Testemunho de Manuel Tomé
"Estava eu em Macau. Era estudante no Liceu Nacional Infante D. Henrique e trabalhava em part-time como locutor na Radiodifusão de Macau. Prestes a sair de serviço, ouvi tocarem as campainhas - sinal de notícias importantes - dos faxes da Reuters e France Press. Em língua inglesa e francesa, noticiavam ambas as agências, que se dera um "coup-de-état" em Portugal. Tanto uma como outra das agências noticiosas, usavam a terminologia francesa.
Surpreso, liguei para casa do Sr. Alecrim - pai da Hortense Alecrim -, dando conhecimento. E pela manhã, estava eu e o Sr. Alecrim no Palácio do Governo e perante o Governador de Macau. Fui apresentado como a pessoa que tinha alertado para o facto. Após cerca de meia-hora de reunião, determinou o General Nobre de Carvalho, que devíamos, ambos, ficar calados sobre a notícia.
Mas foi impossível, manter tal estado de coisas - quanto mais não fosse por que de Hong Kong e através das rádios locais e televisão, não se falava de outro assunto. Todavia e em Macau, só três dias depois, tal facto, passou (oficialmente) a ser de conhecimento público. Não tinha eu, 16 anos de idade e fazia - com muito orgulho - parte da história de Portugal em Macau. E isso, não vou nunca esquecer - até por toda emoção que vivi."
A este propósito recordo um excerto de uma notícia da agência Lusa de 2024:
"Quando há 50 anos Portugal saiu à rua para celebrar o fim da ditadura, foi um músico do regime que revelou a novidade em Macau, onde o alcance do Estado Novo não se sentia da mesma forma.
Rui de Mascarenhas atuava no Mermaid, um clube noturno no Hotel Lisboa, em Macau, quando a Revolução dos Cravos derrubou a ditadura a mais de dez mil quilómetros. E foi através deste “cantor do regime”, nascido em Moçambique, que a notícia chegou ao centro do poder do território, conta à Lusa o investigador da história de Macau João Guedes.
Mascarenhas deu a novidade ao então diretor da Emissora de Radiodifusão de Macau (atual Rádio Macau) Alberto Alecrim, que a transmitiu ao governador José Nobre de Carvalho. Só mais tarde a informação da liberdade chegou a todos, através de um noticiário da rádio britânica BBC, “retransmitido pelas estações de rádio de Hong Kong”.
Esta é a “história corrente” de como abril de 1974 alcançou Macau. Mas e como é que a notícia foi comunicada a Mascarenhas?
“Eu só vejo uma hipótese que é a seguinte: ninguém tinha telefones para ligar para Lisboa, a não ser a tropa. Terá ido aos correios telefonar para alguém?”, sugere.
Nobre de Carvalho abandonou o posto nesse mesmo ano, mas não imediatamente após Abril, “ao contrário dos outros governadores das colónias”, provavelmente pelo caráter “não extremista” e por não ter sido “ostensivamente defensor de Salazar”, analisa o investigador. (...)"
![]() |
Rua 25 de Abril em Macau - perto da Praça do Lago Sai Van Foto (recente) de Luís Almeida Pinto |
Interessante história
ResponderEliminar