Postais 'máximos': 1982 e 1984
sábado, 30 de agosto de 2014
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Cheng Yu-Tung: o 'rei' do ouro
Começou sua carreira como joalheiro e é hoje um dos homens mais ricos da Ásia, com uma fortuna avaliada em 16 mil milhões de dólares americanos, feita à base de dois dos bens mais valorizados da China: ouro e imóveis. Aos 86 anos, Cheng Yu-Tung é o patriarca de uma família de Hong Kong que detém uma panóplia de negócios, desde o Hotel Carlyle de Nova Iorque até à cadeia de concessionárias da Ferrari na China. O magnata controla também a rede de lojas Chow Tai Fook (existem várias destes estabelecimentos em Macau), considerada a maior rede de ourivesarias do mundo. Só a abertura de capitais desta rede, em meados de Dezembro, resultou num encaixe financeiro de dois mil milhões de dólares americanos. (…)
Cheng Yu-Tung começou a carreira profissional em 1940, aos 15 anos, quando fugiu do Sul da China, então ocupada pelos japoneses, para Macau. Segundo uma biografia de 2003, a viagem de Cantão para Macau, que se manteve neutral ao longo da II Guerra Mundial, foi cheia de peripécias. Cheng terá escapado de um ataque de bandidos antes de ver a sua bicicleta roubada por soldados japoneses. A chegada a Zhuhai foi feita a pé. Na fronteira com Macau, o jovem teve que se espremer num barco lotado, sendo depois acolhido por Chow Chi-Yuen, um amigo da família, que era dono de uma loja de artigos de ouro chamada Chow Tai Fook (expressão que pode ser traduzida como “boa sorte” em cantonês). Cheng casou-se com a filha de Chow em 1942 e mudou-se em 1946 para Hong Kong. (…) O ouro desempenha um papel importante na cultura chinesa. Para além de ser visto como presente tradicional, é mais valorizado do que o dinheiro.
Excerto de um artigo publicado no JTM de 1 Janeiro de 2012
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
terça-feira, 26 de agosto de 2014
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Sabia que...
... o planisfério chamado de Cantino (do italiano Alberto Cantino), concluído em Lisboa em 1502, é a primeira das cartas europeias a dar certa noção de realidade à representação da costa oriental da Ásia (e da China, claro).
sábado, 23 de agosto de 2014
A Galáxia Pessanha
Há poucos dias foi lançado o livro “Correspondência, Dedicatórias e Outros Textos : Camilo Pessanha”, [333 páginas] editado em parceria pela Biblioteca Nacional de Portugal/Universidade Estadual de Campinas , do Brasil, com a organização, prefácio, cronologia e notas de Daniel Pires.
Daniel Pires, antigo residente em Macau, professor e probo investigador com uma longa e honrosa folha de serviços dedicados à cultura portuguesa, recoloca Camilo Pessanha no centro de uma galáxia de problematizações estéticas , históricas, literárias e filosóficas. Vale a pena recordar que já tinha editado, entre outras, a “Homenagem a Camilo Pessanha”, em 1990, “Camilo Pessanha, Prosador e Tradutor”, 1992, “China: Estudos e Traduções”, 1993 , “Espólio de Camilo Pessanha”, 2008, ou a monumental obra “A Imagem e o Verbo: Fotobiografia de Camilo Pessanha”, de 2005. É, sem dúvida, um enamoramento antigo.
Na dedicatória a Ana de Castro Osório, aposta em Janeiro de 1916, no livro “Esboço Crítico da Civilização Chinesa”, de J.A. Morais Palha, cujo prefácio assinou, Camilo Pessanha escreve melancolicamente sobre essa “tumultuária farândula de imagens exóticas que desde há vinte e dois anos me tem enchido, nos confins do mundo, os olhos tristes de exilado”. Mais do que autobiográficas estas palavras podem ser uma das chaves para uma hermenêutica grande de sentidos, porque o verdadeiro sentido do mundo está, como dizia Wittgenstein, fora do mundo.
