O nome Macau deve ter sido, a princípio, apenas o do local onde se encontra o Pagode da Barra e onde, segundo a tradição, os nossos pioneiros desembarcaram pela primeira vez.
Enquanto a povoação se estabelecia e aumentava, este nome persistiu na boca do povo, a despeito de todas as designações oficiais, portuguesas ou chinesas.
É um problema confuso o da origem desta palavra que tendo, segundo tudo leva a crer, um étimo chinês, não é contudo o nome com que os chineses designam a cidade nem parece ter sido o da península antes da chegada dos portugueses aqui.
Enquanto a povoação se estabelecia e aumentava, este nome persistiu na boca do povo, a despeito de todas as designações oficiais, portuguesas ou chinesas.
É um problema confuso o da origem desta palavra que tendo, segundo tudo leva a crer, um étimo chinês, não é contudo o nome com que os chineses designam a cidade nem parece ter sido o da península antes da chegada dos portugueses aqui.
A designação usada no dialecto cantonense é Ou-Mun, palavra que ouvimos a cada passo, tanto ao homem da rua como ao chinês culto. Na língua oficial pequinense a designação é a mesma, mas pronunciada Ao-Men.
Este nome, posto que bastante antigo, parece ter entrado em uso posteriormente à chegada dos nossos navegantes. Segundo afirma Luís G. Gomes, distinto sinólogo e autor de várias obras muito curiosas sobre história e lendas chinesas, no seu artigo Os diversos nomes de Macau, «O nome actualmente adoptado é Ou-Mun 澳門 que significa "Porta da Baía". Não consta, porém, que este nome tivesse sido empregado nos escritos chineses anteriores à dinastia Mêng 明 (1368-1628)».
Este nome, posto que bastante antigo, parece ter entrado em uso posteriormente à chegada dos nossos navegantes. Segundo afirma Luís G. Gomes, distinto sinólogo e autor de várias obras muito curiosas sobre história e lendas chinesas, no seu artigo Os diversos nomes de Macau, «O nome actualmente adoptado é Ou-Mun 澳門 que significa "Porta da Baía". Não consta, porém, que este nome tivesse sido empregado nos escritos chineses anteriores à dinastia Mêng 明 (1368-1628)».
E ainda, em A Toponomástica chinesa de Macau:
«Durante a dinastia Mêng (1368-1621) Macau era conhecida por Hói-Keang-Ou海鏡澳(Baía do Espelho do Mar), ou simplesmente por Hói-Kèang, nome sugerido pelo aspecto com que se apresentava a brilhante superfície das águas que formavam, outrora, a encantadora angra da Praia Grande.»
Donde pode concluir-se que a designação Ou-Mun começou a aparecer logo após a dinastia Mêng, isto é, por meados do século XVII da nossa era.
Um das muitas variantes de Hói-Kèang era Hau-Ching-Ao (também transcrito Hao--Quing), usado nos documentos oficiais da mesma época.
Dos já citados artigos de Luís Gomes extraímos várias outras designações mais ou menos poéticas, dadas pelos chineses a este local: "Hèong-Sán-Ou 香山澳 (Baía da Colina Odorífera)", "Lin-Fá-Tou 蓮花島 (Ilha de Nenúfares)", "Lin-Ièong 蓮洋 (Oceano de Lotos)" - e muitas mais poderíamos citar, pois parece que a fértil imaginação chinesa foi especialmente atraída pela singular beleza desta terra, com a sua baía espelhenta e a suave ondulação das suas colinas.
Contudo, todos esses nomes devem ser apenas designações literárias, que o povo chinês provavelmente nunca conheceu.
De qualquer modo nenhuma delas, nem tão pouco Ou-Mun ou Ao-Men, ou ainda Hao-Ching-Ao (baia de Hao-Ching), parecem ter qualquer parentesco com a nossa palavra Macau, a não ser talvez pelo elemento Ao que adiante consideraremos.
Qual seria verdadeiramente o nome que os portugueses ouviram, quando começaram a frequentar este porto ou mesmo antes, quando comerciavam pelas costas da China?
Segundo a teoria, bastante aceitável, do consciencioso investigador da história de Macau, José Maria Braga, os portugueses teriam tido conhecimento do nome Ho-Kiang (ou Hói Kèang), que poderia ter soado O-Keng ou Ho-Keng na fala dialectal das populações marítimas do sul da China, por alturas da primeira viagem de Jorge Álvares ou mesmo antes.
Cita o mesmo autor duas passagens da Suma Oriental de Tomé Pires, escrita em Malaca entre 1512 e 1515, onde se encontra o nome oquem e o que parece ser a variante foquem. Ambas as palavras se referem a um porto situado perto de Cantão, a três dias de viagem por terra e a um dia e uma noite por mar. E por esta situação, que se ajusta perfeitamente a Macau e às condições de viagem daqueles tempos; e porque foquem pode ser erro de copista por hoquem (que facilmente Tomé Pires escreveria com e sem h), crê J. M. Braga que Tomé Pires se referia nas duas passagens ao porto de Macau.
Mas se Tomé Pires por qualquer modo conheceu o nome Ho-Keng, pronúncia dialectal (ou até talvez pronúncia dum intérprete malaio) correspondente ao cantonense Hói--Kèang, também os fundadores de Macau o devem ter conhecido, e principalmennte na forma pequinense Hao-Quing, que seria a usada pelas autoridades chinesas com quem tinham de tratar. Contudo nenhuma dessas formas se popularizou entre os nossos homens, mas sim aquela que perdura até hoje - Macau.
«Durante a dinastia Mêng (1368-1621) Macau era conhecida por Hói-Keang-Ou海鏡澳(Baía do Espelho do Mar), ou simplesmente por Hói-Kèang, nome sugerido pelo aspecto com que se apresentava a brilhante superfície das águas que formavam, outrora, a encantadora angra da Praia Grande.»
Donde pode concluir-se que a designação Ou-Mun começou a aparecer logo após a dinastia Mêng, isto é, por meados do século XVII da nossa era.
Um das muitas variantes de Hói-Kèang era Hau-Ching-Ao (também transcrito Hao--Quing), usado nos documentos oficiais da mesma época.
