Um dos ex-libris de Macau oitocentista foi, a par do Jardim e Gruta de Camões, o famoso aviário exótico do negociante de ópio escocês Thomas Beale, considerado então o homem mais rico do território.
O jardim e aviário da sua residência era de tal forma conhecido que ficou registado em inúmeros relatos de viajantes que passaram por Macau e também em romances.
Não se conhecem registos iconográficos do jardim e aviário de Beale em Macau. A imagem acima - aviário e jardim - é de 1844 e foi feita por Jules Itier na China. |
Benjamim Videira Pires em "Os extremos conciliam-se" (1988) escreve:
"Habitou mais de 50 anos nesta cidade o grande comerciante Thomas Beale, na famosa Beale's Lane , onde exibia aos turistas um notável aviário de aves raras."
Mas já 100 anos antes as 'estravagâncias' de Beale foram motivo de notícia. Veja-se este artigo no The Chinese Recorder em 1888 que refere um episódio curioso durante um eclipse solar (provavelmente em 1814):
"Up to 1838 Mr Thomas Beale's aviary, of curious and beautiful birds, was one of the principal attractions of Macau. It was a wire house about 40 feet long and 50 feet high, surmounted by a dome and contained a variety of shrubs and even large trees with basket nests.
The greatest attraction was a living bird of Paradise from the Moluccas which was in the owner's possession eigbteen years also a magnificent peacock from Damaun, besides nearly thirty species of pheasants, among them, the Reeves's pheasant from the north, whose longest tail feathers approach the extraordinary dimensions of six feet forming a magnificent train.
Four cocks were brought to Canton in 1830 and purchased for 130 also the medallion pheasant with a beautiful membrane of resplendent colors purple red and green large assortment of macaws and cockatoo,s a pair of superb crowned pigeons Goura coronata, several Nicobar ground pigeons, Mandarin ducks with their brilliant and variegated plumage, except during four summer months when changing feathers, and some one hundred and fifty other birds of different sorts.
Mr Bennett tells how during a total eclipse of the sun that feathered colony if not in consternation at the event was exceedingly perplexed at the rapid and untimely termination of the day and all retired supperless to bed they received however a surprise at the briefness of the night for before they could be well asleep the cocks crowed at the reappearance of the sun and all again resumed their daily amusements and occupations.
The Botanic Garden which contained this aviary was also a valuable collection of trees and plants and upwards of 2,500 pots mostly Chinese flowers probably the richest collection of Chinese flowers ever made by any foreigner and has in fact served as the nursery in which some of the rarest productions of China have been prepared for transmission to the west. (...)"
Thomas Beale num quadro da autoria de George Chinnery |
O escocês Thomas Beale (1775-1841) - irmão mais novo de Daniel Beale e primo de Thomas Chaye Beale - chegou à China com apenas 17 anos em 1792.
Foi um dos primeiros cinco residentes estrangeiros não oficiais em Cantão em 1796 como secretário do irmão mais velho, que era cônsul prussiano. Thomas mais tarde tornou-se cônsul por direito próprio e serviu de 1798 até pelo menos 1814. Os irmãos eram sócios da Magniac & Co., empresa que negociava com mercadorias como ópio, algodão e chá. O consulado prussiano acabou sendo transferido para a Jardine, Matheson & Co. através de Hollingworth Magniac.
Como não podia residir de forma permanente em Cantão, residia em Macau (de 1791 a 1841) junto à igreja de S. Lourenço. A mansão de Beale no território incluía um jardim com 2.500 vasos de plantas e um aviário que se tornou uma visita obrigatória para os visitantes ocidentais em Macau.
O aviário de 12m por 15 metros de altura (40 por 20 pés) continha centenas de pássaros de espécies raras oriundas da China, Europa, Sudeste Asiático e América do Sul. A grande atracção era um exemplar da Ave do Paraíso, a Paradisaea minor.
George Vachell, capelão da Companhia das Índias Orientais, descreveu uma visita durante a qual viu cerca de seiscentos pássaros a seu amigo John Stevens Henslow, Professor de Botânica na Universidade de Cambridge e mentor de Charles Darwin. Quando o missionário naturalista George Bennett parou em Macau durante a sua viagem ao Pacífico, o jardim e aviário de Beale causou tal impressão que ele dedicou quarenta e cinco páginas do seu diário de viagem à descrição do seu conteúdo.
A casa foi descrita por um contemporâneo como "uma das melhores das antigas casas portuguesas numa rua estreita conhecida como Beale's Lane".
Sobre o aviário de Beale, o visitante contemporâneo William Wightman Wood escreveu: "em particular, posso mencionar a ave-do-paraíso. Um esplêndido espécime vivo está nas mãos do Sr. Beale quase domesticado. Alimenta-se das mãos de seu amável dono sem medo e parece capaz de ser perfeitamente domesticado e familiar. Este é talvez o único espécime existente atualmente em confinamento."
John Reeves (1774-1856), inspector do Chá da Companhia das Índias Orientais (1812-1831)´em Cantão, e um naturalista amador, também visitou o aviário de Beale e ficou fascinado...
Harriet Low também o menciona no seu diário. A descrição é extensa. Retirei apenas um excerto sobre a Ave do Paraíso: "He has an aviary filled with the most choice collection of birds. The bird of Paradise he has, wich is by far the most beautiful. You cannot imagine plumage more perfect."
"Depois de oferecer futuros de ópio como garantia para empréstimos em um mercado em queda e investir milhões de dólares em negócios ilícitos no Brasil, ele acabou devendo à Companhia das Índias Orientais cerca de 800.000 dólares. Em 1816 Thomas Beale foi declarado insolvente na "mais sensacional falência da época".
O corpo de Thomas foi encontrado na praia da Baía de Cacilhas em Janeiro de 1841 após cometer suicídio. Deixou uma carta pedindo perdão a Deus, à família e amigos pelo seu acto de desespero. Está sepultado no Cemitério Protestante, juntamente com o irmão Daniel (1759-1827).
Após a morte terá sido o Sr. Dent a tomar conta da propriedade, incluindo jardim e aviário. Em 1845 muitas das plantas foram levadas para Hong Kong (Green Bank).
Thomas Beale é comemorado com o nome científico de uma espécie de tartaruga do leste asiático, Sacalia bealei.
Sem comentários:
Enviar um comentário