Neste ano de 2024 assinalam-se os 500 anos do nascimento de Luís de Camões (1524-1580). Aqui no blogue já publiquei dezenas de post's - ver etiqueta respectiva, em baixo do lado direito - sobre o tema, e este ano, por via da efeméride, publicarei mais.
Foi em Macau que surgiu o primeiro local de homenagem ao poeta português imortalizado com a obra Os Lusíadas, a denominada Gruta de Camões que até aos primeiros anos do século 19 foi a imagem mais simbólica do território nos jornais e livros publicados em todo o mundo.
Pertencente à pequena nobreza Luís de Camões estudou literatura e filosofia em Coimbra. As paixões não correspondidas e as rixas frequentes valeram-lhe vários desterros.
O primeiro foi passado em Ceuta onde perdeu o olho direito em combate. O segundo foi na localidade portuguesa de Constância, entre 1547 e 1550, por ofensas a uma dama da corte. Regressado a Lisboa, foi detido em 1552 depois de uma rixa com um funcionário da corte. Consta que terá sido perdoado mas foi para a Índia.
Segundo alguns autores, terá sido por essa altura que compôs o primeiro canto de Os Lusíadas ao mesmo tempo que participou em várias batalhas. Daqui viajou para Macau na companhia do que viria a ser o capitão-mor da cidade, Pero Barreto Rolim, tendo os dois chegado em 1562. Alguns autores indicam que em Macau Camões exerceu o cargo de provedor-mor de defuntos e ausentes (uma versão contestada) tendo vivido no território até 1565 altura em que terá escrito mais uma parte do famoso poema épico. A tradição diz que a escrita foi feita nos penedos perto da povoação do Patane com vista para o porto Interior. Um documento da Companhia de Jesus datado de 1604 refere a zona como "os penedos de Camões".
Uma das primeiras representações gráfica do local surge no livro "A Picturesque Voyage to India by Way of China", de Thomas Daniell e William Daniel, publicado em Londres entre 1795 e 1810 em 10 partes.
Os dois assinam a autoria do desenho, da litografia e do texto. Eis um excerto:
"It is delightful to discover in a remote corner of Asia an object like Camoens’ cave, consecrated to the memory of European genius. It is well known that the adventurous bard having too freely indulged his wit in satire, was disgraced by Francisco Barreto, the viceroy of Goa, and banished to Macao. Tradition still preserves some records of his residence. The stranger is still led to the top of the rock where he was accustomed to walk, and where the summer-house is now erected, commanding a view of the harbour of Macao: but it was in this romantic cave that he delighted to spend his leisure hours, forgetting past and present hardships in the luxurious exercise of his imagination. His exile was softened by the kindness he experienced; and he obtained a lucrative appointment, which enabled him in five years to realize a considerable fortune: but, like Spenser, he lost his all in shipwreck; and finally returned to Portugal as poor as he left it. He died at Lisbon in 1679*, in his sixty-second year."
Tradução:
"É delicioso descobrir num canto remoto da Ásia um objecto como a Gruta de Camões, consagrada à memória do génio europeu. É bem sabido que o bardo aventureiro, tendo-se entregado com demasiada liberdade à sátira, foi desonrado por Francisco Barreto, vice-rei de Goa, e banido para Macau. A tradição ainda preserva alguns registos da sua residência. O visitante é conduzido ao topo da rocha por onde o poeta costumava caminhar e onde hoje se ergue uma casa de veraneio, com vista para o porto de Macau: mas foi nesta romântica gruta que teve o prazer de passar os seus dias e horas de lazer, esquecendo as dificuldades do passado e do presente no luxuoso exercício de sua imaginação. Seu exílio foi suavizado pela bondade que experimentou; e obteve uma nomeação lucrativa, que lhe permitiu em cinco anos realizar uma fortuna considerável: mas, como Spenser, perdeu tudo num naufrágio; e finalmente regressou a Portugal tão pobre como o deixou. Morreu em Lisboa em 1679*, aos sessenta e dois anos."
* lapso gráfico 1524/25?-10.6.1580 (Dia de Portugal)
Thomas Daniell (1749–1840) e o seu sobrinho William Daniell (1769–1837) viajaram para a Índia em busca de oportunidades enquanto artistas numa aventura com algumas semelhanças com William Hodges (1744-1797), outro artista cuja obra tentaram superar. Chegaram a Calcutá em 1786, passando pela China, e passaram sete anos na Índia, viajando e representando a paisagem.
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"The Grotto of Camoens, at Macao" de William Alexander |
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William Gomm, 1794 |
Em cima três ilustrações da Gruta de Camões feitas no final do século 18 por elementos da comitiva do inglês Lord Macartney numa expedição à China realizada entre 1792-1794 e com passagem por Macau em Março de 1794. Entre os 'desenhadores' de serviço contavam-se William Alexander, William Gomm, John Barrow, H. W. Parish, etc.
Este último foi aind ao autor do que é muito provavelmente a primeira planta do que viria a ser o jardim público, tema que ficará para um próximo post.
Como se pode verificar nestas primeiras ilustrações da Gruta de Camões não aparece representado nenhum busto, mas já existiria um logo no final do século 18. Sobre as várias versões de bustos que existiram na gruta publicarei um outro post.