A área superficial da peninsula de Macau e das ilhas adjacentes da Taipa e Colowane, com exclusão da ilha de D. João, onde está fundado um asylo ou Gafaria de leprosos, é de 10.978,'"'57. A sua população, segundo o recenseamento de 30 de junho de 1920 era de 83.984 habitantes, sendo de 79.807 chinezes e 4.177 não chinezes, como se mostra da estatística publicada no Annuario Macaense de 1921.
No orçamento provincial para o anno economico de 1920-1921, approvado por Portaria do Governador sr. Henrique Correia da Silva, são as receitas calculadas em 2.631.981$26 e as despezas em 2.220:878$34, sendo as despezas ordinárias no montante de 1.636:876$34, e as extraordinárias no de 548:002$00. Para as obras do porto, cujos estudos começaram ha cerca de trinta annos (!) foi destinada a percentagem de 10% do rendimento dos exclusivos na importância de 214.587$00.
A moeda corrente em Macau, é a pataca, ou peso duro mexicano, peruano, chileno e d'outras proveniências das republicas hespanholas da America, a qual tem o valor legal de $450; e regulando o cambio, embora variavel, d'esta moeda em relação à libra esterlina em Hong Kong, por 2 shellings é 6 pence, pôde comprar-se uma libra por 8 patacas, que equivalem a 35461,40.
O numero de funcionários públicos excede talvez a 300, oriundos uns de Portugal, outros de Macau, outros de Gôa e ainda alguns d'outras procedências, occupando os macaenses logares de menos graduação na escala burocrática, com excepção d'aquelles que estão habilitados para certos serviços com conhecimentos especiaes, como é o estudo e comprehensão da lingua sinica.
Ora, sendo a receita orçamental de 2.631:981$20, e reduzindo esta quantia a libras esterlinas e estas á moeda circulante em Portugal, ao cambio de 50 escudos por cada libra, virá a dita receita a ascender á avultada cifra 16.449:882$50 em numerário metropolitano, pois, podendo-se adquirir 328:997£65 com 2.681:981$20 (patacas de Macau) e reduzindo-se aquelle numero de libras a escudos (moeda circulante na metrópole) será o producto de 16 449:882$00. E por onde se escôa tanto dinheiro? Apezar de serem tão importantes os rendimentos da fazenda publica, fazemos uma triste figura no extremo oriente, onde é assombrosa a actividade commercial e industrial e o movimento das riquezas e onde não temos nem commercio nem industria nem navegação. Indecoroso contraste.
A cidade occupa uma superfície muito limitada, embora no seu perímetro se accumule uma população bastante densa, e não obstante ser garrida e vistosa, como um desenho, e espraiar-se cm um bello panorama, não ostenta palácios deslumbrantes, nem jardins suspensos, nem fontes monumentaes, nem maravilhas de architetura, pintura e esculptura. É modesta e sem pretensões. Por onde se escôa, pois, tanto dinheiro?
É o funcionalismo superabundante que empolga a maior parte das receitas publicas. Lá, como cá, é o grande cancro que corroe as visceras da economia nacional. Queremos, que os funcionários do Estado se metropolijam muito bem pagos, generosamente pagos, para que possam viver desafogadamente, e tenham um fundo de reserva destinado a occorrer a necessidades imprevistas, com tanto que o seu numero não exceda ao que fôr estrictamente necessário para o funcionamento regular dos serviços públicos.
Uma parte das avultadas receitas da colonia de Macau podiam ser empregadas em obras de fomento local e na fundação de industrias sob a forma de monopolios do Estado ou de exclusivos concedidos a companhias que as quizessem explorar com certas excepções e privilegios, por tempo limitado. Podem estabelecer-se em Macau, com mestres e operários chinezes, fabricas de desfiação e tecidos de sedas, de charões, de chá e d'outras manufacturas que tem consumo na metrópole, e podiam ser d'ahi importadas directamente, como productos coloniaes, mediante certificado d'origem, em vez de as importarmos mais caras de paizes estrangeiros. Diz-se, que os monopolios e os exclusivos "são reprovados pela sciencia económica. Assim é em circunstancias normaes, e quando representam um attentado contra a livre concorrência mas no estado de marasmo profundo em que se encontra aquella colonia longínqua, torna-se necessário e inadiável provocar as energias latentes de raça e estimular as iniciativas individuaes com meios revulsivos, para abrir os olhos aos capitalistas opulentos, que naturalmente preferem empregar o seu dinheiro em jogos da bolsa, em bancos e companhias de seguros.
Para grandes males grandes remedios. E depois, representa um grande desdouro para a nação deixar cair em abandono e no olvido as brilhantes tradições que nos foram transmitidas pelos antepassados, que, com indómita coragem e a custa do seu sangue, intercalaram uma gloriosa epopêa na historia d'este paiz.
As tradições rutilantes dos feitos dos nossos antepassados ainda se conservam esboçadas na memoria dos povos orientaes. No Ceylão e em Malaca ainda se encontram famílias indígenas com appelidos portuguezes. É interessante o seguinte caso referido por pessoa fidedigna ao auctor d'estas linhas. Em uma viagem do Oriente para a Europa em um vapor das Messageries M(vitimes que fez escala pelo Ceylão, desembarcaram alguns passageiros em Colombo, capital dos domínios inglezes n'aquella ilha paradisíaca, e para se distraírem, em quanto o navio se conservava ancorado no porto, foram em passeio recreativo até um povoado conhecido por Blacktown para assistirem a uma dança lasciva de mulheres indígenas vestidas segundo o costume da terra. Estava entre ellas uma indígena vestida de saias, que não se arrestava a tomar parte na dança, e perguntando-lhe um matedos dilettanti qual o motivo da sua abstenção, respondeu-lhe que assim procedia, porque era portugueza. Hoje, porém, não se vive de tradições; é o trabalho que engrandece os povos e lhes dá autoridade e preponderância no concerto das nações.
Os pregões da heráldica avoenga e os echos da tradição mal se deixam ouvir ante o fragor das machinas e instrumentos de producção. É urgente e opportuno um movimento patriótico para reanimar e fazer resurgir para a vida activa aquella colonia somnolenta, illustre por tantos títulos e padrão authentico da energia gloriosa de nossos maiores. Os capitaes que forem empregados nas emprezas industriaes mencionadas serão um revulsivo efficaz para o seu engrandecimento. A distancia não pode serum óbice impeditivo. Quantas emprezas agrícolas e industriaes não temos em regiões affastadas e insalubres da Africa, com a sede da administração em Lisboa e directores technicos nas localidades?!
Cumpre ao governo iniciar o movimento, convidando os capitalistas a collaborar n'esta obra de resurgimento, ou decretando as providencias necessárias para o estabelecimento provisorio de monopolios por conta do Estado. Fóra a politica partidaria de ambições deleterias! Queremos administração patriótica e fecunda.
Artigo da autoria de Silvestre de Santa Martha
in Revista Colonial, Fevereiro de 1922
O Silvestre de Santa Martha não estava da cabeça, estava de má fé, ou então tinha algum problema mal resolvido com os funcionários públicos. Como é possível que 300 funcionários (uma percentagem ínfima da população) ser o grande cancro que corroe as visceras da economia.
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