quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

"Empress of China"


A 3 de Setembro de 1783 era assinado o Tratado de Paris chegando ao fim a Guerra de Independência Americana com Inglaterra a reconhecer a soberania dos Estados Unidos. Nascia assim um novo país...
No início desse ano tinha sido lançado à água o "Empress of China" (Imperatriz da China), também conhecido como "Chinese Queen" (Rainha da China) um veleiro de 360 ​​toneladas e três mastros. Terminado o conflito, a embarcação foi adaptada ao transporte de mercadorias e o capitão do navio, John Green (1736-1796), entrava agora numa nova fase de vida no mar.
A ele vão juntar-se Robert Morris (1734-1806), Thomas Randall (1723-1797) e Samuel Shaw (1754-1794) que juntamente com outros sócios, investem numa aventura inédita: fazer a primeira viagem da nova nação até à China com objectivos políticos e comerciais, já que porto de Cantão estava aberto aos ocidentais, nomeadamente aos países europeus, como a França, Portugal, Inglaterra e Holanda... e de onde as notícias que chegavam davam conta de "bons negócios".
No Empress of China, Shaw ficou responsável pela carga no valor de 120.000 dólares que seguia no porão do navio: chumbo, 2600 peles de animais, tecido fino de camelo, algodão, alguns barris de pimenta e 30 toneladas de ginseng, uma raiz que cresce selvagem na América do Norte e que os chineses usavam muito devidos aos seus poderes curativos.
A 22 de Fevereiro de 1784  - dia de aniversário do presidente George Washington - o Empress of China partia para a primeira viagem de uma embarcação norte-americana à China. A partida deu-se em Nova Iorque rumo a Cantão, mas com paragem em Macau, onde chegaram seis meses depois, a 23 de Agosto.
Na colónia portuguesa, o capitão Green contratou pilotos chineses para guiar o navio pelo Rio das Pérolas até Whampoa (chegou a 28 de Agosto), na rota para Cantão, onde nesse ano foi registada a chegada de 40 navios estrangeiros. A cidade ficava a apenas 12 milhas de Cantão e era ali que os grandes navios aguardavam os negócios feitos pelos encarregados de carga. Em Cantão as autoridades limitavam a entrada do número de estrangeiros e apenas podiam circular na zona das feitorias estrangeiras. Samuel Shaw (imagem abaixo) passou cerca de 4 meses a negociar: a vender o que trazia e a comprar vários produtos chineses, sobretudo chá. Concluídos os negócios e com o porão do Empress of China recheado, partiram de Macau a 28 de Dezembro 1784 rumo aos Estados Unidos onde chegaram a 11 de Maio de 1785 conseguindo um lucro de 30 mil dólares.
Curiosidades:
- Em 1786 Shaw tornou-se no primeiro cônsul dos EUA na China (até 1789)...
- Em 1786 foram cinco os navios norte-americanos a chegar a Cantão.
- Shaw viria a fazer várias viagens entre os EUA e a China; na quarta, no regresso a casa, não resistiu à doença e morreu perto do Cabo da boa Esperança com apenas 40 anos.
- Entre os produtos trazidos da China na primeira viagem estavam muitas porcelanas; o presidente dos EUA comprou um serviço de porcelana dessa carga.
- Em 1986, como forma de assinalar a viagem do Empress of China, a China emitiu uma moeda comemorativa em prata no valor de 5 yuan.


No livro "Remarks on China and the China Trade", de Robert Bennet Forbes, editado em Boston em 1844, o autor recorda essa viagem recorrendo ao diário de Samuel Shaw.
Alguns excertos do livro:

(...) On the 4th of August the ship cleared Gaspar Straits and on the 23d anchored in Macao Roads in China. We see by these extracts how extremely difficult the navigation was in those seas. It required men of nerve for commanders and great caution was necessary at every step In the present day it is very uncommon for ships to find themselves twenty miles out of their reckoning on making Java. Head after a passage of from eighty to one hundred days and it is very common for ships to run through the Straits of Sunda by night and also through the still dangerous Straits of Gaspar and without touching for supplies and a captain or mate who does not understand the use of the chronometer and lunar observations both by sun and stars distance is or ought to be considered unfit for his station. (...)
The arrival of the Empress of China at Macao Roads was a matter of no small moment; for Mr Shaw tells us that in the morning the French Consul visited us with several gentlemen from Macao and on leaving was saluted with nine guns. On the 25th of August we came to sail and in passing the Triton saluted her with nine guns which was returned with an equal number.
The city of Macao says the writer of Anson's voyage is a Portuguese settlement situated on an oland at the entrance of Canton River. It was formerly very rich and populous and capable of defending itself against the power of the adjacent Chinese governors but at present it is much fallen from its ancient splendor for though it is inhabited by Portuguese and hath a Governor nominated by the King of Portugal yet it subsists merely by the sufferance of the Chinese who can starve the place and dispossess the Portuguese whenever they please.