Pouco estimado, escassamente lido e arredado do mundo das leituras escolares, Camilo Pessanha reemerge com uma impressionante força estética na sinologia portuguesa do fim de século. Só um grande pensador dos costumes e da existência consegue sobreviver ao esmagamento do ‘pathos’ comunitário. A lucidez devastadora com que pensa uma realidade com energias depressivas, especialmente no circuito confidencial do mundo epistolar, vulnerabiliza-o porque inviabiliza a sua capacidade de resiliência perante a vida aberta, “distrair a atenção e fatigar o espírito” porque como dirá a Carlos Amaro, em 1909, de “Macau lhe direi a permanente dor surda da minha alma, dor quase adormecida enquanto os meus olhos se distraem, de dia, nos espectáculos em que vão repousando”. A comunidade interpretante é muito conservadora e movente, e no dizer de Habermas, segue sempre a autoridade da tradição. E Pessanha não deixa escapar o que realmente sente : “mantenho o mais impassível desdém pelos julgamentos da opinião pública (à qual até teria um certo gosto de vaidade em escandalizar, se a minha obscuridade mo não impedisse) – com tantíssimos bandalhos que tem nela voto de qualidade”.
Os textos inéditos e a arrumação da correspondência, sem esquecer a cronologia da sua vida e obra, permitem-nos escrutinar com mais segurança o quadro mental de Camilo Pessanha e o raro fulgor desta incompreendida inteligência em Macau. Daniel Pires refere que a “correspondência de Camilo Pessanha permite-nos ainda aferir a forma como perspectivava Macau. A sua vivência na cidade provocava-lhe sentimentos ambivalentes: por um lado, amplo prazer por usufruir da pluriforme cultura chinesa; por outro, desconforto e rejeição por se tratar de um meio ‘mesquinho’, conserva dor, claustrofóbico e ancilosado, propício à intriga e à maledicência”.
Numa carta endereçada a Carlos Amaro, em Março de 1912, Camilo Pessanha confidencia-lhe que “em quase vinte anos de Macau, fui-me adaptando ao meio, por um trabalho penível, embora em parte inconsciente, que me incapacitou para ser qualquer coisa fora daqui. São quase vinte anos de estudo, mais ou menos assíduo, da língua chinesa, dos costumes chineses, da arte chinesa. A língua, principalmente desde que cheguei aqui a última vez, há três anos, tenho-a estudado brutalmente, - no furor de me absorver no que fosse, para ver se conseguia distrair-me de tantas desgraças a que não posso dar remédio e que são a minha obsessão”. De resto, interroga-se, “escrita chinesa, poesia chinesa, arte chinesa, de que poderiam servir-me fora daqui?”, numa alusão clara ao enorme vazio cultural português sobre o Oriente e a China, não mencionando sequer os estudos sinológicos. Mas, não enjeitaria uma aventura escolar fora do perímetro de Macau, “consta-me, finalmente, que vão ser criadas cadeiras de português em Xangai e Hong-Kong. Aceitaria ainda, em última extremidade a de Xangai, desde que fosse sofrivelmente paga e me deixasse tempo para advogar perante o consulado, que como naturalmente sabe, é também tribunal para os residentes de nacionalidade portuguesa, que ali são em grande número, macaístas e chineses oriundos de Macau”.
O “Relatório sobre a actividade pedagógica das Irmãs Canossianas”, redigido por uma comissão que integrava Camilo Pessanha, Eduardo Cirilo Lourenço e Fernando Celle de Meneses, tem um alto valor simbólico porque nos revela a forma, umas vezes subtil e outras vezes mais à bruta, como o recém formado estado republicano, em Macau, se assenhoreou da vertente providencialista e assistencialista até então cometida aos organismos religiosos. Não menosprezando o contributo dos outros dois membros, é identificável, no documento, a estrutura argumentativa da racionalidade de Pessanha. Estes dois textos já estavam sinalizados para integrar o quarto volume dos “Documentos para a História da Educação em Macau” (os outros três volumes foram editados entre 1996 e 1998, pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude), que infelizmente não chegou a sair.
Daniel Pires, antigo residente em Macau, professor e probo investigador com uma longa e honrosa folha de serviços dedicados à cultura portuguesa, recoloca Camilo Pessanha no centro de uma galáxia de problematizações estéticas , históricas, literárias e filosóficas. Vale a pena recordar que já tinha editado, entre outras, a “Homenagem a Camilo Pessanha”, em 1990, “Camilo Pessanha, Prosador e Tradutor”, 1992, “China: Estudos e Traduções”, 1993 , “Espólio de Camilo Pessanha”, 2008, ou a monumental obra “A Imagem e o Verbo: Fotobiografia de Camilo Pessanha”, de 2005. É, sem dúvida, um enamoramento antigo.
