quinta-feira, 17 de outubro de 2024

José Matias Cortes: 1944-2024

No mês em que nos deixou o capitão-de-mar-e-guerra José Matias Cortes (Escola Naval - Marinha de Guerra - classe de engenheiros maquinistas navais) aqui fica uma homenagem.
A primeira fotografia é das Oficinas Navais (das quais foi director) na entrada do Porto Interior. A segunda fotografia é da lorcha Macau a quem dedicou grande parte do seu tempo enquanto esteve ao serviço da Marinha portuguesa em Macau entre Agosto de 1984 e Agosto de 1989. 
Macau foi uma época de "bons ventos" 
para o 'marinheiro/engenheiro' 
 José Matias Cortes
As fotografias abaixo foram gentilmente cedidas por Pedro Cortes, filho de José Matias Cortes
Com o governador Carlos Melancia

Com Stanley Ho nas Oficinas Navais:
A STDM (de Stanley Ho) e a Fund. Oriente pagaram a construção da lorcha
No lançamento à água da barcaça Pontão em 1985 (então Capitão-Tenente)
 
No lançamento da lancha Capitania
No lançamento da Lorcha Macau 
ao fundo pode ver-se, entre outros, Monsenhor Manuel Teixeira

Excertos de uma entrevista dada em 2010 ao blogue do Curso Miguel Corte Real, da Marinha de guerra Portuguesa, que José Matias Cortes frequentou. O tema da conversa foi a construção da lorcha Macau.
" (...) em Janeiro de 1987 começou-se a falar em Macau no âmbito dos Serviços de Marinha e da Direcção dos Serviços de Turismo em construir um navio que à semelhança duma réplica de uma caravela que por iniciativa dos emigrantes portugueses radicados na África do Sul de destinaria a comemorar o V Centenário da Passagem do Cabo da Boa Esperança que se comemoraria em 1988 a partir de Fevereiro na África do Sul, assinalasse a presença de Portugal em Macau e traduzisse de algum modo o panorama naval chinês que havia em Macau. (...)
A ideia era então construir uma embarcação que navegando a partir de Macau se juntasse à caravela (Bartolomeu Dias) na África do Sul. Essa ideia não foi considerada politicamente correcta mas pretendia-se construir uma embarcação que pudesse representar Macau no exterior e levasse uma imagem de marca de Portugal - uma embaixadora de Macau sobretudo na Ásia. O junco que com abundância navegava e navega nas águas do Sul da China não tinha nada de Portugal e por isso não foi considerado. Por outro lado as lorchas embora já em desuso nas águas do Sul da China tinham tido uma presença assinalável nos séculos anteriores e eram navios que tinham cascos baseados nas caravelas portuguesas e um aparelho vélico chinês. Havia assim uma mistura que juntava Portugal e a China. (...)
Foi-me então pedido que desenvolvesse os estudos necessários para construir nas Oficinas Navais de Macau uma lorcha que reunisse os requisitos que se pretendiam. É aqui que começa a minha intervenção. As dificuldades surgidas foram grandes porque quer em Macau, Hong-Kong ou no Sul da China (Cantão) não encontrei elementos desenhados construtivos, dado que os chineses que construíam estas embarcações (lorchas e juncos) não ficavam com grande parte dos desenhos de construção necessários e transmitiam os seus conhecimentos de pais para filhos cada um à sua maneira. Foi à custa de várias visitas a estaleiros tradicionais chineses que se foram colhendo os elementos construtivos necessários. (...)
Nas Oficinas tinha um desenhador projectista que com a ajuda dos mestres das minhas oficinas, sobretudo de carpintaria e caldeiraria naval desenhou os planos necessários à construção. A responsabilidade da coordenação de todos os elementos e a sua execução quer de modelos quer de peças montadas foi por mim assumida. Em Macau não havia engenheiros construtores navais. (...)
(A construção) Iniciou-se em 15 de Abril de 1987 a construção da lorcha. O casco foi construído num estaleiro de Coloane e o aprestamento e a fase final de construção foi feito nas Oficinas Navais de Macau. O navio foi lançado à água em 7 de Novembro de 1987 e concluído em 28 de Junho de 1988 (fez agora 22 anos).
(...) A réplica da lorcha seguiu na medida do possível os requisitos tradicionais mas teve que se adaptar às exigências de segurança e de conforto da época. Daí que dispusesse de equipamentos de navegação e comunicações modernos para a época e que por via das missões que lhe propunham atribuir foi motorizada com 2 motores de 300 HP cada. Não tinha assim a motor propulsão auxiliar, mas sim principal."