Moeda de prata de 5 Yuan (1986) com imagem da Empress of China
This obliges the Governor to behave with great circumspection and carefully to avoid every circumstance that may give offence to the Chinese. This description of Macao was perfectly just up to the late great changes brought about by the quarrel between Great Britain and China when it became somewhat less under the authority of the Chinese though the Portuguese hold the place upon the same tenure as formerly. Mr Shaw says The situation of Macao is very pleasant and the gentlemen belonging to the European nations trading to Canton are well accommodated there.
As soon as their ships leave Canton and the factors have settled their accounts with the Chinese they return to Macao where they must reside until the ships of the next season arrive. The Dutch Danes and English had gone to Canton a few days before our arrival. From Macao we proceeded towards Canton and on the 28th on opening the shipping at Whampoa we saluted them with thirteen guns which were returned by each nation. At eight o clock we came to anchor and again complimented the ships with thirteen guns. The French sent two boats to assist us in coming to anchor the Danish sent an officer to compliment the Dutch a boat to assist and the English to welcome your flag to this country. In the afternoon the gentlemen of the Empress of China returned these civilities and on leaving the ships were saluted with from seven to nine guns the Empress returning the salute of each there being not less than seven ships and the country ships as the Bengal and Bombay traders are called apologized for not doing the same on account of the lateness of the hour it being after sunset. (...)"


quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Mapas "Jesuítas"

Este mapa de ca. 1650 e tem como título "Royaume d'Annan Comprenant les Royaumes de Tumkin et de la Cocinchine" - "Designe par les Peres de la Compagnie de Jesus." Traduzido será "Reino de Annan incluindo os reinos de Tunkin e da Conchichina - Desenhado pelos padres da Companhia de Jesus". A 'gravação' é de Jean Somer e foi feita para Nicolas Sanson, historiador e cartógrafo (1600-1667) and Pierre Mariette, editor, colecionador e negociante de arte (1596-1657). O mapa abarca uma parte da Ásia, de Macau ao Cambodja, centrado no sudeste e em particular o Vietname. Feito com bastante detalhe mostra as regiões onde existiam missões dos jesuítas.
Detalhe da localização de Macau e versão a cores
Curiosidade: Um mapa do "Rouyame de la Chine"/Reino da China publicado em 1652 por Sanson não inclui a indicação de Macau.
Noutro mapa (ver imagem), de 1656 com o título "La Chine Rouyame" já surge o nome "Macao". 
Em baixo mapa "Abbrege de la Carte de la Chine du R.P. Michel Ruggiery Jesuiste", 1670.
Reprodução em 1670 de um mapa da China pelo jesuíta Michele Ruggieri onde assinalei Macau.
Michele Ruggieri (1543-1607) foi um padre jesuíta italiano e um dos fundadores das missões jesuítas na China, juntamente com Matteo Ricci, entre outros. Ruggieri foi dos primeiros a elaborar mapas da China a partir de fontes chinesas.

Voltarei aos mapas "jesuítas" muito em breve...

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

William Anderson (1757-1837)


