quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Planeamento Urbano no século XIX

Há cidades que atraem pelo seu cosmopolitismo, outras pela vertente cultural que apresentam, outras ainda pela relevância histórica, pelas vivências dos seus bairros, ruas, praças e quarteirões. Dum modo geral as histórias que as cidades nos narram são páginas abertas aos sentidos, à inteligência, à sensibilidade e aos sentimentos. Macau assimila e transmite mensagens inequívocas e percorrer as suas ruas é fazer uma viagem pela história onde a convivência cultural assumiu um papel preponderante, e estabilizador, ao longo dos últimos cinco séculos.
Senti o encanto desta cidade quando aqui desembarquei há 20 anos atrás, e respirei uma atmosfera carregada de significados e experiências acumuladas, que se confundiram com a humidade, os cheiros e os sabores, deixando marcas que o tempo jamais diluirá.
A cidade atraiu-me pela sua pluralidade, pela confluência cultural visível e pelos sinais que encontrava de uma forma de estar e viver que, sendo original, transmitia a “habilidade” que os portugueses sempre tiveram em adaptar-se e integrar-se nos locais que iam encontrando no seu périplo pelo mundo, entrosando as culturas locais num resultado final que, sem esquecer as matrizes, se revelava, e revela, numa atraente originalidade.
A cidade evoluiu, mas sempre soube sobreviver e responder de forma eficaz aos desafios que, ao longo do tempo, se foram colocando, sendo que os seus governantes se apetrecharam com os instrumentos necessários para o efeito.
Do ponto de vista urbano, desde o sec. XVI, a evolução da cidade foi marcada por diversos ciclos e se no início prevaleceu um certo organicismo espontâneo em resultado do modo de viver da época, na fase pós Ferreira do Amaral (1846-1849) começa a surgir a cidade planeada em conformidade com o “Plano de Melhoramentos para a Cidade”, que visava atalhar, entre outros, problemas de salubridade e higiene urbana, no combate à peste.
Ainda no sec. XIX, nos primeiros anos da década de 80 (1881), devido às condições de assoreamento da zona portuária, coube a Demétrio Cinatti, capitão dos portos de Macau, alertar o governador para a situação de colapso eminente, o que veio a induzir a necessidade de responder tecnicamente à questão do assoreamento, tendo sido estabelecido o “…princípio do primado do plano sob qualquer intervenção a fazer, bem como a definição das estratégias urbanísticas e de construção a ser seguidas no traçado de futuras vias a construir na cidade”**.
Em 1877 surge o primeiro Plano de Pormenor, pela mão de Miguel Ayres, para um terreno concessionado, publicado na portaria nº 64 de 7 de Julho.
Devido ao rápido assoreamento da zona portuária e depois do relatório de Demétrio Cinati, em 1884, foi publicado “O Porto de Macau/Ante-Projecto para o seu Melhoramento”, de Adolfo Ferreira Loureiro, onde o autor descreve e justifica tecnicamente a proposta, incluindo pormenores construtivos, medições e orçamentos, das obras necessárias para melhoramento do porto de Macau.
Por aqui se pode verificar que o crescimento da cidade, desde os primórdios da chegada dos portugueses, foi planeado e pautado ao longo do tempo, tendo em vista o desenvolvimento estratégico da cidade, criando as bases para uma economia sustentada e apoiada num enquadramento urbano que lhe desse rosto, porque afinal, sempre existiu planeamento em Macau…
**José da Conceição Afonso, Arquitecto, in “Macau: uma experiência de Urbanismo Estratégico e Higienista”, Revista de Cultura Nºs 38,39(II Série), Jan/Jun 1999

Texto da autoria da arquitecta Maria José Freitas publicado em 2008 no JTM

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