Dos já citados artigos de Luís Gomes extraímos várias outras designações mais ou menos poéticas, dadas pelos chineses a este local: "Hèong-Sán-Ou 香山澳 (Baía da Colina Odorífera)", "Lin-Fá-Tou 蓮花島 (Ilha de Nenúfares)", "Lin-Ièong 蓮洋 (Oceano de Lotos)" - e muitas mais poderíamos citar, pois parece que a fértil imaginação chinesa foi especialmente atraída pela singular beleza desta terra, com a sua baía espelhenta e a suave ondulação das suas colinas.
Contudo, todos esses nomes devem ser apenas designações literárias, que o povo chinês provavelmente nunca conheceu.
De qualquer modo nenhuma delas, nem tão pouco Ou-Mun ou Ao-Men, ou ainda Hao-Ching-Ao (baia de Hao-Ching), parecem ter qualquer parentesco com a nossa palavra Macau, a não ser talvez pelo elemento Ao que adiante consideraremos.
Qual seria verdadeiramente o nome que os portugueses ouviram, quando começaram a frequentar este porto ou mesmo antes, quando comerciavam pelas costas da China?
Segundo a teoria, bastante aceitável, do consciencioso investigador da história de Macau, José Maria Braga, os portugueses teriam tido conhecimento do nome Ho-Kiang (ou Hói Kèang), que poderia ter soado O-Keng ou Ho-Keng na fala dialectal das populações marítimas do sul da China, por alturas da primeira viagem de Jorge Álvares ou mesmo antes.
Cita o mesmo autor duas passagens da Suma Oriental de Tomé Pires, escrita em Malaca entre 1512 e 1515, onde se encontra o nome oquem e o que parece ser a variante foquem. Ambas as palavras se referem a um porto situado perto de Cantão, a três dias de viagem por terra e a um dia e uma noite por mar. E por esta situação, que se ajusta perfeitamente a Macau e às condições de viagem daqueles tempos; e porque foquem pode ser erro de copista por hoquem (que facilmente Tomé Pires escreveria com e sem h), crê J. M. Braga que Tomé Pires se referia nas duas passagens ao porto de Macau.
Mas se Tomé Pires por qualquer modo conheceu o nome Ho-Keng, pronúncia dialectal (ou até talvez pronúncia dum intérprete malaio) correspondente ao cantonense Hói--Kèang, também os fundadores de Macau o devem ter conhecido, e principalmennte na forma pequinense Hao-Quing, que seria a usada pelas autoridades chinesas com quem tinham de tratar. Contudo nenhuma dessas formas se popularizou entre os nossos homens, mas sim aquela que perdura até hoje - Macau.
Esta palavra Macau tem sido objecto de estudo quer por parte de estrangeiros conhecedores do chinês, quer por parte de historiadores chineses.
Aos investigadores portugueses que aqui em Macau se têm interessado pelo assunto devemos o meritório trabalho de reunir as diferentes versões existentes acerca duma etimologia que provavelmente ficará sempre hipotética.
Dada a inexistência, nos arquivos de Macau, de documentos relativos aos primeiros tempos do estabelecimento português na China, dado ainda o nosso quase total desconhecimento da língua chinesa (não falando já da escrita), pouco podemos adi-antar na solução do problema; mas poderemos, ainda assim, tomar conhecimento dos étimos propostos e exercer sobre eles uma certa crítica, à luz das leis gerais que regem a evolução das palavras.
Macau parece ser uma palavra composta por dois elementos distintos- Ma e cau - e para estudarmos a palavra teremos de considerá-los separadamente.
As teorias quanto à origem do elemento -cau são diversas, mas quase todas são concordes em relacionar a sílaba Má com o nome do ídolo Má ou A-Má (mãe)que os chineses veneram no velho Má-Kók-Miu, conhecido entre os portugueses por Pagode da Barra. Este templo, que se julga ser anterior à chegada dos portugueses a Macau, ergue-se no lugar onde, segundo a tradição, os nossos mareantes teriam desembarcado pela primeira vez.
Uma poética lenda chinesa faz deste ídolo A-Má uma deusa protectora dos marítimos. E o seu templo, que é ainda hoje um dos mais concorridos, seria o ponto de referência mais importante numa terra escassamente habitada, mas que servia de abrigo temporário, como serve ainda hoje a grande número de pescadores.
É natural, portanto, que os nossos homens, antes mesmo de desembarcarem aqui, quando comerciavam nas ilhas próximas, ouvissem o nome da deusa ligado à designação do ancoradouro onde se encontra o seu templo - o local que hoje chamamos a Barra, à entrada do Porto Interior.
E, se é que conheceram o nome oficial do porto, é natural também que, sendo eles pró-prios homens do mar, lhe preferissem o nome popular da deusa protectora dos marítimos, ainda que deusa pagã.
Os chineses usam geralmente antes dos nomes de pessoa um prefixo A-[á] que é simplesmente protético e sem significação. Assim, o ídolo de que falamos é designado por Má ou A-Má e daqui viriam as formas Amacau e Amagau que precederam a actual forma Macau.
Há, porém, algumas versões chinesas, segundo as quais o nome de Macau não estaria relacionado com o nome da referida deusa, mas, por qualquer motivo obscuro, com uma outra letra Má que significa cavalo.
Uma destas versões que faz de Má-Kao uma «adulteração de Mà-Kók » estabelece no nosso espírito alguma confusão, pelo que preferimos reproduzir textualmente as palavras com que Luís Gomes nos apresenta essa etimologia:
« Quanto à palavra Má-Káu 馬蛟 (Coito do Cavalo), é ela derivada da adulteração de Má--Kók 馬蛟 (chifre do Cavalo), isto é, a Barra, local este, em que, no Verão do ano 36 de Ká--Tchêng 嘉靖(1558), da dinastia Mêng, desembarcaram os primeiros Portugueses que vieram ao Oriente solicitar à China um lugar para ancorar os seus navios e edificar lojas ou armazéns, que foram primitivamente construídos em frente do templo que ainda existe neste sítio.
