sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

O Natal há 100 anos

A 24 de Dezembro de 1925 (quinta-feira) o governador concedeu "tolerância de ponto nas repartições públicas depois da 1 hora sem prejuízo do serviço". Em jornais como "A Pátria" os inúmeros anúncios publicados atestam que a economia local vivia dias de grande dinamismo. A Avenida de Almeida Ribeiro (San Ma Lou) tinha sido inaugurada há poucos anos - ligando o Porto Interior ao Porto Exterior - e já competia com a Rua Central em termos de oferta comercial, mas a Praia Grande, ainda com a categoria de rua, mantinha-se como a grande montra fruto da localização privilegiada em redor da baía com o mesmo nome. Para além do Jardim de S. Francisco no cruzamento com a Rua do Campo, grandes firmas estavam ali instaladas tendo como vizinhos o Palácio das Repartições, o Palácio do Governo, o New Macao Hotel, e em breve, logo ao lado, também o BNU, cujo edifício sede estava quase pronto.
Um dos anunciantes era o Au Paradis des Dames, Ltda, "estabelecimento frequentado pelas pessoas chicas cá da terra" e inaugurado recentemente que oferecia "tudo o que há de melhor e de mais dernier cri de Paris, Londres e Nova-York". A oferta de produtos incluía malas de mão, carteiras, vestidos, casacões, lenços, etc... para senhoras, crianças e cavalheiros. O novo espaço da moda em moda estava localizado no piso térreo do nº 73 da Praia Grande, mesmo ao lado do edifício onde vivia então o poeta Camilo Pessanha.
Postal da década 1920 - Rua Marginal da Praia Grande - onde assinalei o Grémio Militar


Uma das notícias locais do jornal "A Pátria" tinha por título "Árvore de Natal":
Ontem, pelas 16 horas realisou-se a simpática festa da Arvore do Natal, em benefício das crianças pobres de Macau. Presidiu a Exma. Espôsa de S. Exa. o Governador, o qual também quis honrar a festa com sua presença, bem como o Exmo. Prelado de Macau e muitas senhoras e cavalheiros da mais distinta sociedade de Macau. Uma grande mesa em forma circular e que occupava o centro da plateia do teatro D. Pedro V, achava-se literalmente coberta de doces, bolos, etc. As crianças, em número de 200, entre as quais um grupo da Casa de Beneficência, foi servido um chá gordo, muito gordo mesmo. Em breve espaço, tôdas elas, chilreantes, limparam a mesa...
Em seguida, descerra-se o pano e, no proscénio, salienta-se o "Pai Natal": o velho simbólico, com a neve das barbas brancas a escorrer-lhe pelo peito. Em meio do palco a arvore do Natal esbraceja os seus ramos fosforescentes, donde pendem luminárias multicolores, balões de oxigénio, coisas várias.
O "Pai Natal" chocalha um saco que encerra os bilhetes da rifa dos brinquedos. Cada criança toma o seu bilhete e recebe um brinquedo. Estes são variados, para todos os gostos. Depois,... com o estômago bem recheado, fora o que levam no saco, as crianças ainda recebem $2,00, cada. Bela, simpática festa! Parabéns às senhoras e cavalheiros que a promoveram. Gastaram-se $854,00, mas foram muito bem empregadas."
Um dos anunciantes mais importantes na época era a Macau Electric Lighting Company, conhecida por Melco. Não só assegurava a distribuição de electricidade no território como também vendia uma parafernália de electrodomésticos que funcionavam, claro, com recurso a energia elécrica.
"Um Natal Alegre" era o mote da campanha publicitária:
"Quereis ver os vossos amigos alegres? Quereis ver satisfeitas as pessoas a quem offereceis presentes de Natal? Quereis offerecer prendas de utilidade, prendas que agradam e que podem servir por muito tempo? Já incluístes na lista dos vossos presentes alguns apparelhos eléctricos? Presentes que, além de úteis, são bonitos!
Comprai apparelhos para o vosso Natal. Lembrai-vos da utilidade e do embelezamento do vosso Lar. Lembrai-vos da comodidade que dais aos vossos amigos ou parentes offerecendo-lhes apparelhos electricos e ide ter com os commerciantes do genero e êles vos indicarão a forma de o fazerdes com facilidade; para isso também tereis sempre a Melco ao vosso dispor".

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Natal de uma missionária em 1863: "Macau é um lugar encantador"

