Le Notre, os viveiros d'onde saíram as arvores que actualmente povoam as encostas de Macau . (...)
Do pharol da Guia, o primeiro que se accendeu deu em todo o mar da China descobre-se um bello panorama. Vê-se a rade, as ilhas da Taipa, da Lapa e de D. João, a cidade subindo quasi até á Penha de França, o porto interior com a ilha Verde, Mong ha, a estreita lingua do isthmo Passa Leão e as azuladas distantes montanhas da China. (...)
Macau possue ao fim da Praia Grande o seu jardim publico onde aos dias santos quando toca a banda de musica se encontra toda a elegancia macaense. Nos dias de semana o passeio favorito é à BoaVista, um ponto da estrada que contorna a peninsula desde a Porta do Cerco até á Praia Grande. Esta estrada lindissima e sempre á beira mar. faz lembrar a Corniche de que Marselha tanto se orgulha.
Na Porta do Cerco levanta-se um grande arco mandado erigir pelo governador Sergio de Sousa, mesmo á beira do ilheu no limite da peninsula.
A Praia Grande é uma extensa e larga avenida em frente da bahia ensombrada de arvores que vae da fortaleza do Bom Porto até á bateria Primeiro de Dezembro.
A estrada da Flora segue desde a cidade até á Porta do Cerco. Do outro lado e para a parte interior estende-se uma rua á beira de agua que vae ao isthmo. Atravessa a varzea a estrada Coelho de Amaral que se liga á da Flora pela estrada Adolpho Loureiro do nome do distinctissimo engenheiro que elaborou o projecto completo das obras do porto de Macau e que oxalá seja um dia uma realidade. (...)
Como porém o unico merito que porventura possam vir a ter estas cartas é reproduzirem tudo quanto vimos, não nos furtaremos tambem a dizer o que seja a gruta de Camões. No cimo d'uma collina e dentro d'um jardim que sobe em socalcos, ou melhor, dentro d'um pequeno bosque, pela quantidade de velhas arvores que o povoam, está situada a gruta formada por tres penedos de granito dispostos como um dolmen, É este logar, mais de recolhimento que outra coisa, porque nenhuma vista se desfruta d'ali, que a tradição diz ter sido o pouso favorito do nosso grande epico e onde compoz as suas mais brilhantes estrophes. (...)
O bairro china dominado pelas altas casas dos hãos estende-se em baixo, ao longo da curva graciosa da rua marginal, no porto interior d'onde como um ramalhete emerge a ilha Verde, baloiçam-se centenas de tancás e de lorchas com as suas bandeiras vermelhas nos topos dos mastros. Para o outro lado, na montanhosa ilha da Lapa, descem as encostas manchadas de longe a longe por macissos de arvoredo até virem morrer nas frescas varzeas viçosas. 
Todo o portuguez que visita Macau não póde esquecer o ir n'uma piedosa peregrinação á pedra do Amaral, nome d'esse bravo e destemido governador, barbara e traiçoeiramente assassinado pelos chinas. Fica na estrada da Porta do Cerco e perto da fortaleza de Mong ha o rochedo que o mar banha onde no dia 22 de agosto de 1849 foi encontrado o corpo de João Maria Ferreira do Amaral. As armas reaes portuguezas toscamente abertas na rocha desegual são o unico padrão que recorda a sua memoria. E todavia é certo que á sua destemida valentia deve a peninsula de Macau a sua completa independencia. (...)
Só uma parte da cidade de Macau é habitada por europeus. Essa parte tem boas ruas e em geral bem calçadas. Os europeus teem dois clubs, o club União onde ha o theatro D Pedro V, que é uma pequena mas elegante sala de espectaculos, e o gremio militar que está n'uma linda casa propriedade do gremio na Praia Grande ao lado do jardim publico. Este gremio ao principio era exclusivamente militar mais tarde reformaram os estatutos no sentido de admittir socios civis.
O bairro china ou bazar nome por que é conhecido por ser nesse bairro que se encontram todas as lojas, tem boas ruas apezar de não muito largas. O typo da casa é sempre o mesmo: rez do chão e primeiro andar. O rez do chão é occupado pela loja, o primeiro andar pela casa de habitação. Do primeiro andar vê-se tudo quanto se passa em baixo porque o sobrado é rasgado ao meio n'um quadrado defendido por uma balaustrada formando uma especie de claraboia aberta. (...)
De vez em quando eleva-se a uma grande altura um hão, casa de penhores. Visitamos o do sr Chung Volong, que tem nada menos de seis andares, No pavimento terreo estão os empregados occupados na escripturação, os cinco andares para onde se sobe por uma estreita escada não teem nenhuma divisoria e são em toda a sua extensão occupados de alto a baixo e a todo o comprimento por filas parallelas de magnificos armarios de madeira onde se conservam os penhores. Entre cada fila ha apenas o espaço necessario para se dar serventia aos armarios. Estas casas são tão bem organisadas que mesmo gente que não necessita de dinheiro deposita n'ellas nas differentes estações para melhor os conservar os vestuarios de que não precisa. Os ferros velhos, tin tins, lembram as installações da nossa feira da ladra. (...)
São curiosos os colaus, casas de pasto com largas e luxuosas escadarias e os espelhos dos degraus sempre dourados, Ha alguns que são ao mesmo tempo hospedarias pois ha n'elles tambem quartos para dormir. (...)
Os principaes pagodes de Macau são o da Barra, da Porta do Cerco e o de Matapan. A religião é a que principalmente domina na China apesar de ter sido primitivamente muito perseguida como contraria ás leis estabelecidas. (...)
O china tem como nenhum outro povo a paixão do jogo. Em Macau no bairro china são numerosas as casas de fan tan, Illuminadas com balões e lanternas; estão abertas durante todo o dia e até á meia noite. A sala do jogo é no primeiro andar. Ao subir a escada na parede do fundo em frente do patamar está escripto em caracteres chinas. No primeiro andar está a felicidade. O jogo faz-se em volta d'uma mesa quadrada coberta com uma esteira fina. Sentado a uma das faces desta mesa está o banqueiro que colloca as paradas segundo a indicação dos pontos e as paga em seguida ajudado por um outro china sentado perto d'elle em frente d'uma pequena banca. Este china, com uma balança deante de si, vae preparando os trocos embrulhando o dinheiro em papel e escrevendo por fóra o seu valor. Com a mania que os chinas teem de carimbar todas as moedas ellas vão successivamente perdendo do seu peso tornando-se por isso absolutamente indispensavel a operação da balança. Na face contigua da banca e á mão esquerda do banqueiro está o china que prepara o golpe. Um quadrado de madeira collocado ao meio da mesa serve para marcar as paradas. Joga-se aos numeros 1 2 3 ou 4 ou a combinações destes numeros´. Quem joga só a um numero ganha tres vezes o que aponta. quem joga a dois ganha duas vezes a parada. quem joga a tres ganha apenas uma vez, sempre já se vê com a deducção de sete por cento para o banqueiro. O china que prepara o golpe tem deante de si um monte de sapecas, umas duzentas talvez, e uma tigela de porcelana ou de metal, Com uma das mãos separa deste monte uma porção de sapecas que cobre com a tigela, Depois de estarem as paradas todas feitas descobre as moedas e com um estilete de madeira separa-as, uma a uma aos grupos de quatro. Se as ultimas moedas que ficam são quatro ganha o numero 4, se tres o numero 3, se duas o numero 2, se uma o numero 1. Cada golpe como se vè com a contagem das sapecas e depois com as pagas é muito demorado Como nestas casas entra toda a qualidade de gente, os chinas ricos e os europeus, para se não misturar com a gentalha, sobem ao andar superior, jogam sentados em volta d'uma balaustrada que se eleva do sobrado roto d'esse pavimento. O dinheiro das paradas faz-se subir e descer em cestos de palha suspensos de cordas atadas á balaustrada. 
O arrematante do exclusivo do fan tan pagava á fazenda, quando ali estivemos, a quantia de cento e vinte mil patacas por anno. A loteria do Vae Seng, é tambem outro vicio do china. Esta loteria é estabelecida sobre os resultados dos exames feitos pelos estudantes na provincia de Cantão e por exame geral que se faz em Pekin. Em cada tres annos ha um exame geral em Pekin um exame geral na provincia e duas vezes exame em cada departamento. Sempre que ha exames ha loteria e cada bilhete contém vinte appellidos dos candidatos. Cada mil bilhetes formam uma serie e cada serie constitue uma loteria com tres premios. O primeiro premio é ganho pelo bilhete que contiver maior numero de appellidos de candidatos premiados. Ha bilhetes de meia pataca, uma, duas, tres, cinco e dez. O china tenta-se muito com esta loteria pois com um bilhete de dez patacas póde ganhar seis mil. Desde que o governo chinez permittiu a venda dos bilhetes em Cantão o arrematante da Vae Seng em Macau paga apenas trinta e seis mil patacas annuaes.
Praça de Ponte e Horta (Porto Interior)