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Clínica Lara Reis

A Clínica Lara Reis foi inaugurada a 15 de Abril de 1951, após uma subscrição entre os rotários. Foi o primeiro centro de luta anti-cancerosa no Sul da China e também o único nas províncias ultramarinas na época. O edifício foi adquirido em 1988 passando a ser a sede da Cruz Vermelha.
Fernando de Lara Reis nasceu em Leiria em 1892. Frequentou o que é hoje o colégio Militar mas que na época se denominava Escola de Guerra. Participou como tenente aviador na I Guerra Mundial onde veio a sofrer um desastre que o obrigou a reformar-se com a patente de capitão.
Chegou a Macau em 1919 como professor de Desenho, Ciências Naturais e Ginástica do Liceu. Nessa época o Liceu funcionava no Hotel da Boa Vista tendo depois passado para o Tap Seac (hoje ICM). Em 1937/38 exerceu as funções de Secretário no Liceu em acumulação com as de professor. Era reitor Ferreira de Castro.
 A ele ficaram a dever várias acções de âmbito escolar, tais como a fundação da “Associação Escolar do Liceu” e que esteve na origem da Caixa Escolar (ver edifício ao Tap Seac) no início da década de 1920 bem como do campo desportivo anexo.
Um "assalto de Carnaval" na década de 1930.
Onde assinalei o círculo pode ler-se "Sol Poente"

Dotado de um grande espírito de iniciativa, para diversão dos alunos, adquiriu mesas de “ping-pong”, uma mesa para xadrez e uma para damas, promoveu a construção de um campo de basquebol, um de voleibol e um de badminton, faziam-se exposições de trabalho escolar, festas de convívio, passeios à China (Choi Hang) utilizando transportes de Companhia de Autocarro “Kee-Kuan”, campeonatos desportivos inter-escolares. 
Lara Reis com o seu cão na moradia Sol Poente

Partiu para Portugal em 1940 e daí para o Liceu Afonso de Albuquerque, em Goa onde permaneceu 5 anos. Após a II Guerra Mundial regressou a Macau.
Sócio-fundador do “Rotay Club de Macau”, legou à Santa Casa da Misericórdia de Macau, a sua residência “Sol Poente” na Avenida da República. Mais tarde, por iniciativa dos rotários, foi aí instalada a Clínica «Lara Reis», o primeiro centro de luta anticancerosa do Sul da China .
Foi ainda fundador em Macau da secção local da “Liga dos Combatentes da Grande Guerra” tendo a sede ficado localizada na torre que ainda hoje existe no Jardim de S. Francisco. Deve-se ainda a ele a construção de um ossário–monumento dos Combatentes da Grande Guerra, que pode ser visto no Cemitério de S. Miguel.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

101º aniversário do nascimento de Henrique de Senna Fernandes

No dia de hoje assinala-se o 101º aniversário do nascimento de Henrique de Senna Fernandes (1923-2010), um dos maiores nomes da cultura macaense.

Capa da edição internacional da Revista Cultura nº 73 - 2023
dedicada ao centenário do nascimento de H. S. F.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

"The city of hills"