Nascida em Inglaterra em 1842, Mary Gunson desde cedo ouviu histórias de missionários que viajaram para a China e decidiu fazer o mesmo. Depois de receber formação na Wesleyan Methodist Missionary Society (Igreja Metodista Wesleyana), a 18 de Março de 1862 partiu para Xangai onde chegou a 18 de Julho desse ano. O destino final era Cantão - chegou em Agosto - onde iria dar apoio a outros dois missionários, Joan e George Piercy.
Ao fim de menos de um ano contraiu tuberculose e acabaria por regressar a casa. Pouco tempo depois dessa derradeira viagem esteve em Macau como conta numa carta escrita à irmã em Fevereiro de 1863 e que consta no livro publicado em Londres em 1865 "Love For China: Exemplified In Memorials Of Mary Gunson" da autoria de George Piercy. A estadia em Macau deveu-se à doença já que o clima do território era considerado mais indicado.
Na carta, Mary Gunson descreve o período de férias em Macau, durante o Natal de 1862 e o Ano Novo Chinês de 1863 - Ano do Porco iniciado a 18 de Fevereiro (quarta-feira) desse ano. Na carta conta que em Macau esteve hospedada em casa do casal Williams, faz uma descrição da baía da Praia Grande e dá ainda conta de uma visita ao cemitério protestante.
O casal referido é muito provavelmente Samuel Wells Williams (1812-1884) e Sarah Simonds Walworth (1815–1881). Samuel foi missionário, sinólogo e diplomata. Na época em que a carta foi escrita já era Secretário e Intérprete da Legação dos Estados Unidos na China, com sede em Pequim. Por certo manteve a casa que tinha em Macau já que o clima de Inverno era muito mais agradável do que o de Pequim podendo estar ali apenas naquela altura a mulher.
Macao February 23rd 1863
My Dear Jamie
Really how busy you must be what with attendance on the cows writing for father and many little errands for mamma and Ellie. I am so glad you are able to assist dear father; he has always so much to do. I hope you chose the prettiest cow to bear my name. Cows are not common here but the Portuguese seem very fond of goats and wherever we turn they are running and skipping about. Their milk is drunk by the Portuguese families.
Macao is a delightful place with beautiful walks. It is a small peninsula forty miles west of Hong kong belonging to the Portuguese. Look and you will find it on the map and then you will see the place where my Christmas holidays were spent and how far we had to travel by steamer from Canton to reach it.
On our approach to the town of Macao we got quite near the place before we could see the least of it then on turning a rocky point the whole town and bay burst upon us quite suddenly.
The bay forms a beautiful curve around which the houses are built and a fort at each end to protect the place; these are garrisoned by soldiers.
There are ten Roman Catholic churches here. O, poor deluded people. I saw them in the cathedral kneeling on the floor and thought their faces looked the very picture of misery. Theirs is a cold love less religion nothing but outward show and altogether unsatisfactory to the mind in which God has planted a desire for Himself and where until He is received there remains an aching void nothing else can fill.
The priests are numerous and strange looking beings on account of their singular dress. We have generally been able to walk out before breakfast which is very refreshing and then again in the evening. These walks are such a treat to me, Dr. and Mrs Williams, with whom we are staying are exceedingly kind.
Many Chinese live here and some of them are Roman Catholics. The 18th was the Chinese new year it is a universal holiday, their only one. All the shops were closed and every one was dressed in his or her best. I was taken through the Chinese part of the town that I might see how it would look if they kept the Sabbath day. It was touching. It grieved me much though to see the people gambling. I have twice visited the Protestant burial ground where lie the remains of many devoted Christian, men and women, among them four wives of Canton Missionaries and several children. I saw Dr Morrison's grave and gathered a few leaves which I enclose you must keep them in remembrance of that great man the first Protestant Missionary to China.
Love to all at home, a large portion to dear mamma who has been so ill. I hope when this reaches you, she will be quite well. I am, dear Jamie, the same Polly who left home now almost a year ago and still loving you all, as dearly and always having in mind the prospect of returning. O, to see you all once more. Your affectionate sister
Mary Gunson
Tradução/Adaptação

Macau, 23 de Fevereiro de 1863
Meu querido Jamie,
Iagino como deves andar ocupado a tratar das vacas, a escrever para o pai e a fazer pequenos recados para a mãe e para a Ellie. Fico tão contente por poderes ajudar o nosso querido pai; ele tem sempre tanto que fazer. Espero que tenhas escolhido a vaca mais bonita para levar o meu nome. As vacas não são comuns aqui, mas os portugueses parecem gostar muito de cabras e, para onde quer que nos voltemos, elas andam a correr e a saltar. O seu leite é bebido pelas famílias portuguesas.
Macau é um lugar encantador, com belos passeios. É uma pequena península a quarenta milhas a oeste de Hong Kong, pertencente aos portugueses. Procura e encontrá-la-ás no mapa; assim verás o lugar onde passei as minhas férias de Natal e a distância que tivemos de percorrer em vapor, desde Cantão, para aqui chegar.
À medida que nos aproximávamos da cidade de Macau, foi preciso chegar muito perto antes de conseguirmos ver o que quer que fosse; depois, ao dobrar uma ponta rochosa, toda a cidade e a baía surgiram subitamente diante de nós.
A baía forma uma bela curva em redor da qual as casas são construídas, com um forte em cada extremidade para proteger o lugar; estes estão guarnecidos por soldados.
Existem aqui dez igrejas católicas romanas. Oh, pobres pessoas iludidas. Vi-as na catedral, ajoelhadas no chão, e achei que os seus rostos eram o próprio retrato da miséria. A religião deles é um amor frio e sem vida, nada mais do que exibição exterior e totalmente insatisfatória para a mente na qual Deus plantou o desejo por Si próprio e onde, até que Ele seja recebido, permanece um vazio doloroso que nada mais pode preencher.
Os padres são numerosos e seres de aparência estranha, por causa das suas vestes singulares. Geralmente temos conseguido sair para caminhar antes do pequeno-almoço, o que é muito revigorante, e depois novamente ao anoitecer. Estes passeios são um verdadeiro deleite para mim; o Dr. e a Sra. Williams, com quem estamos hospedados, são extremamente amáveis.
Muitos chineses vivem aqui e alguns deles são católicos romanos. O dia 18 foi o Ano Novo Chinês; é um feriado universal, o único que têm. Todas as lojas fecharam e todos se vestiram com as suas melhores roupas. Levaram-me a visitar a parte chinesa da cidade para que eu pudesse ver que aspeto teria se eles guardassem o dia de Sábado. Foi comovente. No entanto, entristeceu-me muito ver as pessoas a jogar. Visitei por duas vezes o cemitério protestante, onde jazem os restos mortais de muitos cristãos dedicados, homens e mulheres, entre eles quatro esposas de missionários de Cantão e várias crianças. Vi o túmulo do Dr. Morrison e colhi algumas folhas que envio em anexo; deves guardá-las em memória daquele grande homem, o primeiro missionário protestante na China.
Envio amor para todos em casa, uma grande parte para a querida mamã, que tem estado tão doente. Espero que, quando esta carta te chegar às mãos, ela já esteja completamente recuperada. Sou, querido Jamie, a mesma Polly que saiu de casa há quase um ano e que ainda vos ama a todos profundamente, mantendo sempre em mente a esperança de regressar. Oh, ver-vos a todos uma vez mais.
A tua irmã afetuosa, Mary Gunson"

Nota: Mary regressou a Inglaterra pouco depois de escrever esta carta onde morreu a 29 de Maio de 1864. Tinha 22 anos. 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Centenário do edifício da Caixa Escolar

