Com o título "Não Concordamos", o editorial do jornal Gazeta de Coimbra de 18 de Agosto de 1928 insurge-se contra a ida do espólio das peças doadas por Camilo Pessanha ao Museu Machado de Castro para a Exposição de Sevilha que se realizou em 1929.
"Ao Museu Machado de Castro foram doadas pelo benemérito Camilo Pessanha, que faleceu em Macau, grande quantidade de preciosas louças, que há pouco chegaram a Lisboa e que, por deliberação da direcção do Museu, e em virtude de pedido que lhe foi feito, seguirão directamente para Sevilha, para figurarem na exposição que ali se realiza.no próximo ano. O facto tem sido estranhado e com determinadas razões, não só porque o precioso legado devia em primeiro lugar dar entrada no Museu Machado de Castro, a que por direito pertence, para ser devidamente catalogado, mas também porque se ignora o estado em que ele se encontra dentro dos caixotes em que foi transportado para Lisboa.
Temos muito respeito e consideração por quem se encontra á frente da administração do Museu, mas temos também muito amor ao que ali existe e ao que lá pertence, que é de nós todos, que é pertença da cidade, que muito se orgulha com as preciosidades que dentro de si alberga, que são admiradas por nacionais e estrangeiros. Dispor delas é facto com que não concordamos, e muito mais ainda quando é ignorado o seu valor real e a sua quantidade, como acontece á oferta feita por aquele amigo do Museu e grande amigo de Coimbra.
Empréstimos de preciosidades para figurarem em exposições, é caso que se não amolda com a nossa forma de pensar. Na exposição de Sevilha devem figurar produtos da s industrias em laboração na presente época para se tornarem conhecidas de quem a visita.
Preciosidades históricas ou artísticas de épocas remotas ou de industrias que finalizaram, essas só nos Museus devem ser vistas. A exposição de Sevilha, trás a Portugal milhares de indivíduos que a ela se dirigem, sendo Coimbra uma das terras escolhidas para a sua visita, onde por eles serão apreciadas todas as jóias que aqui possuímos, no numero das quais podem figurar as louças oferecidas pelo benemérito Camilo Pessanha e que pretendem enviar para Sevilha. E isto de empréstimos para exposições é coisa que não concordamos, repetimos. (...)
Reza a história que com esta decisão algumas peças 'perderam-se' para sempre e outras ficaram danificadas após a permanência em Espanha. Ainda assim, podem ser vistas no Museu do Oriente em Lisboa (imagens abaixo) centenas de obras de pintura e caligrafia doadas por Camilo Pessanha ao Estado português - no caso ao Museu Machado de Castro, de Coimbra, de onde era o poeta - pouco antes de morrer. Da doação de 1926 contam-se dezenas de porcelanas, bronzes, cloisonné e álbuns de pintura.
Já antes, em 1915, na última viagem que fez a Portugal, Pessanha doara inúmeras peças ao Museu Nacional de Arte Antiga: rolos de pintura, peças de vestuário, bronzes, frascos de rapé e porcelanas. Foram depois enviadas para o Museu Machado de Castro que também recebeu as peças doadas em 1926.
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