Por inutil temos de fallar na moralidade de similhantes fontes de receita para a fazenda. Felizmente em Macau ha umas poucas de industrias que prosperam. Bastantes fabricas de chá que fazem excellente negocio, uma de tabaco, uma de cozedura de opio, tres de desfiar seda e uma quasi a ponto de principiar a trabalhar, de cimento. Com bem pezar nosso não pudemos visitar todas essas fabricas. (...)
A pesca e salga do peixe occupa em Macau pelo menos dez mil pessoas eo seu valor eleva se em cada anno a oitocentas mil patacas. (...)
No dia 28 de junho embarcamos a bordo do excellente vapor de rodas que faz a carreira entre Macau e Hong Kong. Como no dia da chegada ninguem faltou á despedida. No caes as compridas bichas vermelhas suspensas de bambú levantado a grande altura na extremidade de dois mastros ardiam estalando alegremente. Da ponte, quando as rodas do vapor já a mover-se, o governador, cercado por os funccionarios, pela mais distincta gente e pelos chinas levantou ao ministro em Pekin os ricas da despedida. Deixamos com pezar esse boccadinho de patria que já nos fica bem distante. (...)
Excertos de Jornadas pelo mundo, Bernardo Pinheiro Correia de Mello (Conde de Arnoso), Porto, 1895. Imagens não incluídas no livro referido.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A "cascata" do jardim público em S. Francisco