Há 100 anos neste dia o jornal "A Pátria" noticiava a "Inauguração do novo edifício da Caixa Escolar" ocorrida dois dias antes no Tap Seac sendo um "projecto do condutor de Obras Públicas" Gastão Borges.
"Fez-se no último Domingo, pelas 15 horas, conforme noticiámos. Compareceram, S. Exa. o Governador, com sua Exma. Espôsa e Ajudante, Dr. Albuquerque, Sua Exa. Revma. o Sr. D. José da Costa Nunes, e as pessoas mais distintas desta cidade entre militares, civis e particulares.
Foi servida uma taça de champanhe, brindando em primeiro lugar o Sr. Henrique Nolasco da Silva, Director da Caixa Escolar. Agradecendo a comparência das pessoas presentes, historiou a origem, progresso e desenvolvimento daquela instituição, pondo em evidência os benéficos resultados da Caixa Escolar, em pró da mocidade escolar, bem como a maneira como tem desempenhado o cargo que lhe foi confiado pelo Governo da Província de administrar a Bôlsa de Estudos. Apela para a numerosa assistência, a fim de que todos, sem excepção, se inscrevam como sócios da Caixa Escolar.
Responde S. Exa. o Governador, congratulando-se com os resultados obtidos e incitando a Direcção a envidar os melhores esforços no sentido de obter por meio dos exercícios desportivos, bem orientados, uma nova geração ilustrada e morigerada, sendo certo que nada influí tanto numa boa educação moral e na formação do carácter cívico, como são os exercícios físicos bem conduzidos.
Em seguida foram executados, sob a sábia direcção do Sr. Artur Borges, vários exercícios ginásticos, que muito agradaram. No campal tocava a banda do Orfanato da Imaculada Conceição, enquanto a assistência se entretinha a ver vários jogos desportivos, entre os quais o boxe e o tennis. Pelas 17 horas serviu-se o chá e dançou-se até que horas dentro do edifício. Felicitamos a Direcção e, mais uma vez, agradecemos o convite para assistirmos a tão simpática festa."
o edifício actualmente

domingo, 21 de dezembro de 2025

Anúncio da "Coca-Cola" na imprensa chinesa em 1966

 

美國「威士丁」摩打可口可樂汽水櫃 
Arca frigorífica Coca-Cola com Motor Americano "Westinghouse"

十七週年紀念酬謝顧客 
Oferta aos clientes no 17º aniversário*

『威士丁』摩打最耐用、最慳電、所愛、悅目及最為飲家讚譽,十六年信用保證。
O motor "Westinghouse" é o mais durável, mais económico e mais elogiados pelos consumidores há 16 anos

現款實價一葡幣1590元 
Preço: 1590 patacas

另加送可口可樂三十盤 ($180⁰⁰) , (實際上只值$1410元) 
Oferta de 30 grades de Coca-Cola por apenas 180 patacas e com valor comercial de 1410

分期付款面議 
Possibilidade de pagamento a prestações

以上優待辦法由登報之日起一個月內生效 
Condições válidas por 30 dias após a publicação do anúncio

澳門工藝有限公司 • 可口可樂汽水廠 
Empresa Macau Industrial Company Limited

電話:3505 - 3588 - 2271 
Telefones 3505 - 3588 - 2271

* a empresa foi criada em 1949; ficava na zona da Areia Preta.

sábado, 20 de dezembro de 2025

"José Cabral, um herói português na II Guerra Mundial"

Publicado em 2023 o livro "O Piloto de Casablanca" é da autoria de José António Barreiros, advogado e ex- Secretário Adjunto do Governador de Macau para a Administração e Justiça, entre 1987 e 1988.  Advogado criminalista, é autor de vários livros sobre essa área jurídica. e tem também investigado e publicado livros sobre "a guerra secreta em Portugal no período 1939-1945." O livro aqui referido é uma biografia de José Cabral (1897-1984) que em Macau
foi o primeiro comandante (era na altura 1º tenente) do Centro de Aviação Naval (pertencia à Marinha de Guerra Portuguesa), inaugurado a 10 de Novembro de 1927 na Taipa. O hangar para abrigo dos hidroaviões ficava na antiga praia de N. Sra. da Esperança  (ver fotos abaixo). A base tinha três aeronaves Fairey III, incluindo o Santa Cruz - em que Gago Coutinho e Sacadura Cabral fizeram a histórica travessia do Atlântico - e que actualmente está no Museu de Marinha, em Lisboa.
Sinopse: Durante a Segunda Guerra Mundial, quando voar era uma aventura arriscada, a ligação aérea entre Lisboa, Tânger e Casablanca, celebrizada num dos mais emblemáticos filmes de Hollywood, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, era exclusivamente assegurada por Portugal, enquanto país neutro no conflito. O piloto que fazia essa rota, por vezes em condições de grande perigo, chamava-se José Cabral e era um comandante de marinha, corajoso e audaz. Graças a esta figura notável da aviação naval, com contactos nos serviços secretos britânicos e norte-americanos, refugiados de guerra salvaram-se da ameaça nazi e diplomatas e militares das forças Aliadas cumpriram missões na operação de desembarque no Norte de África, o princípio do fim do III Reich.
Cabral viria a ser galardoado com a mais alta distinção concedida pelos EUA a militares estrangeiros, mas cairia no esquecimento no país onde nasceu. Resgatando a sua memória, José António Barreiros recorda a vida, a bravura e as missões clandestinas deste herói português.

Referência do autor nas páginas do livro "O Piloto de Casablanca"
ao apoio que prestei com recurso ao blogue Macau Antigo e arquivo pessoal

Nascido em 1897 José Cabral iniciou os estudos em Lisboa no início da década de 1910. Em 1916 entrou para a Escola Naval onde se dedicou à Aviação Naval. Desde cedo pretendeu servir na Aviação Marítima de Macau o que veio a acontecer em 1929 sendo colocado no Centro de Aviação, na ilha de Taipa. Na época a China já vivia em grandes as tensões do que viria a ser a guerra civil entre as forças nacionalistas e comunistas. Cabral participou em missões de salvamento e segundo Barreiros recebeu "condecorações" pelas operações de salvamento de pilotos franceses caídos na China. Regressaria a Portugal em 1932.
Foto publicada na revista Macau, Agosto 1992

No livro "Aviação em Macau, um Século de Aventuras" (1990) Luís Andrade de Sá escreve:
"Esteve três anos no território e escreveu no relatório o que fora a sua actividade na Colónia: quase 500 voos, num total de 218 horas e 15 minutos. Os aviões , só podiam ser usados em certas condições, com a maré cheia ou quando a água tivesse pelo menos sete pés de profundidade; o pessoal europeu da Aviação Naval não ultrapassava a meia dúzia com ele e com o sargento, ajudante de carpinteiro, Joaquim Carpeta; havia ainda seis loucanes e um guarda africano, um cavalo e algumas cabras que querendo em liberdade, insistiam em destruir as árvores e plantas do jardim da Taipa, perante o desespero e indignação da Comissão Municipal das Ilhas e a bonomia do comandante da Aviação Naval que não via como pôr termo a tal abuso".