William Anderson nasceu na Escócia em 1757. Começou por ser aprendiz de carpinteiro, mas aos 30 anos era já um talentoso pintor estabelecido em Londres. Anderson expôs pela primeira vez na Royal Academy em 1787. Em 1797, viu chumbada a sua candidatura a membro da Royal Academy onde continuou a expor de forma regular  até 1811, e depois de forma intermitente até a sua última em 1834.
O auge da sua carreira é entre 1790-1810, quando a procura de pinturas com motivos marítimos, durante as Guerras Napoleónicas, estava em alta . Anderson pintou muitas das batalhas navais do período, muitas vezes encomendadas por oficiais de serviço. O seu trabalho mostra uma atenção meticulosa aos detalhes náuticos, aliada a um desenho preciso e uma coloração viva. É considerado um dos mais conceituados pintores de cenas marítimas da sua geração.
Este quadro - óleo sobre tela - faz parte do espólio do Museu do Oriente, em Lisboa, e a autoria é atribuída a William Anderson de que não há registo que tenha estado em Macau, sendo que essa não era uma condição necessária para executar a pintura. Bastava ter copiado ou ter-se inspirado noutra...
clicar na imagem para ver em tamanho maior
William Anderson was born in Scotland in 1757. He trained initially as a shipwright, but by the age of 30 was an accomplished and skilled marine painter and had settled in London.
Anderson first exhibited at the Royal Academy in 1787. In 1797 he was an unsuccessful candidate for Associate Membership of the Royal Academy.
His regular Royal Academy exhibitions continued annually until 1811, and then intermittently until his last in 1834. His best work was executed in the years 1790-1810, when the demand for marine paintings, during the Napoleonic Wars, was at an all-time high.
Anderson painted many of the naval battles of the period, often commissioned by serving officers, and his work shows a meticulous attention to nautical detail allied to an accurate draughtsmanship and lively coloration. At this period, he may be considered one of the leading marine artists of his generation.
This painting - oil on canvas - is part of Museu do Oriente collection (at Lisbon), and the authorship is attributed to William Anderson. That there is no record that he haver been in Macao, although that was not a necessary condition to perform the painting. It was enough to have copied or inspired others...
Detalhe do Colégio de S. Paulo e Fort. do Monte
Detalhe da Baía da Praia Grande
Detalhe do Porto Interior e ilha Verde



segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

"Exposicion Ibero-Americana 1929-1930: Sevilla"




Há 90 anos, em 1929 tinha início a Exposição Ibero-Americana em Sevilha, Espanha (9 de Maio 1929 a 21 Junho 1930) numa área equivalente a 124 campos de futebol de que ficou até hoje, por exemplo, a Plaza de Espanha. 
A representação de Macau ficou ao lado da de Portugal, cujo pavilhão é hoje o consulado de Portugal em Sevilha e foi na altura um dos maiores do evento (ver planta localização em baixo). Tinha por exemplo, uma estátua de Camões, que hoje pode ser vista em Cascais. Já os painéis de azulejos de Mário Reis estão no Chafariz da Junqueira
Para o certame foi criada uma comissão que dirigiu os trabalhos relativos à presença de Macau cujo pavilhão teve como fachada uma réplica do Templo da Barra. Em 1931 Jaime do Inso era um dos entusiastas da ideia do pavilhão vir para Lisboa para albergar um museu de "artigos do Oriente".
Num artigo publicado naquele ano no Boletim da Agência Geral das Colónias ficamos a saber como foi organizada a participação e como era o pavilhão (nº 26) que ocupou 200m2 num total de 350 m2, contíguo ao Pavilhão de Portugal, localizado na avenida com o mesmo nome.

Curiosidade: A 31 de Maio de 1928 o comissário-geral da exposição portuguesa de Sevilha, Manuel Silveira e Castro, solicitou ao director do Museu Nacional de Machado de Castro (Coimbra) que a colecção de arte chinesa de Camilo Pessanha fosse emprestada para integrar o Pavilhão de Macau. Cerca de quatro anos mais tarde, quando os caixotes que continham a colecção foram abertos, verificou-se que faltavam seis peças, não se sabendo se o seu desaparecimento ocorreu em Espanha ou no transporte entre Macau e Lisboa.
Pavilhão de Portugal e entrada do Pavilhão de Macau em Sevilha, 1929-1930
Como o pavilhão só ficou pronto em Setembro de 1929 (depois de inaugurado o certame) o mesmo só foi inaugurado a 1 de Outubro com a presença do governador T. Barbosa.