No Boletim da Província de Macau e Timor, de 23 Março 1868, pode ler-se: "A cascata do jardim publico em S Francisco acha-se já concluida. Ficou graciosa. Hontem, domingo, á hora da musica ja funccionou experimentando-se differentes jogos d'agoa de bonito effeito. Parece porem que não seria mau que os tubos conductores fossem de mais largo diametro para que os jorros da cascata se tornassem mais abundantes. Ouvimos dizer que se farão essas pequenas alterações."
Fotografia do final do século 19. Tirada a partir do jardim de S. Francisco.
Ao fundo a baía da Praia Grande (Hotel Boa Vista e Penha, à esquerda).

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

"Aviso à última hora"

 

In Boletim do Governo do Estado da India, 27 Dezembro 1872

Numa primeira fase o salário mensal oferecido aos mouros que se alistassem na Polícia de Macau era de 7 patacas/mês, mas o valor viria a aumentar para 8 patacas, segundo uma decisão do governador de Macau em Abril de 1873. O primeiro grupo chegou a Macau no final de Junho desse ano.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A "Nova Avenida de Mong-Ha"

Na toponímia local existiu o Largo do Pagode de Mong-Ha. Ficava em frente do templo chinês Kun lam Tong, também conhecido por Pagode de Mong-Ha, como se pode verificar a legenda do postal ilustrada abaixo. O 'largo' viria a desaparecer aquando da construção do que hoje se conhece pelo nome de Avenida do Coronel Mesquita (designação existente desde a década de 1920), mas que no início não tinha este nome, chamava-se Nova Avenida de Mong-Ha. 
Vejamos então as origens deste arruamento tendo por base o que escreveu o engenheiro Adriano Augusto Trigo, director das Obras Públicas de Macau entre 1919 e 1925: "Toma-se para base do novo alinhamento uma linha paralela ao Pagode Kun Iam Ku Miu e o cunhal do Pagode Kun Iam Miu, dando-lhe uma largura de 17 metros até ao alinhamento já dado da casa de habitação de Tong Lai Chuen. A Avenida ficaria com passeios arborizados, de 4 metros de largura, e uma faixa de rodagem de 9 metros."

Curiosidade: o troço da avenida de Almeida Ribeiro entre a Praia Grande e o Largo do Senado começou por denominar-se Av. Coronel Mesquita, isto, no final da década de 1910 e o início da de 1920. Quando o edifício sede do BNU estava em obras - foi inaugurado em 1925 - era esse o topónimo referido.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

A "reedificada igreja parochial de S. Lourenço"

A "25 de Janeiro de 1846 abre-se ao culto a reedificada a igreja parochial de S. Lourenço, em Macau, que estivera em obras desde Abril de 1844."
in Ephemerides Commemorativas da Historia de Macau, António Marques Pereira, Macau, 1868
Igreja de S. Lourenço em duas obras de G. Chinnery


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Foto-legenda: PM de guarda ao Palácio do Governo

Na imagem um excerto de "A Polícia de Macau" da autoria do padre Manuel Teixeira. 
Elementos da Polícia Militar de guarda ao Palácio do Governo. Foto da década 1960
 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Planta da Cidade e Península do Nome de Deos Macao na China

Regresso a esta "planta" sobre a qual já antes publiquei um post para dar a conhecer a legenda dos locais assinalados. Estamos perante, muitos provavelmente, um mapa do final do século 17, um dos últimos feitos de acordo com a cartografia vigente durante os séculos 16 e 17 onde uma das características era representar o território visto da ilha da Lapa sobre o Porto Interior.
"Planta da Cidade e Península do Nome de Deos Macao na China":
1. Muro do Cerco (Porta do Cerco) 2. Pagode junto do Cerco (Templo de Lin Fong) 3. Lugar onde se sepultam os chinas 4. Fortaleza de N. Sra. da Guia (e ermida) 5. Hospital de S. Lázaro 6. Mo Há e Pagode (Povoação e templo Kun Iam Tong). 7 Fotaleza do Monte 8. Cazas do Governador 9. Colégio de S. Paulo 10. Freguesia de Sto. António 11. Mosteiro de S. Clara 12. Convento S. Francisco 13. forte de S. Francisco 14. Porta da Cidade para o Campo 15. Muro da cidade 16. Sé Catedral 17. Convento de S. Domingos 18. Misericórdia 19. Caza do Senado 20. Convento de S. Agostinho 21. Forte de S. Pedro (fortim) 22. Colégio de S. José 23. Freguesia de S. Lourenço 24. Capela do Bom Jesus (Penha) 25. N. Sra. da Penha 26. Forte N. Sra. do Bom Parto 27. Pagode dos Chinas (Templo de A-Ma, na Barra) 28. Fortaleza da Barra 29. Ilha Verde.