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

"Única possessão de Portugal na China"

Excertos sobre Macau no  Volume 12. da "Historia universal: Nova ed. vertida da franceza de 1867 acompanhada da versão das citações gregas e latinas, e com alguns accrescentamentos relativos aos feitos dos portuguezes", publicado em 1878 (2ª edição).

Panorama de Macau (Praia Grande) ca. 1870/75

Macau, unica possessão de Portugal na China, está situada no extremo sul oriental do chinez; faz parte da ilha Hiang Chan á provincia de Cantão na entrada do rio do mesmo nome. 
Tem 4 kilometros e meio no sentido N/S desde o forte de S Thiago Barra até á muralha que corta o isthmo, separando o territorio portuguez do imperio chinez; na maxima largura na parte média da peninsula tem 1800 metros; para o S. diminue muito largura a qual não passa de 600 metros em espaço de 1 500. A superficie da peninsula é de 375 ares. A Oeste de Macau fica a montanhosa ilha da Lapa, da qual é separada por um braço do rio de Cantão em 600 a 800 metros de largura. Entre ilhas que ficam ao S. da peninsula notaremos a pequena ilha da Taipa onde ha um forte portuguez e as ilhas de Macarira e Kai Kong, alinhadas no rumo de O.S.O.
A Este da peninsula fica a bahia de Macau - que alli chamam rada - desabrigada dos ventos de N. a E.S.E. -  onde fundeam os navios de maior lotação, em fundo de 6 a 7 metros á distancia de 2 milhas da cidade. Do lado Oeste fica o porto formado pelo canal que communica com o rio Cantão e que apresenta profundidades de metros. A entrada para o porto não tem mais 3 a 3,5 de fundo.
A cidade, edificada na parte meridional da peninsula, tem actualmente mais de 3 kilometros  de extensão, contando com os arrabaldes chins de Patane e da Barra. Os edificios mais notaveis são: Sé, templo moderno, e o palacio do governador. Tem 3 freguezias: Sé, S. Lourenço e Santo Antonio e 3 hospitaes. É defendida pelas fortalezas do Monte e da Guia e pelos fortes de S Francisco e Nossa Senhora do Bom Porto. Na ponta de Cacilhas ha o pequeno forte de D Maria II e no extremo S. da Peninsula o forte de S Thiago da Barra.
A população de Macau compõe-se de europeus, descendentes ou macaistas, parses e chins.
Em 1871 estava esta população dividida da seguinte forma:
Christãos 5 470
Mouros parses 2 535
Chins da terra  53 747
Chins maritimos  10 000 
Total  71 834 
Por muitos annos foi Portugal a unica nação que podia commerciar com a China sendo Macau o unico porto aberto aos estrangeiros adquirindo por essa razão grande importancia commercial. Mais tarde estabeleceram-se os inglezes em Hong Kong e foi a China forçada a abrir ao commercio estrangeiro os portos de Shangai, Ning Pó, Fuchan e Emuy perdendo assim os portuguezes o privilegio de que não tinham tirado o proveito possivel e o commercio de Macau ficou quasi aniquilado, não lhe valendo o decreto de 1845 que franqueou o porto de Macau ao commercio geral.
O commercio restabeleceu-se depois, senão nas mesmas proporções que attingira antigamente, pelo menos em uma escala relativamente florescente, apresentando esta colonia um movimento commercial superior ao das outras possessões portuguezas.
O movimento geral foi o seguinte nos annos abaixo mencionados:
1864: 11 177$000
1865: 11 587$000
1866: 11 806$000 
Vê-se pois que além da elevada cifra a que ascendia o valor da importação e exportação havia uma pronunciada tendencia para o commercio de Macau augmentar quando em 1866 começou de novo a declinar em consequencia do estabelecımento de postos fiscaes chinezes em frente do nosso porto. A decadencia durou pouco. Em 1871 o movimento commercial era de 9.509 0005000 réis e em 1872 subia já a 13.006 000$000 reis. (...)
Os generos principaes de importação e exportação são o chá no valor de 2.000 000$000 réis,  o opio no de 2.500 000$000 réis. O opio importado da India é depurado na cidade sendo depois exportado principalmente para a California. O chá é importado da China e depois de beneficiado é exportado para a Europa. (...)
Ha em Macau um seminario, uma aula de pilotagem, tres escolas primarias para o sexo masculino e uma para o feminino. A frequencia no seminario foi em 1873/1874  de 160 alumnos; a da escola de pilotagem e a de instrucção primaria de 127 alumnos e alumnas.
A guarnição de Macau consta de um batalhão 
mercio de Macau é actualmente exercido pelos ne gociantes chins e por algumas casas estrangeiras
Em 1856 começou a adquirir importancia a emigração chineza que se fazia por este porto e as leis do imperio prohibiam expressamente seus portos. Em 1866 chegou a emigração ao maximo de 24 401 colonos e depois de ter decrescido muito tinha em 1871 subido a 16 518.
Em 1873 foi prohibida pelo governo portuguez a emigração chineza pelo porto de Macau em consequencia abusos praticados pelos engajadores chins. Esta especulação tinha substituido o antigo commercio de Macau e contribuia para a receita do Estado com uma das verbas mais avultadas. Felizmente á custa da emigração augmentou e enriqueceu uma parte da população chineza tendo sido creadas novas relações commerciaes e pôde pôr se em vigor a citada prohibição sem que a por ella determinada abalasse o estado de Macau. (...)
Ha em Macau um seminario, uma aula de pilotagem, tres escolas primarias para o sexo masculino e uma para o feminino. A frequencia no seminario foi em 1873/1874 de 160 alumnos, a da escola de pilotagem de 9 ea de instrucção primaria de 127 alumnos e alumnas. A guarnição de Macau consta de um batalhão de infanteria formado de praças europeas cujo estado completo deve ser de 584 praças mas em 1874 tinha o effectivo de 377. Além d'este batalhão ha um corpo de policia de 200 praças e uma companhia de artilheria.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Macau nas "Cidades Fascinantes" de Ian Flemming