“Quando houve conhecimento no Oriente de que Portugal tencionava fazer-se representar condignamente no grande certame de Sevilha, logo Macau pensou que era azado momento para demonstrar àqueles que caluniam os nossos processos coloniais quais os recursos de que dispunha a antiga feitoria, mercê do seu progresso constante, iniludível.
O Sr. comandante Jaime do Inso tratou do assunto na imprensa, e, numa grande reunião presidida pelo governador Sr. Tamagnini Barbosa, assentou-se que a Colónia se faria representar com um pequeno pavilhão independente, nomeando-se para a comissão executiva dessa representação, o engenheiro Sr. Carlos Alves, o capitão Sr. Jacinto de Moura e o Sr. Dr. Felix Horta, que ficou encarregado de traçar o projecto do pavilhão.
Em nova reunião, a que concorrem muitos e dos mais graduados comerciantes e industriais chineses, mostrando notável entusiasmo pela Exposição, foi aprovado e projecto do pavilhão e logo se abriu o crédito necessário para a iniciação dos trabalhos. O pavilhão, como as nossas gravuras indicam, tem a arquitectura de um pagode, sendo os seus detalhes buscados nos mais lindos templos budistas de Macau.
Na porta principal do da Barra, ou Ma-Kok- Miu, de enorme devoção dos navegantes, com o seu barco estilizado a encimá-la, se moldou a porta principal do Pavilhão de Macau, colónia fundada por marinheiros portugueses e pelo seu esforço e dedicação mantida. Os pagodes de Mong-Há, o de Lin-Fon-Miu, e outros pequeninos e belos, espalhados na Colónia, forneceram os motivos decorativos do Pavilhão que, fronteiro ao palácio Joanino, na Avenida de Portugal, se ergue gracioso como um sonho do Oriente e orgulhoso como uma página de história nacional. (…)

Baptizada como "Porta da Felicidade"


O pavilhão de Macau não é porém, apenas a evocação dum passado de ouro ou a manifestação artística duma colónia. É sobretudo a afirmação da sua vitalidade.
Nos seus Stands, decorados a azul celeste e ouro, os tecidos, as águas gasosas, as artes gráficas, os bordados, os artigos de bambú, de joalharia, e de ferro, a sua cal, os seus cimentos e os seus mosaicos, as indústrias de conservas, de artigos de cobre, de cortume, a papeleira, os frutos cristalizados e os secos, o mobiliário, o fabrico de tabacos, de pivetes, vidros e a formidável riqueza da sua pesca atestam o desenvolvimento colossal da mais pequena e querida colónia portuguesa.”
Entre os vários livros criados para o efeito destaco este (imagem da capa ao lado)...
com o 'cunho' do governador Artur Tamagnini Barbosa (1926-30) que escreve:
“À generosidade de amigos, deve Macau gentís apreciações, coleccionadas no album destinado a correr mundo no intuíto de atraír a êste pequeno cantinho português as atenções dos que visitam o extrêmo-oriente. É um louvável esfôrço de propaganda só possível com tão honroso e interessante concurso. Como Governador da Colónia, ao escrever a primeira página, reservo-a para testemunho de intimo reconhecimento.”

"Monografias, artigos, mapas, gráficos estatísticos coligidos para a representação da Colónia de Macau na Exposição Portuguesa de Sevilha."
150 pág.
Tipografia N. T. Fernandes, Macau, 1929 
No livro estão ainda incluídos artigos da autoria de Bella Sidney Woolf, J. da Costa Nunes (Bispo de Macau), Jayme do Inso (Os Pagodes de Macau) e padre A. da Silva Rego.
No Guia Oficial estão incluídas as empresas e instituições da delegação de Macau bem como no Catálogo Geral da Representação de Macau. Entre elas incluem-se Hip Cheong (Vinhos Chineses), Tac Heng Chan (cereais e legumes), Po Man Lau (livraria), Vo Hong (mobiliário), Chan Cheong (cordoaria), Kiu Heng (bordados), Tai San (tecidos), Chun Hing (pivetes), Lan Mau (chá), Iec Vo Long (espelhos), In Chan (louça), S.M. Bachoo (mobiliário), etc...





O Pavilhão de Macau, uma réplica do Templo da Barra, fascinaram o público que visitou o certame, bem como a imprensa espanhola da época que fez abundantes referências elogiosas à representação macaense. A inauguração ocorreu durante a denominada Semana de Portugal onde se incluía a celebração do 5 de Outubro (implantação da República).








domingo, 27 de janeiro de 2019

Harriet Low e a "Joss House"

