quarta-feira, 15 de junho de 2022

Frei José Jesus Maria

Foi sobretudo com base na documentação da biblioteca do Leal Senado que frei José de Jesus Maria obteve a maior parte da informação com a qual elaborou "desde o anno de 1740 athé 1745" a que viria a ser a importante obra intitulada Azia Sinica e Japonica. Escrevi "viria" porque a obra só veria a luz do dia muitos anos depois e graças a um 'milagre'. 
Perdida durante décadas foi João Feliciano Pereira quem a encontrou no ano de 1889, em forma de manuscrito de 351 páginas de texto, frontispício e índice.
Capa da edição de 1941 coordenada por Charles Boxer.

Entre os vários motivos de interesse do livro contam-se os documentos dos códices mais antigos do velho núcleo do Leal Senado, que as intempéries e os bichos destruíram, mas a que o autor ainda teve acesso. Nesta edição que conta com notas de Marques Pereira, Charles Boxer e José Maria Braga são apontados alguns erros.

Alguns excertos:
"No anno de 1727 se vio bem embrulhada esta cidade de dezunions entre as justiças, querendo não menos que prender hum ouvidor [Moreira de Sousa] de El-Rey: entrava também o Cappitão Geral [Moniz Barreto] nestas tratadas; que como havia parcialidades [como ainda hoje] logo se havião suscitar desordens e contendas: o Embaixador [Metelo de Sousa] que ahinda aqui se achava quiz com o seu respeito e prudência serenar esta tormenta, mostrando com sua douta litteratura o que podião e não podião fazer; pois que regulados não pellas leis, que ignorão, mas so pellos dictames da vontade e subornos de empenhos, sempre fazendo ao direito torto, obrarão o que quizerão. Com effeito se modificou na prezença o facto, por attenção ao respeito; e obzequiando ao Embaixador que estava quasi de partida, lhe pedirão reprezentasse a El-Rey o mizeravel estado desta pobre cidade, propondo lhe as violências que na alfandega de Goa se faziam aos navios desta terra, pedindo lhe as viagens livres, e licença para cada anno poder hir hum navio ao Rio de Janeiro, e isto por pauta, intereçando se nelle todos os moradores".

No ano de 1745 a sociedade macaense era constituída por "Portuguezes, mistiços, nhons, malaios, canarins, timores, moçambiques, malavares, mouros, cafres e outras naçoens de que este todo se compoem, como também de alguns estrangeiros que aqui rezidem, e aqui cazarão francezes, inglezes, etc., não chegão todos a quatro mil" (...)com pouca difrença oito mil chinas, dos quais, me dizem, que só couza de 40 são cristãos".
(...) "nesta cidade de católicos e dentro das portas deste cerco quatro ou cinco pagodes em que vão adorar os seus ídolos. (...) procissões, comédias e diabólicos festins, não falando já no horrível estrépito de boticas que lhe sofrem nas ocasiões de lua, e muito mais na do seu ano novo, que parece isto um inferno com estrondos, desconcertadas vozes e desentoados instrumentos".
A igreja Mater Dei (antes do último incêndio de 1835).
Pintura de presumivelmente um artista macaense.
Espólio do Museu de Arte de Hong Kong.

Para o autor, escrevendo no século 18, o destino de Macau estava "irremediavelmente perdido" por via das "discórdias, bulhas, pendências e mortes por bebedices, principalmente de gente ordinária e cafre como hoje se está vendo e a cidade o paga". A história viria a provar o contrário.

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