Em 1959 Ian Fleming foi contratado pelo The Sunday Times para explorar quatorze das cidades mais exóticas do mundo. 
Fleming observou tudo com o olhar de jornalista mas sobretudo com o de um escritor de suspense. De Hong Kong a Honolulu, de Nova York a Nápoles, trocou as ruas movimentadas pelos becos escuros, ignorou os pontos turísticos e privilegiou os locais 'obscuros', conviveu com celebridades mas também com gangsters e gueixas. O resultado é uma série de retratos vívidos de um mundo misterioso e já desaparecido dado a conhecer ao público pela primeira vez em 1963 na obra "Thrilling Cities" (Cidades Fascinantes/Emocionantes).
No livro embarcamos numa aventura por Hong Kong, Macau, Tóquio, Honolulu, Los Angeles, Las Vegas, Chicago, Nova York, Hamburgo, Berlim, Viena, Genebra, Nápoles e Monte Carlo. ... numa jornada pelas paisagens, sons, gastronomia e bebidas de algumas das cidades mais fascinantes do mundo em meados do século 20.
Na passagem por Macau o jornalista e escritor Ian Lancaster Fleming (1908-1964) teve uma relação especial com o Hotel Central - uma "casa de prazer" - e que viria a incluir no mundo de James Bond e que pode ver-se no filme "007  The Man with the Golden Gun" (1974). 
Uma das cenas é o salão onde se jogava fantan e onde as apostas eram feitas através de buracos entre pisos usando varas de pesca.

"In the Central Hotel, most of the Fantan tables have holes cut in the ceilings above them so that additional players can sit around a railing above and participate in the game."
Excerto do artigo "Macao Hits the Doldrums" da autoria de John W. Powell publicado na The China Weekly Review, 6.9.1947
As imagens acima (preto e branco) são da autoria de Jack Birns e foram feitas em 1948/49 para a revista Life (EUA) e mostram uma sala de jogo de fantan em Macau, muito provavelmente no hotel Central.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Macau por Gabriel Lafond de Lurcy

