Na "Nota ao leitor" de "Esboço da história de Macau 1511-1849" editado em 1857, Artur Levy Gomes - foi chefe da repartição superior dos correios da província de Macau na década de 1910 - traça um retrato de Macau na década de 1950. Eis um excerto:
(...) Territorialmente consta da cidade propriamente dita, que abrange toda a península, e das ilhas adjacentes, contando, presentemente, no seu conjunto, pouco mais de catorze quilómetros quadrados de superfície.
Privilegiadamente situada no delta comum dos dois rios, Chu-Kiang (rio de Leste, ou das Pérolas) e Si-Kiang (rio de Oeste) a oitenta milhas da cidade e porto de Cantão, capital da grande província de Kuang-Tung, distrito de Heung-Shan (1), a 22°-11′-50″ de latitude N., e 113°-33′-30″ de longitude E. de Greenwich, tendo na sua parte peninsular a pequena área de 3,5 quilómetros quadrados, árida e deserta ao tempo da concessão, está hoje repleta de edifícios e de luxuriante vegetação, aumentada territorialmente em quase três quilómetros quadrados de terrenos conquistados ao mar. É ligada por um pequeno istmo à ilha de Heung-Shan (montes odoríferos) e cercada de ilhas pequenas e agrestes, possuindo um porto natural pouco espaçoso e fundo, mas bastante abrigado. Colocada quase sob o trópico, na zona semitropical ou de transição, com uma temperatura média de 22°,2 e uma sensível estabilidade térmica, pode dizer-se que tem um clima salubre e invejàvelmente temperado. (...)
Possui urna configuração topográfica suavemente ondulada, em declives mais ou menos acentuados, e praias que se esbatem em curvas e recortes grácis, colinas revestidas de pujante vegetação, jardins encantadores pela sua policromia e frescor, plainos coalhados de casario em que se mistura o exotismo da arquitectura chinesa com as linhas sóbrias e pesadas das antigas construções europeias, aparecendo já em alguns edifícios modernos o futurismo arquitectónico importado da América.
Os seus templos cristãos, os pagodes budistas, os hotéis modernos, o característico bairro chinês com o seu bazar e ininterrupto vaivém dum formigueiro humano; os clássicos jerinxás, o tan-tan dos vendedores ambulantes, enfim um mundo exótico em miniatura, prende a atenção do europeu, gravando-se-lhe indelevelmente na retina e no ouvido.
A beleza poética da remançosa «Gruta de Camões», sobranceira ao Patane, evoca-nos, na sua ensombrada solidão, recordações saudosas do nosso poeta máximo.
Para a parte nova da cidade, sobressaem os massiços de verdura da colina da Guia, coroada, a cento e dez metros de altitude, pelo seu majestoso farol, o primeiro que iluminou as costas da China; o campo da Flora e a Avenida Vasco da Gama, com os seus dois monumentos, recordam-nos, na sua modéstia, um deles, a nossa maior glória marítima, e o outro, um dos factos mais brilhantes da História de Macau.
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Ilustração do livro |
Bem arborizadas estradas talam os terrenos de Mong-Há e, ao fundo, destaca-se a Ilha Verde, emergindo das águas do Porto Interior. As montanhas do Cathay, as Nove Ilhas aflorando no rio das Pérolas, a da Lapa, a da Taipa, a de Coloane, e mais para o sul as de D. João e Wong-Kam encerram Macau, qual preciosa gema, em escrínio maravilhoso.
Antes da eclosão da última guerra sino-japonesa, tinha Macau uma população que orçava por cento e sessenta mil almas, constituída por enorme maioria de chineses que habita, de ordinário, a parte sudoeste da península, por macaenses, europeus e alguns indianos. A população das ilhas da Taipa e Coloane anda por uns dez mil habitantes, na quase totalidade chineses, marítimos de profissão, ou comerciantes.
É sede de uma Diocese, a mais antiga do Extremo Oriente, e tem quatro freguesias: Sé, S.Lourenço, Santo António e S. Lázaro, esta última pertencente à comunidade chinesa católica. Há nela também a freguesia da Taipa e Coloane, sob a invocação de Nossa Senhora do Carmo. Tem ainda sob a sua jurisdição eclesiástica as Missões de Heung–Shan e Shiu-Hing, em território chinês, Malaca e Singapura em territórios ingleses. É este conjunto que compõe o Padroado do Oriente. Possui igualmente bastantes pagodes ou igrejas do culto budista, alguns bastante sumptuosos e até anteriores à nossa ocupação, como o da Barra, e, no cemitério dos protestantes, uma capela desse culto. (...)
Nota: o livro de mais de 400 páginas tem de ser lido com atenção dado o elevado número de erratas e outros informações históricas erradas.(...)"