"Quanto a Macau temos a registar a visita que a esta cidade fez sua altesa real o duque de Penthievre, acompanhado do sr conde de Beauvoir e capitão Fauvel. Sua altesa e os cavalheiros da sua comitiva andam a viajar desde setembro do anno passado tendo já percorrido a Australia, Cabo da Boa Esperança, Java, Singapura e Siam. Logo que S. Exa. o governador soube da chegada de sua altesa a esta cidade por uma carta do governador de Hongkong e outra em portuguez que lhe dirigio o proprio duque, mandou ao Royal Hotel, aonde os illustres viajantes eram alojados, cumprimenta-los e convida-los para habitarem o palacio do governo a que sua altesa annuio. O sr duque de Penthievre visitou todos os edificios publicos e fortalezas da cidade, a Gruta de Camões, e basar, os estabelecimentos de emigração chineza e os vapores de guerra. Sua altesa mostrou se muito satisfeito do aceio e ordem que observou por toda a parte e partiu de Macau pera Cantão abordo do vapor Principe Carlos na quinta feira passada parecendo satisfeito do agasalho que encontrou e das attenções que lhe foram prodigalisadas pelo chefe superior da colonia."
Excerto do Boletim do Governo de Macau e Timor a 18 de Fevereiro de 1867
Com 19 anos o conde francês Ludovic de Beauvoir (1846-1929) embarcou com o seu amigo de infância, o Duque de Penthièvre, para uma viagem ao redor do mundo que, de 1865 a 1867, os levou à Austrália, às Índias Orientais Holandesas (Indonésia), Sião (Tailândia), China, Japão e Estados Unidos. O duque tinha por nome Pedro Filipe João Maria, nascido em Saint-Cloud em 1845, era português pelo lado da sua mãe e primo do Rei de Portugal. Tendo partido no mês de Abril de 1866, os dois jovens visitaram a Austrália, a ilha de Java, o Sião, Hong-Kong, Macau e Cantão, depois o Norte da China, o Japão e a Califórnia tendo regressado a França no mês de Setembro de 1867.
Em 1869, Ludovico de Beauvoir publicou dois volumes intitulados "Australie et Java, Siam, Canton" em que relata essa viagem.
Convento de S. Francisco num desenho de George Chinnery |
Os ilustres viajantes foram recebidos em Fevereiro de 1867 pelo governador de Macau, Dom José da Ponte e Horta, que colocou uma canhoneira à disposição No território visitaram a Praia Grande, a aldeia de Mong-Há, o Senado, os fortes, as igrejas, os antros de jogo, a Gruta de Camões e os barracões onde ficavam alojados os cules chineses enquanto aguardavam viagem.
Excertos de Voyage autour du monde:
11 Fev. 1867
Desembarcamos num cais atulhado de cúlis e subimos as mais portuguesas das "Calçadas do Bom Jesus", das "Travessas de Santo Agostinho", verdadeiros corredores montuosos entre as casas baixas de granito que parecem prisões. Estranha população a dos conquistadores desta terra! (...)
Aproveitando um último resto de estadia não oficial em Macau, e pensando que os jantares de gala impedirão a partir de agora as verdadeiras descobertas de turistas, partimos infatigáveis com o nosso cúli, e penetramos na cidade chinesa, devidamente enfeitada e iluminada com lindas lanternas. O que há de mais curioso aqui são as casas de jogo; porque Macau é o Mónaco do Celeste Império. A maioria dos Chineses ricos de Ainão, de Guangdong e de Fuquiém são suficientemente loucos para vir aqui perder o seu dinheiro a um "trinta e quarenta" proibido na sua terra. Um croupier patriarca de rabicho branco, com uma barbicha de quatro pêlos encerados e com unhas desmesuradamente longas, preside a esta banca, sobre a qual se arremessam centenas de jogadores.
12 Fev. 1867
Conduzidos graciosamente durante a primeira parte do dia por Dom Osório, ajudante de campo do Governador, e durante a segunda por sua Excelência em pessoa, Dom José Maria da Ponte e Horta, major de artilharia, visitamos hoje toda a possessão, o que é fácil, visto que ela me parece ter cinco quilómetros de comprimento por dois de largura. Esta península tem exactamente a forma de uma pegada humana, cujo calcanhar está virado para o mar, enquanto que o polegar vai dar a uma língua de terra, de quatrocentos metros de largo, que a liga à grande ilha de Xiangshan. O calcanhar é formado por nove altas colinas rochosas que dominam os fortes de Bom-Parto, Barra, São João, e São Jerónimo; a grande curva interior da planta do pé está guarnecida com as habitações amontoadas dos Chineses, que são em número de cento e vinte e cinco mil, enquanto que os dois mil residentes portugueses se domiciliam na margem oposta e exterior. A Praia Grande, esplanada marinha, é a sua avenida: casarões com gradeamentos sombrios, castelo do Governador, capitania do Porto, casas oficiais e comerciais aí se alinham, apresentando absolutamente o cunho colorido, abobadado e monástico da mãe-pátria. Imaginem então que uma muralha escala o colo do pé (é a nossa muralha de ontem à noite!) e que todas as articulações dos dedos se crispam e se levantam; já não são mais que montanhas em sobressaltos, no alto das quais se elevam os fortes de São Francisco, da Guia, de São Paulo do Monte, e outras sete ou oito; a seguir vêm a planície cultivada pelos hortelãos, a aldeia de Mong-Há e a barreira de dezasseis pés de altura que separa a colónia do território chinês. (...)
13 Fev. 1867
Começamos a habituar-nos à temperatura de Inverno, e as longas caminhadas nestes lugares tão interessantes fazem-nos passar depressa o tempo.
No alto do Monte, visitamos as ruínas de um convento de Jesuítas, depois estudamos em pormenor a coisa mais característica de Macau: os "Barracões", célebres entrepostos da pretensa "emigração dos cúlis", mais justamente maculada com o nome de tráfico dos Chineses. A primeira loja do vendedor de homens em que entramos apresenta-se sob os mais risonhos exteriores: terraços ornamentados com flores, grandes potes chineses, salões com móveis de mogno; são as salas de recepção... para os funcionários.~(...)
14 Fev. 1867
Às seis horas da manhã embarcamos no "Príncipe Carlos", bonita canhoneira que o Governador de Macau deu ao Príncipe para ir até Cantão. Contornamos as enseadas rochosas da península, e, pouco a pouco, a Praia Grande, o forte da Guia, onde foi construído o primeiro farol dos mares da China, o Monte e as ameias dos bastiões perdem-se num horizonte confuso: dizemos adeus a esta colónia, o último posto-avançado europeu que nos é dado ver antes do próprio Celeste Império.
A "Praya Grande" numa pintura anónima do séc. 19 |
Nota: Imagens não incluídas na obra referida.
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