Para melhor contextualizar o mapa/planta seleccionei alguns excertos do livro "Memoria sobre Macao", de José de Aquino Guimarães e Freitas, Coimbra, 1828:
Aspecto topographico 
A cidade está montada sobre um terreno montanhoso circumstancia que lhe outorga uma fysionomia pintoresca e aprazivel. (...)
As ruas são estreitas porém calçadas e os canos que abrigão rapidamente engolem as aguas das chuvas. A Cidade é murada assim da banda do N. como da do S. 
Daquella, duas portas a communicão com a campanha entre as quaes se eleva o Forte de S. Paulo do Monte; desta dous Fortes a limitão entre os quaes, a cavalleiro, se vê a Ermida de Nossa Senhora da Penha que antigamente foi uma fortificação. Tres Fortes defendem a bahia e o ingresso do Porto em cuja entrada apparece o de Sant'Iago e n'uma alcantilada montanha, fóra das mencionadas portas, o Forte de Nossa Senhora da Guia, dominando o mar e todo o espaço adjacente. 
Um extenso Caes, chamado Praia-grande, da parte d' E., em frente da bahia, offerece uma morada deliciosa, pois demais desta vantajosa positura, é banhada pelos ventos refrigerantes durante o Verão e se esquiva da furia aquilonea na estação invernosa. A parte occidental goza a vista do Porto e a de uma ilha que pela sua constante primavera se arrêa com o merecido nome de Ilha-verde. (...)
Fontes - Só duas possue a Ilha o ambas fóra dos muros da Cidade uma ao N; ao Sul a outra. A agua é primorosa. (...)
Fortificações -  Seis Fortes: S Paulo do Monte, Nossa Senhora da Guia, Sant'Iago da Barra, Bom Parto, S. Francisco e S. Pedro. 

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Asia Noviter Delineata: ca. 1630

Este "Asia Noviter Delineata" de Willem Blaeu (Holanda), é um dos mais famosos mapas do século XVII do continente asiático.
A borda está ornamentada com animais, monstros marinhos e veleiros. A costa leste da Ásia tem notas curiosas: a Coreia é mostrada como uma ilha e o Japão é representado no modelo de Ortelius-Teixeira. O subcontinente indiano é muito estreito e as ilhas da Indonésia são apresentadas de forma muito incompleta. No interior, o Mar Cáspio é orientado no eixo leste-oeste e existem vários grandes lagos na China, incluindo o mítico Chiamay Lacus. O friso no topo apresenta vinhetas das cidades de Candy, Calecute, Goa, Damasco, Jerusalém, Ormuz, Banten, Aden e Macau. Os painéis laterais que ladeiam o mapa representam figuras dos vários povos asiáticos.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Vergel de Plantas e Flores da Província da Madre de Deus dos Capuchos reformados da Índia Oriental

Frei Jacinto de Deus nasceu em Macau em 1612 e morreu em Goa em 1681. Filho do português Pedro Soares Vivas e de Cecília da Cunha, "mulher nativa da China", Jacinto de Deus era neto do português Tomás Brás da Fonseca, que exerceu importantes cargos em Macau, onde foi provedor da Misericórdia.
Aos 18 annos "recebeo o Serafico habito da reformada Provincia da Madre de Deos de Goa a 13 de Julho de 1630". Foi "Deputado da Inquisiçaõ de Goa de que tomou posse a 30 de Outubro de 1671". Morreu no Convento da Madre de Deos de Goa a 8 de Maio de 1681, aos 69 anos. Deixou várias obras publicadas. Nas imagens a primeira edição do livro "Escudo dos Cavaleiros das Ordens Militares" impresso em Lisboa em 1670.

Em 1937 Charles Boxer dedicou-lhe um pequeno livro de 12 páginas, impresso na Escola Tipográfica do Orfanato, "Um macaense ilustre Frei Jacinto de Deus 1612-1681".
Num anúncio publicado no boletim Oficial de Macau em finais do século 19:
“Acaba de ser reimpresso e acha-se à venda um excerto de um livro muito curioso, intitulado Vergel das Plantas e Flores, composto por Fr. Jacinto de Deus, natural de Macau. O excerto traz o título de ‘Descrição do Império da China, precedida de algumas notícias sobre os conventos de S. Francisco e de Santa Clara em Macau. Os que quiserem comprá-lo dirijam-se: aos srs. De Sousa & Cª., Hongkong; ao sr. Lino d’Almeida, Escola Comercial, Macau; ao sr. Luiz Lubeck, Shanghai. Preço $2 por exemplar. Hongkong, 4 de Abril de 1878”. Originalmente a obra foi publicada em 1690.
Essa reedição de 1878 (Hong Kong), "Descrição do Império da China, Precedido de algumas notícias sobre os Conventos de S. Francisco e de Sta. Clara em Macau", excerto do Vergel de Plantas e Flores da Província da Madre de Deus dos Capuchos reformados da Índia Oriental, contém informações referentes a Macau e à história da Ordem dos Franciscanos, bem como a missionação no século XVII e, ainda, descrições da China e costumes chineses, bem como referências ao Japão, Malaca e Cochinchina.
Tem um total de 240 páginas e está dividida em duas partes: uma sobre a acção da Ordem dos Capuchos (Franciscanos) e, a outra, uma descrição detalhada sobe o Império da China e seu governo. Numa primeira parte, tem oito capítulos (da página 1 a 52),com a fundação do Convento dos Frades Menores ou dos Capuchos (Franciscanos) e do Convento das Clarissas (de Santa Clara ou das Capuchas), em Macau, assim como as suas vicissitudes nestas paragens. Da página 53 a 229, segue-se a “Descriçao do Império da China”, com 12 capítulos (designados por Excelências). Por último, mais três capítulos (da página 229 a 240), que são a continuaçao da primeira parte (capítulo IX, X e XI), em que retoma a historia dos Franciscanos nestas paragens, sendo um capítulo sobre a ida dos Franciscanos à Cochinchina, o outro, na China e, o último, em Malaca.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Brasão no Jardim da Praça do Império

