Título de um artigo publicado no jornal "A Voz de Macau" de 23 de Fevereiro de 1932
Os jornais de Hong Kong anunciam a venda da colecção Dr. Silva Mendes: "uma rara oportunidade para coleccionadores. À venda a bem conhecida colecção do Dr. Silva Mendes, etc..."
Numa época em que, como se diz, a preocupação da humanidade é o culto da arte, ler tal notícia sem um calafrio, sem um estremecimento, sem um protesto, seria uma manifestação de indeferentismo que, felizmente, se não nota em todos. Ainda há quem pratique um pouco esse culto e vibre de indignação ao ver anunciada, em língua estrangeira, a venda de uma colecção preciosa, seleccionada, durante trinta anos por um artista português em terra portuguesa. É na verdade uma rara oportunidade; uma oportunidade que devia ser aproveitada, não por coleccionadores estranhos, mas pelo Governo da Província. Macau passaria a ter um museu, digno desse nome, com a dupla qualidade de ser um elemento valiosíssimo para aqueles que quizessem dedicar-se ao estudo da arte chinesa e de atraír à Colónia curiosos, coleccionadores, artistas e estudiosos que, para isso, é sobejamente conhecida a colecção.
Muito antes do falecimento do Sr. Silva Mendes, o jornal chinês de Hong Kong, Va Seng, publicava notas acerca de pinturas da sua colecção, algumas das quais classificava de relíquias. E, se é certo que nem todas terão o mesmo valor, não é menor verdade que são para cima de tresentas e cincoenta pinturas, escolhidas por (como dizem os coleccionadores chineses) o homem que mais conhecia a pintura chinesa no Sul da China. Mas não só as pinturas, embora seja o forte da colecção.
São os barros: cerca de tresentos exemplares de vários tipos, espécimes das épocas que vão de Sung a Ch'in Lung. É a estatuária de bronze de Tang e Ming. São os bronzes preciosos de On a Sung. É a loiça funerária das mesas épocas. É a estatuária de barro, moderna, mas de autores afamados já no Sul da China, como Chang Nam e Pun Ioc Si. São, embora muito desfalcadas pela explosão do paiol da Flora, as porcelanas delicadas dos séculos XVIII e XIX. São os quadros de Chinnery: um auto-retrato, um crayon, quatro quadros pequenos, uma aguarela e duas paisagens do norte da Europa. São muitas, muitas, muitas coisas mais, que seria impossível citar aqui. Sem acrescentar que entre essas preciosidades se encontram algumas que interessam, particularmente, a Macau, como os cobiçados quadros de Chinnery, que nesta terra viveu e ensinou, como os dos seus discípulos Marciano Baptista e Lam Kua e como os de Belsito. É certo que só um destes pintores é português. Mas todos o são na arte; todos fixaram, na tela, motivos portugueses; todos sentiram a alma portuguesa.
Há muito, há dezenas de anos, que se sentiu em Macau a utilidade e necessidade de um Museu. O Museu Luis de Camões foi aberto ao publico há uns três ou quatro anos, e para o ser, foi necessário que as direcções que por ele passaram dispusessem de uma enorme força de vontade e se sujeitassem a muito trabalho e muitas sensaborias.
É que o Museu não teve, nunca, nem dotação nem rendimentos; dos objectos que o constituem, uns são oferecidos e outros (a maior parte) depositados, confiados à guarda, conservação e responsabilidade individual dos membros da Direcção. Possue já, é certo, alguns documentos de valor para estudo da nossa influência no Oriente; mas está longe de atingir os fins que tem em vista uma instituição desta natureza, o que só conseguirá quando o Governo da Província se decidir a aproveitar oportunidades raras, como a que se lhe depara agora.
Esta à venda a colecção Dr. Silva Mendes, um museu que, como disse o doutor Juiz Brito e Nascimento na sua oração fúnebre, "está aí a lembrar a administração da colónia a indesculpável incúria de não ter feito o mesmo em quatro séculos do governo." Que se procure, desde já, reparar essa incúria de quatro séculos. Que a administração da Colónia não perca a oportundiade de enriquecer o Museu Luís de Camões, enriquecendo, assim, o património artístico a legar aos vindouros.