Com data de 1837 e embora assinado não conseguiu identificar o autor esta aquarela do Templo da Barra tem como títutlo - escrito à mão - "Continuation of Joss House, Inner Harbor, Macao". O mesmo remete para Harriet Low (1809-1877) norte-americana que viveu em Macau de 1829 a 1833 e dexou testemunho da sua vida num diário.
O diário de Harriet Low começa em 24 de Maio de 1829, o dia em que deixou a casa dos pais em Salem (Massachusetts, EUA), com rumo a Macau, onde chegou a 29 de Setembro do mesmo ano. Escreveu nele regularmente, quase diariamente. O Diário acaba poucas horas antes da sua chegada a Nova Iorque, em 21 de Setembro de 1834. O título dado ao diário por Harriet é Luzes e sombras da vida em Macau de uma mulher solteira em viagem.
A 3 de Março de 1831 escreve:
"Recebemos ordens do Governador de Macau para sairmos daqui. Diz que recebeu ordens da corte de Lisboa. Ora isto é de tal forma contra o tratado das nações que as razões não se percebem. Diz que não usará a força para nos mandar embora, mas posso dizer-te que não é muito agradável ser ameaçado de ser enviado de um sítio para o outro. [...] As pessoas dizem que o governo de Macau é português apenas nominalmente, e não acredito que haja muito perigo em sermos mandados para casa. Logo após a nossa chegada, o Tio apresentou-se a sua Excelência, como é costume, informando-o sobre a casa que tínhamos alugado, e o Governador disse-lhe que tinha de pedir licença à corte de Lisboa ou de Goa para podermos ficar. Escreveu para Lisboa, mas muito provavelmente demorará três anos até a resposta vir, e nessa altura, suponho, estaremos de partida de qualquer maneira. E é tudo no que diz respeito a ordens, que não nos incomodam muito"
Um dia antes, a 2 de Março de 1831, Harriet refere-se a uma passeio e à "joss house":
"We were gobe about three hours. Visited the Joss House wich is situated in the most picturesque manner on the declivity of a high hill, in among a great deal of shrubbery and some fine trees. It is a sweet spot. The river runs before it at a little distance, and at one side at no great distance is a fine fall of water."
"Joss House" é a expressão inglesa antiga que significa "Templo Chinês"... e é uma anglicização da palavra portuguesa Deus, god em inglês... "Casa de Deus".

Para Harriet a zona da Barra era "um local calmo e bastante aprazível" onde o "o rio corre a uma pequena distância" e onde ainda existe "uma boa queda de água."
"Macao From Penha Hill- Macau visto do Monte da Penha", em 1854 de William Heine.
Diário de Harriet Low, 30 Setembro 1829, um dia depois de chegar a Macau:
"Macao from the sea looks beautiful, with some most romantic spots. We arrived there about ten o’clock, took sedan chairs and went to our house, which we liked the looks of very much. The streets of Macao are narrow and irregular, but we have a garden in which I anticipate much pleasure."
"Macau visto do mar do mar é lindo, com alguns locais bastante românticos. Chegámos por volta das dez horas e fomos levadas de cadeirinha até à nossa casa cuja aparência gostámos muito. As ruas de Macau são estreitas e irregulares, mas temos um jardim em que antecipo vir a ter muito prazer."
Pintura a guache atribuída a Lam Qua. Praia Grande vista do norte. Ca. 1850

Harriet era filha do comerciante Seth Low. In 1829 os tios William Henry e Abigail mudaram-se para Macau e Harriet foi com eles. William ia gerir os negócios da empresa norte-americana Russel & Company em Cantão, a cerca de 100 kms de distância de Macau, mas onde os estrangeiros só podiam estar alguns meses por ano
e onde não era permitida a presença de mulheres. Harriet acabou por ir acompanhada da tia e estiveram em Cantão três semanas até serem descobertas pelas autridades locais que ameaçaram terminar as relações comerciais com o marido (e a empresa) se não saíssem de Cantão. Em Macau viveram numa casa (já demolida) no Largo da Sé.
Sugestão de leitura: My mother's journal: a young lady's diary of five years spent in Manila, Macao, and the Cape of Good Hope from 1829-1834.
Editado em 1900 pela filha de Harriet, Katharine Hillard.
Nota: George Cinnhery, que pintou o retrato de Harriet (em baixo), também deixou vários registos do templo de A-Ma. Em cima, um deles.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Amaquão / Amagang / Macao / Macau

Descobrir a origem etimológica da palavra "Macau" é muito provavelmente um dos temas mais fascinantes da história do território. Já muito se escreveu sobre o tema e aqui no blogue tenho dado a conhecer as várias teorias. Para este post escolhi a que me parece a mais acertada em termos etimológicos e baseada em factos.