Não deixa de ser verosímil esta hipótese, além de que bem podia ter-se dado o facto de os nativos, ao terem sido interrogados sobre o nome desta cidade, pelos primeiros Portugueses, lhes tivessem respondido chamar-se Má-Kók, julgando assim satisfazer a curiosidade desses estrangeiros com o nome do sítio onde os mesmos desembarcaram e onde primitivamente se fixaram. Como Má--Kók se pronuncia má-tchiao em pequinense, dialecto oficial dos mandarins, talvez esses primeiros Portugueses tivessem adoptado esta última forma, para designar o sítio onde originalmente se estabeleceram e que, com o tempo, se foi generalizando para designar toda a península. Devia também ter-se dado o caso de os sons má-tchiao terem sido representados, em Português, por ma-chao, que, por erro, se passasse a pronunciar e a escrever Macau.»
Esta hipótese, que Luís Gomes achou verosímil, parece-nos a nós muito difícil de aceitar.
Que os chineses empregassem a palavra Má-Kók «Chifre do Cavalo» (estranha significação) para designar o mesmo local (a Barra) onde se encontra o templo de Má Kók, a deusa, ainda se compreende, sabido como é que a mais ligeira variante de tom, em chinês, produz uma significação completamente diferente.
Mas porque a alterariam para Má-Káu, insistindo na palavra «cavalo»(Má)? Conforme o próprio Luís Gomes diz noutro lugar, «não existiam tais animais em Macau, nos primeiros tempos da sua fundação nem tão pouco a configuração desta peninsulazinha se assemelha a qualquer espécie equina por melhor boa vontade e maior liberdade que se queira dar à imaginação»
Aos investigadores portugueses que aqui em Macau se têm interessado pelo assunto devemos o meritório trabalho de reunir as diferentes versões existentes acerca duma etimologia que provavelmente ficará sempre hipotética.
Dada a inexistência, nos arquivos de Macau, de documentos relativos aos primeiros tempos do estabelecimento português na China, dado ainda o nosso quase total desconhecimento da língua chinesa (não falando já da escrita), pouco podemos adi-antar na solução do problema; mas poderemos, ainda assim, tomar conhecimento dos étimos propostos e exercer sobre eles uma certa crítica, à luz das leis gerais que regem a evolução das palavras.
Macau parece ser uma palavra composta por dois elementos distintos- Ma e cau - e para estudarmos a palavra teremos de considerá-los separadamente.
As teorias quanto à origem do elemento -cau são diversas, mas quase todas são concordes em relacionar a sílaba Má com o nome do ídolo Má ou A-Má (mãe)que os chineses veneram no velho Má-Kók-Miu, conhecido entre os portugueses por Pagode da Barra. Este templo, que se julga ser anterior à chegada dos portugueses a Macau, ergue-se no lugar onde, segundo a tradição, os nossos mareantes teriam desembarcado pela primeira vez.
Uma poética lenda chinesa faz deste ídolo A-Má uma deusa protectora dos marítimos. E o seu templo, que é ainda hoje um dos mais concorridos, seria o ponto de referência mais importante numa terra escassamente habitada, mas que servia de abrigo temporário, como serve ainda hoje a grande número de pescadores.
É natural, portanto, que os nossos homens, antes mesmo de desembarcarem aqui, quando comerciavam nas ilhas próximas, ouvissem o nome da deusa ligado à designação do ancoradouro onde se encontra o seu templo - o local que hoje chamamos a Barra, à entrada do Porto Interior.
E, se é que conheceram o nome oficial do porto, é natural também que, sendo eles pró-prios homens do mar, lhe preferissem o nome popular da deusa protectora dos marítimos, ainda que deusa pagã.
Os chineses usam geralmente antes dos nomes de pessoa um prefixo A-[á] que é simplesmente protético e sem significação. Assim, o ídolo de que falamos é designado por Má ou A-Má e daqui viriam as formas Amacau e Amagau que precederam a actual forma Macau.
Há, porém, algumas versões chinesas, segundo as quais o nome de Macau não estaria relacionado com o nome da referida deusa, mas, por qualquer motivo obscuro, com uma outra letra Má que significa cavalo.
Uma destas versões que faz de Má-Kao uma «adulteração de Mà-Kók » estabelece no nosso espírito alguma confusão, pelo que preferimos reproduzir textualmente as palavras com que Luís Gomes nos apresenta essa etimologia:
« Quanto à palavra Má-Káu 馬蛟 (Coito do Cavalo), é ela derivada da adulteração de Má--Kók 馬蛟 (chifre do Cavalo), isto é, a Barra, local este, em que, no Verão do ano 36 de Ká--Tchêng 嘉靖(1558), da dinastia Mêng, desembarcaram os primeiros Portugueses que vieram ao Oriente solicitar à China um lugar para ancorar os seus navios e edificar lojas ou armazéns, que foram primitivamente construídos em frente do templo que ainda existe neste sítio.
Não deixa de ser verosímil esta hipótese, além de que bem podia ter-se dado o facto de os nativos, ao terem sido interrogados sobre o nome desta cidade, pelos primeiros Portugueses, lhes tivessem respondido chamar-se Má-Kók, julgando assim satisfazer a curiosidade desses estrangeiros com o nome do sítio onde os mesmos desembarcaram e onde primitivamente se fixaram. Como Má--Kók se pronuncia má-tchiao em pequinense, dialecto oficial dos mandarins, talvez esses primeiros Portugueses tivessem adoptado esta última forma, para designar o sítio onde originalmente se estabeleceram e que, com o tempo, se foi generalizando para designar toda a península. Devia também ter-se dado o caso de os sons má-tchiao terem sido representados, em Português, por ma-chao, que, por erro, se passasse a pronunciar e a escrever Macau.»
Esta hipótese, que Luís Gomes achou verosímil, parece-nos a nós muito difícil de aceitar.
Que os chineses empregassem a palavra Má-Kók «Chifre do Cavalo» (estranha significação) para designar o mesmo local (a Barra) onde se encontra o templo de Má Kók, a deusa, ainda se compreende, sabido como é que a mais ligeira variante de tom, em chinês, produz uma significação completamente diferente.
Mas porque a alterariam para Má-Káu, insistindo na palavra «cavalo»(Má)? Conforme o próprio Luís Gomes diz noutro lugar, «não existiam tais animais em Macau, nos primeiros tempos da sua fundação nem tão pouco a configuração desta peninsulazinha se assemelha a qualquer espécie equina por melhor boa vontade e maior liberdade que se queira dar à imaginação»
Por outro lado, se os nativos indicaram aos primeiros portugueses o nome Má-Kók, também não é provável que fossem estes a fazer a adulteração para Má-Káu, através da pronúncia pequinense má-tchiao, como aventa L. Gomes.