Tendo por base o post de ontem, aqui ficam alguns excertos sobre Macau incluídos no livro "Quinze ans de voyage autour du monde" (Paris, 1840). Destaque para a descrição do território no primeiro quartel do século 19: baía da Praia Grande, bazar chinês, Porta do Cerco, Gruta de Camões, etc...
Tradução/Adaptação:
A cidade de Macau, em chinês Ou-Moun, fica numa posição agradável e sadia, dezoito milhas a leste de Cantão, a doze da Grande Lemma, e a um pouco menos da Grande Ladrão. É a única possessão europeia no império chinês, possessão a cada dia mais precária e mais contestada pelo governo imperial. Colinas coroadas de pinheiros atrofiados circundam a cidade construída na península e que termina na ilha de Ngao-Men ao sul. Logo que parámos no canal frente a Macau, a mais de duas léguas de terra, o piloto chinês que tínhamos a bordo avisou-nos que deviamos enviar um bote a terra para pedir ao hopu, ou director da alfândega, o piloto que nos conduzirá a Wampoa. (...) 
Chegámos pelas dez horas à Praia Grande, porto metade europeu, metade asiático. As embarcações destinadas aos passageiros eram às centenas na baía e pareciam engolir-nos. A forma ligeira como navegam e a facilidade com que manobram são surpreendentes. Por vezes, eram manobradas por duas ou três jovens mulheres, algumas com traços graciosos. Uma fiada de belas casas, brancas, elegantes, de estilo europeu, alinhava-se ao longo da margem e numa extensão de cerca de uma milha: é o que se chama a Praia Grande. Os belos edifícios da Companhia inglesa destacavam-se entre todos os outros, a maior parte dos quais é habitada por comerciantes ingleses, que para aqui vêm viver quando não se pode fazer o comércio do chá na China, e por alguns ricos negociantes portugueses e de outras nações estrangeiras. (...)
Tinha vindo a terra para renovar as provisões frescas do navio e as levar a bordo, mas a tarefa acabou por ser feita por um 'comprador'. Aproveitei este tempo livre para percorrer Macau. Encaminhei-me para o bairro chinês, também chamado bazar, situado no interior da cidade sobre o braço de mar que chamam ribeira de Macau. Este bairro compõe-se de uma miríade de pequenas ruas estreitas cruzando-se em todos os sentidos, ladeadas por lojas perfeitamente decoradas e guarnecidas de uma variedade infinita de mercadorias. Uma multidão atarefada indicava que esta parte da cidade era o centro de um grande movimento comercial. Os desembarcadouros, instalados aqui e ali nas margens do rio, estavam cheios transeuntes e de uma quantidade incontável de embarcações de passageiros servindo para transportar os habitantes de um lado ao outro ou de os conduzir a bordo dos navios maiores. É aqui que se abrigam os juncos e as embarcações portuguesas, vendo-se nas margens feitorias, lojas, as alfândegas portuguesa e chinesa bem como estaleiros navais. 
Na parte portuguesa da cidade algumas igrejas têm um aspecto miserável. As ruas são, na maioria, muito íngremes e mal construídas, salvo algumas excepções. Todas vão da Praia Grande para a ribeira de Macau. Não tendo muito tempo disponível, acompanhado de um guia chinês apressei-me a afastar-me do centro da cidade para ter uma ideia dos arredores. Segui ao longo de uma muralha e reentrei por uma porta junto ao cemitério chinês, depois de dar uma vista de olhos às fortalezas portuguesas que dominam o mar. (...)
A península em que Macau está tem, no máximo, meia légua de comprimento por um quarto de légua de largura. O istmo que a reúne ou, para dizer melhor, a isola da ilha de Ngao-Men é extremamente estreito e fechado por uma muralha que nem os portugueses nem os estrangeiros podem atravessar. Nesta pequena península montanhosa dominam as colinas não muito elevadas, mas escarpadas e pitorescas. A cidade ocupa uma parte deste espaço; o resto está coberto de casas de campo cuja resplandecente brancura dá um ar risonho aos arredores da cidade. Numa das colinas, do lado do rio, fica a célebre gruta em que o autor de Os Lusíadas compôs o seu poema. Algumas das outras colinas têm fortes portugueses, cuja artilharia é limitada pelos chineses que diminuem à sua vontade o número de peças com que podem estar armadas. Mesmo para fazer reparações é preciso uma autorização.
A população de Macau e do istmo é avaliada assim: 500 europeus de sangue puro; 25 000 a 30 000 chineses; 4000 portugueses, mestiços quase todos, ou o resultado de misturas, com uma infinidade de nuances e graus, da raça europeia com as raças chinesa, indiana, timorense, malaia e africana. (...)
Excertos na língua original (Tomo I - Capítulo VII):
(...) La ville de Macao en chinois Ou Moun est dans ume position agréable et saine à dix huit milles à l'E de Canton, à douze de la Grande Lemma et à un peu moins de la Grande Ladrone; c'est l'unique possession européenne dans tout l'empire chinois, possession de jour en jour plus précaire et plus contestée par le gouvernement imperial.
Des collines couronnées de pins rabougris entourent la ville bâtie sur la péninsule dont je viens de parler et qui termine l'île de Ngao Men vers le sud. Dès que nous eûmes mouillé dans le passage, vis à vis Macao, à plus de deux lieues de terre, le pilote chinois que nous avions à bord nous prévint que nous devions envoyer un canot à terre, pour demander au Hopoo, ou directeur de la douane, le pilote qui devait nous conduire à Wampoa.
Je fus expédié dans le bateau où M Duboisviolet et son secrétaire s'étaient également embarques. Nous arrivâmes vers dix heures à Praya Grande port moitié européen moitié asiatique. Les embarcations destinées aux passagers se trouvaient par centaines dans la baie et semblaient voltiger autour de nous leur légèreté sur les eaux la facilité avec laquelle elles virent de bord sont surprenantes souvent elles étaient conduites par deux ou trois jeunes fdles dont quelques unes avaient des traits gracieux Une rangée de belles maisons blanches élégantes d une construction européenne s alignait sur le rivage sur une étendue de près d'un mille c'est ce que l on nomme la Praya Grande.
Les beaux bâtimens de la Compagnie anglaise se faisaient remarquer parmi ces édifices dont la plupart étaient habités par des négocians de cette nation qui viennent y passer le temps de la clôture de la traite du thé et par quelques riches négocians portugais ou d autres nations étrangères A notre débarquement la douane nous fit payer une piastre ou cinq francs par tête et autant par malle ou colis de marchandises impôt inique humiliant et lourd auquel les Portugais eux mêmes n osent pas se soustraire car je l'ai dit leur domination à Macao est purement nominale leur pavillon n y flotte (...)
(...) je profitai de cet intervalle de liberté pour parcourir Macao en attendant l heure du départ Je m acheminai vers le quartier chinois nommé aussi le Bazar et situé dans l intérieur de la ville sur le bras de mer appelé rivière de Macao. Ce quartier se compose d une multitude de petites rues étroites se coupant dans tous les sens bordées dé boutiques parfaitement ornées et garnies d une variété infinie de marchandises une foule affairée indiquait que cette partie de la ville était le centre d un grand mouvement commercial Les débarcadères pratiqués de distance en distance sur les bords de la rivière étaient encombrés d allans et de venans et d une quantité innombrable de bateaux de passage servant à transporter les habituas d un quartier à l autre ou à les conduire à bord des grandes embarcations du pays. 
C'est dans ce bras intérieur que se tiennent les jonques chinoises et les navires portugais et sur ses bords l on voit les factoreries les magasins les douanes portugaise et chinoise ainsi que les chantiers de construction. Dans le quartier portugais j aperçus quelques églises d une assez chétive apparence la plupart des rues sont fort montueuses et généralement mal bâties hors de rares exceptions toutes se dirigent de la Praya Grande vers la rivière de Macao.
Ayant peu de temps à ma disposition je me hâtai accompagné du Chinois que l on m avait donné pour guide de sortir de la ville pour avoir au moins une légère idée de ses environs Je longeai d abord une partie de son enceinte et rentrai par la porte voisine du cimetière chinois après avoir jeté un coup d œil sur les forts portugais qui dominent la mer A chaque porte je trouvai une garde de soldats noirs ou cipayes de l Inde commandés par des oificiers portugais ou soi disant tels.
La presqu'île sur laquelle Macao est située a tout au plus une demi lieue de longueur sur un quart de lieue de large L isthme qui la réunit ou pour mieux dire l isole de l île de Ngao Men est fort étroit et fermé par une muraille que ni les Portugais ni les étrangers ne peuvent franchir ou qu ils ne franchissent pas impunemente.
Le sol de cette petite presqu'île est montueux composé de collines peu élevées mais escarpées et pittoresques dans leurs proportions exiguës la ville occupe une partie de cet espace le reste est couvert de maisons de campagne dont l'éblouissante blancheur donne une physionomie riante aux environs de la ville. L'une de ces collines dans l'enceinte de la ville du côté de la rivière est couronnée par la célèbre grotte où l auteur de la Lusiade composa son poème et quelques autres le sont par des forts portugais dont l'artillerie est limitée par les Chinois qui diminuent à leur gré le nombre des pièces dont ils peuvent être armés même pour réparer leurs affûts il faut une autorisation expresse.
La population de la ville et de l'isthme de Macao est évaluée ainsi qu il suit cinq cents Européens pur sang vingt cinq à trente mille Chinois et quatre mille Portugais sang mêlé presque tous ou provenant du mélange à une infinité de nuances et de degrés de la race européenne avec les races chinoise indoue timorienne malaisienne et africaine Les humiliations que les Chinois font subir à cette race portugaise dégénérée sont intolérables et elle ne peut sortir de cette abjection car d un mot le gouvernement impérial pourrait affamer toute cette population et la forcer d aller chercher fortune ailleurs Les Chinois ne craignent que les noirs esclaves ou libres qui vivent à Macao et que l on a vu souvent se réunir et faire trembler les mandarins.
Le mouillage de Macao se nomme le port de la Taypa il est formé par plusieurs îles escarpées et situé en face de la ville il ya aussi la baie portugaise et Praya Pequena Au nord de l ile de Ngao Men s ouvre le grand bras du Tigre bordé au nord par la côte chinoise On nomme ce passage qui est le plus fréquenté dans la mousson du N E la passe du dehors. (...)