Em 1537 Fernão Mendes Pinto parte para a Ásia. Sabe-se que em 1541 e 1543 viveu em Martabão, no reino de pegu, servindo no exército do Rei da Birmânia. Chega à China por volta de 1543 e integra-se na redes de comércio entre Sião, Pegu, China e Japão.
A 20 de Novembro de 1555, numa carta escrita a partir de Macau, Fernão Mendes Pinto utiliza o que se conhece até hoje como sendo a primeira vez a expressão "Amaquão"... e escreve duas vezes.
Ora esta expressão corresponde ao chinês Amagang/Yamagang (Porto da Deusa A-Ma/Ya-Ma), protectora dos navegantes. Sendo Magang uma variante do nome Aaomen (Porta da Baía). Ou seja, Fernão Mendes Pinto terá feito uma transcrição fonética da expressão em chinês... o que ele ouviu...
Mapa xilogravado do litoral de Guangdong incluído na
Grande Crónica de Guangdong, de Guo Fei. c. 1598-1602
A cartografia chinesa atesta isso mesmo logo por volta de 1598 num mapa marítimo da zona de Cantão denominado "Guangdong Yanhai Tu". Daí à expressão arcaica "Macao" foi um passo e depois a expressão moderna "Macau".

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A lenda da rocha T'ai Ut

No livro Toponímia de Macau, editado pela Macau-Imprensa Nacional em 1979, o padre Manuel Teixeira recorre a Luís Gonzaga Gomes para explicar esta lenda.

Caracteres significam ‘causa primordial’
"Luís G. Gomes, em Curiosidades de Macau Antiga, p. 19-22, conta a lenda que deu origem a estas letras e que nós vamos resumir:
O Porto Interior de Macau via-se sempre coalhado de lorchas de todos os portos da China. Esta gente do mar, em face dos perigos experimentados nas viagens, era muito devota da T’in-Hau (Soberana do Céu), venerada no templo da Barra. Apesar disso, todos os anos, na proximidade da sua festa — o dia 23.º da 3.ª lua — ocorria um naufrágio em frente do templo. Atribuíram o incidente ao facto de ela deixar o santuário, nessa ocasião, para ir visitar a sua terra natal, Tin-Pou, em Fukien.
Um ano, ao aproximar-se a festa, os barcos dos portos fluviais do interior, içaram as velas e velejaram velozmente em direcção a Macau para honrar a T’in-Hau. Além da mercadoria, traziam montanhas de papéis dourados, imitando «sapecas» e papéis litúrgicos para queimarem no templo da Barra a fim de aplacar a deusa.
Aportaram ali todas as lorchas, excepto a de Mak-Kam-Tai. Nisto viu-se para além das Nove Ilhas um ponto negro que depois se verificou ser o barco perdido que voava em direcção à Barra. De repente, rebenta uma tremenda borrasca. Uma nuvem negra absorveu as vagas, formando uma altaneira coluna que, entumescendo de momento a momento, se concentrou num centro aspirante que, em desvairado revoluteio, envolveu essa lorcha na sua espiral, desconjuntando-lhe, no seu temeroso amplexo, as juntas do cavername.
No entanto, perdido o seu potencial de aspiração, o «rabo do Dragão» desfez-se e a lorcha, elevada a grande altura, veio esfrangalhar-se em mil pedaços de encontro à superfície do mar. Seguiu-se uma calma impressionante. Apesar do desastre ter ocorrido em frente do templo da Barra, onde estavam surtas centenas de lanchas, estas nada sofreram nem se aperceberam da tragédia. Mas ali estavam dois sobreviventes para testemunhar o ocorrido. Como todos os anos apareciam nesse local destroços de misteriosos naufrágios, cresceu a devoção dos marítimos à deusa.
Nesse tempo, um famoso geomante, da província de Kuang-tung, chamado Lai-Pou-I, veio até Macau e foi visitar o templo da Barra. Ao chegar perto dum enorme rochedo, tirou a sua ló-p’un (bússola dos geomantes), apalpou o long-mak (pulso do dragão) e exclamou para os circunstantes:
«Não há dúvida. É aqui que a virulência nociva do ar é mais acentuada». Perguntou-se nas imediações do templo costumava haver desgraças. Quando lhe narraram os naufrágios, Lai-Pou-I sentenciou:
«Se não tratarem de contrabalançar, quanto antes, a influência do ar nocivo, este local presenciará desgraças muito mais frequentes. É que a corrente da Ribeira Grande, na fronteira ilha da Lapa, entra na porção do rio que fica em frente do templo, escavando no seu ímpeto o leito, de forma a moldá-lo em uma larga e profunda bacia semelhante a uma rede de pesca. A Ribeira Grande, por sua vez, age como um pescador que está de pé a lançar a sua rede, em que é colhida todos os anos uma embarcação». Ouvindo isto, os marítimos subscreveram uma larga soma para ele neutralizar essa nefasta influência.
O grande Lai-Pou-I foi-se à rocha, traçou com firmeza dois grandes caracteres vermelhos — T’ai-ut, (causa primordial), frase sagrada do taoismo eficacíssima contra qualquer desgraça. Debaixo da rocha, enterrou uma espada com o gume voltado para a Ribeira Grande para cortar as cordas da nefasta rede. E pronto! O malfazejo pescador nunca mais pôde puxar a sua nefasta rede, assim a Barra viu-se para sempre livre de naufrágios.
Tudo isto, graças ao genial Lai-Pou-I, ao T’ai-ut e à tal espada desembainhada."
Sugestão de leitura: Luís Gonzaga Gomes. «A Rocha de "Tái Ut" do Templo da Barra», in Macau Factos e Lendas, ICM, 1994.
A-Ma Temple is the oldest and most famous Taoist temple in Macau. Built in 1488 and located close to the coast, it is dedicated to the Ma-tsu, the goddess of sailors and fishermen. The Tai Ut legend is associated with two large red characters - Tai Ut - on a rock at the A-Ma Temple. In times dating back to the construction of the temple, so the story goes, "lorcha" boats loaded with goods from ports all over China dropped anchor at the inner harbour, next to the temple dedicated to Goddess Tin Hau (also known in Macao as A-Ma). She was Queen of the Heavens and protector of those at the sea, who were extremely devoted to her.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

