quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Igreja do Seminário de S. José: curiosidades

Entrada para o Seminário e Igreja de S. José: 
em cima desenho de G. Chinnery 1830's
em baixo uma foto do início do séc. 21
1758 (before) The Royal College of St Joseph (Collegis de S José) with church attached was built by the Nankin Jesuits. Though the exact date of that building is unknown yet it existed in 1758. At the expulsion of the Jesuits by the Portuguese in 1762 its activity ceased though it was resumed after 20 years and in 1784 it was transferred to the Congregation of Portuguese Missions in China. Its principal aim is to provide China with evangelical teachers. Founded by the Nankin Jesuits it is called by the Chinese (...) in contradistinction to St Paul's which is called (...) as founded by the Peking Jesuits It has an old Japanese bell dated 1719. Its fine chime bears date Lisbon 1806. There is said to be a R. C. Church at Peking whose front is a facsimile of that of St Joseph's College chapel here*.
Excerto de uma edição de 1887 do Chinese Recorder and Missionary Journal
* referência às semelhanças arquitectónicas entre a igreja do Seminário de S. José e a Catedral da Imaculada Conceição, em Pequim, a mais antiga igreja católica na China, cuja construção remonta ao início do século 17 e que ainda existe.
Igreja Seminário S. José, Macau
Catedral da Imaculada Conceição, Pequim.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Foto-legenda: aterros do Porto Exterior década 1980

Aspecto da zona de aterros do Porto Exterior nos primeiros anos da década de 1980. Com excepção do Casino Jai Alai (pelota basca) inaugurado em 1974, do terminal de passageiros dos ferrys e da bancada junto à meta do Grande Prémio (década 1960), o resto estava em construção: Complexo Escolar de Macau (inaugurado em Janeiro de 1986) e o hotel Excelsior/Mandarim inaugurado em 1984.
clicar na imagem para ver em tamanho maior

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

As Garrafas de Jorge Álvares

Produzidas no século 16 existem actualmente pelos menos 7 exemplares das denominadas "Garrafas (ou cantil) de Jorge Álvares". 
Exemplar do Museu V & A de Londres

Jorge Alvares foi comandante de navio, comerciante e amigo do missionário católico Francisco Xavier (1506-1562). Participou na primeira viagem portuguesa à China em 1513, posteriormente esteve em Malaca, revisitou a China em 1518 e ali morreu em 1552. Ou seja, estas garrafas são os exemplares que restam da encomenda que o próprio fez pouco antes da sua morte.
Exemplar do Museu do Caramulo

Os exemplares referidos estão nos seguintes locais:
Museu do Centro Científico e Cultural de Macau (Lisboa) - pertenceu antes à Fund. Jorge Álvares que ofereceu ao CCCM, Vitoria and Albert Museum (Londres), Walters Art Museum (Baltimore - EUA), Fundação Carmona e Costa, Museu Guimet de Arte Asiática (Paris), Museu do Palácio Chehel Sutum (Isfahan-Irão) e Museu do Caramulo.

Exemplar do Museu do CCCM

Têm em comum a inscrição "Jorge Álvares mandou fazer isto no ano de 1552" - ainda que os diferentes artesãos cometeram erros nas palavras - embora os motivos das decorações sejam diferentes. São decoradas em tons de azul cobalto sob o vidrado.
Exemplar do museu de Londres

Curiosidades:
- A inscrição do nome do autor da encomenda está feita de cabeça para baixo. 
- Num exemplar no fundo da garrafa surge a inscrição chinesa 'Da Ming nian zao', ou seja, "feita na Grande Dinastia Ming. 
- Noutro exemplar estão os caracteres chineses equivalentes a "wan fu you tong" traduzido aproximadamente como "que a felicidade infinita chegue a este lugar".
- Em vários exemplares o gargalo da garrafa é feito de metal, um recurso típico do médico oriente. 
- O exemplar que está no museu de Londres foi comprado em Istambul em 1892.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Salão de Dança Central

Há 70 anos, para além do cinema (Capitol, Império, Apollo, Vitória, etc.) e da rádio (Rádio Clube de Macau), grande parte da oferta de entretenimento da cidade era providenciada pela empresa Tai Hing, concessionária da exploração do jogo no território e proprietária do hotel Central, "o edifício mais alto do império português". Localizado junto ao Largo do Senado era ali que estava localizado no 6º andar o "Salão de Dança" mais concorrido que tinha uma orquestra permanente normalmente constituída por músicos filipinos. O hotel tinha uma vasta oferta de serviços que incluíam ainda, para além das salas de jogo, um salão de beleza (no rés do chão), vários restaurantes, etc... O Golden Gate, no primeiro piso fornecia comida europeia (incluindo portuguesa). O Cam Seng (também se chamou Golden City), era de gastronomia chinesa e ficava no 5º andar.
O hotel Riviera - no cruzamento da Rua da Praia Grande com a Avenida Almeida Ribeiro - também organizava com regularidade os chamados "chás dançantes" e nos meses de Verão tocava uma banda de jazz moderno, tal como hotel Kuok Chai (no final da Av. Almeida Ribeiro, junto ao Porto Interior) cujo salão de dança abriu em 1955.
Os anúncios foram publicados no "Notícias de Macau" em 1954.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Porcelana Chinesa de Exportação - Antiga Colecção Cunha Alves

Em exibição do Museu do Oriente (Lisboa) 
No período que abrange esta colecção - séc. 17 a 19 - Macau não só foi ponto de passagem de peças de porcelana chinesa de exportação como também, em muitos casos, eram executadas no território as fases finais do processo de produção, nomeadamente a pintura.
Texto (abaixo) e fotos do Museu do Oriente
A chegada de Vasco da Gama à India em 1498 e a conquista de Malaca em 1511 marcam o início das encomendas de porcelana chinesa para o mercado ocidental, onde Portugal desempenhou um papel pioneiro como encomendador.
Adquirida pela Fundação Oriente em 2018, a Antiga Colecção Cunha Alves reúne 209 peças de porcelana chinesa de exportação para o mercado ocidental decoradas com cenas ao gosto europeu. Esta é a primeira apresentação da colecção no seu conjunto, integrada na exposição permanente Presença Portuguesa na Ásia.
Coleccionada ao longo de 25 anos pelo diplomata Paulo Cunha Alves, é composta por peças datadas dos séculos XVII a XIX, adquiridas em leilões, antiquários, feiras internacionais e directamente a particulares, em inúmeros países.
O conjunto está agrupado segundo temáticas diversas: a aventura marítima, a expansão da fé cristã, os deuses do Olimpo, os prazeres da vida ao ar livre, a música, dança e poesia, temas satíricos, anedóticos, históricos, eróticos, galanteios e vaidades, entre outras. A decoração inspira-se em fontes iconográficas europeias, tais como desenhos, gravuras e pequenas pinturas a óleo. Estes modelos em prata, faiança, porcelana, estanho e madeira eram enviados para a China para serem copiados pelos artesãos locais. Os resultados são coloridas representações a azul e branco sob o vidrado, e a esmaltes da “família rosa”, grisaille, preto e sépia, bianco sopra bianco, rosa carmim e dourado, sobre o vidrado.
A aquisição da Antiga Colecção Cunha Alves insere-se na aposta estratégica da Fundação Oriente de consolidar o seu acervo de porcelana, posicionando o Museu do Oriente como uma referência no panorama das artes decorativas, em geral, e da porcelana, em particular.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