"(...) The following morning we chartered a small schooner for Macao, my intended residence while in China as ladies were then prohibited from going to Canton. A passing notice is due the captain and crew of our little schooner. They were Lascars three in number than whom a more grim visaged trio is seldom seen. Nearly of African hue with high cheek bones and piercing eyes to which their huge mustaches and long peaked beards gave only an appearance the more ferocious. Their dress was exceedingly picturesque. That of the captain wide trowsers of red silk over this a tunic of white muslin reaching just below the knee then another of blue silk some inches shorter and again a close fitting jacket of dark brown velvet richly embroi dered and confined at the waist with a scarf of crimson silk around his neck was suspended a large silver chain and a turban of divers gay colors adorned his head. The tout ensemble was quite imposing.
When we stepped on board the schooner there was every reason to hope that we should reach Macao by twelve o clock, a distance of thirty miles. We were doomed however to disappointment while yet in sight of our ship the wind fell suddenly away and for several hours we lay gently rocking on the ocean. In vain did the captain and crew whistle for the breeze now coaxingly then with angry gesticulations it came not at their bidding.
Even the beautiful scenery by which we were surrounded proved inefficacious to restrain our impatience. At last a slight ripple agitated the calm surface a gentle breeze sprang from the land the sails of our little schooner gradually filled and on we bounded. The breeze soon increased to a gale all sail was taken in and like some frightened bird our schooner was scudding rapidly before the wind every sea washing over our deck.
About eight o clock in the evening we drew near our place of destination which presented a very beautiful appearance, rising like an amphitheatre from the sea its numerous fortified hills the lights gleaming from their summits and from the dwellings on the Praya Granda and over all the moon shining so brightly down rendered the first impressions of Macao, those of a pleasing nature.
Owing to the shallowness of the water no vessels of any size can approach within some hundred yards of the shore, but to remedy this evil there are numerous little boats seemingly no bigger than egg shells, guided entirely by women who make it their business to steer directly for the larger craft as they enter the harbor and convey their passengers etcetera to land.
Two of these little sanpans, as they are called, were soon along side of us but most unfortunately for our haste they no sooner descried a barbarian woman about to spring into their boat than with a shrill cry of mandarin mandarin away they paddled to the shore unheed ing the shouts of tanka tanka boat boat from the captain. They answered only by yells and for nearly an hour we were left pitching and tossing on the still raging sea. At the end of that time,  which seemed interminable, they again ap proached us and we were now suffered to leave the schooner and in a few moments the little sanpan had landed us safely on the Praya Granda, amid a throng of Chinese and Portuguese seems these boat women did not dare to land a barbarian of their own sex until they had first informed the mandarin. It Procuring a guide we proceeded to the residence of an esteemed friend with whom I had been kindly invited to make my sojourn at Macao.
The sun arose the following morning in unclouded splendor and the hour spent in the verandah before breakfast was one of novel interest. The house was situated on the Praya Granda, which forms a semi circle fronting the harbor where the long unbroken seas come rolling in and dash upon the beach only a few yards from the dwellings.
It was a lovely scene the sun shining bright and beautiful upon the waters of the bay just tinging the summits of the rocky isles around and throwing its brilliant rays far over the ocean. Several large ships and brigs were at anchor while others might be seen under full sail standing in and out among the different islands. Chinese junks and fast boats were floating idly near the shore a Canton packet was just rounding a point of land toward which many of the little san pans were rapidly sculling. The beating of gongs and firing of crackers from the numerous Chinese craft near the shore mingled with the merry songs of the sailors the ringing of bells from the different churches - the various groups constantly passing and repassing the Praya, parties of Portuguese hurrying to mass priests in flowing robes, mandarins borne in their palan keens, Chinese compradores and coolies beggars, troops of noisy children added to the lugubrious cries of the venders of live fowls fish & c which they chorus by beating small gongs varied occasionally by an air from the band of the corps stationed at St Peter's Fort, directly fronting the residence of his excellency the governor all combined to render the scene for a time at least very amusing.
Baía da Praia Grande em meados do século 19.
Colina e ermida da Penha à esquerda

My friend proposed taking me first to the Penha, as commanding the most extended view.  Macao is situated on a peninsula connected by a narrow neck of land with the island of Hean shan, across the centre of which runs the boundary wall beyond which no barbarian must dare to pass. The Penha is a high hill at the western extremity of the town on the summit of which stands the ancient hermitage Penha de Franca erected in 1622.
Having completed the ascent by a rocky and uneven path the eye is arrested by one extensive range of the most beautiful scenery. Macao might truly be called the city of hills for they rise in every direction presenting a wild and picturesque appearance heightened by the numerous forts and convents capping their summits.
To the east you have the lofty Mont Charil on which stands Fort Guia directly at its base a rocky point extends into the sea on which is erected Fort St Francis, with the church bearing the same name.
At a little distance from a grove of banians peep forth the white walls of the convent Santa Clara. On another elevation nearly in the centre of the town stands the Monte Fort, fronting the residence of the governor.
On the Praya Granda is St Peter's Fort and on other points are the Bar and Bombarto Forts. Scattered among these lofty hills are the dwellings of the Portuguese English and American residents and separated from near communion with barbarians may here and there be seen the closely packed huts of a Chinese village.
The hermitage Penha de Franca is very much dilapidated and will soon be but a ruin. A part has been lately repaired and rendered tenantable for a few old friars. It is surrounded by a high wall and on one part of this is erected a rude stone cross which Portuguese ships passing the Penha are in the habit of saluting.
Excerto do artigo Recollections of China da autoria de C. H. Butler publicado em 1844 na The Columbian Magazine.
Trata-se de Caroline Hyde Butler Laing (1804-1892) que partiu com o marido Edward (comerciante) de Nova Iorque rumo à China em Outubro de 1836 a bordo do navio Roman tendo regressado aos EUA no início de 1837. A imagem não faz parte da obra referida. O testemunho da Caroline foi feito pela própria num diário. O registo feminino raro na época.

