A fundação de Macau, em termos globais, foi consequência directa de vários factores complementares, que convirá desde já relembrar com brevidade: em primeiro lugar, a presença portuguesa nos mares do Extremo Oriente, iniciada em 1511 com a conquista de Malaca, que sempre andou intimamente associada a um vasto conjunto de interesses materiais e religiosos, empenhados numa aproximação privilegiada ao Celeste Império; depois, o descobrimento do Japão pelos navegadores portugueses em 1542 ou 1543, causador de um acrescido movimento mercantil nos portos chineses meridionais; e em terceiro lugar, a existência na província chinesa do Guangdong de uma conjuntura interna momentaneamente favorável ao intercâmbio pacífico com os bárbaros estrangeiros.
O entreposto português de Macau surgiu por volta de 1557, em circunstâncias ainda imperfeitamente esclarecidas. Apenas dois anos antes, os mercadores oriundos de Portugal ainda frequentavam Lampacau, uma pequena ilha desértica da Baía de Cantão, utilizando a península macaense como ponto de escala nas suas deslocações regulares à grande metrópole meridional.
O ancoradouro designado por Macau situava-se então num local deserto, ou escassamente povoado, sem qualquer relevo de maior no contexto regional. Nas décadas seguintes, porém, graças à presença dos portugueses, viria a conhecer um desenvolvimento fulgurante, até se transformar num dos mais importantes portos da Ásia marítima. A génese da cidade do Nome de Deus é um dos temas mais estudados e, simultaneamente, mais confusos da história da presença portuguesa na China, uma vez que a relativa escassez de documentos tem suscitado a proliferação de versões românticas, e indevidamente fundamentadas, do acontecimento.
Excerto de um mapa publicado em 1835 |
O Porto de Macau. Fronteira Extremo-Oriental
Um dos primeiros povoadores de Macau, segundo parece, terá sido o padre Gregório González, sobre o qual quase nada se consegue apurar. Este prelado espanhol, aí por 1573, escreveu uma longa carta
a D. Juan de Borja, então embaixador de Filipe II em Lisboa, dando-lhe conta de alguns sucessos ocorridos na costa meridional da China em anos anteriores. Aparentemente, o padre González fora enviado deMalaca para os portos chineses depois das “pazes comos portugueses”, isto é, logo após a celebração, em1554, de um acordo informal entre Leonel de Sousa e os mandarins de Cantão, com vista à normalização do tráfico luso-chinês. O capitão algarvio Leonel de Sousa apenas regressou a Malaca em Março de 1555, de modo que o vigário só terá rumado ao litoral cantonense na monção desse mesmo ano. Em 1555, depois dos mercadores portugueses terem abandonado os seus acampamentos temporários, o padre Gregório permaneceu “na terra” com “sete cristãos". As autoridades provinciais, segundo alega, aprisionaram-nos a todos, gritando sobretudo com o prelado, perguntando-lhe por que razão se "deixava ficar na terra, que seria alguma traição".
González não menciona explicitamente o lugar onde invernou, nem identifica os seus companheiros de cativeiro; mas parece lógico assumir que teria ficado em Macau com alguns mercadores portugueses. Com efeito, nesse mesmo ano de 1555, alguns deles, e também vários jesuítas, invernaram na ilha de Lampacau sem qualquer oposição dos mandarins de Cantão. Apenas o ancoradouro de Macau, situado no continente, teria sido interdito aos estrangeiros, o que explicaria cabalmente as peripécias vividas pelo religioso espanhol, que veio a ser libertado após o reinício da época mercantil.
Em 1556 a situação parece ter-se repetido. Depois de todos os navios lusitanos terem abandonado o porto de Macau, escala provisória no caminho para Cantão, o padre Gregório, que entretanto tinha convertido alguns chineses e construído uma "igreja de palha", decidiu permanecer naquele ancoradouro com a sua pequena congregação de "75 cristãos". Todos foram novamente aprisionados pelos mandarins provinciais, que, no entanto, voltariam a libertá-los nos primeiros meses do ano reservas. O clérigo espanhol, contudo, declara que depois de 1557 os portugueses puderam residir tranquilamente em Macau, onde, "por decurso do tempo", se veio a fundar "uma povoação muito grande", que doze anos mais tarde contava já com mais de "cinco mil almas cristãs".
A data da fundação do estabelecimento português parece de aceitar, uma vez que frei Gaspar da Cruz, que visitou o litoral chinês em 1556, não faz ainda qualquer referência a tal povoação, no seu extenso Tratado das Coisas da China. (...)
Excerto de um artigo da autoria de Rui Manuel Loureiro publicado na Revista Cultura, Macau, 2002
Nota: imagem não incluída no artigo referido.
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