Instruções das autoridades de Portugal dadas a Ferreira do Amaral em 20 de Janeiro de 1846 numa carta de Portugal para Macau:
"Se na época em que Macau abundava de recursos por não haver na China outro algum estabelecimento semelhante que lhe disputasse o monopólio do comércio daquela região, o seu governo carecia ser confiado a pessoas de muita capacidade e prudência que' soubessem apreciar devidamente a especialidade das suas circunstâncias, do seu regime e da sua posição melindrosa em relação ao Império da China, hoje, que pela abertura dos Portos daquele Império ao comércio de todas as Nações mudou inteiramente de face a situação de Macau, que o comércio de que esta Cidade era o único empório se pode agora fazer directamente para os ditos portos abertos, e que ainda as vantagens que do trânsito das mercadorias destinadas àquele comércio lhe podiam resultar lhe são disputa, das pelo novo Estabelecimento inglês de Hong Kong. Hoje que esta Cidade cujos rendimentos em outro tempo excediam consideravelmente a sua despesa, aliás tão excessiva e desnecessária, se tem visto reduzida por aquelas causas a não poder satisfazer sequer metade dos encargos que pesam sobre o seu cofre. Hoje, finalmente, que, por assim dizer, Macau é um estabelecimento a refundir e criar de novo inteiramente, reconhecerá V. Senhoria quão graves e difíceis são as circunstâncias em que vai dirigir a sua Administração e quão grande deve ser a confiança que S.M. deposita no saber e na experiência de V. Sa., na energia do seu carácter e no seu patriotismo, para incumbir a V. Sa. de tão importante e honrosa comissão e para esperar que V. Sa. superará todas as dificuldades que no seu desempenho possa encontrar.
Provado actualmente pela experiência, inútil, prejudicial e insubsistente o antigo sistema restritivo do Comércio, agora que Macau já não possui o monopólio do que se fazia com a China, é reconhecido por todos que o único meio de alevantar aquela Cidade da sua actual e progressiva decadência e de lhe fazer adquirir, senão a sua antiga opulência, ao menos os recursos indispensáveis para a sua conservação, seria tomar o seu porto, hoje aberto aos navios de todas as nações, franco também para o comércio de todas elas, ordenou S.M. a sua providência por Decreto de 20 de Novembro do ano passado.
Com esta providência é de esperar - atentas as facilidades que a vantajosa posição geográfica de Macau oferece para a introdução de mercadorias na China, assim por mar como por terra, a salubridade do seu clima, as comodidades que proporciona aos Estrangeiros e até os hábitos de comércio contraídos desde longo tempo com aquela nação -que de novo para ela se encaminhem os navios mercantes de todas as Nações, preferindo-a a Hong Kong, aonde se não acham nenhumas daquelas vantagens, e onde, apesar da franqueza do seu porto, são mui pesadas, segundo consta, as despesas de ancoragem, armazenagem, etc., e proporcionando-se por aquele modo aos negociantes, aos proprietários, e, em geral, a todos os habitantes de Macau que exercerem quaisquer géneros de indústria, os meios de adquirirem interesses, forçoso é também que a exemplo de todos os outros Cidadãos Portugueses eles contribuam proporcionalmente para as despesas indispensáveis da Administração da Província a que pertencem, suprindo o déficit que deve resultar da estagnação da única fonte dos rendimentos do Cofre de Macau a Alfândega, já aliás tão reduzida ultimamente e que de todo deveria extinguir-se. Eis aqui o mais difícil e importante objecto da comissão que a V. Sa. é confiada. Antes, porém, de estabelecer novos impostos em substituição dos antigos, é de rigorosa obrigação neste momento de transição para novo modo de existência que se dá a Macau, cortar por toda a despesa actual e reduzi-la ao absolutamente necessário, afim de que os contribuintes reconheçam que se lhes não exige mais do que o indispensável para a manutenção da ordem e do sossego público (...)"
in Arquivo Histórico Ultramarino, Livro 3.° de Correspondência Expedida para Macau
"No dia 13 de Fevereiro de 1846, o Herói de Itaparica João Maria Ferreira do Amaral embarca para Macau no navio inglês Madrid, vindo a ser o primeiro Governador a administrar a Província, como independente da Tutela do Estado da Índia. No dia 22 de Abril de 1846, tomou posse do Governo da Província de Macau, Timor e Solor, o Conselheiro Capitão de Mar-e-Guerra, João Maria Ferreira do Amaral, até aí conhecido como “O herói de Itaparica”, que tinha chegado no dia 19 deste mês e ano. João Maria Ferreira do Amaral é o novo Governador de Macau e só não ultrapassa a data de 1849 no cargo porque é assassinado. O cavaleiro-fidalgo era natural de Lisboa e muito culto em línguas e Filosofia, em Matemática e Cálculo Astronómico. [Precisava, pensamos nós, de mais Psicologia para perceber no rosto que parecia oferecer-lhe flores, a expressão de quem ia derrubá-lo do cavalo e decapitá-lo!] Foi preso pelos miguelistas mas libertado por falta de provas, dezoito meses depois. Emigrou com outros liberais para Inglaterra e depois para a Ilha Terceira. Esteve, ao serviço de Portugal, em Turim e Roma, em Génova e portos de Espanha. Vigiou o contrabando e tráfego de escravos entre os Açores e a América Latina. Resgatou liberais em Brest, foi exercer funções em Luanda. Opôs-se ao desrespeito dos britânicos para com as autoridades portuguesas. Foi para o Brasil e perdeu lá um braço, em combate. Foi repetidamente agraciado pela Coroa. Trocou a marinha pela política e, como homem de confiança do Ministro da Marinha e Ultramar, Joaquim José Falcão, a acrescentar ao perfil firme e determinado de que Macau carecia, tomou posse como Governador a 22 de Abril de 1846. Começou por saldar dívidas à tropa e a funcionários com dinheiro da Pagadoria da Marinha e preparou-se para definir nova estratégia política em Macau. Em 1847 comunicou a QiYing que ia construir uma casa forte na Taipa. A posse da Taipa era, sobretudo, a posse de um porto com melhores condições do que Macau e mais avançado para defesa de qualquer investida estrangeira. Para reparação do cais de Macau, instituiu tributação de uma pataca mensal aos barcos “faitiões” que se registassem na Procuratura. Não foi aceite pelos “contribuintes” esta iniciativa e 1500 chineses em 37 “faitiões” vindos pelo rio abaixo romperam de madrugada pelo cais do porto interior e atacaram a cidade. Foram reprimidos pelos soldados e porque a população ribeirinha os escondeu na confusão de ruelas e casebres daquela parte da cidade. O Governo de Ferreira do Amaral é rico e controverso. Demos um apontamento nesta passagem sobre Governadores, mas a Cronologia indica fontes para seguir de perto o seu mandato até e depois do infeliz desenlace. Como Governador, João Maria Ferreira do Amaral concebeu o plano de despojar o Mandarim de parte dos poderes de que estava revestido, ampliando a esfera de atribuições da Procuratura (único tribunal, em Macau, para julgamento de chineses). Igualmente mandou fechar definitivamente a Alfândega.
Beatriz Basto da Silva in Cronologia da História de Macau. Vol. 2
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