Na dedicatória a Ana de Castro Osório, aposta em Janeiro de 1916, no livro “Esboço Crítico da Civilização Chinesa”, de J.A. Morais Palha, cujo prefácio assinou, Camilo Pessanha escreve melancolicamente sobre essa “tumultuária farândula de imagens exóticas que desde há vinte e dois anos me tem enchido, nos confins do mundo, os olhos tristes de exilado”. Mais do que autobiográficas estas palavras podem ser uma das chaves para uma hermenêutica grande de sentidos, porque o verdadeiro sentido do mundo está, como dizia Wittgenstein, fora do mundo.
Pouco estimado, escassamente lido e arredado do mundo das leituras escolares, Camilo Pessanha reemerge com uma impressionante força estética na sinologia portuguesa do fim de século. Só um grande pensador dos costumes e da existência consegue sobreviver ao esmagamento do ‘pathos’ comunitário. A lucidez devastadora com que pensa uma realidade com energias depressivas, especialmente no circuito confidencial do mundo epistolar, vulnerabiliza-o porque inviabiliza a sua capacidade de resiliência perante a vida aberta, “distrair a atenção e fatigar o espírito” porque como dirá a Carlos Amaro, em 1909, de “Macau lhe direi a permanente dor surda da minha alma, dor quase adormecida enquanto os meus olhos se distraem, de dia, nos espectáculos em que vão repousando”. A comunidade interpretante é muito conservadora e movente, e no dizer de Habermas, segue sempre a autoridade da tradição. E Pessanha não deixa escapar o que realmente sente : “mantenho o mais impassível desdém pelos julgamentos da opinião pública (à qual até teria um certo gosto de vaidade em escandalizar, se a minha obscuridade mo não impedisse) – com tantíssimos bandalhos que tem nela voto de qualidade”.
Os textos inéditos e a arrumação da correspondência, sem esquecer a cronologia da sua vida e obra, permitem-nos escrutinar com mais segurança o quadro mental de Camilo Pessanha e o raro fulgor desta incompreendida inteligência em Macau. Daniel Pires refere que a “correspondência de Camilo Pessanha permite-nos ainda aferir a forma como perspectivava Macau. A sua vivência na cidade provocava-lhe sentimentos ambivalentes: por um lado, amplo prazer por usufruir da pluriforme cultura chinesa; por outro, desconforto e rejeição por se tratar de um meio ‘mesquinho’, conserva dor, claustrofóbico e ancilosado, propício à intriga e à maledicência”.
Numa carta endereçada a Carlos Amaro, em Março de 1912, Camilo Pessanha confidencia-lhe que “em quase vinte anos de Macau, fui-me adaptando ao meio, por um trabalho penível, embora em parte inconsciente, que me incapacitou para ser qualquer coisa fora daqui. São quase vinte anos de estudo, mais ou menos assíduo, da língua chinesa, dos costumes chineses, da arte chinesa. A língua, principalmente desde que cheguei aqui a última vez, há três anos, tenho-a estudado brutalmente, - no furor de me absorver no que fosse, para ver se conseguia distrair-me de tantas desgraças a que não posso dar remédio e que são a minha obsessão”. De resto, interroga-se, “escrita chinesa, poesia chinesa, arte chinesa, de que poderiam servir-me fora daqui?”, numa alusão clara ao enorme vazio cultural português sobre o Oriente e a China, não mencionando sequer os estudos sinológicos. Mas, não enjeitaria uma aventura escolar fora do perímetro de Macau, “consta-me, finalmente, que vão ser criadas cadeiras de português em Xangai e Hong-Kong. Aceitaria ainda, em última extremidade a de Xangai, desde que fosse sofrivelmente paga e me deixasse tempo para advogar perante o consulado, que como naturalmente sabe, é também tribunal para os residentes de nacionalidade portuguesa, que ali são em grande número, macaístas e chineses oriundos de Macau”.