domingo, 13 de outubro de 2024

Procession of the Cross


Este anúncio foi publicado num jornal de Hong Kong em 1909 e refere uma excursão de Hong Kong a Macau para assistir à "Procissão do Senhor da Cruz" (ou dos Passos), um ritual religioso muito antigo no território.
Veja-se este excerto de "China Political, Commercial and Social", de Robert Montgomery Martin, datado de 1847: "(...) Again on the Sunday of the Cross Domingo da Cruz the Redeemer is represented by the image of a full grown man who clad in a purple garment wearing on his head a crown of thorns and on his shoulder a heavy cross bends one of his knees on the bot tom of a bier supported by eight of the most distinguished citizens At this procession the whole Roman Catholic population attend accompanied by children in fancy dresses to represent angels with muslin wings at their shoulders This procession perambulates the town of Macao and then proceeds to the con vent of St Augustine."
No "Almanach Luso-Chinez de Macau" para o ano de 1866 pode ler-se: "Procisões religiosas Fevereiro, 17 Procissão da Cruz: Sae da egreja de S. Agostinho e recolhe á da Sé. Tem guarda de honra."
Na edição de 15 de Fevereiro de 1869 do Boletim da Província de Macau e Timor:
"No Sabbado de noite foi da igreja de Santo Agostinho para a Sé Cathedral a imagem do Senhor Jesus dos Passos. Hontem sahio a imagem em procissão da Sé para Sto Agostinho percorrendo segundo o costume com grande acompanhamento do povo christão de algumas das ruas da cidade."

sábado, 12 de outubro de 2024

Edifício no Tap Seac

Conhecido por albergar o Arquivo Histórico de Macau este edifício foi dos primeiros a ser construído na zona do Tap Seac por volta de 1902.

Detalhe da zona num mapa de 1889

Parte da Praça da Victoria assinalada no mapa corresponde à actual Praça do Tap Seac (que já foi campo de jogos. O arruamento mais à direita é a Av. de Sidónio Pais mas que no final do século 19 se denominava Av. Vasco da Gama.

Mapa da zona no século 21

Num artigo publicado em 1890 pode ler-se:
"Vejamos agora quaes são as cinco povoações ruraes mais antigas a que nos referimos, para depois nos ocuparmos da cidade christã, como lá se lhe chama. O primeiro d´estes bairros suburbanos fica proximo da fortaleza da Barra, e é por isso denominado povoação da Barra.
O outro acha-se na encosta do outeiro da Penha, onde está levantada a fortaleza do Bom Parto; chama-se povoação do Tanque do Mainato.É aqui que se encontram as mais bonitas vivendas de Macau, chamadas chácaras. As três restantes povoações são a do Patane, de Mong Há, e a de S. Lázaro.
A do Patane é de todas cinco a mais importante, já pela industria fabril, já pelo seu commercio, principalmente em madeiras de construcção. Fica no littoral do porto interior, na especie de cotovello, que a peninsula faz ao formar a enseada da ilha Verde, terminando onde começa a de Mong Há. A povoação do Patane tem hoje tomado tão grande desenvolvimento, são tantos n´ella os estaleiros e estancias de madeira, que se pode considerar dividida em tres povoações a saber: Patane propriamente dita (bairro hoje, a bem dizer, urbano), San Kiu e Sá-cong (povoações ruraes e piscatórias.) É entre o Patane e Mong Há que predominam as hortas e as várzeas."

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Antes e Depois: edifício da Santa Infância

Edifício da Santa Infância na Rua Francisco Xavier Pereira (antigo presidente do Leal Senado) inaugurado em Julho de 1950. Foi mandado construir pelas irmãs Canossianas que chegaram a Macau no século 19. Em baixo uma imagem actual sensivelmente na mesma perspectiva.

Ao lado do edifício da Santa Infância fica uma pequena igreja católica dedicada a São Francisco Xavier e construída em 1907. Existe outra dedicada ao mesmo santo em Coloane.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A "Rua da Praia Grande" por Henrique Senna Fernandes

  A Praia Grande passou de rua a avenida já na década de 1980 
Duas imagens da década de 1910-20

"A Rua da Praia Grande era a artéria chique, onde residia a gente mais abastada do tempo. Ao cair da tarde, os dandies percorriam-na, caracolando os seus alazões ou a pé, até ao Passeio Público que era o Jardim de S. Francisco, na época, um jardim fechado e muito frondoso, cumprimentando e derriçando as donzelas que vinham de cadeirinha, acompanhadas dos papás circunspectos ou da inevitável chaperone. Ao lusco-fusco, assistia-se ao acender dos candeeiros de petróleo públicos que o encarregado fazia, subindo por uma escada que arrastava consigo, às costas. Nos dias em que a banda do regimento tocava no coreto de S. Francisco, a música chegava claramente até à varanda, à mistura com os pregões tristes dos vendilhões de canja e sopa de fitas e dos achares chineses.