Com efeito Má-Kók seria uma desi-gnação popular com poucas probabilidades de ser usada no dialecto oficial dos manda-rins. Mas ainda que fosse, e de facto pronun-ciada má-tchiao, não cremos que o som tchi viesse a dar o [k] da nossa palavra Macau pelo processo que L. Gomes supõe.
Uma outra versão chinesa, que se afasta também do nome da deusa A-Má, diz que a palavra Macau é uma deturpação de "P'ák--Hâu 泊口 (Boca do Ancoradouro)" ou "P'ák-Ou 泊澳 (Baia do Ancoradouro)", nome que teria sido usado em 1535 por um comandante do destacamento de Tch'in-Sán (povoação próxima de Macau) para comunicar a um superior que tinham passado a fundear barcos estrangeiros neste porto.
Esta informação encontra-se numa Geografia de Macau "Ou-Mun Tei-Lei 澳門地理 " publicada em Cantão em 1946, pelo Colégio Provincial de Artes e Ciências de Kuóng-Tông.
Não sabemos, contudo, até que ponto é digna de fé: se fosse exacta, resolveria inclusivamente o problema da data em que os portugueses começaram a frequentar o porto de Macau.
Mas voltando ao nome P'ák-Hâu: sede facto esteve em uso e os chineses ou os portugueses o alteraram para Ma-cau ou Ama-cau, foi ainda certamente por influência do nome da deusa A-Má, pois de outro modo não se compreenderia tal alteração.
Mais aceitável no aspecto fonético parece uma outra hipótese que supõe vir a palavra do nome Má-Kau Séak, um "famoso rochedo" que existia perto da antiga praia da Areia Preta.
Diz Luís Gomes:
«Quanto ao nome propriamente dito de Macau, aventam uns que ele procede do nome duns escolhos conhecidos por Má-Káu--Séak que foram destruídos, há umas dezenas de anos, quando se iniciaram as obras de aterro do novo porto. [Porto Exterior].
T'ien-Tsê-Chang, na sua obra "Sino-Portuguese Trade from 1514 to 1644" diz a pgs. 86-87 que Má Káu-Séak significa "Rochedo do Cavalo no Coito", sendo tal interpretação reproduzida pelo rev. Manuel Teixeira, a pgs. 77 do seu "Macau e a sua Diocese".
Esta interpretação é errónea e decerto devida ao facto de se julgar que Má-Káu-Seak se escreve 馬交石. O verdadeiro significado é, porém, "Escolhos do Dragão-Cavalo", visto que os caracteres sínicos correspondentes são 馬蛟石, como podem ser verificados no "Ou-Mun Kei-Lèok" 澳門記略 (Monografia de Macau), a obra mais antiga em chinês, que existe publicada, sobre esta colónia.»
Aparentemente, parece não haver que hesitar quanto a este étimo. Ele não explica, porém, antigas formas portuguesas em que entra o elemento Ama-; e, por outro lado, custa a crer que o nome dum simples rochedo, apenas notável pela forma curiosa (de qualquer modo semelhante a um cavalo) e não tão grande que não tenha desaparecido completamente, se tenha generalizado a toda a península.
Os próprios chineses sentem que, semanticamente, este étimo não satisfaz; aliás não seria preciso procurar outras explicações. Vejamos o que diz realmente o escritor chinês Dr. T'ien-Tsê-Chang, tantas vezes citado pelos historiadores de Macau:
«Curiously enough, the name Macao, so widely known in the non-Chinese-speaking world, is nota proper Chinese name for that port. A traveller is sometimes told by its inhabitants that it is but the name of the famous rock called Ma-chiao or Ma-kao in Cantonese. [馬交石 meaning "Rock of mating-horse", apparently from its shape.] Formerly this rock stood somme distance from the peninsula, but recently some new land has been reclaimed from the sea in that part of the bay, and as a result, the rock has been annexed to the mainland and buried under ground. It was either due to misunderstanding or for the sake of convenience that the small peninsula was called after the rock. It is more generally believed, however, that Macao is but an abbreviation of A-ma-ao[ 阿媽澳 ] or A-ma-ngao (with ng strongly nasalized) in Cantonese, i. e., the Bay of A-ma, a navigators' goddess to whom there was a temple at Macao. As A-ma-ngao was a famili-ar name used by Cantonese sailors to desig-nate the port and as a is merely a prefix that may be ommitted, it is more than probable that the Portuguese learned it from them.
The commonest Chinese name for Macao is Ao-mên, i. e., the Portal of the Bay. [ 澳門 ] the most correct name for Macao is, however, Hao-ching-ao or the Bay of Hao-ching. [ 濠鏡澳]»
Este étimo A-ma-ao ou A-ma-ngau é o mesmo que, com ligeiras variantes, foi implicitamente proposto por vários mis-sionários e historiadores estrangeiros dos séculos XVI e XVII, entre os quais, e dos mais antigos, o Pe. Mateus Ricci que em 1609, referindo-se à fixação dos portugueses na península, dizia: « … dove era venerata uma pagoda, che chiamamo Ama. Per questo chiamava quel luogo Amacao che vuol dire in nostra lingua Seno di Ama».
Chegamos agora ao problema da nossa sílaba-cau.
Partindo do cantonense A-ma-ngao, que os Portugueses poderiam ter entendido A-magau, teríamos Amagau > Amacau> Macau. Esta evolução não é, porém, natural, pois que as oclusivas sonoras não passam normalmente a surdas. O fenómeno normal seria o inverso, isto é, a sonorização do-k- em -g-. Sendo assim, os portugueses transformariam facilmente Amacau em Amagau, mas o contrário não é provável.
