domingo, 14 de abril de 2019

"Esta é a Ditosa Pátria Minha Amada"

Depois da travessia aérea do Atlântico Sul em 1922 por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, três aviadores portugueses aventuram-se na tentativa de escrever mais uma vez o nome de Portugal na história da aviação mundial.  A 7 de Abril de 1924 descolam de Vila Nova de Mil Fontes (está lá uma estátua a recordar esse dia) - voaram antes oriundos da Amadora - rumo a Macau. Ou sejam, por estes dias, há 95 anos, o "Pátria" rasgava os céus em direcção a Macau...
O avião escolhido foi o Breguet 16-Bn2 com motor de 300 cavalos de potência, adquirido por subscrição pública e equipado com depósitos suplementares para aumentar a autonomia. Na fuselagem tem pintado a expressão: “Esta é a Ditosa Pátria Minha Amada”.
Ao fim de vários dias de viagem, no deserto de Thur, na Índia, o Pátria acaba por se despenhar. Estava em jogo o prestígio do país e de Lisboa depressa segue a autorização para comprar outro avião para concluir a viagem. O avião escolhido foi um DeHavilland DH-9A com um motor de 450cv, comprado por 4.700 libras e baptizado de Pátria II mas com lugar apenas para dois tripulantes. Os restos do primeiro “Pátria” foram encaixotados e enviados para Lisboa e a 30 de Maio de 1924 o “Pátria II” descolou às primeiras horas da manhã, rumo a Ambala.


No dia 20 de Junho o “Pátria II” descolou de Sontai rumo a Macau a mais de 1000 quilómetros de distância No diário de bordo escrevem:  "O motor funcionava admiravelmente, o tempo conservava a transparência de um dia de Novembro, no nosso pensamento só uma ideia vivia, só uma aspiração vibrava - chegar a Macau."
E assim parecia que ia acontecer. Só que o mau tempo pregou uma partida. «Sobe o açoite furioso dos aguaceiros densos, rompemos para o Istmo de Macau, e passamos sobre a Ilha Verde e as Portas do Cerco."
Em Macau a população em peso olha para os céus e testemunha as cores de Portugal só que o vento impede a aterragem.
"São cinco minutos de voo inacreditável, indescritível, irreal. O aparelho parece levado como uma folha de árvore, na violência do furacão"
Perante a intempérie rumam a Cantão onde fazem uma aterragem forçada junto à linha férrea (que ligava a hong Kong). Avistam um pequeno campo perto de um cemitério na aldeia Sham Chun (o rio com o mesmo nome faz a fronteira em Hong Kong e a China). Na aterragem batem numa sebe e partem a hélice e o trem de aterragem. Era o fim da viagem.

O "Pátria II" na aldeia chinesa de Sham Chum (entre Cantão e Hong Kong): Junho 1924
Debaixo de chuva, Sarmento de Beires e Brito Pais procuram ajuda. Sem ninguém que os compreenda caminham até Hong Kong onde foram recebidos pela colónia portuguesa e pelo cônsul. Por esta altura a notícia do feito alcançado já se espalhara por todo o mundo. Os jornais do dia 21 de Junho de 1924 não falam de outra coisa.
"Victoria! Brito Paes e Sarmento Beires chegaram a Macau": título da primeira página totalmente dedicada ao raide da edição de 21 de Junho de 1924 do jornal brasileiro "A Noite".
Nesse dia a canhoneira “Macau” que partira do território chega a Hong-Kong. O navio tinha andado o dia anterior em buscas para encontrar o “Pátria II” que se admitia poder ter-se despenhado no mar devido ao mau tempo. No dia 23, um grupo de mecânicos desmontou o “Pátria II” e no dia 25, Sarmento de Beires e Brito Pais, chegaram a Macau a bordo da Canhoneira. No território Sarmento de Beires, Brito Pais e Manuel Gouveia foram recebidos entusiasticamente e como heróis de uma façanha nunca antes alcançada: 16.380 Km percorridos em 115 horas e 45 minutos.
Na sessão de 23 de Junho no parlamento português o feito também não passou despercebido. Na sua intervenção Jaime de Sousa diz: "Sr. Presidente: é do conhecimento de V. Exa. e da Câmara, e conhece o país inteiro, o facto extraordinário da chegada a Macau dos ilustres aviadores Brito Pais e Sarmento de Beires, que em condições tam difíceis, sob o ponto de vista material, chegaram a terras nossas no Oriente, demonstrando a sua audácia e habilidade. Há quarenta e oito horas que Portugal inteiro vibra de entusiasmo por êsse rasgo de audácia. O nosso coração de portugueses regista mais uma vez as energias duma raça."
Por via do que fora alcançado nesta sessão parlamentar acaba por ser  concedida uma amnistia aos aviadores que estavam presos em S. Julião da Barra.

Na edição de 10 de Julho de 1924 da Gazeta das Colónias escreve-se:
"Terminada a viagem dos heroicos aviadores Brito Pais e Sarmento de Beires , mal apagadas ainda as ultimas manifestações do entusiasmo, em que o País inteiro vibrou, procurámos colher sobre o valôr do brilhante raid as impressões de alguem que pudesse dar-nos uma opinião segura , imparcialmente formada nos moldes da técnica, liberta de quaisquer tendencias que pudessem desvirtua-la" (...) “A Gazeta das Colonias presta hoje as suas sinceras homenagens aos intrepidos aviadores, majores Brito Pais e Sarmento de Beires e ao seu habil e dedicado mecânico, alferes Manuel Gouveia os quais pelo brilho e pela bravura com que empreenderam e rialisaram a travessia Lisboa-Macau foram lá longe, no Extremo Oriente, aviventar o prestigio do nome de Portugal e mostrar ao mundo que na velha Raça Portuguesa ainda perduram as virtudes que a tornaram grande".

2 comentários:

  1. que espetáculo João :)
    hoje se falou no voo do maior avião do mundo, desta vez americano !
    também já vi um video sobre o voo de Gago Coutinho e Sacadura Cabral,
    mas não tinha conhecimento do feito destes 2 aviadores portugueses!

    https://www.youtube.com/watch?v=d5KwFY27m7Q
    https://www.youtube.com/watch?v=nGdmUswkDdk

    https://www.youtube.com/watch?v=ZqsGxa44g_8


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  2. Curiosamente Brito Pais e Sarmento de Beires deveriam ter feito essa travessia do Atlântico Sul só que o avião não ficou pronto a tempo... Coutinho e Cabral acabaram assim por a fazer numa distância bem mais pequena (mais de metade)em relação ao raid Lisboa-Macau.

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