O caso da nau "Santa Catarina"



Em 1558, um único navio mercante português oriundo da Ásia transportava 1.000 peças de porcelana chinesa. Um navio holandês fazendo a mesma viagem 50 anos depois, perido o monopólio do comércio pelos portugueses - já transportava 60.000 peças. Em 1638, um ano de rotas holandesas já rendiam o equivalente cerca de 900.000 peças de porcelana chinesa. Criada em 1602, a Dutch East India Company (Companhia holandesa da Índia Oriental, ou VOC) da  dominava o negócio - que começou por ser de pimenta - desde o Cabo da Boa Esperança até ao Japão com 600 postos de comércio, mais de uma centena de navios e perto de 40 mil empregados.

A Santa Catarina, a nau maior do mundo (do tipo carraca, transporte de mercadorias), trouxe o primeiro grande carregamento de porcelana do Extremo Oriente para a Europa. A embarcação era portuguesa mas o porto de chegada foi Amesterdão. A história leva-nos até aos primeiros anos do século 17...
Santa Catarina era uma enorme nau de 1.400 toneladas, proveniente do porto de Macau, na costa sul da China, rumo a  Goa.
Na alvorada de 25 de Fevereiro de 1603, três navios holandeses sob o comando do Almirante Jakob Van Heemskerk avistaram a nau ancorada na costa leste de Singapura, estreito de Malaca. Depois de algumas horas de combate, os holandeses dominaram a tripulação comandada por Sebastião Serrão que abdicou das mercadorias e do navio, em troca das próprias vidas, 750 no total.
Foi uma captura habilidosa: as mortes foram poucas, os reféns repatriados e a carga não foi danificada. Van Heemskerck levou seu prémio para Bantam a 20 de junho, e partiu depois para Amesterdão sem se aperceber que tinha batido um recorde. O Santa Catarina transportava 1.200 fardos de seda crua (oriunda de Cantão), muitos baús de damascos e bordados, inúmeros sacos de especiarias, almíscar e açúcar, 60 toneladas de porcelana e ainda 70 toneladas de ouro e prata, sendo até hoje considerado um dos maiores saques da história.
Em leilão público, a carga valeu o equivalente a metade do capital da então toda poderosa Dutch East Asia Company - Companhia das Índias Orientais, criada poucos anos antes - e mais do dobro da rival e concorrente, a Companhia Britânica das Índias Orientais (fundada em 1600).
Moeda cunha para a VOC com símbolo da empresa: 1735
A Santa Catarina chamou a atenção não só de Amesterdão mas de toda a Europa não pelo ouro, mas por ter sido o primeiro grande carregamento de porcelana chinesa a chegar à Europa. Para muitos europeus eram mesmo a primeira vez que a viam e logo em larga quantidade.
Portugal declarou a tomada da Santa Catarina como uma apreensão ilegal e processou a Holanda para recuperá-la; a 9 de Setembro de 1604 o Tribunal do Almirantado em Amesterdão proferiu o seu acórdão declarando que o navio e a sua carga constituíam um espólio de guerra legítimo. Não se poderia esperar que os juízes holandeses decidissem contra uma empresa holandesa, ainda para mais, a East India Asia company. A empresa, no entanto, reconheceu a fraqueza dos argumentos levados a tribunal e contratou um jovem estudante de direito para escrever um parecer jurídico.