Aqui pelo blogue já em tempos me referi aos 32 "brasões florais" no Jardim da Praça do Império junto aos Jerónimos. 
Actualmente existem em 'versão' calçada à portuguesa. Compostos por cerca de duas mil pedras cada um, adornam o passeio lateral do renovado jardim recentemente inaugurado.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

"O novo Palácio do Governo"

A 19 de Maio de 1860 A. Marques Pereira informava sobre o "começo n'esta cidade, há já mais d'um mez, aos trabalhos da construcção de um novo palacio do governo, no mesmo local onde era situado o antigo" que já não "correspondia à dignidade e representação do fim a que era destinado". A referência é ao que viria a ficar conhecido como Palácio das Repartições - onde está actualmente o antigo tribunal junto à estátua de Jorge Álvares - numa altura em que ainda não existia o "Palácio do Governo" que hoje se conhece.
Boletim do Governo 19 de Maio de 1860

Cerca de um ano depois, a 23 de março de 1861, na mesma publicação, o mesmo autor escreve na "parte não oficial" sobre as obras quase concluídas do "novo palácio do governo" na "frontaria da cidade" (Praia Grande):
"(...) Corre a fachada, na extensão que occupava a antiga, com o pateo que lhe ficava contiguo, dando assim logar no andar nobre a treze janellas bastante afastadas. A porta, elevada sobre uma pequena escada de pedra, é ladeada por quatro meias columnas que sustentam a varanda, sacada do centro, e continuam em cima até ao triangulo da cornija, onde estão as armas reaes de Portugal. Ao fundo do vestibulo, cujas portas lateraes dão serventia ao andar inferior, ha três arcos sustidos por columnas com passagem para a escada, ainda agora não construída. Na perpendicular d'estes arcos, tres portas no patamar de cima dão entrada no centro de uma elegante galeria de cinco salas, que occupa toda a frente do pavimento nobre. A obra está feita com solidez pouco vulgar nas construcções d'aqui."
Na altura era governador de Macau o conselheiro Isidoro Francisco Guimarães (Visconde da Praia Grande). Por volta de 1872 a fachada frontal do edifício foi alterada construindo-se um "corpo central saliente".
O "Palácio do Governo/Repartições" num detalhe de uma pintura de autor anónimo ca. 1880
Fotografia do final do século 19
Outro pormenor de outra pintura onde se vê o Palácio do Governo/Repartições junto ao fortim de S. Pedro onde está hasteada a bandeira portuguesa (monarquia);
em cima, à esq. o Teatro D. Pedro V
Palácio das Repartições num detalhe de uma fotografia ca. 1900

A antiga Casa da Guarda na imagem, ca. 1890/1900, já como Correios, num pormenor de um postal ilustrado da época


Tendo por base um artigo de 1883 no jornal O Occidente, ficamos a saber como era o edifício, já tendo como anexo a chamada Casa da Guarda (do lado direito): 
"Tem o edifício de frente, quarenta tantos metros e de suas extremidades seguem perpendicularmente à frente alas que para o lado interior fecham até certa altura o jardim do mesmo palácio, o qual depois é protegido por muros e prédios particulares, sendo os fundos do lado fronteiro ao palácio fechado pelas cavalariças e cocheiras pertencentes ao mesmo, cuja frente fica na calçada, se bem nos recorda, do Santo Agostinho. Comprehende o palacio dois pavimentos, no inferior, lado direito, são as repartições da secretaria do governo e, lado esquerdo, alojamentos dos oficiaes às ordens e adjudantes dos governadores. Nos fundos, arrecadações e quartos de ordenanças. No primeiro pavimento à frente, salas de entrada e na primeira, à direita, mais duas sendo a do topo a do docel; à esquerda, de visitas ou dos retratos dos governadores, reservada, a gabinete particular do governador ou seu escriptorio."
Detalhe de uma fotografia ca. 1875

PS: Em 1883 o Governador passou os aposentos para o antigo Palácio do Cercal, ficando no edifício de 1861 apenas as repartições públicas e, em alguns anos, também a primeira sede do BNU e as instalações dos correios.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Receita e Despesa pública: 1856-1857

As receitas públicas tinham um total de 72.918.000 patacas valor para o qual o maior contributo provinha dos imposto directos, 61.680.000

As "décimas de christãos e chinas" (36%) juntamente com as receitas da "loteria china" e "casas de jogo china" (39%) representavam 75% dos impostos directos.

