sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Companhia de Voluntários Portugueses de Xangai: 1882-1942

Lista dos membros: 1921
A propósito dos 100 anos do fim da primeira guerra mundial...
Xangai foi um dos maiores centros comerciais da Ásia, tendo uma parte chinesa e outra europeia, que gozava de regime de extraterritorialidade. Este aspecto peculiar da cidade nasceu dos excessos praticados pelos rebeldes taipings durante o domínio que sobre ela exerceram, nos meados do século XIX. A chamada Rebelião de Taiping (1851-1864) decorreu sobretudo no vale do rio Yangtze e afectou directamente as cidades de Nanquim e Xangai. O número total de mortes aceite pela maioria dos estudos sobre a rebelião é de aproximadamente 40 milhões de pessoas, sobretudo população civil.
Para se perceber esta extraterritorialidade de Xangai é preciso recuar ao Tratado de Nanquim (1842), assinado na sequência da vitória inglesa da primeira Guerra do Ópio (1839-1842) que previa a alteração do Sistema de Cantão (1757-1842), que até então limitava o comércio internacional apenas ao porto de Cantão e às suas conhecidas treze feitorias.
Voltando à Rebelião de Taiping o Shangai Volunteer Corps foi constituído em 1854 para proteger a cidade dos eventos decorrentes da rebelião. Este corpo - Corpo de Voluntários de Xangai - era uma força internacional sob um coando inglês e constituída por ingleses, escoceses, americanos, franceses, italianos, russos, portugueses, judeus, filipinos e chineses, assim divididos: 1 esquadrão de cavalaria inglês; 1 esquadrão de cavalaria americano; 1 bateria de obuses inglesa; 1 bateria automóvel, constituída por escandinavos;
1 companhia de engenharia mista, que incluía uma dezena de portugueses; 2 companhias de infantaria inglesas; 1 companhia de infantaria portuguesa; 1 companhia de infantaria japonesa; 1 companhia de infantaria chinesa; 1 companhia de infantaria escocesa; 1 companhia de infantaria russa.
Artigo da revista Ilustração de 1 Junho 1928. O capitão Fernando Leitão era o comandante na altura
Com o fim da Rebelião de Taiping (1864), o controlo dos SVC passa, em 1870, para o Conselho do Município de Xangai. Em 1882 é constituída uma unidade portuguesa que assume a designação de “SVC Nº4”, liderada pelos militares Tenente Mário A. Ferrás e Moisés H. Gutterres.
Esta unidade portuguesa tinha como objectivo zelar pela segurança na zona norte da cidade onde vivia a maioria da comunidade portuguesa. Em 1889, com a reorganização funcional dos SVC, a unidade foi extinta (sob protesto), e os seus membros integrados nas seguintes unidades: Guarda Civil, Artilharia e companhia inglesa, mais conhecida por “Companhia C”. Em 1891 o Conselho do Município de Xangai autorizou a criação da “Companhia D”, constituída integralmente por portugueses. Seria extinta em 1886 e os elementos juntaram-se ao já independente corpo francês.
Pouco depois, ainda se tentou formar outra Companhia estritamente portuguesa. De Macau foi enviado o Tenente Lopes como instrutor e organizador mas por motivos vários ficou-se pela tentativa.
A 26 de Fevereiro de 1906, com o apoio diplomático de Portugal, João Frederico Nolasco da Silva, Fernando José de Almeida, Ernesto Santos Carneiro, João Maria Placé dos Remédios, João Guterres, F. Matos, J. Remédios e Joaquim F. das Chagas conseguem, junto do Conselho Municipal de Xangai, a constituição da Companhia dos Caçadores Portugueses de Xangai.
Ficaria conhecida, e oficializada em Março, como Companhia Portuguesa “Coronel Mesquita”, dos SVC, nome adoptado em memória do herói macaense Vicente Nicolau de Mesquita, responsável pela ocupação, a 25 de Agosto de 1849, do forte de Passaleão a norte de Macau na sequência do assassinato do governador Ferreira do Amaral. João Frederico Nolasco da Silva foi o primeiro oficial e Comandante da Companhia que seria equipada com dez metralhadoras ligeiras Lewis Mark I e cada homem tinha como armamento pessoal uma espingarda Lee Enfield Mark VII com a respectiva baioneta. Um ano depois, em 1907, o Município de Xangai autorizava a Companhia a usar uniforme, vozes de comando, instrução e disciplina.
