Actualmente, no centro financeiro da cidade-Estado de Singapura, existe uma "D'Almeida Street" cujas origens remontam a um português com fortes ligações a Macau e que esteve ligado à fundação de Singapura como posto comercial da Companhia Britânica das Índias Orientais por Sir Stamford Raffles em 1819 com a permissão do Sultanato de Jor. Trata-se José d’Almeida Carvalho e Silva (1784-1850), um dos primeiros colonizadores europeus e um dos poucos proprietários de terras em Singapura.
A histórica começa em 1808 quando José d'Almeida (nascido em S. Pedro do Sul), depois de se ter formado em medicina, foi nomeado cirurgião-chefe do navio Vasco da Gama, estacionado em Lisboa. Viajou para o Oriente rumo a Macau onde viria a ser diretor do Hospital São Rafael, Almotacé da Câmara/Senado em 1815, vereador do Leal Senado em 1822, escrivão do juiz de direito de Macau, irmão, tesoureiro e provedor da Santa Casa da da Misericórdia, e um dos fundadores da nova Casa de Seguros de Macau. Foi também em Macau que casou, pela primeira vez, com Rosalia.
Nessa primeira viagem rumo a Macau, ao passar por Singapura, José d'Almeida comprou um terreno onde viria a construir uma casa em Beach Road.
Com a Revolução Liberal de 1820 em Portugal o território de Macau rompeu a ligação com Goa, na Índia, e uma força militar foi enviada de Goa para tomar o poder em Macau. É nesse contexto que José d'Almeida foi preso no final de 1823 e enviado a Goa para julgamento. Daqui conseguiu fugir para Mumbai juntamente com o Padre Francisco da Silva Pinto e Maia, que mais tarde estabeleceria a Missão Portuguesa em Singapura. Ainda regressou a Macau onde juntou a família e rumaram de forma definitiva para Singapura em 1825 onde abriram um dispensário na Commercial Square/Praça Comercial (redenominada Raffles Place em 1858). A zona era muito pantanosa e propícia a doenças sendo os seus conhecimentos como médico muito apreciados. Foi o primeiro de muitos negócios.
Pouco depois de estarem a viver em Singapura um navio mercante português e outro espanhol que transportavam produtos perecíveis oriundos de Manila ficaram encalhados junto à cidade devido ao mau tempo. Foi a oportunidade para José d'Almeida vender os produtos que estavam a bordo fundando a empresa comercial Jose d'Almeida & Co. que viria a tornar-se uma das maiores do território
Notícia do nascimento de um descendente em 1860 |
José d'Almeida visitou a Europa pela última vez em 1842 e foi nomeado cavaleiro pela então Rainha de Portugal D. Maria II. Foi também nomeado Cônsul Geral de Portugal nas Colônias do Estreito (de Malaca a Singapura). Mais tarde, tornou-se membro do Conselho da Rainha em Portugal. FOi ainda agraciados com altas honras por Inglaterra e Espanha. Viria a morrer a 17 de outubro de 1850 e foi sepultado em Fort Canning Hill. Um dos últimos relatórios que faz enquanto cônsul é de 2 de Julho de 1850
Planta da cidade em 1828 desenha pelo tenente inglês Philip Jackson |
Com a prosperidade dos negócios a casa de José d’Almeida depressa se tornou numa referência cultural em Singapura, em especial pelos colonos europeus, sendo muito apreciados os saraus culturais e musicais.
Em 1836, José d'Almeida é um dos fundadores da Singapore Agricultural and Horticultural Society tendo feito várias experiências no cultivo de produtos como o algodão, açúcar, café e baunilha mas sem grande sucesso. Ainda assim, estava criado o jardim botânico de Singapura que em 2015 foi reconhecido pelo Unesco como Património Mundial da Humanidade.
Em 1838 José D'Almeida casou pela segunda vez em Singapura com Maria Isabel Nunes.
O cargo de Cônsul Geral de Portugal nas Colónias do Estreito viriam a dar grandes dissabores, nomeadamente para os herdeiros, com o consulado e a empresa a funcionarem no mesmo espaço e a terem funções idênticas, o financiamento de viagens marítimas dos portugueses na região, incluindo Macau e Timor, onde os negócios nem sempre tiveram sucesso acumulando-se as dívidas.
Anúncio de 1846 |
O consulado ainda passaria para as mãos do neto de José d’Almeida, William Barrington d’ Almeida. Mas foi o último. As dívidas e o desinteresse das autoridades portuguesas levaram ao quase abandono da representação diplomática de Portugal em Singapura e os sucessores começam a optar pela cidadania britânica. O único laço com Portugal já na segunda metade do século 19 seria mantido através de Macau onde William vai mantendo negócios chegando mesmo a visitar o território.
The London Gazette 8.12.1865: falência da empresa |
Curiosidade: já são poucos os que descendentes de José d'Almeida que ainda vivem em Singapura. A ocupação japonesa no período da segunda guerra mundial fez com que muitos familiares emigração para países como o Reino Unido e Austrália.
Curiosidade II: Esta história remonta à década de 1820; na década de 1840 cidadãos portugueses de Macau viriam a ter uma papel relevante na 'fundação' de Hong Kong.
Sugestões de leitura:
Fr. F. Bata - Um português em Singapura: Dr. Jose D‘Almeida, Macau: Imprensa Nacional, 1984Manuel Teixeira - As Missões Portuguesas em Malaca e Singapura 1511-1958, Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1959
João Guedes - From scientist in Macao to Founder of Singapore, Macao Magazine, 2017
Sempre fascinante seguir e aprender tanto com este teu trabalho de mineiro de saberes. Obrigado!
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