O “Relatório sobre a actividade pedagógica das Irmãs Canossianas”, redigido por uma comissão que integrava Camilo Pessanha, Eduardo Cirilo Lourenço e Fernando Celle de Meneses, tem um alto valor simbólico porque nos revela a forma, umas vezes subtil e outras vezes mais à bruta, como o recém formado estado republicano, em Macau, se assenhoreou da vertente providencialista e assistencialista até então cometida aos organismos religiosos. Não menosprezando o contributo dos outros dois membros, é identificável, no documento, a estrutura argumentativa da racionalidade de Pessanha. Estes dois textos já estavam sinalizados para integrar o quarto volume dos “Documentos para a História da Educação em Macau” (os outros três volumes foram editados entre 1996 e 1998, pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude), que infelizmente não chegou a sair.
Foto de 1915 em Macau |
Mas a verdadeira novidade é a transcrição da acta de uma sessão secreta do Conselho de Governo, no dia 23 de Junho de 1904. Para além do Governador Martinho de Montenegro, estiveram presentes o Bispo de Macau, D. João Paulino de Azevedo e Castro, o Juíz de Direito substituto, Camilo Pessanha, o capitão-de-mar-e-guerra Albano Branco, o tenente-coronel Francisco Santana, Alfredo Lello, Luís Gonçalves Forte, Olímpio de Oliveira, Eduardo Marques e José Gomes da Silva.
Mas o que tinha motivado essa sessão secreta? “O Vice-Rei de Cantão tinha pedido há tempos ao Governo provincial a captura e, em seguida, a extradição do mandarim Pui-Keng-Fôc”. Camilo Pessanha declarou-se desassombradamente contra a extradição, “apaixonadamente hostil à concessão das extradições pedidas pela China, as quais entende deverem dificultar-se quanto possível”. Todos os outros vogais do Conselho de Governo votaram favoravelmente o pedido de extradição, incluindo o Bispo de Macau, “Ministro de uma religião de amor”, porque pesou mais a estratégia política regional para a sobrevivência do Território do que verdadeiramente a defesa dos direitos humanos, que se consubstanciavam na vida do mandarim.
Já tinha publicado esta história no antigo semanário “Tribuna de Macau”, em 1995, (sem suspeitar da acta secreta e da intervenção de Camilo Pessanha), porque ela se tinha transformado num pequeno incidente internacional. O mandarim opiómano tinha sido posto a ferros na Fortaleza do Monte e depois extraditado, com a soleníssima promessa de não ser maltratado ou condenado à morte. Pouco tempo passado após a extradição, um jornal inglês da colónia vizinha, o ‘Hongkong Telegraph’ noticiava a execução sumária do mandarim e invectivava os portugueses por não respeitarem os tratados e o direito internacional. A reacção do governo de Macau, lê-se na correspondência oficial, foi “enérgica”, “indignada” e “muito dura”. Camilo Pessanha ficou com a sua reputação ainda mais em alta e Macau com água e víveres, que deixaria de ter se não tivesse havido a extradição. Por estas e por outras, Pessanha lançou este anátema , “aquilo não é uma colónia, nem é uma cidade; é uma montureira, material e moral”.
Deixo um desafio a Daniel Pires, a reedição em fac-símile de “Kuok Man Kau Fo Shu” de José Vicente Jorge e Camilo Pessanha. Era outra cereja em cima do bolo! Não obstante o caminho já percorrido, ainda estamos longe de conhecer a galáxia Pessanha.
Artigo da autoria de António Aresta publicado no JTM de 15.02.2013
Mas o que tinha motivado essa sessão secreta? “O Vice-Rei de Cantão tinha pedido há tempos ao Governo provincial a captura e, em seguida, a extradição do mandarim Pui-Keng-Fôc”. Camilo Pessanha declarou-se desassombradamente contra a extradição, “apaixonadamente hostil à concessão das extradições pedidas pela China, as quais entende deverem dificultar-se quanto possível”. Todos os outros vogais do Conselho de Governo votaram favoravelmente o pedido de extradição, incluindo o Bispo de Macau, “Ministro de uma religião de amor”, porque pesou mais a estratégia política regional para a sobrevivência do Território do que verdadeiramente a defesa dos direitos humanos, que se consubstanciavam na vida do mandarim.