Os jornais de Hong Kong anunciam a venda da colecção Dr. Silva Mendes: "uma rara oportunidade para coleccionadores. À venda a bem conhecida colecção do Dr. Silva Mendes, etc..."
Numa época em que, como se diz, a preocupação da humanidade é o culto da arte, ler tal notícia sem um calafrio, sem um estremecimento, sem um protesto, seria uma manifestação de indeferentismo que, felizmente, se não nota em todos. Ainda há quem pratique um pouco esse culto e vibre de indignação ao ver anunciada, em língua estrangeira, a venda de uma colecção preciosa, seleccionada, durante trinta anos por um artista português em terra portuguesa. É na verdade uma rara oportunidade; uma oportunidade que devia ser aproveitada, não por coleccionadores estranhos, mas pelo Governo da Província. Macau passaria a ter um museu, digno desse nome, com a dupla qualidade de ser um elemento valiosíssimo para aqueles que quizessem dedicar-se ao estudo da arte chinesa e de atraír à Colónia curiosos, coleccionadores, artistas e estudiosos que, para isso, é sobejamente conhecida a colecção.
Muito antes do falecimento do Sr. Silva Mendes, o jornal chinês de Hong Kong, Va Seng, publicava notas acerca de pinturas da sua colecção, algumas das quais classificava de relíquias. E, se é certo que nem todas terão o mesmo valor, não é menor verdade que são para cima de tresentas e cincoenta pinturas, escolhidas por (como dizem os coleccionadores chineses) o homem que mais conhecia a pintura chinesa no Sul da China. Mas não só as pinturas, embora seja o forte da colecção.
São os barros: cerca de tresentos exemplares de vários tipos, espécimes das épocas que vão de Sung a Ch'in Lung. É a estatuária de bronze de Tang e Ming. São os bronzes preciosos de On a Sung. É a loiça funerária das mesas épocas. É a estatuária de barro, moderna, mas de autores afamados já no Sul da China, como Chang Nam e Pun Ioc Si. São, embora muito desfalcadas pela explosão do paiol da Flora, as porcelanas delicadas dos séculos XVIII e XIX. São os quadros de Chinnery: um auto-retrato, um crayon, quatro quadros pequenos, uma aguarela e duas paisagens do norte da Europa. São muitas, muitas, muitas coisas mais, que seria impossível citar aqui. Sem acrescentar que entre essas preciosidades se encontram algumas que interessam, particularmente, a Macau, como os cobiçados quadros de Chinnery, que nesta terra viveu e ensinou, como os dos seus discípulos Marciano Baptista e Lam Kua e como os de Belsito. É certo que só um destes pintores é português. Mas todos o são na arte; todos fixaram, na tela, motivos portugueses; todos sentiram a alma portuguesa.
Há muito, há dezenas de anos, que se sentiu em Macau a utilidade e necessidade de um Museu. O Museu Luis de Camões foi aberto ao publico há uns três ou quatro anos, e para o ser, foi necessário que as direcções que por ele passaram dispusessem de uma enorme força de vontade e se sujeitassem a muito trabalho e muitas sensaborias.
É que o Museu não teve, nunca, nem dotação nem rendimentos; dos objectos que o constituem, uns são oferecidos e outros (a maior parte) depositados, confiados à guarda, conservação e responsabilidade individual dos membros da Direcção. Possue já, é certo, alguns documentos de valor para estudo da nossa influência no Oriente; mas está longe de atingir os fins que tem em vista uma instituição desta natureza, o que só conseguirá quando o Governo da Província se decidir a aproveitar oportunidades raras, como a que se lhe depara agora.
Esta à venda a colecção Dr. Silva Mendes, um museu que, como disse o doutor Juiz Brito e Nascimento na sua oração fúnebre, "está aí a lembrar a administração da colónia a indesculpável incúria de não ter feito o mesmo em quatro séculos do governo." Que se procure, desde já, reparar essa incúria de quatro séculos. Que a administração da Colónia não perca a oportundiade de enriquecer o Museu Luís de Camões, enriquecendo, assim, o património artístico a legar aos vindouros.
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