Nas águas da baía, agitava-se o mundo flutuante dos juncos, das lorchas, das sampanas e dos tancares. Escutava-se a cada passo, o estralejar dos panchões, havia sempre o sonido dos gongos e o carpir duma flauta, o murmúrio dos rezos votivos para qualquer morto, perdido no mar. Às nove horas da noite, depois do toque das almas e dos clarins de recolher do quartel, a cidade começava a dormir. A Praia Grande esvaziava-se e ficavam só os embalos do mar de encontro às pedras da muralha, o sussurro das árvores de pagode, ao sopro da viração (...)"
Henrique de Senna Fernandes in "Nam Van"
Henrique de Senna Fernandes (1923-2010) nasceu em Macau a 15 de Outubro de 1923

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

"A Far-Flung Portuguese Possession"

Notícia publicada no The Gazette Times a 4 de Novembro de 1921. O artigo explica o que um visitante estrangeiro podia ver e fazer em Macau no início desse década. O jogo do fan tan e o ópio, bem como o vinho de colares e Camões são algumas das referências.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

"A Town in China"

Macao, a town in China situated at the southern extremity of the estuary of the Choo Kiang or Canton river 22 13 N lat and about 113 E long ,about 80 miles from Canton by sea. It is built on a low sandy promontory stretching southward from the island of Macao, which is separated by a narrow channel from the larger island Kiang shanhien.
The town extends across the central part of the peninsula from the roadstead of Macao on the east to the interior harbour on the west and is somewhat more than half a mile wide in this direction whilst from north east to south west it occupies about two miles.
The streets are regular but mostly narrow. A considerable number houses have been built by the Portuguese and other European inhabitants in the European style, but the greater part are Chinese buildings. There are some churches and convents in the town and also three small fortresses in the neighbourhood. A wall built by the Chinese across the isthmus is carefully guarded by them and the Europeans are not permitted to pass it.
The roadstead of Macao is much exposed to the prevalent gales during the monsoons. The interior harbour is spacious well sheltered and has excellent anchoring ground but being situated out of the route to Canton and open only to the south west it cannot well be used during the south western monsoons. For that reason it is rarely entered by vessels which commonly lie in the harbour called Typa Cabrado which is formed by four small rocky islands lying south of the southern extremity of the peninsula on which Macao is built.
Mapa final séc. 18 (não incluído na obra referida)

This harbour is not large but as these islands are high and enclose it almost completely on all sides it is perfectly safe even during the heaviest gales. The entrance for vessels is from the cast but boats may pass through the northern channel direct to the town which is only about two miles distant.
About 30 miles north cast of Macao farther up the estuary is the rocky island of Lintin on the western side of which is excellent anchor ground where the larger vessels lie to before they proceed to Canton and where an extensive smuggling trade is carried on smuggling trade.
It is commonly supposed that the Portuguese possess the Sovereignty of Macao but that is so far from being the case that they pay a ground rent amounting to 500 taëls per annum and Chinese mandarins inspect periodically the Portuguese forts as well as levy a duty on the Macao shipping.
A civil mandarin called Tso tang resides within the town as governor in the name of the emperor of China he keeps a watchful eye on the inhabitants and communicates information to his superiors. The only privilege which the Portuguese possess is to govern themselves while the Chinese population of the town are entirely under the control of the mandarins. The former including slaves does not exceed 5000 while the Chinese are calculated to be above 30,000. Besides the Portuguese, individuals of other European nations reside in the town especially Englishmen who pass the summer months there and go to Canton in autumn when the vessels arrive.
The trade of Macao was formerly considerable but it has been continually decreasing. The Portuguese are permitted to employ twenty five vessels in this trade but they actually do not possess much more than half that number. The most lucrative branch was the smuggling trade in opium which has almost entirely passed to the island of Lintin.
in The Penny Cyclopaedia, EUA, 1839

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

"Macau e seu Porto Artificial": 1922

"Macau e o seu porto artificial". Publicação coordenada e autorizada pelo Vice-almirante Hugo de Lacerda, Director das Obras do Porto (colaboração artística e fotográfica de Barbosa Pires).
Impresso em Macau no ano de 1922 na Tipografia Mercantil – N. T. Fernandes e Filhos, localizada na Rua Central nro. 26 e 28.
Total de 84 páginas com 16 páginas de anúncios. Inclui três mapas desdobráveis:
Planta de Macau e Territorios Vizinhos com a indicação do projecto de obras na Península e ilha da Taipa escala 1/80,000; Plano Geral das Obras do Porto Artificial de Macau; escala 1/20,000; Mapa Chorografico de Macau e Regiões Circunvizinhas.