“A maior maravilha que já vi”

Auguste Borget (1808-1877) viveu oito meses em Macau entre 1838 e 1839. Nos múltiplos desenhos e pinturas que fez do território uma dos locais predilectos foi o templo de A-Ma no Porto Interior. No diário que escreveu em Macau a 2 de Maio de 1839 descreve o templo como "a maior maravilha que já vi."
Na edição de 20 de Março de 1858 o jornal "L'Illustration" publica na capa e numa página interior um artigo assinado por J. M. C. intitulado "Expedition Chinoise - Le Grand Temple de Macao" acompanhado por duas ilustrações feitas "a partir de desenhos de M. Aug. Borget".

"Vers le milieu du seizième siècle, alors que les Portugais obtinrent du souverain de la Chine la faveur de fonder un établissement sur les côtes de l'empire, au sud de Canton, la presqu'ile de Macao n'était qu'un rocher aride et désert connu seulement des pêcheurs des environs qui allaient y chercher un abri contre la tempête ou porter des offrandes à une déesse patronne des marins en l'honneur de laquelle on y avait élevé un petit sanctuaire.
Suivant une vieille tradition qui a cours et créance sur tout le littoral de la Chine, il est arrivé au Tokien, on ne sait quand, qu'une nombreuse flotte étant sur le point d'appareiller une dame richement vêtue et d'un aspect majestueux apparut à bord d'une jonque et engagea la flotte à ne pas sortir du port, prédisant que la sérénité du ciel et le calme de la mer auxquels les capitaines se fiaient pour prendre le large seraient bientôt suivis du plus épouvan table typhon. Le gros de la flotte crut à cette prédiction et resta à l'ancre; une seule jonque s'obstina à vouloir se mettre en route mais l'ouragan survint en effet et elle fut engloutie corps et biens. Quand tout danger fut passé la dame de l'apparition in vita les marins à faire voile en s'offrant de les accompagner jusqu au lieu de leur destination. Le voyage fut heureux; toute la flotte arriva sans accident à l endroit où elle devait relâcher mais à peine eut on approché de terre que la dame mystérieuse sauta d'un bond léger sur un groupe de rochers amoncelés près du rivage et disparut soudain aux yeux de tous.
Evidemment c était une déesse, personne n'en douta, et par reconnaissance pour la protection visible qu'elle leur avait accordée, les marins de la flotte lui élevèrent aussi tôt à l'endroit même de sa disparition un temple qui fut appelé A-ma-ko, c'est à dire palais de la déesse A ma, du nom qu'elle s était donnée elle même pendant le voyage. De Mako les Portugais firent Makao, car c'est à l extrémité occidentale de la presqu'ile où ils avaient planté leur drapeau qu'était situé le temple en question.
Pendant plusieurs siècles ce rendez vous des navigateurs dévots ne présenta rien de monumental mais lorsque le développement du commerce avec les Européens eût at tiré à Macao une nombreuse population chinoise, les négociants se cotisèrent entre eux et vers la fin du règne de Kang hi, ils firent élever la magnifique pagode dont nous donnons ici deux dessins puisés dans les cartons de M. A. Borget.
Le corps principal de cet élégant sanctuaire du paganisme s'élève au bord de la mer dont il n'est séparé que par une esplanade semi-circulaire, ayant 30 ou 40 mèties de rayon. Il est orienté au nord sur le port intérieur de Macao et le chevet de sa nef est adossé à une butte assez abrupte formée de gros blocs erratiques en granit superposés naturellement les uns sur les autres de la façon la plus bizarre. 
On y monte par un escalier en granit dont les rampes sont ornées de deux lions grimaçants placés là pour faciliter l'évasion des dieux faibles que d'autres dieux plus forts voudraient évincer de leur place. Un arc de triomphe du plus beau style chinois couronne le perron en avant de la porte d'entrée. 
Nous renonçons à décrire l'intérieur du temple la statue colossale de l'idole en bois doré les nombreuses statuettes des dieux secondaires et des héros en bois colorié les vases à parfums, les banderoles, les tambours, les lanternes, les pancartes et les mille autres brimborions qui encombrent le lieu saint.
Nous préférons détourner la pagode principale et gravir les charmantes allées qui conduisent à une foule de petites chapelles d'autels de reposoirs et de grot tes mystérieuses qui se cachent entre les blocs erratiques et sous l'ombrage épais de ces grands arbres séculaires qui se multiplient d'eux mêmes de proche en proche par le bout de leurs branches pendantes.
Aucune description ne peut rendre tout ce qu il ya de féerique et de frappant pour l'imagination dans l'aspect de ces pagodes solitaires et silencieuses habilement éparses au milieu de ce que la nature offre à la fois de plus apre et de plus enchanteur.
Les souvenirs les plus agréables de la Grande Chartreuse ne sont rien auprès de cet ermitage chinois qui n a d'ailleurs aucun rival même dans la fameuse thébaïde de l'île Pouto. De bonne heure le service religieux de la pagode fut confié à des bonzes qui grâce aux libéralités des pèlerins ne tardèrent pas à réunir un riche patrimoine suffisant pour entretenir une nombreuse communauté. Mais là comme aileurs le luxe de la vie entraîna bientôt le relâchement des mœurs et la vie des bonzes devint si scandaleuse que l autorité chinoise crut devoir s'en mêler.
Le service de la pagode fut donc retiré des mains des bouddhistes et confié aux religieux Tao se, disciples de Lao tze, qui plusieurs fois par jour y chantent les louanges de la Raison suprême ce qui ne les empêche pas de se pré ter aux cérémonies du culte bouddhique lorsqu il ya de riches offrandes à recevoir Les visiteurs sont généralement bien accueillis par le supérieur de la pagode qui les invite même à prendre des rafraîchissements mais ces politesses se terminent d'habitude par l'exhibition d'un registre sur lequel on est prié de s' inscrire pour subvenir aux frais de la fête vrainient splendide qui a lieu tous les ans sur l'esplanade du temple. (...)" 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

"Cinematografo President"

Este anúncio foi publicado na edição de 25 de Agosto de 1928 do jornal "A Verdade". O Cinematografo President fica no hotel com o mesmo nome inaugurado no Verão de 1928. Segundo Henrique de Senna Fernandes "o cinematógrafo "Presidente" seria de pouca dura, com filmes silenciosos e na maior parte chineses, então de qualidade inferior. O recinto do cinematógrafo seria mais tarde o conhecido "cabaret" do Central, cujos dias mais gloriosos foram os do tempo da Guerra do Pacífico". 
 