Os impostos directos representavam 85% da receita enquanto os impostos indirectos geravam apenas 7%  da receita.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Exclusivo da "loteria china": 1868

Annuncio
No dia sabbado, 10 do corrente mez ao meio dia, perante a Junta da Fazenda, se ha de pôr em arrematação, em leilão publico, o exclusivo da loteria china, por tempo certo de um anno, com as mesmas condições do contracto passado. O que para constar, por ordem da mesma, se faz publico por este, em que me assigno. Macau, 2 de outubro, 1868 M. P. Simoens, Escrivão deputado da Junta de Fazenda.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

O ensino da "língua sínica" no início do séc. XX

Escola Comercial Pedro Nolasco fundada em 1878
O mesmo edifício no século 21
Em 1906, uma comissão composta por Manuel da Silva Mendes, Pedro Nolasco da Silva, Carlos Augusto d’Assumpção, José Vicente Jorge e o Pe. António José Roliz foi nomeada pelo governador Martinho Montenegro, por portaria provincial n° 57 de 24 de Outubro, "para estudar e fazer um projecto de organização do ensino da língua sínica nesta cidade".
Depois de ponderadas e discutidas todas as questões relacionadas com o ensino/aprendizagem do chinês, a comissão apresentou em Novembro do mesmo ano um relatório final acompanhado de uma proposta de programa de ensino, documentos aprovados pela Portaria n°30 de 22 de Março de 1907.
Esse programa previa um Curso de Língua Chinesa dividido em três períodos, ao longo de sete anos, desde a Escola Primária ao público adulto do Expediente Sínico. O primeiro período, para os alunos da Escola Central, tinha 2 anos; o segundo período, para os alunos do 1°ciclo da instrução secundária, abrangia 3 anos e um terceiro período, para os alunos do Curso Comercial, tinha a duração de 2 anos.
O programa tinha como objectivos: "ministrar um conhecimento elementar da lingua sinica, escripta e fallada, quanto sufficiente para uso commum da vida, inclusivé o do commercio" e "servir de base para ulteriores estudos da literatura classica chineza áquelles que pretenderem levar longe o conhecimento d’essa lingua". 

Sendo a maioria da população de Macau de origem chinesa, a administração do território obrigava a especiais preocupações, nomeadamente o nível da língua e da justiça. É neste contexto que logo no século 17 foi criada a Procuratura dos Negócios Sínicos. Nela trabalharam portugueses, macaenses e chineses que ao longo dos séculos permitiram o entendimento entre portugueses e chineses. 
Eis, a título de curiosidade, alguns exemplos de personalidades que se destacaram neste domínio:
- A bordo da primeira nau portuguesa que chegou a Tanegashima (Japão) ia um intérprete chinês: "Quando a primeira nau portuguesa chegou a Tanegashima, diz-se que um chinês chamado Goshô servia de intérprete".
Fonte: Portugal e o Japão, Tokyo, Kokusai Bunka Shinkokai, 1940.
- Matteo Ricci, S. J.(1552-1610), jesuíta italiano, foi co-autor do primeiro dicionário português-chinês. Chegou a Macau em 7 de Agosto de 1582, permanecendo na China a trabalhar, entre os mandarins e os letrados, até à morte em 1610. Ficou também conhecido pela iniciação, na Europa, dos estudos chineses que vieram a ser conhecidos por Sinologia. Começou por traduzir de Chinês para Latim.
- Michele Ruggieri (1543-1607) jesuíta italiano, foi o primeiro a chegar a Macau, em 20 de Julho de 1579, para aprender Mandarim.
- O missionário Robert Morrison foi o primeiro tradutor da Bíblia para chinês. Viveu em Macau na década de vinte do séc. XIX.
- António Feliciano Marques Pereira foi Superintendente da Emigração Chinesa e Procurador dos Negócios Sínicos em Macau e Secretário da Legação Portuguesa junto à Corte de Pequim. Foi ainda autor da "Relação acerca das attribuições da Procuratura dos Negocios Sinicos da Cidade de Macau" (1867), e das "Ephemerides Commemorativas da História de Macau e das Relações da China com os Povos Christãos" (1868).
- Camilo Pessanha, poeta do Simbolismo português, foi para Macau em 1894 como professor do Liceu, tendo iniciado, de imediato, o estudo da língua e cultura chinesas. Traduziu para português três cartas, dois ensaios em prosa e oito elegias, (apesar de só conhecer 3500 caracteres) com a ajuda do seu amigo José Vicente Jorge, com quem traduziu ainda "Kuok Man Kan Fo Shú Leituras Chinesas". Numa carta dirigida a Carlos Amaro, datada de 1912, Pessanha refere que "Desde que deixei a Vara de Juíz, é decorar letras chinas. Bem desejaria publicar um dia meia dúzia de pequenas traduções, mas a empresa, a ser a coisa como eu a tenho esboçado, é cheia de dificuldades."
- Manuel da Silva Mendes (1867-1931), contemporâneo de Pessanha e também professor do liceu, destacou-se como advogado e ainda como estudioso da cultura chinesa, nomeadamente da filosofia, religião e arte. A ele devem-se os primeiros estudos sobre o taoismo em português.
 José Vicente Jorge
José Vicente Jorge (sentado na imagem de grupo acima). Nasceu em 1872. Foi Chefe da Repartição do Expediente Sínico, vice-cônsul e intérprete-tradutor no Consulado de Xangai, secretário intérprete-tradutor da legação portuguesa em Pequim, no tempo do império e escolhido para secretariar o diplomata que representou Portugal nos funerais do Imperador Guang Xu em 1909. Foi tradutor e anotador do San-Tok-Pun, método adoptado para o ensino de chinês em escolas de Macau e autor de Novo Methodo de Leitura (1907). Foi ainda Professor de Língua Sínica no Instituto Comercial e fez parte da Comissão encarregada de estudar e de elaborar os programas para o ensino da "lingua sinica ministrado na Escola Central do sexo masculino e Instituto Commercial annexo ao Lyceu Nacional", era, então, sub-chefe da Repartição do Expediente Sinico. Pessanha chamava-o de "o meu mestre".