A 12 de Outubro de 1922 foi assinado o contrato da empreitada da primeira fase das obras do porto artificial de Macau, entre o representante do Governo da Província, o Almirante Hugo de Lacerda, Director das Obras dos Portos, e o Eng. Van Exter, representante da Companhia adjudicatária, a The Netherland Harbour & Co., de Amsterdão.

domingo, 6 de outubro de 2024

"Monuments de tous les peuples"

"Monuments de tous les peuples, décrits et dessinés d'après les documents les plus modernes" é uma obra em dois volumes publicada em Bruxelas no ano de 1843. Ernest Breton (1812-1875) é o autor dos desenhos (ca. 140) e do texto. 
Na parte dedicada à China neste livro dedicado aos "monumentos de todos os Povos", Breton inclui "o grande templo de Macau", ou seja, o templo de A-Ma na Barra.
Excerto do texto:
"Le grand temple de Macao (planche 24) est un des plus élégants édifices de l'empire; mais aussi il n'en est point dont l'aspect soit moins approprié à sa destination. Ses portiques gracieux coquets semblent, bien plutôt former l'entrée d'un lieu destiné au plaisir que donner accès à un sanctuaire consacré à la prière."
Breton inspirou-se muito provavelmente num desenho/pintura original de Auguste Borget.

sábado, 5 de outubro de 2024

50 anos da ponte Nobre de Carvalho

Há 50 anos era sábado e na edição desse dia do Boletim Oficial surgia impressa uma portaria que louvava "o engenheiro da empresa construtora da ponte Macau-Taipa". Neste caso o engenheiro Edgar Cardoso. 

A ponte, a primeira a ligar Macau à Taipa era inaugurada nesse mesmo dia. Viria a ser baptizada como nome do governador da altura, Nobre de Carvalho.

Edição numismática comemorativa - 20 patacas - moeda de prata (0,650) com 18 gr. criada por Marcelino Norte de Almeida cunhada em Portugal na INCM.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Circo e subscrições para o cemitério protestante em 1860

"The amount subscribed in 1858/59 for the support of the Protestant cemetery at this place was 3,975 dols.
The circus left a few days ago for Canton in the Melee after having had a good time here; impossible to get any tickets on Saturday night all outsold before the evening. It has been a little change and come in good time just after the holidays and has stirred up the Portuguese in Macao a little, and now we will soon have the Chinese holidays with all chinchinning, etc."
Notícia do The London and China Telegraph de 17 de Março de 1860
Tradução/Adaptação:
"O valor subscrito em 1858/59 para o apoio ao cemitério protestante deste local foi de 3.975 dólares. O circo partiu há poucos dias para Cantão a bordo do Melee depois de grandes momentos de diversão aqui; foi impossível comprar bilhetes no sábado à noite, todos esgotados antes da noite. Foi uma pequena mudança na vida da cidade e chegou em boa hora logo depois das férias agitando um pouco os portugueses em Macau, e agora em breve teremos os feriados chineses com todas as celebrações devidas, etc."

Nota: Em Outubro de 1857 o Leal Senado comunicou à Comunidade Protestante que a partir de 10 de Dezembro desse ano ficavam proibidos os enterros dentro das muralhas da cidade, o que incluía não só este cemitério como também o que existia nas traseiras da fachada das ruínas de S. Paulo. Desta forma em 1858 os protestantes compraram um terreno para esse efeito no  chamado Jardim do Carneiro*, perto de Mong-Ha. Este passou a ser conhecido como Novo Cemitério protestante enquanto o que existia junto à Praça Luís de Camões (desde ca. 1814) viria a ficar conhecido como o Velho Cemitério Protestante, e que ainda hoje existe bem como a capela nele incluída.
* O terreno era propriedade de Bernardo Estêvão Carneiro (1785-1854), um rico comerciante português. O pai tinha o mesmo nome.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Diamantino Ferreira: 1939-2024

Morreu na terça-feira Diamantino de Oliveira Ferreira, antigo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Macau (SCMM) e deputado por Macau na Assembleia Constituinte de 1975. Diamantino Ferreira foi também conservador, notário, advogado e juiz.
Formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Diamantino Ferreira foi advogado, juiz substituto do Tribunal da Comarca de Macau, notário público e privado e também conservador. Na década de 1970, Diamantino Ferreira entrou em funções no cargo de provedor da SCMM, onde ficou durante 15 anos. Depois disso, ainda fez um mandato enquanto presidente da mesa da assembleia-geral da SCMM. 
Conservador do Registo Predial em 1969 (fora nomeado em 1964).
 Nesta ocasião, a 29 de Março, comemorava-se o primeiro centenário do Registo Predial. Nobre de Carvalho era governador.