O hotel seria ampliado mudaria de nome em 1942 passando a denominar-se "Central". Viria a fechar na década de 1980 e depois de muitos anos encerrado foi alvo de obras de restauro e reabriu recentemente.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Peles de lontra, chá e porcelana

"A Voyage round the world onboard the ship Columbia Rediviva and sloop Washington" é o longo título do manuscrito que relata a primeira viagem de circum-navegação efectuada por navios dos EUA, entre 1787 e 1789. 
O "Columbia Rediviva" e o "Washington" era navios privados de Boston comandados por John Kendrick e Robert Gray e visavam as trocas comerciais com a China. Levavam peles de lontra marinha e em troca pretendiam trazer chá, porcelana e seda.
Poucos anos antes, em 1783/84, tinha sido efectuada a primeira viagem de um navio comercial dos EUA à China, denominado precisamente Empress of China. E cerca de uma década antes, o inglês James Cook fizeram com sucesso várias viagens com o mesmo fim.

A fragata Columbia Rediviva (de 200 toneladas, construída em 1773 e renovada em 1787) acompanhada de uma escuna mais pequena, a Lady Washington (90 toneladas), partiram de Boston em Setembro de 1787. 
Depois de caçarem lontras marinhas na América do Sul rumaram para o Hawai e dali para a China chegando a Macau a 3 de Novembro de 1789. Era a partir daqui que podiam rumar a Cantão e efectuar as trocas comerciais. A autorização - dita de Chop (carimbo) - para prosseguir até Cantão demorou cerca de duas semanas. Ancoraram em Whampoa, a apenas 12 milhas de Cantão, a 17 de Novembro.
Na cidade chinesa contactaram Samuel Shaw e Thomas Randall, os primeiros norte-americanos a criarem uma empresa comercial na China. Tinham para vender 900 peles que aguardavam em Macau e só foram transportadas para Cantão nos primeiros dias de Janeiro de 1790.
O negócio só ficaria fechado no início de fevereiro. De acordo com os registos do navio columbia Shaw e Randall pagaram pelas peles ao capitão Gray $21.404; deste valor, $10.163 foi gasto em reparações dos navios e outras despesas, e com os restantes $11.241 foram adquiridos 650 baús de chá Bohea (ca. 10 mil Kg /21.461 libras). Uma variedade de chá preto também conhecida pelo nome Wuyi cultivada no norte da China. Com um empréstimo da Shaw & Randall, o capitão Gray comprou ainda seda e porcelana.
A viagem de regresso teve início a 12 de Fevereiro de 1790 (a partir de Cantão) chegando a Boston em Agosto desse ano. Os registos indicam que a viagem não foi lucrativa já que à chegada mais de metade do chá estava estragado pela água do mar. Ainda assim, poucos meses depois, a fragata Columbia faria uma nova viagem rumo à China.
O negócio viria gerar imensos lucros contribuindo de forma decisiva para a prosperidade de Boston.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

O Pátio do Amparo / 显荣围 e a alfândega chinesa 户部

A propósito de notícias desta semana publicadas em Macau relativas ao Pátio do Amparo e às pesquisas arqueológicas levadas a cabo nos últimos 3 anos para tentar encontrar vestígios de uma antiga alfândega chinesa naquela local...
Importa clarificar que ao contrário do que tem sido escrito na imprensa local (não só por este dias mas também em 2021 quando se noticiou as escavações arqueológicas), a extinção da alfândega não ocorreu em 1844 a mando do gov. Ferreira do Amaral pois nesse ano ele não era sequer governador do território. 
Após a nomeação, Ferreira do Amaral partiu de Lisboa rumo a Macau em Janeiro de 1846 tendo chegado em Abril desse ano.
Tendo por base um decreto publicado em Portugal em 1845 que visava tornar Macau num porto franco (para fazer face ao que já acontecia em Hong Kong), Ferreira do Amaral ordenou a abolição/encerramento das alfândegas chinesas (denominadas hopu) existentes no Porto Interior em Fevereiro e Março de 1849.
Em vários mapas do final do século 18 e início do século 19 -reprodução parcial de dois neste post - surgem designados nas legendas como "costum house", ou seja, postos alfandegários.
Nos "Subsídios para a história de Macau", de Bento da França, publicado em 1888, refere-se: "a alfandega china achava-se situada no meio do bazar - vasta área da cidade onde ficava o Pátio do Amparo, habitada maioritarimente por chineses onde dedicavam-se sobretudo ao comércio - onde se incluía e não era facil aos negociantes subtrahirem-se á continua espionagem d'aquella casa fiscal sem que incorressem no desagrado e revindicta dos mandarins. Analysadas as difficuldades que se antolhavam compulsou o governador as circumstancias e sem desanimar de levar a cabo a sua empreza foi pouco a pouco empecendo os meios de acção ao celebre ho pu, isolou-o, isto sempre no intento de encontrar occasião azada para lhe vibrar golpe mortal. Tão efficazes foram as diligencias de Amaral que a breve trecho o ho pu só se conservava para não abandonar o campo tendo seu chefe de dar-se por vencido. (...) A despeito de tudo o ho pu continuava de pé ostentando todas as insignias d'aquella ordem de estabelecimentos na China o pau da bandeira ainda se erguia altivo o casarão enfeitava se com bandeirolas taboletas galbardetes e mais signaes distinctivos de auctoridade no celeste imperio. Esta resistencia passiva irritava sobremaneira o governador que a 13 (de Março de 1849) ordenou ao primeiro interprete da colonia o distincto sinologo João Rodrigues Gonçalves que procedesse à definitiva expulsão da alfandega china. Em cumprimento d'esta determinação e chegado ao local do ho pu intimou o referido funccionario aos chins que ali encontrou a ordem de que era portador estes entrouxaram a roupa e abandonaram sem resistencia a casa fiscal. Em seguida á debandada dos chinas do ho pu participou Gonçalves ao governador o que era succedido não lhe occultando a existencia do mastro da bandeira e mais insignias. A tal participação respondeu Amaral por escripto as seguintes palavras: 'deite abaixo'. A ordem foi immediatamente posta em pratica por quatro negros da extincta alfandega portugueza de Macau os quaes de machado em punho derrubaram o mastro e depois se foram ao barracão."
Diversas fontes indicam que para além dos postos alfandegários existiam também edifícios que serviam de residência ao mandarim que supervisionava esta actividade, numa vasta área na zona dos Pátio da Mina, Pátio do Amparo e Rua de N. Sra. do Amparo - 關前後街, que em documentos dos finais do século 19 é designada Tai-kuan-háu-cae 大關後街 Da Guan Hou Jie, ou seja, "Rua das traseiras da Grande Alfândega".
Detalhe de um mapa de 1792: "Custom House" é a legenda do nº 30

