sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

O Ópio em Macau e a Sociedade das Nações

Na sequência do final da primeira guerra mundial (1914-1918), a 10 de Janeiro de 1920 entra em vigor o Pacto da Sociedade das Nações simultaneamente com o Tratado de Paz de Versailles. Portugal foi membro fundador da Sociedade das Nações (SDN), tendo assinado o Pacto em Sèvres em 10 de Agosto de 1920.

Uma das questões de maior relevo para a política ultramarina portuguesa no âmbito da Sociedade das Nações foi a realização das conferências sobre o ópio, cujo consumo mundial atingira proporções que justificavam a internacionalização da discussão sobre o tráfico. Assistiu-se à pressão de alguns Estados (a China e os EUA, sobretudo) como da própria opinião pública, razão pela qual a SDN se tornou palco para tentar encontrar soluções para o problema. Em 11 de Janeiro e 19 de Fevereiro de 1925 foram assinadas duas convenções sobre ópio preparado, ópio bruto e outros estupefacientes, respectivamente para controlar o contrabando de ópio.
Aquando da aprovação das convenções, Portugal foi acusado de assumir uma posição dúbia relativamente ao consumo de drogas, sobretudo quando se tratava de Macau.
A acusação foi considerada injusta e infundada pelo governo português. Na sequência dos compromissos assumidos internacionalmente e no início de 1929 foi feito um levantamento de dados sobre o consumo de drogas em todos os territórios portugueses, os quais, foram posteriormente enviados para a SDN.
Sobre este tema publico abaixo um artigo de 1925, da autoria de Artur Tamagnini de Sousa Barbosa (1880-1940), que foi governador de Macau por três vezes: entre 1918 e 1919, de 1926 a 1930 e entre 1937 e 1940.
O Ópio em Macau e a Sociedade das Nações
"O convénio, que nos garantiu a importação do opio da India Ingleza em Macau, terminou em Julho de 1923. A receita proveniente do opio a esta colonia que, no ano de 1918, em arrematação, quasi alcançou sete milhões de patacas, foi, desde que deixámos o governo, diminuindo extraordinariamente: em Dezembro de 1919 não chegou a alcançar em praça seis milhões; em Agosto de 1920, apezar de não atingir quatro milhões, não poude o arrematante manter a venda por muito tempo, alegando, entre outras, as dificuldades derivadas, especialmente, do contrabando sahido das colónias francezas vizinhas, que o impedia, pelo preço e quantidade, de continuar a fabricar em Macau o opio importado da lodia. O facto trouxe como consequencia ainda uma nova diminuição desta receita; e agora, do importante rendimento chegado a cobrar em 1918, não aufere a Colonia dois milhões de patacas!
D'aqui resulta que o orçamento de Macau, a continuar este decrescimento, terá de produzir um deficit, que não sabemos até onde poderá ir. É indispensável, pois, que Macau possa continuar contando com a receita proveniente do opio para os seus melhoramento,, sem que o seu orçamento entre num regime não deficitário. Entretanto, irá provando que é excelente a aplicação dada á tão discutida imoralidade portugueza do extremo oriente. E todas essas injustiças que se levantam contra nós apertando-nos numa cadeia, cada vez maior, de dificuldades para administrarmos o que é nosso e que conquistámos, não á custa de golpes de mão ou de subtilezas diplomáticas, mas de muito valor e e muito sangue perdido na repressão da pirataria, todas essas injustiças, dizíamos, forçoso é que desapareçam, despertando-se a consciência dos que se arvoram em nossos julgadores. 
Se sob muitos pontos de vista é necessário que a nossa diplomacia na S. D. N. triunfe, neste, que respeita ao problema do opio, é essencialíssimo. Vamos novamente encontrar uma oposição tenaz ao desejo de conservarmos a maior receita desta província de além-mar. Pois é razoável que todas as facilidades, neste sentido, nos sejam garantidas, pelo menos, durante mais doze anos, tempo reputado indispensável para Macau modificar completamente a sua vida. Se examinarmos os orçamentos das Nações e Colónias estrangeiras do extremo-oriente, interessadas na questão do opio, verificaremos que todas conseguem, pelo menos, equilibrar os seus orçamentos com receitas provenientes do opio. Portanto é justo supor que não irão pronunciar-se na S. D. N. pela formal condenação do opio, porque isso lhes traria um prejuízo considerável nas suas finanças. 
