domingo, 1 de junho de 2025

Tarrafeiro: enseada, bairro, mercado, rua, beco...

Rua e Beco do Tarrafeiro são topónimos em Macau desde pelo menos 1868. A origem do termo “tarrafeiro” remete para o pescador que utilizava uma “tarrafa” - rede de pesca circular, de malha fina, com pesos na periferia e um cabo fino no centro, pelo qual é puxada - muito popular em Macau.
O traçado da Rua do Tarrafeiro vai desde o Porto Interior até à Praça de Luís de Camões/Largo da Igreja de Santo António. Nas imediações ao longo dos tempo foi crescendo um núcleo habitacional.
No Boletim da Província de Macau e Timor de 13.1.1868 pode ler-se: "As obras publicas tem andado ultimamente activas na extremidade do Patane a fim de communicar o bairro de Santo Antonio, o Tarrafeiro e a Palanchica, com aquella localidade acabando com o immundo labyrintho de beccos e travessinhas que tornavam impossivel a viação publica n'aquelle importante districto da cidade. Na extremidade do Patane foi ainda lançada uma ponte sobre o canal para se não interromper a estrada marginal."
No final de 1868 foi inaugurado um teatro chinês na zona. A 7 de Dezembro de 1868 o Boletim da Província de Macau e Timor informa que "O theatro novo erigido ao Tarrafeiro deu na sexta feira á noite a sua primeira representação. O theatro está bem arranjado e é muito espaçoso."
No "Diccionario Popular", publicado em 1880, Manuel Pinheiro Chagas escreve:
"Alem dos bairros christãos em torno tres freguezias ha bairros chinezes como são o Basar, o Basarinho, Tarrafeiro, Barra e os bairros de Patano e Monghá. Ahi a população chineza agglomera.se por forma que cada casa é um verdadeiro formigueiro."
José dos Santos Vaquinhas, major e segundo comandante da guarda policial de Macau em 1883 e sócio correspondente da sociedade de Geografia de Lisboa refere nesse ano:
"Do lado do porto interior está a margem toda corrida de muralha tendo se ultimamente conquistado ao rio uma enseada no sitio do Tarrafeiro que hoje se acha aterrada n'uma area de 20 000 metros".
Adolpho Loureiro, um relatório de 1884 confirma a dimensão do aterro nesta zona: 
"(...) as modificações que têm soffrido os contornos da peninsula são pouco importantes limitando-se do lado da Praia Grande á con stucção de um pequeno reducto na ponte de S Francisco e a alguns lanços de muralha; e do lado do porto interior a conquista de um pequeno terreno de 20 000 m2 na enseada do Tarrafeiro, lamentando com muita razão que neste muro de caes se tivessem estabelecido quatro rampas salientes de alvenaria que funccionam como esporões e perturbam o livre curso das marés."
Era de facto uma zona com grande densidade populacional e sem as mínimas condições de higiéne. No relatório de 1895 sobre a peste bubónica em Macau o médico J. Gomes da Silva refere: 
"(...) a grande maioria da população chineza habita justamente a planicie marginal onde se comprehendem os bairros de Mom ha, Sa kom, Lontinchin, San kiu, Tarrafeiro, Bazar, Bazarinho e Barra. Nenhum d'estes bairros é susceptivel de melhorar as suas condições hygienicas por uma boa canalisação destinada a receber toda a especie de excreta. Faltam-lhes duas condições essenciaes à proficuidade do systema: inclinação sufficiente e agua em abundancia." (...) Notavel coincidencia que referirei de passagem o bairro do Tarrafeiro populoso como é e a respeito do qual se levantou o primeiro boato de peste em Macau, foi dos sitios mais poupados depois pela epidemia que só fez em todo o bairro 6 víctimas."
No recenseamento de 1896 refere-se a existência de 29 casas na Rua do Tarrafeiro e cerca de 180 habitantes, todos chineses. Já no Beco do Tarrafeiro existiam 5 fogos habitados por 38 chineses.
A forte concentração populacional fez com que também na zona do Tarrafeiro surgissem pequenos mercados, primeiro de forma improvisada e depois com algum tipo de construção por iniciativa do Leal Senado. É desses tempos remotos que hoje se fala do "Antigo Mercado do Tarrafeiro, localizado na Travessa das Galinholas e na Travessa do Alpendre", referindo-se à única marca física que resta desse espaço, um dos dois pórticos que lhe dava acesso.
Acesso à Travessa das Galinholas pela Rua de 5 de Outubro
As origens do mercado do Tarrafeiro remontam provavelmente ao final do século 18. Da documentação que sobreviveu até hoje temos as referências “Mercado Simão” e “Mercado Kong Iec” e destinava-se sobretudo à venda de peixe fresco.
Manuel Simão dos Santos era mercador e no final do século 18 (1771) elaborou um relatório sobre o comércio local destinado à coroa portuguesa. Kong Iec Kai SI (significa mercado de caridade) Um dos primeiros exploradores do mercado foi APong (Peng Yu), vice-comandante do governador das províncias de Guangdong e Guangxi. O alargamento do espaço ocupado para as vias públicas levou o Leal Senado a ordenar a extinção do mercado em 1884 sendo os vendedores transferidos para o mercado municipal que ficava perto do Templo de Hong Chan Kuan na Rua de Cinco de Outubro. Em 1907, face ao estado de ruína dos antigos edifícios do mercado, a Direcção das Obras Públicas intimou o proprietário, Chou-sin-hyp, a demolição e reconstrução. Nesse mesmo ano o proprietário apresentou um projecto de reconstrução cuja obra foi concluída em Janeiro de 1909. É nessa altura que são edificados dois pórticos (actualmente resta apenas um) que delimitavam o espaço e assinalavam as entradas pela Travessa das Galinholas e pela Travessa do Alpendre. No pórtico - pode ver-se numa fotografia no início da década de 1920 - estavam os carateres chineses 公益街市 que correspondem a Kông Yêk Kai Si.
O mercado funcionaria até Janeiro de 1928, altura em que fechou devido às más condições de salubridade.
Nota: este post resulta da investigação sumária que fiz sobre o assunto a pedido de uma estudante universitária em Macau.

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