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

"Descripção da Cidade do Nome de Deos na China": 2ª parte

Forte de Santiago
No tocante às fortificações, tem esta cidade logo na entrada da barra um forte que chamam o Forte de Santiago (início da construção em 1616), que tem cento e cinquenta paços de comprido e cinquenta e cinco de largo, com que faz uma formosa plataforma, que fica alevantada do mar cinco braças, com um muro fundado em vinte e oito palmos de largo e acabado em dezassete; e esta dita altura é até (a)os parapeitos, que levantam só três palmos da dita plataforma, com que não podem guardar a gente nem artilharia, fazendo conta de lhe porem cestões na ocasião de briga. Está no meio desta praça uma cisterna, aberta no côncavo da rocha, capaz de (acomodar) três mil pipas de água, de que tem a maior parte. As casas que lhe ficam nas costas, pela banda de terra, são bastantes para alojar um capitão com sessenta homens, e aqui por baixo do chão estão casas de munições e mantimentos. Na entrada que tem pela banda da varela está uma casa de quatro águas, grande e formosa. E tem esta praça outra que lhe fica por cima, pegada com ela, a que se tolhe por quinze degraus, onde também está artilharia, e numa e noutra (fortaleza) é grossa (a artilharia). E no andar de cima estão as ditas casas de gasalhado para capitão e soldados. Deste forte que está na praia fica lançada uma cortina de muro (até) ao alto do monte (Penha), que acaba em uma casa, onde, quando aqui vivia o capitão-geral, fazia corpo de guarda.

Baluarte de Nossa Senhora do Bom Parto 
O outro baluarte é de Nossa Senhora do Bom Parto (junto à linha de água no sopé da Colina da Penha - muralha ainda existe na residência oficial do cônsul de Portugal em Macau)), um baluarte pequeno, em forma de triângulo, capaz de jogar dez ou doze peças de artilharia, de que tem seis, convém a saber: uma colubrina de metal de vinte libras, um canhão de metal de trinta (libras), uma meia colubrina de dez (libras), dois terços de canhão de dezoito libras, tudo de metal e (com) pelouros de ferro, e uma peça de ferro de oito libras, de pelouro de ferro.

Baluarte de Nossa Senhora da Penha de França
Em Nossa Senhora da Penha de França, que fica num monte superior a este, está também feito um baluarte pequeno, onde estão dois sagres de metal, que tira cada um com bala de sete libras de ferro.
Baluarte de S. Francisco 
(no extremo da baía construído por volta de 1629 junto à linha de água existindo ainda uma muralha do tempo em que foi construído o quartel de S. Francisco).
O baluarte de São Francisco (imagem acima), que está em forma oval, tem seis peças de metal, convém a saber: duas colubrinas de vinte libras de bala, um canhão de trinta (13,6 Kg), dois meios canhões de vinte (libras) cada um, um terço de canhão de dezoito [libras], todas peças de metal e (com) os pelouros de ferro. Ao pé deste baluarte de São Francisco está uma plataforma onde está uma colubrina, que atira trinta e cinco libras (15,8 Kg) de pelouro de ferro, (sendo) a maior peça que há nesta cidade. Na Praia Grande está uma plataforma, que tem um terço de canhão de metal, que atira bala de dezoito libras de ferro.
Baluarte de Nossa Senhora da Guia
O monte de Nossa Senhora da Guia é o mais alto que há nesta cidade, por cuja causa se faz no cume dele um baluarte que tem cinco peças, convém a saber: uma colubrina bastarda que atira bala de oito libras de ferro, um pedreiro que atira bala de seis libras, três sagres que atira(m) cada um com bala de nove libras de ferro, todas peças de metal. Estão em cima neste monte casas para se poder alojar uma companhia de soldados, e também cisterna de água, mas como fica cavaleiro ao forte de São Paulo tem-se por melhor arrasá-lo, como se pôs já em preço com os chineses, que se obrigam a o fazer por sete mil taéis.
Forte de São Paulo 
(as primeiras fortificações foram concluídas em 1606 e a fortaleza entre 1617 e 1620)
A força de mais consideração e importância que há nesta cidade é a de São Paulo, vivenda dos capitães-gerais, chamada por outro nome a Madre de Deus, que é um monte natural, eminente e cavaleiro a toda a cidade, onde, no cume dele, está feito um muro, começado no alicerce em vinte palmos de largura, com pedra mármore, até que sai em cima da terra em altura de seis palmos, donde começa a ser só de terra e cal, misturada com alguma palha, batida com batedores tão fortemente que fica fortíssimo, e para a bateria muito melhor [do] que se fora de pedra, porque não o abala tanto. 
Sendo que fica tão dura a parede (feita) desta terra e cal, como se fazem todas as casas nesta cidade, que, para lhe abrirem as janelas depois de feitas, o fazem com muitos picões de ferro, com grande força e trabalho. Vão os ditos muros estreitando pela medida de seu escarpe, até ficarem em quinze palmos de grossura em cima, no andaime dos parapeitos. A altura deste muro é de cinquenta palmos, que é o mesmo que cinco braças. Está feito o dito forte em quadro perfeitamente, ficando-lhe em cima uma praça de cem passos de cada lado, e tantos tem de comprimento cada lanço de muro, que vão a fazer nos quatro cantos quatro baluartes em forma de espigão, como da planta se vê.
Fica mais em cima, no meio da dita praça, a que cercam quatro renques de casas, umas em que moram os (capitães)-gerais e as três para os soldados, uma torre cavaleira de três sobrados, que em cada um tem artilharia, em a qual e nos ditos quatro baluartes estão repartidas dezoito peças de artilharia de metal, toda grossa, convém a saber: uma colubrina real, que atira trinta e cinco libras de bala, outra colubrina que atira vinte (libras), duas meias-colubrinas de doze (libras), uma meia-colubrina de dezoito (libras), dois canhões de trinta (libras), sete meios canhões de vinte (libras), um meio canhão de vinte e cinco (libras), três terços de canhão de dezoito (libras), todos (atiram) pelouros de ferro, e cavalgadas estas peças em seus reparos ferrados, muito bem concertados. 
Tem este forte à porta, da banda de dentro, um corpo de guarda. E por uma e outra banda se sobe ao monte, que fica igual com o muro, e no côncavo dele estão abertas casas de munições, que tem bastantes para qualquer guerra, mas não para um cerco de mais de dois anos, a respeito da muita pólvora que gasta esta artilharia grossa, posto que podem ter materiais de que a vão fazendo, pelos muitos que há na terra.

De mantimentos não é tão provida esta cidade, com haver na terra dentro muitos e bons e baratos, porque, como os esperamos da mão dos chineses, em tendo qualquer sentimento de nós, logo nô-los tolhem, sem terem aqueles moradores modo para os irem buscar a outra parte, havendo-os em Cochinchina, que está de Macau cem léguas ao sudoeste, e também [havendo] alguns nas muitas ilhas que cercam a península onde está a cidade, de que as mais são habitadas.