Companhia Portuguesa em 1908
A Companhia Portuguesa, tal como as restantes, regia-se pelo Regulamento Geral do Corpo e por Estatutos privativos. Os oficiais recebiam as patentes depois de concursos realizados na Unidade, versando as provas sobre legislação, topografia, regulamentos e conhecimentos militares, sendo o juízo final decidido pelo Comandante do Corpo.
As praças obrigavam-se a servir por três anos, findos os quais podiam prorrogar o seu voluntariado por períodos de um ano, ou terem passagem a reservistas por mais três anos.
O efectivo do Corpo era constituído por: 3 oficiais, 6 sargentos, 68 cabos e soldados em serviço activo, um sargento e 11 soldados em reserva, além de um oficial e 40 soldados de caçadores.
Os uniformes - o que estavam em uso no exército - eram fornecidos gratuitamente pelo Conselho Municipal. O equipamento e armamento era igualmente distribuído pelo Município da cidade: espada e pistola para os oficiais e para as restantes praças uma baioneta e uma espingarda de modelo Lee Enfield.
As vozes de comando começaram por ser dadas em inglês, mas tempos após os primeiros treinos de instrução militar, as vozes passaram a ser em português. Não havia lugar ao pagamento de soldos, mesmo nos períodos de mobilização, que por vezes atingiam os três meses seguidos, sendo que nestas ocasiões, o Município arcava com as despesas de alimentação.
General Gomes da Costa com comandantes dos SVC em Xangai 
durante inspecção extraordinária às colónias do Oriente (1923)
Em Agosto de 1922, o general Gomes da Costa, é mandado por António Maria da Silva para efectuar uma inspecção extraordinária às colónias do Oriente.  Em 1923 visita os SVC e reúne-se com o, na altura, Tenente F. Leitão, Tenente Coelho, Capitão Dinis, Tenente Brito, Tenente M. Leitão e Tenente Costa, a fim de perceber a real situação das forças portuguesas em Xangai. Regressa a Lisboa em 1924.
Ao longo de todos os anos de serviço, a Companhia Portuguesa ganhou inúmeras competições internas, nomeadamente torneios de tiro. Da vasta lista de vencedores destacam-se os soldados Ernesto Diniz, António Diniz e António Collaço.
Condecoração da “Companhia Portuguesa” com a Ordem de Cristo (5.10.1932)
pelo Ministro de Portugal na China, Dr. Armando Navarro.
Por diploma de 23 de Maio de 1932, o Governo Português, em reconhecimento dos meritórios serviços prestados pela Companhia Coronel Mesquita, concedeu-lhe a distinção de Oficial da Ordem Militar de Cristo.
No início da década de 1930 o movimento de agressão por parte do Império Japonês contra a China, nomeadamente a anexação da Manchúria e o bombardeamento de Xangai, levou o Conselho do Município de Xangai a iniciar os preparativos para a resistência da cidade e a Companhia Portuguesa recebeu ordem para a constituição de quatro pelotões com um limite total de 164 homens, número nunca atingido por falta de efectivos.
Em 1937, com a segunda guerra sino-japonesa já declarada, a Companhia Portuguesa recebe ordem direta de Lisboa para desmobilizar e juntar-se ao Exército português estacionado em Macau. Cerca de 50 aceitam e partem, ficando a presença portuguesa nos SVC reduzida a 93 elementos, número insuficiente para assegurar a operacionalidade dos quatro pelotões anteriormente constituídos.
A 8 de Dezembro de 1941, logo após o ataque da Marinha Imperial japonesa a Pearl Harbor e ao alastrar da segunda guerra mundial à Ásia, é decidido o encerramento de todas as atividades de treino. Os japoneses invadiriam Xangai e acabaram com a chamada Concessão Internacional.
 A 2 de Setembro de 1942, o Major Manuel Leitão, o Capitão Próspero da Costa e o Tenente Mário Ferrás recebem ordem do Conselho do Município de Xangai para desmobilizar todo o contingente. No dia seguinte o SVC estava oficialmente extinto e Portugal terminava 60 anos de presença na primeira força internacional de protecção de Xangai. 

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