Já tinha publicado esta história no antigo semanário “Tribuna de Macau”, em 1995, (sem suspeitar da acta secreta e da intervenção de Camilo Pessanha), porque ela se tinha transformado num pequeno incidente internacional. O mandarim opiómano tinha sido posto a ferros na Fortaleza do Monte e depois extraditado, com a soleníssima promessa de não ser maltratado ou condenado à morte. Pouco tempo passado após a extradição, um jornal inglês da colónia vizinha, o ‘Hongkong Telegraph’ noticiava a execução sumária do mandarim e invectivava os portugueses por não respeitarem os tratados e o direito internacional. A reacção do governo de Macau, lê-se na correspondência oficial, foi “enérgica”, “indignada” e “muito dura”. Camilo Pessanha ficou com a sua reputação ainda mais em alta e Macau com água e víveres, que deixaria de ter se não tivesse havido a extradição. Por estas e por outras, Pessanha lançou este anátema , “aquilo não é uma colónia, nem é uma cidade; é uma montureira, material e moral”.
Deixo um desafio a Daniel Pires, a reedição em fac-símile de “Kuok Man Kau Fo Shu” de José Vicente Jorge e Camilo Pessanha. Era outra cereja em cima do bolo! Não obstante o caminho já percorrido, ainda estamos longe de conhecer a galáxia Pessanha.
Artigo da autoria de António Aresta publicado no JTM de 15.02.2013
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
Sur le dialete portugais de Macao: 1892
José Leite de Vasconcelos Cardoso Pereira de Melo, mais conhecido por Leite de Vasconcelos (1858-1941) foi linguista, filólogo, arqueólogo e etnógrafo.
Em 1892 escreveu "Sur le dialete portugais de Macao: exposé d'un mémoire destiné à la 10ème session du Congrès International des Orientalistes".
António Feijó e Camilo Pessanha contribuem para este congresso realizado sob a égide da Sociedade de Geografia com alguns textos enviados pelo cônsul de Portugal em Cantão.
Estavam previstas 76 comunicações mas uma epidemia fez com que o congresso não se efectuasse.
Ainda assim, muitas das publicações acabariam por ser editadas.
Sugestão de leitura:
António Feijó e Camilo Pessanha no Panorama do Orientalismo Português, de Manuela Delgado Leão Ramos. Edição Fundação Oriente. 2001
O livro "analisa os aspectos orientalistas destes dois autores portugueses que foram os mais geniais intérpretes da linguagem poética chinesa. A sua obra encontra-se assim contextualizada na tradição orientalista, na sua vertente sinológica, em Portugal e Macau e, ainda, no mais vasto campo europeu.
Este estudo enriquece com uma faceta portuguesa a mais ampla reflexão teórica sobre o Orientalismo que continua a ser um tema de grande actualidade desde a Teoria da Literatura à História e Teoria das Ideias."
Este estudo enriquece com uma faceta portuguesa a mais ampla reflexão teórica sobre o Orientalismo que continua a ser um tema de grande actualidade desde a Teoria da Literatura à História e Teoria das Ideias."
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
terça-feira, 19 de agosto de 2014
Selos porteados
Quando a correspondência era colocada no correio, sem franquia, ou com franquia insuficiente, o destinatário para receber a dita correspondência tinha de pagar os portes que não tinham sido pagos pelo remetente.
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
O Avô da malta!
Embora a diáspora seja imensa e se encontre espalhada, a bem dizer, pelos “quatro cantos” do mundo (e como já sabem onde houver um ou uma Macaense, há um prato de minchi com a sua “marca” caseira, ou um bolo “Menino” ou outra qualquer especialidade da gastronomia secular de Macau) é em Lisboa, que temos um daqueles que por todos é sobejamente conhecido, por exímio cozinheiro, e por todos denominado de “o Avô”!
António Sebastião Francisco Xavier Lobato de Faria da Silva ganhou esta alcunha de “Avô” entre os amigos da Escola Primária e Liceu de Macau - por ter uma madeixa de cabelos brancos de nascença -. Na família, contudo, é tratado por Tonim e ainda há quem o conheça pelo nome do falecido Pai Tranquilino!
O nosso homem é um divulgador da culinária Macaense, em Lisboa, pois todas as semanas confecciona pratos da nossa culinária, na Casa de Macau, desde finais da década passada. Da sua cozinha privada em Almada, por outro lado, têm saído os mais diversos pratos da pura cozinha macaense para todas as bocas que a queiram provar e digo-vos por vezes não tem mãos para as encomendas.Ele, em parceria com o Nando Conceição e as respectivas esposas, é bom não esquecer, têm gerido a “cozinhação” e têm dado um relevo enorme e divulgado a cultura de Macau através do que têm feito em prol da gastronomia de fusão, como agora se apelida, a culinária é a bem dizer um dos factores de maior preponderância na cultura de qualquer país ou terra!