Porto de Macau
A barra desta cidade de Macau era antigamente muito larga, porém, os portugueses moradores dela entupiram a maior parte, a respeito dos holandeses não poderem entrar com suas naus senão por um canal que lhe fica ao longo do dito Forte de Santiago, coisa de seis braças de largura e com fundo de três, ficando lá dentro em muito mais fundo. Desde a dita barra para dentro, até ilha Verde, que fica dentro nela, estão continuamente seis bancões de chineses da armada, que são as suas embarcações, que trazem de lá para vigiar e saber o que fazem os portugueses, se metem nações estrangeiras (em Macau), que é o de que mais se ciam e resguardam.
Entra-se para esta barra por entre muitas ilhas, quase infinitas, as mais delas habitadas, como fica dito. A costa deste reino e terra corre não perfeitamente ao nordeste-sudoeste, porque faz grandes enseadas e nunca vai direita a um rumo. Os ventos que nela cursam, o mais ordinário é o leste, que é o que aqui reina, e com que dão grandes tormentas. De Outubro até meado de Março cursam nortes e nordestes, com que se navega para Malaca e todas as partes a que se vem por ela; e para Japão de meado [de] Maio até todo [o] Agosto com sul, sudoeste e sueste; e para Manila todo o ano. E estas são as monções de ventos e navegações que há nesta costa. Antigamente davam nela grandes tormentas de ventos, que chamam tufões, que arrancavam árvores muito grandes e arrebatavam os homens do chão com grande fúria; depois que para lá levaram um braço do glorioso São Francisco Xavier (...) . Porém, o que têm é só gado, porco, galinhas e marrecas.
Os muros que tem esta cidade estavam quase acabados por Dom Francisco Mascarenhas, o primeiro capitão-geral que teve e que lhe fez as mais destas obras. Porém, os chineses, como são tão desconfiados, fizeram derrubar grande parte deles, dos que estão para a banda da terra, que iam correndo do dito forte de São Paulo, parecendo-lhes que contra eles é que se faziam. E assim ficaram só as (muralhas) que correm em frente do mar e da banda do poente, e uma tranqueira na praia de Cacilhas, onde desembarcou o inimigo quando acometeu esta cidade. A altura destes muros é de duas braças até [a]os parapeitos e a largura fica sendo neles de oito palmos, advertindo que, como o chão por onde vai correndo não é todo igual, senão em partes desce e sobe, também assim fica sendo o muro, ora mais alto ora mais menos, para ficar por cima correndo todo ao nível. É feito da mesma matéria que temos dito, de terra e cal entressachada, alguma palha, e tudo muito calcado, com [o] que são muito fortes.
Na plataforma que têm na Praia Grande, está um terço de canhão de dezoito libras, e noutros dois baluartes, [n]um chamado São Pedro, dois sagres, cada um de bala de sete libras, e noutro chamado São João, um terço de canhão de dezoito libras e uma meia-colubrina bastarda de oito (libras), tudo [de] pelouros de ferro. Em toda a dita artilharia referida têm mais quatro trabucos de metal de vinte e cinco libras cada um, três peças de ferro de sete libras, cinco falcões de bronze, três berços de bronze, dois falcões de ferro, um trabuco de ferro, que estão para se porem onde for necessário.
Há na dita cidade de Macau setenta e três peças de artilharia, afora muitas de particulares e de Sua Majestade, de ferro, que estão feita[s]. Porque tem esta terra uma fundição das melhores que há no mundo, assim de bronze, que antigamente tinha, como de ferro, que o conde de Linhares, vice-rei, lhe mandou fazer, onde se está sempre fundindo artilharia para todo este Estado [da Índia], em preço muito acomodado, que é o de que tem mais necessidade, donde todo ele se proverá, a estar desimpedido o estreito de Singapura, que continuamente nas monções está cercado dos holandeses, como atrás fica dito.
Toda a dita artilharia que tem esta cidade e obras de muros e fortes fez ela à sua custa, sem a Fazenda Real entrar nisso com coisa alguma, em tempo que a viagem de Japão corria quase por sua conta, e particularmente os direitos [a] que chamavam o caldeirão, que são hoje a oito por cento de todas as fazendas que vão para [o] Japão, e antigamente eram a três e a quatro [por cento], e ainda assim lhe rendiam muito. Porém, foram tão largas as despesas que, além da viagem de que Sua Majestade lhe fez mercê, que está hoje empenhada em grandes quantias, a cujo respeito lhe são concedidos os ditos direitos -- porém, com um exacto regimento que o dito conde de Linhares lhe mandou fazer das despesas, que hão-de fazer só as que forem forçosamente necessárias, e para lhe tomarem contas como nunca deram -, de sorte que, conforme o regimento adiante lançado para o administrador da viagem de Japão e este para a cidade, e outras ordens que lhe fez guardar, a fez o dito conde vice-rei muito obediente a todas as [determinações] de Sua Majestade, que dantes não era, a pôs em modo de se tirar dela muito proveito para sua real Fazenda, com a grande cópia de artilharia de ferro e cobre para a Índia, que se manda vir todos os anos.
Não tem Sua Majestade outra renda alguma nesta cidade mais que a das ditas viagens, porque o rei da China, em cuja terra está, lhe arrecada os direitos de tudo o mais, convém a saber: da entrada de todo o género de embarcação que ali venha com fazendas pagam a medição dela conforme o tamanho da embarcação (os patachos de quinhentos ou seiscentos candis, a quinhentas ou seiscentas patacas, pouco mais ou menos), tirando que se, quando vão medir as embarcações, há modo de irem peitando aos medidores que o façam favoravelmente, vem a render muito menos, porque eles buscam o seu proveito mais que o d'el-rei, e não reparam em ir a embarcação carregada do que quer que seja.
Da saída, os direitos que pagam é em Quantão, uma cidade dos chineses onde se vai por um rio dentro, léguas de Macau, onde se faz a feira das fazendas, afora muitas que vêm à formiga. E não é coisa certa, porque fica sendo muito menos quando os chineses não têm algum sentimento dos portugueses de alguma coisa que lhe hajam feito ou dado, ou morto a algum chinês, como acontece muitas vezes, porque tudo lhe[s] fazem pagar a dinheiro, prendendo a lanteia, que é a embarcação onde se vão buscar as fazendas, com alguns cidadãos de consideração que abram a feira. Onde também lhe[s] fazem os chineses muitas avexações, não sendo as menores os furtos e roubos que são notáveis, e os chineses tão inclinados a isso que até as mais miúdas coisas que vendem trabalham sempre por ser com enganos.