Após o 25 de Abril de 1974, Portugal realizou as primeiras eleições por sufrágio universal em 1975. Para a Assembleia Constituinte, foram eleitos 250 deputados. Entre eles, Diamantino Ferreira, deputado eleito por Macau, ligado à Associação para a Defesa dos Interesses de Macau (ADIM), associação política de matriz portuguesa e de cariz conservador fundada em 1974 no território por um grupo de macaenses, entre os quais estavam Delfino José Rodrigues Ribeiro e Carlos Augusto Corrêa Paes d’Assumpção. A lista da ADIM conseguiu um total de 1622 votos (0,03%). Após a aprovação da Constituição, em 1975, Diamantino Ferreira apresentou uma declaração de voto em que aplaudia as disposições do texto constitucional e destacava as disposições relativas aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e aos direitos e deveres de expressão económica, social e cultural. 
O deputado de Macau manifestou também a sua “fundada esperança na institucionalização, por via da lei fundamental, da democracia e da liberdade em Portugal”. Na sua declaração de voto, Diamantino Ferreira transmitiu também à Assembleia Constituinte o “regozijo da população de Macau por ver constitucionalmente satisfeitas as suas justas aspirações: a permanência da administração portuguesa e o estatuto de autonomia”.
Excertos de artigo da autoria de André Vinagre, publicado na edição de 3.10.2024 do jornal Ponto Final.
Excerto da intervenção de Diamantino Ferreira - nasceu em Macau a 22 de setembro de 1939 - na sessão de 2 de Abril de 1976 que aprovou a nova Constituição:
"(…) o Deputado de Macau vivamente aplaude as generalidades das disposições do texto constitucional, com especial relevância para as que respeitam aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e aos direitos e deveres de expressão económica, social e cultural, as quais corporizam notáveis aquisições do povo português. Manifesta a sua fundada esperança na institucionalização, por via da lei fundamental, da democracia e da liberdade em Portugal.
Recorda, com emoção, o longo e acidentado caminho percorrido pelos constituintes da liberdade e os dias terrivelmente difíceis que se viveram nesta Casa."

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Antes e Depois: edifício no jardim Lou Lim Ioc

A foto a cores é a mais actual, deste século. O edifício pertence ao jardim Lou Lim Ioc e tem a fachada principal virada para a Av. do Conselheiro Ferreira de Almeida. Alberga actualmente a casa Cultural de Chá.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Foto-legenda: comemorações do 1 de Outubro

A fotografia testemunha as celebrações do 1 de Outubro (implantação da República Popular da China a 1 de Outubro de 1949) na década de 1950 junto ao Cinema Alegria (Wing Lok), na Estrada do Repouso perto do hospital Kiang Wu. 

O cinema - foto do século 21 acima - foi construído em 1952, por iniciativa conjunta dos empresários chineses estabelecidos em Macau: Ho Yin, Ma Man Kei e Chan Chek San.

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

A expedição às ilhas Palau

Actualmente Palau faz parte dos Estados Federados da Micronésia, no Oceano Pacífico, entre o mar das Filipinas, a norte e a Indonésia e Nova Guiné, a sul.
Henry Wilson (1740-1810) comandava o 'Antelope', um navio propriedade da Companhia Britânica das Índias Orientais, quando naufragou na ilha de Ulong, perto da ilha de Koror, em Palau, a 9 de Agosto de 1783. O 'Antelope' regressava de Macau pelo "Passagem Oriental" (as rotas normais da China para o oeste foram interrompidas pela Companhia das Índias Orientais Holandesas), uma rota projectada para evitar as monções do sudoeste, mas o navio desviou-se muito na direção leste.
Após o naufrágio onde apenas morreu uma pessoa, a tripulação desembarcou e foi recebida com hospitalidade pelo chefe, Abu Thull. O capitão Wilson ordenou então a construção de uma escuna, a 'Oroolong', usando a madeira dos destroços. Foi neste embarcação improvisada que rumaram novamente até Macau e, após algum tempo, de lá regressaram até Inglaterra em vários navios.
Com a comitiva seguia o príncipe Lee Boo, filho do chefe das ilhas Abu Thull, o que fez grande sucesso na Grã-Bretanha (por ser tão diferente dos ocidentais), mas viria a morrer de varíola ao fim de poucos meses naquele país.
imagem não incluída na obra referida

George Keate (1729-97), um poeta e escritor popular, era amigo de Wilson e compôs um relato da viagem baseado nos diários e na correspondência de Wilson e seus oficiais. Foi publicado pela primeira vez em Londres em 1788 sob o título: "Account of the Pelew Islands in the Pacific Ocean"
Várias edições da publicação "Tales of Travellers" reproduziram o relato desta aventura. A parte referente a Macau foi publicada a 24 Março 1839. Aqui fica um excerto...