Afigura-se-nos mais verosímil que os nossos navegantes ouvissem esta designação de Baía de A-Má, designação popular como vimos, em qualquer forma dialectal não cantonense nem pequinense. Os dialectos do sul da China são vários e só um profundo conhecedor da dialectologia e da história chinesas poderia dizer qual ou quais os dialectos que os Portugueses primeiramente ouviram e que forma tinham esses dialectos há quatrocentos anos. Estes são problemas que não foram ainda, ao que sabemos, esclarecidos, nem o serão talvez jamais. No entanto, parece provado que, ao tempo, a escassa população desta península era formada principalmente por pescadores originários da província de Fuquien e que foram eles quem erigiu o já mencionado templo da Barra, estabelecendo aí o culto da deusa A-Má.
Um dos maiores conhecedores da língua chinesa entre nós, o Sr. António Ferreira Batalha, sugeriu-me que o lugar poderia ser denominado por eles não como Baía de A--Má, mas como Embocadura de A-Má, expressão em que se empregaria o termo Hau (boca, embocadura) como se emprega ainda hoje na designação de outros ancoradouros por estas proximidades.
O nome seria então A-Ma-Hau, com h fortemente aspirado na pronúncia fuquienense, o que passaria facilmente a A-Ma-K'au com k seguido de aspiração, tal como ainda hoje soa na pronúncia inglesa. A qualquer destas formas poderia corresponder, na nossa língua, a palavra Amacau.
Uma última etimologia, que só encontramos na obra de Luís Gomes, apontada como versão chinesa «mais geralmente aceite», é Má-Kóng 媽港ou A-Má--Kóng 阿媽港 que significa também «baía ou ancoradouro de A-Má».
Este étimo, ignorado ou desprezado por Mons. Manuel Teixeira e apenas ligeiramente citado por L. Gomes, é contudo o mais provável se o confrontarmos com as formas mais antigas da nossa palavra Macau - formas essas a que não se tem dado a atenção devida.
Escasseiam-nos elementos para uma investigação séria neste campo, pois que uma distância de meio mundo nos separa dos arquivos que seria necessário pesquisar. Apenas desejamos levantar aqui o problema, na esperança de que alguém, com melhores possibilidades do que as nossas, diga alguma coisa mais sobre o assunto.
Entre as. muitas variantes da palavra Macau que aparecem nos escritos do séc. XVI algumas apresentam uma nasalação que não podemos hoje saber se representa um erro de copista ou se corresponde a uma pronúncia autêntica.
Estas formas são Amaquam, Machoam e ainda uma outra que encontrámos apenas numa transcrição do Pe. Manuel Teixeira- Amagão. Consideremos as duas primeiras, Amaquam e Machoam, que se diz serem as mais antigas formas documentadas em português. A primeira teria sido escrita por Fernão Mendes Pinto naquela famosa carta de 20 de Novembro de 1555 que é geralmente apontada como o mais antigo documento português em que aparece o nome de Macau. Nas edições desta carta que pudemos consultar apenas encontrámos formas que variam entre Maquao, Ama cuao e Amaquá; não possuímos informações concretas a respeito de uma outra ou outras cópias, existentes nos arquivos de Lisboa, onde se encontra a forma Amaquam.
Por seu lado, Machoam aparece na data duma das cópias de outra carta não menos conhecida - a do Padre Belchior Barreto, que teria sido escrita também de Macau, a 23 de Novembro de 1555.
«Deste Machoam porto da China a 23 de Novébro de 1555» - rezaria a dita carta. Ou-tras cópias, porém, trazem apenas «Deste porto da China... », sem a palavra Machoam ou qualquer outra referência a Macau nem na data nem no texto da carta. É evidente que as duas formas de que tratamos estão longe de ser insuspeitas, tanto mais que é muito duvidoso o próprio facto de Fernão Mendes Pinto ou o Pe. Belchior Barreto terem estado alguma vez em Macau. Contudo, mesmo que sejam adições posteriores, ainda essas variantes merece malgum crédito, se admitirmos que, se alguém assim as escreveu, é porque alguma vez assim as ouviu ou assim as leu. De facto, parece encontrar-se uma confirmação dessa pronúncia Amaquam (mais precisamente [amakã] ou [amakão]) em vários documentos espanhóis do tempo de Filipe II de Espanha, I de Portugal, documentos exarados em Manila e referentes às diligências ordenadas pelo então governador das Filipinas para que em Macau se reconhecesse o rei espanhol.
Nesses documentos, a forma espanhola para designar Macau é Macan. Esta forma, se foi aprendida por contacto com os Portugueses de Macau, é um bom argumento a favor da pronúncia portuguesa [amakão]; se foi levada por emigrantes chineses, os quais iam principalmente da província de Fuquien não deixa de confirmar e etimologia A-Má--Kóng acima referida. A terminação nasal há--de ter algures a sua origem e não deve ter aparecido por acaso.
Note-se ainda o que diz C. R. Boxer em The Great Ship from Amacon (Centro de Es-tudos Históricos Ultramarinos. Lisboa, 1959, p. 13): «Of the shipping used in the Macao-- Japan trade, by far the most cele-brated was the annual carrack, or "Great Ship from Amacon", as the contemporary English termed her».
Como as consoantes finais em chinês são muito ténues, a terminação-Kóng passaria fàcilmente a [-kom] na nossa língua, e daí a [-kã] e [-kão].
Como é sabido, foi precisamente no decorrer do séc. XVI que na língua portu-guesa se completou a fusão das terminações -om e -am numa só: -ão
Quanto ao grupo -qu- de Amaquam, re-produzido com ligeira diferença em Amacuao, e ao -ch- de Machoam, são apenas pormenores ortográficos muito comuns na época, devendo corresponder à pronúncia [k].
Existindo o hábito arcaico e popular de substituir qu por c [k] (como ainda hoje na linguagem popular em corenta por quarenta, canto por quanto, etc.), a influência literária no século XVI levava não só a repor o u onde era devido, mas até a introduzi-lo onde não tinha razão de existir. Assim, encontramos em escritos da época coroniquas, embarquação, requado, etc., em que o u não devia ser pronunciado.
Resta analizar a perda da ressonância nasal na passagem para as formas Amaquao, Maquao e Macau. Esta perda pode ter-se dado, e nesse caso supomos que seria devida a uma questão de eufonia. A pronúncia Macã ou Macão não deixaria de sugerir desagradavelmente a palavra cão, também pronunciada cã, como ainda hoje se ouve em Macau. Por outro lado é possível que os portugueses tivessem ouvido simultaneamente aos Chineses as designações A-Má-Kóng e A-Má--K'au atrás referidas e que, portanto, as formas Amaquam e Amaquao fossem coexis-tentes, sendo a primeira rapidamente preterida pela segunda.
