quinta-feira, 27 de maio de 2021

Travessa dos Vendilhões

“Viu as lojas e as caras morenas dos 'mouros', ladeou de perto os vendilhões ambulantes, ouviu vozes, risadas, gesticulações dos transeuntes e ninguém se referia a ela. Espreitou o poço público perto da escadaria para a igreja, donde se tirava uma água cristalina. (...)

Na apertada artéria, onde se atravancavam vendilhões de comidas, acepipes e fritos, penteadeiras com os seus apetrechos, o barbeiro e o dentista ambulantes, com as suas clássicas cadeiras de ofícios, riquexós aos gritos dos condutores e muito povo que ia e vinha nas compras nas lojecas e nos recantos da rua, ou a caminho do Mercado.” (...)
"Da janela subiam os ruídos do tardoz da casa. Gorjeios e risada de criançada, vozes de mulherio em palreio fiado, alguém a soprar num trombone, em desconjuntado esforço de harmonia. Galos crocitavam na vizinhança, e das janelas vinha o ruído de uma rua calma, vozes esparsas e pregões de vendilhão de comidas.”

Excertos do romance "Os Dores", de Henrique de Senna Fernandes, publicado postumamente em 2012.

Vendedor ambulante de patos. Fotos Neves Catela: Década 1930

Em 2012 existiam em Macau 1089 licenças de vendilhão de acordo com dados do Instituto para Assuntos Cívicos e Municipais, menos 560 em relação ao ano de 1999.
Actualmente em declínio, as origens da actividade de vendilhão remontam aos tempos em que a estrutura das sociedades e da economia era rudimentar.
Uns ambulantes outros estacionados, os vendilhões tinham em comum o facto de exercerem a actividade na rua, ao ar livre. E vendem de tudo a um pouco: desde os produtos alimentares, como o peixe, a carne, a fruta, legumes, os ovos, os chás e as bebidas, aos gelados e outras guloseimas, bem como utensílios para a casa, livros, ou roupas.
Vendilhões no século 19 em Macau. Pintura de George Chinnery
Vendedor de "palitos de mel"

A Travessa dos Vendilhões, topónimo que reflecte a importância da actividade na história do território, fica entre a Rua do Almirante Sérgio e a Rua da Praia do Manduco, perto do Porto Interior.
Sugestão de leitura: "Vendilhões", Isabel Nunes, ICM, 1998

A 11 de Novembro de 2016 o Jornal Tribunal de Macau publicou um artigo sobre o tema onde se pode ler: "O presidente da Associação de Auxílio Mútuo de Vendilhões, O Cheng Wong, sublinha que o número de membros da associação caiu dois terços em comparação com 2004, ano em que o Governo aplicou um conjunto de medidas de apoio ao sector. “O número de membros da associação diminuiu de três mil para menos de mil”, revelou."

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