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Visitas da realeza em Fevereiro de 1867

"Quanto a Macau temos a registar a visita que a esta cidade fez sua altesa real o duque de Penthievre, acompanhado do sr conde de Beauvoir e capitão Fauvel. Sua altesa e os cavalheiros da sua comitiva andam a viajar desde setembro do anno passado tendo já percorrido a Australia, Cabo da Boa Esperança, Java, Singapura e Siam. Logo que S. Exa. o governador soube da chegada de sua altesa a esta cidade por uma carta do governador de Hongkong e outra em portuguez que lhe dirigio o proprio duque, mandou ao Royal Hotel, aonde os illustres viajantes eram alojados, cumprimenta-los e convida-los para habitarem o palacio do governo a que sua altesa annuio. O sr duque de Penthievre visitou todos os edificios publicos e fortalezas da cidade, a Gruta de Camões, e basar, os estabelecimentos de emigração chineza e os vapores de guerra. Sua altesa mostrou se muito satisfeito do aceio e ordem que observou por toda a parte e partiu de Macau pera Cantão abordo do vapor Principe Carlos na quinta feira passada parecendo satisfeito do agasalho que encontrou e das attenções que lhe foram prodigalisadas pelo chefe superior da colonia."
Excerto do Boletim do Governo de Macau e Timor a 18 de Fevereiro de 1867

Com 19 anos o conde francês Ludovic de Beauvoir (1846-1929) embarcou com o seu amigo de infância, o Duque de Penthièvre, para uma viagem ao redor do mundo que, de 1865 a 1867, os levou à Austrália, às Índias Orientais Holandesas (Indonésia), Sião (Tailândia), China, Japão e Estados Unidos. O duque tinha por nome Pedro Filipe João Maria, nascido em Saint-Cloud em 1845, era português pelo lado da sua mãe e primo do Rei de Portugal. Tendo partido no mês de Abril de 1866, os dois jovens visitaram a Austrália, a ilha de Java, o Sião, Hong-Kong, Macau e Cantão, depois o Norte da China, o Japão e a Califórnia tendo regressado a França no mês de Setembro de 1867.
Em 1869, Ludovico de Beauvoir publicou dois volumes intitulados "Australie et Java, Siam, Canton" em que relata essa viagem.
Convento de S. Francisco num desenho de George Chinnery

Os ilustres viajantes foram recebidos em Fevereiro de 1867 pelo governador de Macau, Dom José da Ponte e Horta, que colocou uma canhoneira à disposição No território visitaram a Praia Grande, a aldeia de Mong-Há, o Senado, os fortes, as igrejas, os antros de jogo, a Gruta de Camões e os barracões onde ficavam alojados os cules chineses enquanto aguardavam viagem.

Excertos de Voyage autour du monde:
11 Fev. 1867
Desembarcamos num cais atulhado de cúlis e subimos as mais portuguesas das "Calçadas do Bom Jesus", das "Travessas de Santo Agostinho", verdadeiros corredores montuosos entre as casas baixas de granito que parecem prisões. Estranha população a dos conquistadores desta terra! (...)
Aproveitando um último resto de estadia não oficial em Macau, e pensando que os jantares de gala impedirão a partir de agora as verdadeiras descobertas de turistas, partimos infatigáveis com o nosso cúli, e penetramos na cidade chinesa, devidamente enfeitada e iluminada com lindas lanternas. O que há de mais curioso aqui são as casas de jogo; porque Macau é o Mónaco do Celeste Império. A maioria dos Chineses ricos de Ainão, de Guangdong e de Fuquiém são suficientemente loucos para vir aqui perder o seu dinheiro a um "trinta e quarenta" proibido na sua terra. Um croupier patriarca de rabicho branco, com uma barbicha de quatro pêlos encerados e com unhas desmesuradamente longas, preside a esta banca, sobre a qual se arremessam centenas de jogadores.