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

"A Praia Grande de Macau em 1840"

Numa edição de 1899 do "Ta Ssi Yang Kuo Archivos E Annaes Do Extremo Oriente Portuguez" J. F. Marques Pereira publica uma gravura que representa a vista da Praia Grande de Macau em 1840. Segundo o próprio, "É uma reproducção reduzida, mas exactíssima, duma lithographia sem assignatura ou indicação do auctor, que o livreiro francez Dufossé (a quem a encommendei) diz, no seu catalogo, ser de St. Aulaire e Freeman, com a seguinte rubrica subordinada ao n.° 18:908 (pag. 886): «Macao. Vue genérale de la Ville prise de l'autre còté du port par St. Aulaire e Freeman 1X40, in-fol. oblong.» Essa lvthographia em tres tons (amarello, negro e branco) tem no original as dimensões 363x260 mil."
Para ajudar os leitores na identificação do que está representado J. F. Marques Pereira faz uma legenda:
"Os números que colloquei superiormente representam: 1 Fortaleza do Horn Parto; 2 Egreja de S, Lourenço (?); 3 Egreja de Santo Agostinho (?); 4 Fortaleza do Monte; 5 Forte de S. Jeronymo; 6 Fortaleza e ermida da Guia; 7 Fortim de S. Pedro 8 barco mandarim; 9 Fortaleza de S. Francisco".
O que se mostra é uma ilustração de Macau - a Baía da Praia Grande vista a partir da Fortaleza do Bom Parto - não de 1840 mas dos primeiros anos do século 19. Na verdade a litografia reproduzida foi publicada pela Société des publications cosmopolities ca. 1840 (imagem abaixo). Na mesma está escrito que se trata de uma litografia de "St. Aulaire e Freeman". Trata-se muito provavelmente de Félix-Achille Saint-Aulaire (1801-1889). Sobre Freeman pouco consegui saber.
Esta litografia datada de ca. 1840 surgiu primeiro na obra: "Quinze ans de voyage autour du monde", da autoria de de Gabriel-Pierre Lafond de Lurcy (1802-1876). Este marinheiro francês visitou Macau pela primeira vez em 1819 e depois em 1820, 1823, 1830 e 1832. Esta obra foi publicada em dois volumes mas apenas com texto. As ilustrações só seriam publicadas num álbum apenas com litografias em 1840 (imagem abaixo). O sucesso das vendas foi tal que uma outra edição mais pormenorizada e intitulada Voyages autour du monde et naufrages célèbres foi publicada em 8 volumes entre 1843 e 1844.
As traduções para diversas línguas também incluíram as litografias. Na tradução para italiano "Viaggio in Cina Pell'Atlantico il Mare delle Indie le Isole della Sonda e Le Filippine'" publicada em 1842, por exemplo. (imagem abaixo)
Na época também já tinham sido publicados vários livros com relatos de viagens ao Oriente com passagem por Macau. Algumas obras incluíram ilustrações da baía da Praia Grande muito semelhantes a esta. Veja-se - imagem abaixo - por exemplo o livro "Narrative of a Voyage Round The World, during the years 1835, 36, and 37" publicado em Londres e EUA em 1838. Da autoria de William Samuel Waithman Rushenberger relata a viagem de Edmund Roberts (1784-1836).

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Postais da década 1960 do Casino flutuante

Estes postais ilustrados do Casino de Macau (flutuante) - o primeiro da STDM - publicados no início da década 1960, são a mais recente aquisição para a minha colecção que engloba mais de 5 mil objectos: postais, notas, moedas, selos, envelopes, carteiras de fósforos, calendários, lai si's, folhetos turísticos, mapas, etc


domingo, 14 de dezembro de 2025

Foto-legenda: Escola Comercial Pedro Nolasco da Silva na Praia Grande

 
Fotomontagem: imagem base 1968/69; 
imagem menor tb a preto e branco inauguração a 28.5.1966; 
a imagem a cores é de 2016.

sábado, 13 de dezembro de 2025

100º aniversário do Colégio Yuet Wah - 粵華中學 - Yuet Wah College

O Colégio Yuet Wah College (粵華中學) foi fundado em Cantão em 1925 por duas senhoras cristãs - Liu Fong Kei e Tam Kai Man - sendo transferido para Macau três anos depois.
No livro "A Educação em Macau" (DSEC, 1981) o padreManuel Teixeira escreve:
"A 12 de Setembro de 1927, foi registado no Serviço Provincial da Educação de Cantão, que lhe deu a sua aprovação. Nesse ano deram-se distúrbios políticos nessa cidade e Miss Liu transferiu a sua escola para Macau em 1928, para um prédio da Estrada da Vitória. Miss Liu tratou de construir ali um novo edifício para a educação da juventude de ambos os sexos. O Governo Português cedeu gratuitamente o terreno e ela promoveu uma subscrição na China e no Estrangeiro, sobretudo Estados Unidos, conseguindo inaugurar o novo edifício em 1935. (...)"
Uma emissão filatélica alusiva ao 100º aniversário - design de Tiago Lei - foi disponibilizada no início deste mês pelos Correios de Macau:
"O conjunto de quatro selos desta emissão apresenta a imagem de São João Bosco ao lado do lema do colégio (do latim In Virtute Scientia); o antigo portão da escola; as instalações escolares Edifício Versiglia e Complexo Jubileu; e o Edifício Dom Bosco." 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Fonte de Nilao: 1843