Nota: as imagens apresentadas visam uma melhor compreensão do texto e não estão incluídas na obra referida. 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

"Descripção da Cidade do Nome de Deos na China": 1ª parte

O "Livro das plantas de todas as fortalezas, cidades e povoaçoens do Estado da India Oriental" é de 1635. Com texto de António Bocarro, cronista-mor do Estado da Índia e ilustrações (48) do cartógrafo Pedro Barreto de Resende foi uma encomenda de Filipe III, através do vice-rei da Índia D. Miguel de Noronha, conde de Linhares (Resende era o se secretário), numa altura em que, na zona europeia do Império, se iniciavam já as acções de revolta contra o domínio espanhol, as quais se adensariam cada vez mais até 1640, apenas cinco anos depois.
O autor do texto, além da descrição das cidades e fortalezas da região, efectua ainda um resumo de tudo o que de mais importante havia a destacar em cada uma delas, acrescentando por vezes leituras pessoais sobre o que considerava estar menos bem ao nível político e social e apontando soluções. Bocarro proporciona ainda elementos sobre as rotas comerciais, sintetizando a actividade mercantil dos portugueses, das vias que percorriam, dos produtos que transportavam e do modo como os negociavam.
Sobre Macau - "uma das mais nobres cidades do Oriente" - é então apresentada uma "Descripção da Cidade do Nome de Deos da China" feita por António Bocarro e uma planta do território feita por Pedro Resende onde se evidenciam as muralhas, fortificações militares, igrejas e os edifícios residenciais já existentes no início do século 17.
Bocarro era "cronista e guarda-mor" da Torre do Tombo de Goa e tanto quanto se sabe nunca esteve em Macau pelo que o que escreve só pode ter tido por base testemunhos de outras pessoas e documentos aos quais tinha acesso devido ao cargo que ocupava. Seja como for estamos perante um dos melhores relatos dos primórdios de Macau cujo assentemento remonta a 1557.
Não me vou ocupar dessa parte, mas destaco ainda o facto de ele apresentar um retrato sobre o reino da China: "De maneira que tem a China toda quinhentas e sessenta cidades."

Nota: De forma a facilitar a leitura os excertos que apresento são em português actual com notas de contexto entre parêntesis.

A Cidade do Nome de Deus está em altura de vinte e dois graus e meio da banda do norte, sita na ponta austral duma península, na costa do rei-no da China, à fralda do mar, na província de Quantão, uma das quinze em que se divide este grande reino do estado de Noanxan. Esta ponta da dita península é chamada pelos nossos e pelos naturais Macau. Tem a península uma légua de comprido e no mais largo quatrocentos passos. A cidade fica tendo meia légua de comprimento, e onde mais estreita cinquenta paços e onde mais alarga trezentos e cinquenta. Fica participando de dois mares, do levante e poente. É uma das mais nobres cidades do Oriente, por seu rico e nobilíssimo trato para todas as partes, de toda a sorte de riquezas e coisas preciosas em grande abundância, e de mais número de casados e mais ricos que nenhuns que haja neste Estado (da Índia).
D(esde) o ano de mil quinhentos e dezoito, em que os portugueses a primeira vez vieram à China, com uma embaixada do sereníssimo Rei Dom Manuel,contrataram em vários portos deste reino, e finalmente no porto e ilha de Sanchoão, onde esta cidade tomou seu primeiro princípio e onde, no ano de mil quinhentos cinquenta e dois, faleceu São Francisco Xavier, segundo apóstolo da Índia e padroeiro desta cidade (de Macau). E no ano de mil quinhentos cinquenta e cinco se passou o trato à ilha de Lampacau. E no de mil quinhentos cinquenta e sete se passou para este porto de Macau, onde, com o trato e comércio, se foi fazendo uma populosa povoação. E no (ano) de mil quinhentos oitenta e cinco, sendo vice-rei da Índia Dom Francisco Mascarenhas, foi feita cidade por Sua Majestade, com título do Nome de Deus, dando-lhe por armas a cruz de Cristo e outras liberdades, de que goza com privilégios da cidade de Évora.
É porta por onde veio da Índia à China por mar o apóstolo São Tomé e por onde, nestes tempos, o Santo Evangelho, levado pelos religiosos da Companhia de Jesus, entrou nestes reinos e no de Japão e Cochinchina, com grande glória sua e aumento de sua Igreja.
Os casados que tem esta cidade são oitocentos (e) cinquenta portugueses e seus filhos, que são muito mais bem dispostos e robustos que nenhuns que haja neste Oriente, os quais todos têm, uns por outros, seis escravos de armas, de que os mais e melhores são cafres e de outras nações. Com (o) que se considera que, assim como têm balões que eles remam, pequenos, em que vão a recrear-se por aquelas ilhas, seus amos poderão também ter manchuas maiores, que lhes ser-virão para muitas coisas de sua conservação e serviço de Sua Majestade.
Além deste número de casados portugueses, tem mais esta cidade outros tantos casados entre naturais da terra, chineses cristãos, que chamam jurubaças, de que são os mais, e outras nações, todos cristãos. E assim os portugueses como estes têm suas armas muito boas, de espingardas, lanças e outras sortes delas, e raro é o português que não tem um cabide de seis ou doze mosquetes e pederneiras, e outras tantas lanças, porque os fazem dourados, que juntamente lhe(s) servem de ornamento das casas.
Tem, além disto, esta cidade muitos marinheiros, pilotos e mestres portugueses, os mais deles casados no Reino, outros solteiros, que andam nas viagens de Japão, Manila, Solor, Macáçar, Cochinchina. Destes, mais de cento e cinquenta, e alguns são de grossos cabedais, de mais de cinquenta mil xerafins, que por nenhum modo querem passar a Goa, por não lançarem mão deles ou as justiças (reais) por algum crime ou os vice-reis para serviço de Sua Majestade. E assim (há) também muitos mercadores solteiros, muito ricos, em que militam as mesmas razões.
Tem mais esta cidade capitão-geral, que governa as coisas de guerra, com cento e cinquenta soldados, em que entram dois capitães de infantaria e outros tantos alferes, e sargentos e cabos de esquadra e um ajudante, um ouvidor e um meirinho, que administra(m) justiça. Vence o ouvidor cem mil réis de ordenado, consignados na alfândega de Malaca. E (sobre) ministros eclesiásticos tem um bispo, que hoje é morto e ainda não está provido (substituído), que vence dois mil xerafins de ordenado, pagos na alfândega de Malaca. (...)
continua...

domingo, 18 de fevereiro de 2024

O "Hoppo" da "Praya Pequena" e o da "Praya Grande"