Ainda em Macau e logo após os estudos liceais, foi para a tropa e depois directo para trás dos balcões do Banco Nacional Ultramarino, um trajecto muito comum nos jovens desses anos 70, tendo-se reformado muito jovem e decidido com a esposa, acompanhar o casal de filhos, mais de perto nos seus estudos em Lisboa, já em finais de 1999. Mas ainda antes de partir para a Europa, frequentou vários cursos, na Escola de Hotelaria, em Mong-Há, como amante que era dos tradicionais “petiscos” da sua terra Natal, sempre na
mira de um dia poder matar saudades deles lá longe! O Avô, agora de facto com a idade de o vir a ser (Avô de verdade!) é um verdadeiro amigo dos tempos de escola e como tal é-me difícil traçar um perfil sem ter de o beneficiar.
Apesar do seu ar circunspecto para quem não o conheça, por vezes bem sisudo, digo-vos sem pestanejar, que é um bom coração e um amigo do seu amigo, praticante de desporto, ténis, natação quase todos os dias (este é o seu segredo do aspecto jovem que ainda aparenta).Até há uns pares de anos ainda passeava muito na sua moto, que suponho já tenha posto de lado devido aos afazeres que o volume enorme de encomendas lhe provocam no dia-a-dia!
Filho de uma família católica tradicional e numerosa, de macaenses de gema, a sua Mãe, D. Maria octogenária, que Deus lhe dê muita saúde, a qual suponho ter sido a sua fonte de inspiração, na aprendizagem desde muito novinho na altura em que habitavam numa das “casas museu” do Tap Seac, (no 95 B) dos pratos que agora, semanalmente põem na mesa da vivenda da Almirante Gago Coutinho perto da rotunda do (outrora) relógio ou aeroporto da Portela.Sem nos podermos esquecer, do seu Pai, conhecido e distinto e dedicado funcionário do BNU, quase toda sua carreira profissional, tendo também participado, se bem me lembro, nas famosas e espectaculares récitas do então Adé (José dos Santos Ferreira) no D. Pedro V, o Sr. Tranquilino! António Silva, de Macau, este sim é o verdadeiro embaixador da cultura gastronómica de Macau, no século XXI.
Texto da autoria de Luís Machado publicado no JTM de 9-2-2011
domingo, 17 de agosto de 2014
sábado, 16 de agosto de 2014
Envelope de 1903
Envelope/carta enviado de Macau em 1903: alusivo ao Chinese Imperial Post. De Macau a Lisboa demorou exactamente um mês a chegar. De 19 de Outubro a 19 Novembro segundo carimbos dos correios.
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
"Sagres": 1987
1987: One more episode is achieved in Aviation History between Portugal and Macau. The “Sagres” - a Mooney Super 21 (M-20E), CS-ALG, connects Portugal to Macau, recalling the aerial raid by Brito Pais and Sarmento Beires. Two pilots, Maj. Jorge Cruz Galego and Armando Leal, and the mechanic Álvaro Mendes composed the crew.
Sagres departed Tires aerdrome on January 10, 1987 and landed in Macau 27 days later (February 6, 1987) in a small improvised compacted runway which was prepared in the Concordia reclaimed area next to the Karting Track in Coloane Island. After landing and on behalf of the 3 aviators Jorge Cruz, read the following Luis de Camões statement: “esta é a minha ditosa pátria minha amada- sentiu-o aqui Camões e nós compreendemo-lo”.
Days later, on attempting a return flight to Lisbon, Portugal, the airplane experienced a forced landing just to the northwest of Macau, following a technical failure.
Once practically recovered, "Sagres" became a point of attraction exhibited in Granja Municipal Park in Coloane Island located pretty much close to the place this "beauty" first landed in Macau, after a long aerial raid adventure...
The original a/c propeller was somehow "repaired" and forwarded to Hong Kong where is now exposed in the portuguese "Lusitano" club.
Total flight time: 65h30m in 27 days.
Night time: 40h45m.