Com efeito Má-Kók seria uma desi-gnação popular com poucas probabilidades de ser usada no dialecto oficial dos manda-rins. Mas ainda que fosse, e de facto pronun-ciada má-tchiao, não cremos que o som tchi viesse a dar o [k] da nossa palavra Macau pelo processo que L. Gomes supõe.
Uma outra versão chinesa, que se afasta também do nome da deusa A-Má, diz que a palavra Macau é uma deturpação de "P'ák--Hâu 泊口 (Boca do Ancoradouro)" ou "P'ák-Ou 泊澳 (Baia do Ancoradouro)", nome que teria sido usado em 1535 por um comandante do destacamento de Tch'in-Sán (povoação próxima de Macau) para comunicar a um superior que tinham passado a fundear barcos estrangeiros neste porto.
Esta informação encontra-se numa Geografia de Macau "Ou-Mun Tei-Lei 澳門地理 " publicada em Cantão em 1946, pelo Colégio Provincial de Artes e Ciências de Kuóng-Tông.
Não sabemos, contudo, até que ponto é digna de fé: se fosse exacta, resolveria inclusivamente o problema da data em que os portugueses começaram a frequentar o porto de Macau.
Mas voltando ao nome P'ák-Hâu: sede facto esteve em uso e os chineses ou os portugueses o alteraram para Ma-cau ou Ama-cau, foi ainda certamente por influência do nome da deusa A-Má, pois de outro modo não se compreenderia tal alteração.
Mais aceitável no aspecto fonético parece uma outra hipótese que supõe vir a palavra do nome Má-Kau Séak, um "famoso rochedo" que existia perto da antiga praia da Areia Preta.
Diz Luís Gomes:
«Quanto ao nome propriamente dito de Macau, aventam uns que ele procede do nome duns escolhos conhecidos por Má-Káu--Séak que foram destruídos, há umas dezenas de anos, quando se iniciaram as obras de aterro do novo porto. [Porto Exterior].
T'ien-Tsê-Chang, na sua obra "Sino-Portuguese Trade from 1514 to 1644" diz a pgs. 86-87 que Má Káu-Séak significa "Rochedo do Cavalo no Coito", sendo tal interpretação reproduzida pelo rev. Manuel Teixeira, a pgs. 77 do seu "Macau e a sua Diocese".
Esta interpretação é errónea e decerto devida ao facto de se julgar que Má-Káu-Seak se escreve 馬交石. O verdadeiro significado é, porém, "Escolhos do Dragão-Cavalo", visto que os caracteres sínicos correspondentes são 馬蛟石, como podem ser verificados no "Ou-Mun Kei-Lèok" 澳門記略 (Monografia de Macau), a obra mais antiga em chinês, que existe publicada, sobre esta colónia.»
Aparentemente, parece não haver que hesitar quanto a este étimo. Ele não explica, porém, antigas formas portuguesas em que entra o elemento Ama-; e, por outro lado, custa a crer que o nome dum simples rochedo, apenas notável pela forma curiosa (de qualquer modo semelhante a um cavalo) e não tão grande que não tenha desaparecido completamente, se tenha generalizado a toda a península.
Os próprios chineses sentem que, semanticamente, este étimo não satisfaz; aliás não seria preciso procurar outras explicações. Vejamos o que diz realmente o escritor chinês Dr. T'ien-Tsê-Chang, tantas vezes citado pelos historiadores de Macau:
«Curiously enough, the name Macao, so widely known in the non-Chinese-speaking world, is nota proper Chinese name for that port. A traveller is sometimes told by its inhabitants that it is but the name of the famous rock called Ma-chiao or Ma-kao in Cantonese. [馬交石 meaning "Rock of mating-horse", apparently from its shape.] Formerly this rock stood somme distance from the peninsula, but recently some new land has been reclaimed from the sea in that part of the bay, and as a result, the rock has been annexed to the mainland and buried under ground. It was either due to misunderstanding or for the sake of convenience that the small peninsula was called after the rock. It is more generally believed, however, that Macao is but an abbreviation of A-ma-ao[ 阿媽澳 ] or A-ma-ngao (with ng strongly nasalized) in Cantonese, i. e., the Bay of A-ma, a navigators' goddess to whom there was a temple at Macao. As A-ma-ngao was a famili-ar name used by Cantonese sailors to desig-nate the port and as a is merely a prefix that may be ommitted, it is more than probable that the Portuguese learned it from them.
The commonest Chinese name for Macao is Ao-mên, i. e., the Portal of the Bay. [ 澳門 ] the most correct name for Macao is, however, Hao-ching-ao or the Bay of Hao-ching. [ 濠鏡澳]»
Este étimo A-ma-ao ou A-ma-ngau é o mesmo que, com ligeiras variantes, foi implicitamente proposto por vários mis-sionários e historiadores estrangeiros dos séculos XVI e XVII, entre os quais, e dos mais antigos, o Pe. Mateus Ricci que em 1609, referindo-se à fixação dos portugueses na península, dizia: « … dove era venerata uma pagoda, che chiamamo Ama. Per questo chiamava quel luogo Amacao che vuol dire in nostra lingua Seno di Ama».
Chegamos agora ao problema da nossa sílaba-cau.
Partindo do cantonense A-ma-ngao, que os Portugueses poderiam ter entendido A-magau, teríamos Amagau > Amacau> Macau. Esta evolução não é, porém, natural, pois que as oclusivas sonoras não passam normalmente a surdas. O fenómeno normal seria o inverso, isto é, a sonorização do-k- em -g-. Sendo assim, os portugueses transformariam facilmente Amacau em Amagau, mas o contrário não é provável.
Afigura-se-nos mais verosímil que os nossos navegantes ouvissem esta designação de Baía de A-Má, designação popular como vimos, em qualquer forma dialectal não cantonense nem pequinense. Os dialectos do sul da China são vários e só um profundo conhecedor da dialectologia e da história chinesas poderia dizer qual ou quais os dialectos que os Portugueses primeiramente ouviram e que forma tinham esses dialectos há quatrocentos anos. Estes são problemas que não foram ainda, ao que sabemos, esclarecidos, nem o serão talvez jamais. No entanto, parece provado que, ao tempo, a escassa população desta península era formada principalmente por pescadores originários da província de Fuquien e que foram eles quem erigiu o já mencionado templo da Barra, estabelecendo aí o culto da deusa A-Má.