O estudante era Huig de Groot (Hugo Grócio), ainda não conhecido pela versão latinizada do seu nome, Grotius. Acabaria por escrever um tratado sobre a questão do espólio de guerra, do qual um único capítulo foi publicado em 1609 com o título Mare Liberum (O Mar Livre). A essência do argumento de Groot era que o comércio era um direito e que a restrição desse direito era um casus belli.
Assim nasceu uma doutrina de livre comércio que viria a causar estragos. Os ingleses consideraram a opinião de Groot como uma pura e simples cobertura legal para a pirataria holandesa. Em 1635, o jurista John Selden respondeu a Groot com outro tratado, o Mare Clausum (O Mar Fechado), inaugurando assim a história moderna do direito internacional - mas isso é outra história...
PS: navios da VOC tentariam invadir e conquistar Macau em Junho de 1622, mas isso também é outro história que pode ser pesquisada aqui.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Cinemas antigos e indústria de panchões em livro

Neste post destaque para dois livros editados este ano de 2019 em Macau. Um é sobre os antigos teatros e cinemas e o outros sobre a indústria dos panchões.
Depois de uma exposição no Jardim Lou Lim Ieok, em Dezembro de 2017, e onde estiveram expostos mais de 500 documentos (cartazes, bilhetes, fotografias, etc) chegou ao mercado este ano o livro que recorda as antigas salas de cinema e teatro do território bem como a memorabilia relacionada com o tema. Trata-se de uma edição apenas em chinês (mandarim) da Associação dos Coleccionadores de Antiguidades de Macau - 澳門懷舊收藏學會 - cujos membros cederam os documentos para a publicação.













Aqui ficam os nomes de algumas dessas salas de espectáculo:
Alegria (1952-?); Lido (1968-1995); Império (1953-1982); Roxy (1940-1970), Cidade d'Ouro (1950-1971), Ngan Seng (1950-1957); Vitória (1910-1971), Capitol (1931-1997); Lai Seng (1957-1972), Apollo (1935-1993); Cheng Peng (1875-1992), Hoi Kiang (1930-1940)...

Depois de uma edição em chinês surge agora uma versão em inglês do livro de Albert Lai sobre a história da indústria dos panchões na Taipa.
English version of The Firecracker Industry in Taipa. A book from Albert Lai (Lai Hung Kin), an old Taipa inhabitant.

Firecrackers were one of the three main handicraft industries and exports from Macau, alongside incense and matches in the 20th century.
The six major Macau firecracker factories were Kuong Heng Tai, Iec Long, Him Yuen, Kwong Yuen, Him Son and Po Sing.
Most of the firecracker manufacturers were at Taipa island. Kwong Hing Tai was onde of them and the biggest of six firecracker manufacturers in Taipa. Kwong Hing plant occupied one-fifth of the total land area of Taipa back then. During its peak this factory employed more than one-third of the population in its plant and produced three million firecrackers a day. Another important plant was Iec Long Firecracker Factory still stands. This factory operated from 1926 until its closure in 1984, and is the best preserved industrial heritage site in Macau.
The Macau Museum offers an exhibit showcasing the tools of the firecracker trade and offers visitors a glimpse of the environment where they were made. The exhibits also includes some of the many colourful firecracker packaging covers produced in Macau.

Agradecimentos: Augusto Amante Gomes e Albert Lai.