quarta-feira, 4 de junho de 2025

Um pintor genial

Em 1825, faz agora 200 anos, chegava a Macau oriundo da Índia o pintor inglês George Chinnery (1774-1852). Embora seja dado como certo que George Chinnery chegou a Macau a 29 de Setembro de 1825, detectei um documento que poderá colocar em causa esta versão. Num artigo intitulado “Foreign Art in China”, publicado em Janeiro de 1885 no “Journal of the China Branch of the Royal Asiatic Society”, Gideon Nye afirma ter tido nas suas mãos “um esboço da Gruta de Camões no jardim de James Bannerman’ com a inscrição ‘Macau, 11 de agosto de 1825’ […] na conhecida caligrafia do Sr. Chinnery”.*
Para assinalar a efeméride, neste pequeno artigo vou abordar aspectos porventura menos conhecidos de Chinnery relacionados com Macau, a terra onde viveu 27 anos até à morte em 1852.
Nascido em Londres, Chinnery partiu em 1802 rumo a Madras (actual Chennai) deixando a mulher e duas filhas. Na Índia britânica teve o apoio do irmão que trabalhava para a EIC, a Companhia Britânica das Índias Orientais. Foi a elite desta firma e dos demais abastados comerciantes que seriam a fonte de sustento do pintor a quem eram encomendadas obras de arte, sobretudo retratos. Apesar disso, acumulou dívidas e para fugir dos credores procuraria refúgio em Macau. Na época a cidade era um entreposto comercial efervescente onde Chinnery também teve o apoio dos homens de negócios estrangeiros que viviam no território nos meses em que estavam obrigados a sair de Cantão e até de alguns comerciantes chineses.
G. Chinnery - Igreja e Convento S. Francisco, 1830

Em Macau Chinnery viveu no bairro de S. Lourenço, a meio caminho entre o Porto Interior e a baía da Praia Grande. Segundo o próprio, era a paisagem – e não tanto os retratos – que mais o atraíam enquanto artista. Ainda antes de tomar o pequeno-almoço, deambulava pela cidade em busca de um motivo de desenho. Munido de lápis e papel fazia esboços com inúmeras anotações que depois, já no atelier que tinha em casa, transformava em desenhos a tinta-da-china, aguarelas ou óleos sobre tela (onde sobressarem as cores em tons vibrantes). Tudo num traço ímpar que muitos tentaram imitar.
Autor profícuo, Chinnery produziu milhares de obras e, contrariando a lei da oferta e da procura, ainda hoje muitas são leiloadas por milhares de euros. Em 2006 uma conhecida leiloeira inglesa vendeu um caderno com cerca de 200 esboços feitos em 1836-37 por mais de 300 mil libras!
As obras de Chinnery são uma autêntica janela para um passado longínquo onde a fotografia era ainda incipiente. Os primeiros registos fotográficos que se conhecem feitos em Macau datam de 1844.
Quando morreu em Macau em 1852, com 78 anos, Chinnery deixou para a posteridade milhares de registos iconográficos de Macau que são uma preciosa fonte de informação para a história do território na primeira metade do século 19. O templo de A-Ma, as ruínas de S. Paulo, as inúmeras enseadas no Porto Interior, as várias igrejas e fortalezas da cidade e a baía da Praia Grande estão entre os motivos mais conhecidos da sua vasta obra que inclui ainda múltiplas reproduções de cenas do quotidiano. Entre os motivos menos conhecidos contam-se registos iconográficos únicos. Só para mencionar alguns exemplos, refiro o pelourinho do Largo do Senado, a igreja Mater Dei antes e poucos dias após o fatídico incêndio de 1835 (vulgo Ruínas de S. Paulo), a igreja e mosteiro de S. Francisco (demolidos em 1864), a fachada de estilo rococó da igreja de Santo Agostinho, a igreja da Santa Casa da Misericórdia, etc...

*Original: "before us (…) a sketch of ‘Camoens Cave in the Garden of James Bannerman, Esq., Macao’, dated ‘August 11 1825’, (…) in the well-known hand writing of Mr Chinnery".

Pequeno artigo da minha autoria - correspondendo a um pedido da FJA - publicado na Newsletter da FJA em Junho de 2025.

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