Um dos maiores conhecedores da língua chinesa entre nós, o Sr. António Ferreira Batalha, sugeriu-me que o lugar poderia ser denominado por eles não como Baía de A--Má, mas como Embocadura de A-Má, expressão em que se empregaria o termo Hau (boca, embocadura) como se emprega ainda hoje na designação de outros ancoradouros por estas proximidades.
O nome seria então A-Ma-Hau, com h fortemente aspirado na pronúncia fuquienense, o que passaria facilmente a A-Ma-K'au com k seguido de aspiração, tal como ainda hoje soa na pronúncia inglesa. A qualquer destas formas poderia corresponder, na nossa língua, a palavra Amacau.
Uma última etimologia, que só encontramos na obra de Luís Gomes, apontada como versão chinesa «mais geralmente aceite», é Má-Kóng 媽港ou A-Má--Kóng 阿媽港 que significa também «baía ou ancoradouro de A-Má».
Este étimo, ignorado ou desprezado por Mons. Manuel Teixeira e apenas ligeiramente citado por L. Gomes, é contudo o mais provável se o confrontarmos com as formas mais antigas da nossa palavra Macau - formas essas a que não se tem dado a atenção devida.
Escasseiam-nos elementos para uma investigação séria neste campo, pois que uma distância de meio mundo nos separa dos arquivos que seria necessário pesquisar. Apenas desejamos levantar aqui o problema, na esperança de que alguém, com melhores possibilidades do que as nossas, diga alguma coisa mais sobre o assunto.
Entre as. muitas variantes da palavra Macau que aparecem nos escritos do séc. XVI algumas apresentam uma nasalação que não podemos hoje saber se representa um erro de copista ou se corresponde a uma pronúncia autêntica.
Estas formas são Amaquam, Machoam e ainda uma outra que encontrámos apenas numa transcrição do Pe. Manuel Teixeira- Amagão. Consideremos as duas primeiras, Amaquam e Machoam, que se diz serem as mais antigas formas documentadas em português. A primeira teria sido escrita por Fernão Mendes Pinto naquela famosa carta de 20 de Novembro de 1555 que é geralmente apontada como o mais antigo documento português em que aparece o nome de Macau. Nas edições desta carta que pudemos consultar apenas encontrámos formas que variam entre Maquao, Ama cuao e Amaquá; não possuímos informações concretas a respeito de uma outra ou outras cópias, existentes nos arquivos de Lisboa, onde se encontra a forma Amaquam.
Por seu lado, Machoam aparece na data duma das cópias de outra carta não menos conhecida - a do Padre Belchior Barreto, que teria sido escrita também de Macau, a 23 de Novembro de 1555.
«Deste Machoam porto da China a 23 de Novébro de 1555» - rezaria a dita carta. Ou-tras cópias, porém, trazem apenas «Deste porto da China... », sem a palavra Machoam ou qualquer outra referência a Macau nem na data nem no texto da carta. É evidente que as duas formas de que tratamos estão longe de ser insuspeitas, tanto mais que é muito duvidoso o próprio facto de Fernão Mendes Pinto ou o Pe. Belchior Barreto terem estado alguma vez em Macau. Contudo, mesmo que sejam adições posteriores, ainda essas variantes merece malgum crédito, se admitirmos que, se alguém assim as escreveu, é porque alguma vez assim as ouviu ou assim as leu. De facto, parece encontrar-se uma confirmação dessa pronúncia Amaquam (mais precisamente [amakã] ou [amakão]) em vários documentos espanhóis do tempo de Filipe II de Espanha, I de Portugal, documentos exarados em Manila e referentes às diligências ordenadas pelo então governador das Filipinas para que em Macau se reconhecesse o rei espanhol.
Nesses documentos, a forma espanhola para designar Macau é Macan. Esta forma, se foi aprendida por contacto com os Portugueses de Macau, é um bom argumento a favor da pronúncia portuguesa [amakão]; se foi levada por emigrantes chineses, os quais iam principalmente da província de Fuquien não deixa de confirmar e etimologia A-Má--Kóng acima referida. A terminação nasal há--de ter algures a sua origem e não deve ter aparecido por acaso.
Note-se ainda o que diz C. R. Boxer em The Great Ship from Amacon (Centro de Es-tudos Históricos Ultramarinos. Lisboa, 1959, p. 13): «Of the shipping used in the Macao-- Japan trade, by far the most cele-brated was the annual carrack, or "Great Ship from Amacon", as the contemporary English termed her».
Como as consoantes finais em chinês são muito ténues, a terminação-Kóng passaria fàcilmente a [-kom] na nossa língua, e daí a [-kã] e [-kão].
Como é sabido, foi precisamente no decorrer do séc. XVI que na língua portu-guesa se completou a fusão das terminações -om e -am numa só: -ão
Quanto ao grupo -qu- de Amaquam, re-produzido com ligeira diferença em Amacuao, e ao -ch- de Machoam, são apenas pormenores ortográficos muito comuns na época, devendo corresponder à pronúncia [k].
Existindo o hábito arcaico e popular de substituir qu por c [k] (como ainda hoje na linguagem popular em corenta por quarenta, canto por quanto, etc.), a influência literária no século XVI levava não só a repor o u onde era devido, mas até a introduzi-lo onde não tinha razão de existir. Assim, encontramos em escritos da época coroniquas, embarquação, requado, etc., em que o u não devia ser pronunciado.
Resta analizar a perda da ressonância nasal na passagem para as formas Amaquao, Maquao e Macau. Esta perda pode ter-se dado, e nesse caso supomos que seria devida a uma questão de eufonia. A pronúncia Macã ou Macão não deixaria de sugerir desagradavelmente a palavra cão, também pronunciada cã, como ainda hoje se ouve em Macau. Por outro lado é possível que os portugueses tivessem ouvido simultaneamente aos Chineses as designações A-Má-Kóng e A-Má--K'au atrás referidas e que, portanto, as formas Amaquam e Amaquao fossem coexis-tentes, sendo a primeira rapidamente preterida pela segunda.