Hoppo
This is a tribunal that has in charge the collecting of imperial dues on navigation and trade and remitting the amount to the Grand hoppo at Canton. Its local situation is on Praya pequena. The chief officers of this custom house owes his appointment to the Grand hoppo at Canton; at Macao the Portuguese designate him by the epithet Grand hoppo, in contradistinction to another seated on Praya grande of this we shall say a few words hereafter.
To the Grand hoppo of Macao the Procurator on the arrival in port of a vessel transmits a manifest it ought to be genuine of the cargo; a similar one to the Tso tang and to the Mandarin of Casa Branca. Of the ship's departure, the Hoppo is informed. No regular Hoppo was for nearly one hundred and fifty years established; but two years after Kang-he had declared the ports of China to be open to foreign nations, or in 1597, Hoppo guards chased a boat loaded with goods. In 1688 a Dutch ship directed her course to the inner harbor of Macao but the Bar fort prevented it by firing on her. Informed of this act of hostility the Hoppo chief sent for the Procurador and asked by whose authority dared the Portuguese elude the commands of the Emperor declaring that strangers coming to trade shall enter the port any where they please. Spanish vessels came in 1698 and 1700. A French vessel from the north west coast of America being chased (1793) by an English armed vessel in the roads of Macao run into the harbor. The Senate intended to make her a good prize; for Portugal was at war with France: the Mandarin of Heang shan having reported the case to the higher authorities an order was intimated that Macao should restore to the owner back ship and cargo: 'if you do other wise you shall not be allowed to remain in the place on the same footing as before'.
The Grand hoppo collects the amount of measurement from Macao, and foreign ships, and the duties on goods, sent to or coming, from Canton.
Excerto de "An Historical Sketch of the Portuguese Settlements in China And of the Roman Catholic Church and Mission in China", de Anders Ljungstedt, 1836.
"Vista de Praya Pequena de Macao". Pintura séc. 18. Não incluída na obra referida

Era no Porto Interior que estava localizada a principal alfândega de Macau (o Hoppo/hopu) da Praia Pequena, já que era por ali que passava a maioria das embarcações que se dirigiam a Cantão, por oposição à alfândega mais pequena, a da Praia Grande no porto exterior, já muito perto da fortaleza de S. Francisco. Estes postos alfandegários só seriam desactivados pelo governador Ferreira do Amaral em meados do século 19.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Projecto de construção de uma avenida em 1903

"Projecto de construção de uma Avenida desde o Largo do Senado à rua marginal do porto interior e de alargamento das ruas dos Mercadores, do Mastro, Aterro Novo e Travessa da Cordoaria. Planta Geral. Macau, 11 de Fevereiro de 1903."
Nota: A zona do Largo do Senado está à esquerda na planta

A planta é da autoria de Abreu Nunes, na altura o director das Obras Públicas. Este foi o primeiro passo para o que começou por ser designada Nova Avenida do Bazar Chinês e que viria a ser concluída já no final da década 1910 recebendo a designação Avenida de Almeida Ribeiro (San Ma Lou). Era a primeira ligação rodoviários entre os portos interior e exterior.
Na mesma altura foi feita outra planta - imagem acima - relativa ao "Projecto de construção de uma Avenida do Largo do Senado ao porto interior e melhoramento de várias ruas do Bazar China". O Porto Interior está representado do lado esquerdo.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Guia fort with its lighthouse

Macao, a Portuguese settlement is situated on the western side of Tahsi shuitao, close eastward of Lappa island and on a peninsula at the south eastern end of Macao island. The peninsula is connected with the island by a low narrow sandy isthmus. Guia fort with its lighthouse Lat 22 12 N Long 113 33 E occupies the summit.
The population in 1948 was about 222,000. Macao harbour which is entered between Ko ho point and a point on Macao island about 6 miles northward is constructed on the south eastern side of the peninsula and there is an inner port between the peninsula and Lappa island There are three radio masts on a hill about half a mile north eastward of Guia fort. (...)
The harbour is enclosed by moles on its eastern southern and western sides. There are several mooring buoys in the harbour for vessels not exceeding 3,000 tons and 400 feet (121m) long. A channel in a north westerly direction has been dredged to the entrance to the harbour. An extension from the southern end of the eastern mole about one mile long lies on the north eastern side of this channel and a detached mole about half a mile long lies on the south western side.

In 1946 the channel had silted and there was a depth only about 1 feet (0,5m). Close southward of the entrance to the harbour and connected with the inner end of the above mentioned dredged channel; another channel Canal Norte da Rada has been dredged in a west south westerly direction towards the entrance of the inner port. The depth in this channel was reported in 1935 to be 6 feet (1m). The inner port is entered between Barra fort situated nearly 1 miles south westward of Guia fort and the south eastern end of Lappa island about half a mile westward .The western side of the inner port is encumbered with sandbanks but in 1948 there was a depth of 12 feet (3m) close off the town. Dredging is constantly in progress to maintain the depths in the inner harbour and the main channel. There is a small Naval yard about 1 3/4 cables northward of Barra fort with a tidal basin, and close northward of the Naval yard there is a pier. There are three wharves with T heads, about 6 cables above the Naval yard. (...)
Excerto de Africa Pilot - Volume 1. Great Britain. Hydrographic Dept, 1951

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

"A maior maravilha que já vi"

Nos cerca de 8 meses que viveu em Macau no ano de 1839, Auguste Borget fez vários desenhos e pinturas do templo de A-Ma (litografia acima), localizado à entrada do Porto Interior e onde o pintor ia praticamente todos os dias. Uma dessas vezes foi a 2 de Maio de 1839. No seu diário escreveu:
É tão difícil descrever objectos chineses em língua europeia, que ainda não me atrevi a falar-vos do grande templo de Macau – a maior maravilha que já vi. Eu seria obrigado a inventar palavras para transmitir uma ideia adequada de objetos aos quais não há nada semelhante na Europa e para os quais, portanto, só posso ter comparações imperfeitas. 
Quase diariamente visito este templo - cujo nome chinês, Neang-ma-ko, significa Antigo Templo da Senhora -, seja pela manhã, quando tudo é sombra, ou ao entardecer, quando cada pedra, árvore e telhado reflectem o sol, ou ao meio-dia, quando o calor extremo me obriga a procurar a sua sombra grata. A cada hora, e sob todos os aspectos, a vista do templo é impressionante e, embora longe de ser imponente pela sua magnitude, atrai pela delicadeza das suas proporções e, sobretudo, pelo seu carácter eminentemente chinês. 
A cada visita observo sempre cenas interessantes e alguns detalhes novos que antes me haviam escapado. Tenho a certeza de que encontrarei sempre algum ponto de vista atraente e pitoresco, e de facto poderia formar um álbum muito curioso, apenas a partir do recinto do templo e do espaço envolvente. Visto como um objeto de arte chinesa, tudo na disposição do edificado é admirável; a sua disposição, a sua situação pitoresca entre rochas e árvores, bem como os numerosos ornamentos que o enriquecem. É certamente o objecto de estudo mais interessante que um europeu poderia escolher. Estou certo de que em nenhum outro lugar da China se pode ver um edifício mais notável, e estou muito certo disso já que é tão superior a tudo o que já vi em outros lugares."
Celebrações do Ano Novo chinês no Largo do Pagode da Barra. Foto GCS

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Leilões milionários de obras de George Chinnery