Anúncio publicado no jornal "Aurora Macaense" em Dezembro de 1843:
AVIZO.
O ABAIXO assignado faz saber ao publico que ha para alugar humas cazas, sitas ao pé de fonte de Nilão, onde servira em outra ora d'Hospital Britannico; quem a quizer poderá derigir-se ao Encarregado
JOZE SIMAO DOS REMEDIOS.
Macao, 16 de Dezembro de 1843.
O "Hospital Britanico" que se refere era muito provavelmente este. A "fonte de Niláo" é o nome primitivo do que hoje se conhece por Fonte do Lilau. 
A zona referida no "Avizo" numa pintura de Chinnery feita entre 1825 e 1852

A zona é actulamente conhecida por colina da Penha, termo posterior a 1622, data da construção do forte e da ermida, mas antes era denominado "Nilao".
Um documento revelado por A. da Silva Rego indica: 
"Na cidade de Nome de Deos de Macao temos huma ermida consagrada a Nossa Senhora da Penha de França em hum dos montes da cidade, chamado Nilao, edificada pelo Pe. Fr. Estevão de Vera Cruz, prior do convento da mesma cidade em o anno de 1623, em cuja fábrica muito trabalhou gastando do convento (alem das esmolas) trezentos, e tantos taéis de prata."
O comerciante (e historiador) sueco Ljungstedt também revelou um documento de 1795 que indica o termo "Nilao":
"Diz Felipe Correa de Liger Cazado, e m.or nesta Cid.e, que como este N. Sen.º tem entre outras hua terra baldia cita a Orta de D. Anna Correa, e Bica de Nilao, que inda conserva prezentm.te hum posso, que fora feito p.’° Avô do Sup.e, pertende o Sup.e cento e vinte braças de Norte ao Sul, e outras tantas de Leste a Oeste". 
Na "Planta Topographica da cidade de Macau" de 1831-38 (capitão Cândido Osório) refere-se na legenda nº 25 a "Bica de Liláo ou Nináo".
Na toponímia actual restam ainda com o nome "Lilau" uma rua, um largo e um beco.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Carta registada de 1904

Carta registada em Macau a 11 de Outubro de 1904. A franquia no total de 36 avos, foi feita por um selo de 18 reis sobre 80 reis D. Luis e outro selo de 18 reis sobre 200 reis, D. Luis. Seguiu pelos vapores alemães (German Mail) para Bombaim, tendo feito trânsito em Hong Kong a 11 Outubro - no mesmo dia em que saiu de Macau - e chegado à Índia a 27 de Outubro de 1904. Tem ainda a indicação do que parece ser o navio que transportou a carta de Macau para Hong Kong.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Identificar "uma residência" num selo

É rara a semana em que não recebo um pedido de leitores do blogue Macau Antigo. Um dos pedidos mais recentes chegou da Polónia. 
Andrzej P. escreveu: "Prezado Senhor, tenho lido com muito interesse o seu blog “Macau Antigo”. Sou um grande admirador de Camões e da obra Os Lusíadas e, como não poderia deixar de ser, já tive a oportunidade de visitar Macau, facto que menciono em um dos meus livros. Venho por este meio colocar uma questão acerca dos selos de 1948 e 1950 que exibem a imagem intitulada “Uma residência”. Gostaria de saber se se trata da “Casa Grande” ou de outro edifício."
Anexa uma foto de um dos selos da emissão "Motivos Locais" de 1948
Quando recebi o e-mail estava sem acesso à minha biblioteca e outras fontes pelo que respondi apenas que o edifício não estava relacionado com Camões nem com a "Casa Grande", indicando mesmo que desconhecia o termo - talvez uma confusão com Casa Garden - e prometi dar mais detalhes em breve. Aqui está a resposta...
Apenas com a legenda "Uma Residência" esta imagem representa um edifício construído na década 1920/30 na Estrada da Vitória. A escadaria dava acesso ao Jardim de Vitória e ao monumento com o mesmo nome que comemora o feito histórico da vitória dos portugueses que repeliram a invasão holandesa em 1622.
O edifício foi demolido na década de 1960. 
O mesmo selo num postal ilustrado com a mesma ilustração - Postal Máximo

Sequência de fotografias que ajudam a identificar o selo com a legenda "uma residência"

Actualmente naquele espaço fica o colégio Chan Sui Ki.

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Poço público no Largo do Senado

Até meados do século 20 as fontes e os poços (públicos e privados) foram cruciais para garantir o abastecimento de água potável. Num relatório de 1905 informa-se que na freguesia de Santo António havia 59 poços públicos e particulares, na da Sé 50 poços públicos e 407 particulares e em S. Lourenço 19 poços públicos e 121 particulares.
" (...) a água para consumo é fornecida na sua maior parte por pôços, espalhados um pouco por toda a cidade e dentro das habitações, e que, segundo um estudo recentemente feito, deveriam ser quasi todos atulhados por inconvenientes para a saude publica."
Álvaro de Melo Machado in Coisas de Macau, 1913
Nas imagens o poço público localizado no Largo do Senado que existiu até ao primeiro quartel do século 20 sendo substituído por um fontanário.
“Não há em Macau nenhum curso d´agua. Todas as aguas do consumo provem dos poços, mais ou menos profundos, que existem em grande profusão e em toda a parte. As fontes da Inveja, da Flora e Solidão, provenientes da infiltracção das chuvas na colina da Guia, e a Bica de Lilau, situada na base da Penha, fornecem agua potavel a um numero limitado de habitantes. Na estiagem o povo serve-se da agua da Lapa trazida em barcaças.”
J. Antonio Filipe de Moraes Palha in Macau e a Saúde Pública: elementos historicotopograficos, climaticos, demograficos e nosograficos, 1917

Curiosidade: 
Existiam também inúmeros poços privados. Para facilitar a tarefa dos bombeiros em caso de incêndio na entrada dos edifícios privados que tinham poço, ao lado do número de polícia, tinha de ser colocado também o símbolo - P. 井- (poço em português e em chinês). Ainda hoje podem ser vistos...