A própria China, que mais se salientou defendendo na Conferencia de Genebra a abolição da produção, fabrico e venda do opio, consome mais de um milhão de contos desta droga e cultiva a papoila em quasi todo o seu enorme território, sendo celebres os campos desta planta nas províncias de Kweichoro e Sbansi, onde há dois anos, se deu uma colisão entre militares e agricultores, de que resultou estes levarem a melhor e manterem as suas produções. O Dr. Aspland, secretário da International Society of Peking, diz, no seu relatorio de 1923, que a cultura da papoila na China is rapidly increasing (...), E acrescenta: Pouco ou nada se tem feito para limitar a produção, a despeito dos protestos do governo. Em Foochow uma das secções da International Anti-Opium Association informou os cônsules estrangeiros que em dois distritos do sul de Fúkien, as autoridades militares aplicam aos produtores de opio taxas que somam anualmente uma renda não inferior a quinze milhões de patacas! Seria inútil, pois, ao Dr. Szé representante da China na ultima conferencia, pretender provar que não é o seu paiz o principal responsável por este estado de coisas.
Os sentimentos humanitários, que levaram mais de 60 plenipotenciários a Genebra para libertarem a China do terrível veneno que contamina os seus milhões de habitantes, não devem ser superior aos da própria China; e se ela não quer ter a virtude da abstinência não sacrifique inutilmente os interesses alheios. Para a China a questão é mais de interesse nacional do que de virtude. Tendo sido interrompida a primeira conferencia em vista do desacordo provocado pela proposta americana, que pedia fosse abolida a importação de opio em 10 anos, por uma restrição anual de 10 º Lord Robert Cecil, na segunda conferencia, deu a conhecer a opinião do seu governo expressa nos seguintes termos: Aceita que o habito de fumar opio seja abolido nos territórios britânicos do Extremo-oriente num período de 15 anos a partir do momento em que se tornem eficazes as medidas tomadas para impedir o contrabando chinez. Escusado dizer que tais medidas não se poderão tomar eficazmente: o contrabando far-se-á através a extensíssima fronteira chinesa, e, daí, o opio nos territórios britânicos nunca será abolido. Quanto à França, a pretexto de ser indispensável equilibrar o orçamento da Indo-China, não dispensará o rendimento do opio e seguirá na esteira da Inglaterra.
Porque há de ser Portugal prejudicado, nos interesses daquela sua colónia, onde a grande parte dos rendimentos tem tido a mais salutar aplicação - em beneficio principalmente da população chineza - no saneamento de bairros e no combate de epidemias, a ponto de se ter tomado Macau a mais higiénica cidade europeia do Extremo-Oriente, como o provam os boletins de Saúde? E agora, porque se prepara o seu porto em condições de, por si só, dar todas as garantias de vida para a Colónia, é que se pretende eliminar um rendimento tão necessário para o seu orçamento?
Argumenta-se que tem havido ilícitos feitos á custa do opio. É possível; mas a repressão de tais delitos há de o Governo Português saber fazê-la e será um facto dentro em pouco. O interesse que toda a imprensa do nosso País está votando ás questões Coloniais, à sua administração e fiscalização, é também um penhor certo de que os delinquentes serão chamados á responsabilidade. Há quem tenha enriquecido ludibriando ou abusando da boa fé do Estado? A imprensa desvendará tudo e, aqui ou no Parlamento, garantimos, serão conhecidos os nomes dos que ostentam uma riqueza que lhes não pertence, por mais alto que tenham chegado.
Preciso é honrar o nosso património colonial, para que nos julguem bem no conceito das Nações. É quasi certo que a questão do opio volta a ser discutida agora na S. D. N. Como será colocada? Afigura-se-nos insolúvel o problema, embora a China continue a pedir a abolição do tratado de Napier; mas, se de qualquer modo os governos interessados chegarem a um acordo, isto é, se, sobretudo a Inglaterra, a França e a China conseguirem entender-se, que os nossos interesses no Extremo-Oriente mereçam ás grandes potencias particular carinho, por tudo quanto de útil representa para o Comercio do mundo a estrada que até ao Japão lhes abrimos, noutras eras, e os sacrifícios de sangue e de haveres, que nos esgotaram. 
Artigo da autoria de Artur T. Barbosa publicado na Gazeta das Colónia, 10.9.1925

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