No livro de esboços - à dta. - vista parcial da igreja de S. Domingos

Roland Arkell assina esta notícia da edição de 15 de Janeiro de 2022 da "Antiques Trade Gazette".
Dá conta de que em Dezembro de 2021 foi vendido em leilão por 52 mil libras (60.989€)  - cinco vezes mais que o preço base - um livro de esboços/desenhos a lápis e caneta da autoria de George Chinnery. Estavam na posse de uma família de Glasgow (Escócia) há muitos anos e incluíam desenhos feitos pelo pintor inglês em Macau, portanto entre 1825e 1852.
Já em Julho de 2006 a leiloeira Christie's tinha vendido um caderno com mais de 69 folhas de desenhos de Chinnery com mais de 200 ilustrações em aguarela por £290.000 (340.000€). 
Ao longo da vida, quer na Índia quer em Macau, Chinnery produziu milhares de obras. Muitas delas eram apenas estudos (para posteriores aguarelas e óleos sobre tela) outras não chegavam a ser acabadas, nomeadamente retratos, a principal fonte de rendimentos do pintor. Assim, se explica que ele tenha saído de Calcutá para Macau para fugir não só da mulher, mas também dos credores. 
"The sale at Thomas R Callan in Ayr on December 3-4 included this sketchbook by George Chinnery (1774-1852) dated 1838. It includes numerous pencil drawings and watercolours from his time in Macao, China. The English artist arrived in the Portuguese territory on September 29, 1825, after two and a half months on board the ship Hythe. It had sailed from Calcutta, where it was rumoured that Chinnery had left India for the good of his health and he himself claimed he was trying to get away from his wife, but the truth was he was desperately in debt and hoped that on the China coast he would gain refuge from his creditors. As it turned out, the artist never returned to India or Europe. From 1825 until his death in 1852 he remained on the south China coast and was buried in the calm oasis of Macao’s protestant cemetery.
A Chinnery sketchbook featuring more than 200 finished watercolour illustrations of Macao and environs over 69 leaves sold at Christie’s in July 2006 for £290,000 and interest in the artist’s work continues apace.
This sketchbook, estimated at £8000-12,000, featured a smaller number of pencil and ink sketches ranging from small figure and animal studies with Chinnery’s ‘shorthand’ annotations to larger double-page landscape compositions. It came for sale as part of a box of books from a vendor in Glasgow. It is thought to have been in the same family for several generations but had been unappreciated and it required some homework on the auctioneers’ part before an attribution was made and its importance understood.
The sketchbook attracted multiple ‘watchers’ online and eight phone bidders, one of whom was the victor at £52,000."

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Exposição "MapaMorphosis 500 anos de Cartografia de Macau"

Está patente até dia 17 de Março 2024 na Casa Garden - delegação da Fundação Oriente em Macau - a exposição "MapaMorphosis 500 anos de Cartografia de Macau".
Com curadoria de Pedro Luz documenta a transformação e expansão da cidade ao longo dos últimos 500 anos através de um conjunto de mapas e elementos multimédia.
Num texto da organização do certame organizado pela Associação Cultural 10 Marias e a Fundação Oriente, a partir de uma ideia de Marco Rizzolio pode ler-se: "Na era pré-colonial, a área de Macau estava reduzida a uns meros três quilómetros quadrados, o seu processo de expansão deu-se, a partir do século XVI, com o estabelecimento dos portugueses e a ‘conquista’ de território. Durante a segunda metade do século XX, a área terrestre de Macau aumentou aceleradamente, passando de 15 quilómetros quadrados em 1972 para 21 em 1994. Hoje, a área terrestre é aproximadamente de 32 quilómetros quadrados com uma população de cerca de 680 mil habitantes, fazendo com que Macau seja uma das cidades do mundo com maior densidade populacional."
Fotos: Fundação Oriente - Macau

domingo, 11 de fevereiro de 2024

"Pagoda near the Porto Circo Macao"

Um dos vários rituais das festividades do ano novo chinês é a visita aos templos. Para o post de hoje seleccionei um desenho de John Michael Houghton feito nos primeiros anos do século 19 com a legenda "Pagoda near the Porto Circo Macao". Trata-se do templo de Lin Fong, localizado muito perto da Porto do Cerco.

A imagem acima é já uma fotografia do mesmo local feita no final do século 19.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Celebration of the New Year

O testemunho que se segue tem quase 200 anos e relata - na perspectiva de um estrangeiro - de forma sucinta como era celebrado o novo ano lunar em Cantão e Macau.

"The new year is a season of great festivity and rejoicing with the Chinese. New clothes are bought, houses undergo the only thorough cleaning which they have during the year, visits are made, cards of congratulation are sent and, in short, every body, from his Imperial Majesty down to his meanest subject, tax their means to look particularly decent on this day. The streets are nearly deserted, business is suspended and the shops are all closed. The few persons who are met in the streets are either going to visit or they are the servants who with a handful of red cards are flying, as fast as the multiplicity of their new year's garments will allow them to deliver the congratulations of their masters to acquaintances and friends.
Fire-crackers are kept going all night and continue in full operation all day. It is deemed absolutely necessary for every householder or boat holder to demonstrate his joy by crackers, which are fired, hung from a bamboo, in long strings so the depth of a man's pocket or the extent of his vanity or joy may be safely calculated from the wrecks of these inflammable nuisances, which are strewed before his door. (...)
I observed that if the finances of the family are not sufficient to procure for all its members complete suits of clothing that invariably some part is new and most commonly the cap or shoes. Black satin boots are vanities indulged in by all who can afford them. All the boats are carefully cleaned and in various parts are pasted broad strips of bright red paper punched full of little holes in the middle and sometimes sprinkled with gold leaf. (...)"
Excerto de Sketches of China (1830), da autoria de W. W. Wood, que viveu em Macau e Cantão entre 1825 e 1836.

Tradução/Adaptação:
"O ano novo é uma época de muita festa e alegria para os chineses. Compram-se roupas novas, as casas passam pela única limpeza profunda anual, fazem-se visitas, enviam-se cartões de felicitações e, enfim, todas as pessoas, desde sua Majestade Imperial até ao seu súbdito mais cruel, gastam tudo o que têm parecerem particularmente decentes neste dia. As ruas estão quase desertas, os negócios suspensos e as lojas estão todas fechadas. As poucas pessoas que se encontram nas ruas ou estão a caminho de alguma visita a um familiar ou são os criados que com um punhado de cartões vermelhos nas mãos apressam-se, rápido quanto a multiplicidade das suas vestimentas de ano novo lhes permite, vão entregar as felicitações dos seus patrões a conhecidos e amigos.
Os panchões ouvem-se dia e noite. É considerado absolutamente necessário que todo o chefe de família ou dono de uma embarcação demonstre a sua alegria por meio de 'estalos', que são disparados, pendurados num bambu, em longos fios, para que a profundidade do bolso de um homem e a extensão da sua vaidade ou alegria possam ser calculadas com segurança a partir dos destroços que ficam espalhados diante da sua porta. 
Reparei que quando as finanças da família não são suficientes para adquirir roupas completas para todos os membros, invariavelmente pelo menos uma peça é nova e, normalmente, é o boné ou os sapatos. Botas de cetim preto são vaidades apreciadas por todos que podem comprá-las. Todos os barcos são cuidadosamente limpos e em várias partes são coladas largas tiras de papel vermelho brilhante, perfuradas com pequenos furos e às vezes polvilhadas com folhas de ouro. Isto também se faz nas casas. (...)"