"No publication perhaps ever more attracted the notice of the public or created a deeper interest than the 'Account of the Pelew Islands in the Pacific Ocean' by Capt Henry Wilson of the East India Company's ship Antelope It is certain that Capt Wilson represents a people on the face of the earth who prior to his going amongst them had no intercourse with any civilized community notwith standing which they were as pure not angels of light certainly we can hardly believe that the captain intended his readers to draw such an inference but to say the least they come up to a standard of moral excellence so far sur passing that of nations called Christian as the refulgent splendour of the light that rules the day surpasses the mild though beautiful light that rules the night But the reader of the ensuing extracts will judge for himself The Antelope a packet of near three hundred tons burden in the service of the honourable English East India Com pany under the command of Capt Henry Wilson having arrived at Macao in June 1783 the captain received orders from the company's supercargoes to refit his ship with all possible speed which being completed on Sunday the 20th of July he took leave of the council and went on board In the evening of August the 5th they saw numbers of birds and fish likewise some drifts of pieces of wood or bamboo they therefore altered their course more to the southward and went under an easy sail keeping a good look out until morning when it being very tem pestuous they brought to. (...)
The next morning Capt Wilson procured a pilot to conduct their vessel between the islands to Macao and when they came in sight of it an English Jack was hoisted at the mast head which seen by the officers of the ships at anchor in the Typa they immediately sent their boats to meet our people bringing with them fruit and provisions as also men to assist them judging the size of their little vessel that must be part of some English ship's that had been wrecked and one of officers was so obliging as to wait his boat to take the captain on to the governor who being at that engaged on particular business desired be excused from seeing the captain acquainted him by the officer on duty that they were welcome to the port Macao.
This gentleman informed Capt Wilson that the Honourable Company's supra cargoes were all up at Canton and there was no English gentleman then Macao but Mr M Intyre to whom Capt Wilson immediately went on taking leave this officer having when before at Macao in the Antelope received many of this gentleman's friendship who he heard of Capt Wilson's misfortunes with his wonted humanity and attention ordered provisions to be sent on board vessel to the officers and people and other necessaries as they might stand need of whilst the captain wrote to Company's supra cargoes to them with the fate of the Antelope also of his arrival and situation letters Mr M Intyre immediately for warded to Canton.
They now learned that peace was established in Europe and that there were a number of English and other ships at Whampoa that some of the Company's ships were loaded and ready to sail which was most welcome intelli gence Before Capt Wilson went on shore Lee Boo on seeing the large Portuguese ships at anchor in the Typa appeared to be greatly astonished ex claiming as he looked at them Clow clow muc clow that is Large large very large. He gave our people an early opportunity of seeing the natural benevo lence of his mind for some of the Chinese boats that are rowed by the poor Tartar women with their little children tied to their backs and who live in families on the water surrounded the vessel to petition for fragments of victuals. The young prince on noticing their sup plications gave them oranges and such other things as he had being particularly attentive to offer them those things which he best liked himself.
The next morning Mr M Intyre with a Portuguese gentleman of Macao accompanied the captain on board the Oroolong taking with them all kinds of refreshment and provisions ready dressed. In the evening they took Lee Boo and all the officers on shore except the chief mate who remained with the people to take care of the vessel till they should receive orders from the Company's supra cargoes. The Portuguese gentleman who paid Capt. Wilson this visit expressed much pleasure in seeing the Pelew prince and on going on shore requested that the new man as he called Lee Boo might be permitted to visit his family. This being the first house our young traveller had ever seen he was apparently lost in silent admiration what struck most his imagination at first was the upright walls and flat ceilings of the rooms he seemed as if puzzling himself to comprehend how they could be formed and the decorations of the rooms were also no small subject of astonishment. When he was intro to the ladies of the family his deportment was so easy and polite that it was exceeded only by his abundant good nature so far from being embarrassed he permitted the company to examine his hands which were tattooed and appeared pleased with the attention shown him.