12 Fev. 1867
Conduzidos graciosamente durante a primeira parte do dia por Dom Osório, ajudante de campo do Governador, e durante a segunda por sua Excelência em pessoa, Dom José Maria da Ponte e Horta, major de artilharia, visitamos hoje toda a possessão, o que é fácil, visto que ela me parece ter cinco quilómetros de comprimento por dois de largura. Esta península tem exactamente a forma de uma pegada humana, cujo calcanhar está virado para o mar, enquanto que o polegar vai dar a uma língua de terra, de quatrocentos metros de largo, que a liga à grande ilha de Xiangshan. O calcanhar é formado por nove altas colinas rochosas que dominam os fortes de Bom-Parto, Barra, São João, e São Jerónimo; a grande curva interior da planta do pé está guarnecida com as habitações amontoadas dos Chineses, que são em número de cento e vinte e cinco mil, enquanto que os dois mil residentes portugueses se domiciliam na margem oposta e exterior. A Praia Grande, esplanada marinha, é a sua avenida: casarões com gradeamentos sombrios, castelo do Governador, capitania do Porto, casas oficiais e comerciais aí se alinham, apresentando absolutamente o cunho colorido, abobadado e monástico da mãe-pátria. Imaginem então que uma muralha escala o colo do pé (é a nossa muralha de ontem à noite!) e que todas as articulações dos dedos se crispam e se levantam; já não são mais que montanhas em sobressaltos, no alto das quais se elevam os fortes de São Francisco, da Guia, de São Paulo do Monte, e outras sete ou oito; a seguir vêm a planície cultivada pelos hortelãos, a aldeia de Mong-Há e a barreira de dezasseis pés de altura que separa a colónia do território chinês. (...)

13 Fev. 1867
Começamos a habituar-nos à temperatura de Inverno, e as longas caminhadas nestes lugares tão interessantes fazem-nos passar depressa o tempo.
No alto do Monte, visitamos as ruínas de um convento de Jesuítas, depois estudamos em pormenor a coisa mais característica de Macau: os "Barracões", célebres entrepostos da pretensa "emigração dos cúlis", mais justamente maculada com o nome de tráfico dos Chineses. A primeira loja do vendedor de homens em que entramos apresenta-se sob os mais risonhos exteriores: terraços ornamentados com flores, grandes potes chineses, salões com móveis de mogno; são as salas de recepção... para os funcionários.~(...)

14 Fev. 1867
Às seis horas da manhã embarcamos no "Príncipe Carlos", bonita canhoneira que o Governador de Macau deu ao Príncipe para ir até Cantão. Contornamos as enseadas rochosas da península, e, pouco a pouco, a Praia Grande, o forte da Guia, onde foi construído o primeiro farol dos mares da China, o Monte e as ameias dos bastiões perdem-se num horizonte confuso: dizemos adeus a esta colónia, o último posto-avançado europeu que nos é dado ver antes do próprio Celeste Império.
A "Praya Grande" numa pintura anónima do séc. 19

Nota: Imagens não incluídas na obra referida.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Mapa "China Regnum"

Este "China Regmum" foi impresso em Antuérpia por Cornelis de Jode no ano de 1593 e é considerado o mais raro e cobiçado mapa da China no século XVI.
Foi publicado na segunda edição do atlas de Gerard De Jode, Speculum orbis terrae (primeira edição Antuérpia: 1578), juntamente com duas páginas de texto em latim (no verso) descrevendo a China.
Baseia-se no modelo de Barbuda mas foi reformulado na orientação norte-sul. A cobertura do mapa foi deslocada para norte para mostrar o nordeste da Tartária e o interior da Ásia, presumivelmente tendo por base fontes jesuítas. De acordo com a Biblioteca da Universidade de Hong Kong este é o primeiro mapa europeu a mostrar a forma "emergente" da península coreana. O estuário do Rio das Pérolas - onde se pode ver "Macao - também é muito detalhado porventura fruto da sua importância comercial.

A localização de "Macao"

O mapa da China, que inclui partes do nordeste da Ásia e do Japão, está dentro de um círculo central. Nos cantos estão cintas ornamentadas, caixas de texto e quatro vinhetas que representam como os europeus imaginavam que os chineses e japoneses viveriam. Essas vinhetas são algumas das primeiras representações da vida quotidiana chinesa e japonesa impressas na Europa. 
Além da China, o mapa também aborda partes do norte da Índia, incluindo uma descrição antiga e relativamente detalhada do rio Ganges e seus afluentes. Ao norte, os mapas detalham as tribos nômades tártaras da Rússia asiática.