Concluindo:
O nome Macau deve ter sido, a princípio, apenas o do local onde se encontra o Pagode da Barra e onde, segundo a tradição, os nossos pioneiros desembarcaram pela primeira vez.
Enquanto a povoação se estabelecia e aumentava, este nome persistiu na boca do povo, a despeito de todas as designações oficiais, portuguesas ou chinesas.
Povoação ou Porto do Nome de Deus foi o nome cristão que lhe deram as nossas autoridades, nome mudado em 1585 para Cidade do Nome de Deus.
É este o nome que se encontra à entrada do Leal Senado, no letreiro mandado gravar por D. João IV: «Cidade do nome de Deus, não há outra mais leal».
É com este mesmo nome que aparecem datadas ao longo do século XVII as actas e outros documentos camarários do Arquivo do Leal Senado, os quais pessoalmente verifiquei. Mas nesses documentos, posto que encimados pela designação oficial de «Cidade do Nome de Deus» ou «Cidade do Nome de Deus na China» ocorre constantemente a palavra Macao e, ocasionalmente, esta palavra aparece até nas datas: «desta Nobre Cidade do Nome de Deos de Macau». Em 1685 já encontramos apenas «Nobre Cidade de Macao» concorrendo com a designação oficial correcta.
Isto mostra que o nome popular foi o que teve sempre maior vitalidade, vindo a conquistar mesmo as classes cultas que a princípio o repudiaram. Ao mesmo tempo, foi-se generalizando a toda a península, à medida que a nossa cidade paulatinamente avançava até às Portas do Cerco, limite que fica precisamente no istmo.
Aditamento
O presente artigo é revisão e actualização de um outro, com o mesmo título, publicado no Boletim de Filologia - Centro de Estudos Filológicos - tomo XVI (1956-1957), Lisboa 1958, pp. 353-363, e também em separata do mesmo Boletim, completamente esgotada há já anos. Um ano depois desta publicação foi editado em Leiden (Holanda), pela revista T'Oung Pao. vol. XLVII, Livr. 1-2, 1959, um douto artigo sobre o mesmo assunto, A Note on the Origin of the Name ofMacao, do Prof. Soren Egerod da Universidade de Copenhaga (Ostasiatike Institut).
Tendo recebido um exemplar da respectiva separata, por amável oferta do Autor, foi-nos grato verificar que este, sem conhecimento do nosso artigo, su-gere precisamente como "the right etymology" o cantonense Ma-Kong, porto de Ma ou A-Ma.
O Prof. Egerod, grande conhecedor do português e do chinês, tem em conta, como nós, não só as antigas variantes portuguesas como Amaquão, Amacão, mas ainda a final nasal que se reflecte também na forma espanhola Macan, tal como em algumas latinas, italianas e inglesas. O A. supõe ainda que a mesma palavra cantonese Kong se encontra provavelmente em Lam-pacau, que teve também as seguintes formas: "Lampa-can, Lampacão, Lampacham, Lampachão, Lampachau, Lampazau, Langpihtsaou, Lampatao, etc. "
O nome Macau deve ter sido, a princípio, apenas o do local onde se encontra o Pagode da Barra e onde, segundo a tradição, os nossos pioneiros desembarcaram pela primeira vez.
Enquanto a povoação se estabelecia e aumentava, este nome persistiu na boca do povo, a despeito de todas as designações oficiais, portuguesas ou chinesas.
Povoação ou Porto do Nome de Deus foi o nome cristão que lhe deram as nossas autoridades, nome mudado em 1585 para Cidade do Nome de Deus.
É este o nome que se encontra à entrada do Leal Senado, no letreiro mandado gravar por D. João IV: «Cidade do nome de Deus, não há outra mais leal».
É com este mesmo nome que aparecem datadas ao longo do século XVII as actas e outros documentos camarários do Arquivo do Leal Senado, os quais pessoalmente verifiquei. Mas nesses documentos, posto que encimados pela designação oficial de «Cidade do Nome de Deus» ou «Cidade do Nome de Deus na China» ocorre constantemente a palavra Macao e, ocasionalmente, esta palavra aparece até nas datas: «desta Nobre Cidade do Nome de Deos de Macau». Em 1685 já encontramos apenas «Nobre Cidade de Macao» concorrendo com a designação oficial correcta.
Isto mostra que o nome popular foi o que teve sempre maior vitalidade, vindo a conquistar mesmo as classes cultas que a princípio o repudiaram. Ao mesmo tempo, foi-se generalizando a toda a península, à medida que a nossa cidade paulatinamente avançava até às Portas do Cerco, limite que fica precisamente no istmo.
Aditamento
O presente artigo é revisão e actualização de um outro, com o mesmo título, publicado no Boletim de Filologia - Centro de Estudos Filológicos - tomo XVI (1956-1957), Lisboa 1958, pp. 353-363, e também em separata do mesmo Boletim, completamente esgotada há já anos. Um ano depois desta publicação foi editado em Leiden (Holanda), pela revista T'Oung Pao. vol. XLVII, Livr. 1-2, 1959, um douto artigo sobre o mesmo assunto, A Note on the Origin of the Name ofMacao, do Prof. Soren Egerod da Universidade de Copenhaga (Ostasiatike Institut).
Tendo recebido um exemplar da respectiva separata, por amável oferta do Autor, foi-nos grato verificar que este, sem conhecimento do nosso artigo, su-gere precisamente como "the right etymology" o cantonense Ma-Kong, porto de Ma ou A-Ma.
O Prof. Egerod, grande conhecedor do português e do chinês, tem em conta, como nós, não só as antigas variantes portuguesas como Amaquão, Amacão, mas ainda a final nasal que se reflecte também na forma espanhola Macan, tal como em algumas latinas, italianas e inglesas. O A. supõe ainda que a mesma palavra cantonese Kong se encontra provavelmente em Lam-pacau, que teve também as seguintes formas: "Lampa-can, Lampacão, Lampacham, Lampachão, Lampachau, Lampazau, Langpihtsaou, Lampatao, etc. "
in Revista Cultura, nº 1, ICM, 1986 (apenas o texto)