Number of landings: 23.
Ground distance: 8150 NM = +/- 15000 KM.
Text/photos: Carlos Fragoso Costa
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http://macauantigo.blogspot.com/2009/05/raid-aereo-lisboa-macau.html
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quinta-feira, 14 de agosto de 2014
Homenagem a Morrison em 1955
A 1 de Agosto de 1955 cerca de 50 ingleses de Hong Kong, a maioria estudantes, deslocam-se a Macau onde prestam homenagem junto ao túmulo do Reverendo R. Morrison, no aniversário da sua morte. A Morrison deve-se, por exemplo, a tradução da Bíblia para chinês, isto numa época em que os chineses estavam proibidos, sob pena de morte, de ensinar a sua língua a estrangeiros.
Na 1ª imagem o testemunho de uma homenagem em Julho de 1934 e na 2ª uma fotografia de 1907.
Na 1ª imagem o testemunho de uma homenagem em Julho de 1934 e na 2ª uma fotografia de 1907.
A capela no cemitério protestante
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
Miguel José D'Arriaga (1776-1824) - Segunda parte
Foi com os portugueses que a história de Macau teve a sua maior evolução, após a ocupação da região, no século XVI, com a fundação de um entreposto comercial entre o Oriente e o Ocidente e a inicial permissão dos chineses. Em 22/06/1802 chegou a Macau, como Ouvidor (autoridade da Coroa Portuguesa que superintendia todos os ramos administrativos públicos), Miguel José d’Arriaga, filho da mais alta estirpe das Ilhas, formado em Coimbra, fidalgo e Cavaleiro da Ordem de Cristo, Conceição e Torre Espada, do Conselho de Sua Majestade. Homem extremamente culto havia trabalhado como juiz, por algum tempo, em Lisboa, no Bairro da Ribeira (9/5/1800).
Nas terras do Oriente, sua personalidade respeitosa e dinâmica capacidade governativa deram-lhe logo fama. Fundou uma escola de pilotagem, uma fábrica de pólvora, um colégio para missionários, uma Casa de Seguros, criou um batalhão provincial de infantaria, mandou alguns chineses estudar em Coimbra e estimulou outros a matricularem seus filhos nessa mesma Universidade. Promoveu no pequeno espaço macaense a igualdade de direitos civis, aboliu o imposto das SISAS (imposto sobre as transacções comerciais), estimulou e desenvolveu o comércio marítimo entre os portos da Ásia, Portugal e Brasil. Fomentou a emigração chinesa para esse país no intuito de levar a cultura do chá para terras sul americanas. Diplomaticamente, apaziguou litígios entre Inglaterra e China e marcou definitivamente sua presença na história de Macau com o episódio da queda da pirataria chinesa do século XIX.
Naquele tempo quando se fazia da pirataria modalidade de vida, Cam-Pau-Sai, o Tigre dos Mares, aterrorizava o Mar da China. Arriaga, contrariamente à posição das anteriores autoridades portuguesas que faziam vista grossa a essa actividade, porque esta mantinha distraída e em constante sobressalto a autoridade chinesa e com isso interferia pouco nas decisões macaenses, resolveu encarar o assunto de outra forma. Declarou a pirataria um crime e com a comparticipação de três mandarins mais interessados, montou uma potente armada às suas próprias custas e dos cofres do Estado para acabar com tal situação. Empenhou-se nessa tarefa de corpo e alma. Ele próprio dirigia os preparativos. Muitas vezes trabalhava como calafate, para dar exemplo e estimular a actividade dos operários. Pronta a esquadra, lançou-a ao mar, ligeira, resoluta, combativa. Mas aos primeiros embates viu-se só. Fugiram os chineses apavorados. Tiveram os portugueses que lutar e subjugar o inimigo, cercando-o na embocadura do rio Hiang-San. Miguel Arriaga, mostrando destemor e respeito pelo vencido foi até Cam-Pau-Sai sem escolta e com a rendição, tomou com ele o chá da boa amizade. Para os mandarins foi um grande milagre que transformou o Ouvidor num venerável homem, pelos chineses respeitado e admirado. Benévolo, o açoriano intercedeu pelo ex-pirata junto ao Imperador que o aceitou como funcionário.
Subjugado mais pelo nobre carácter de Arriaga e em agradecimento ao tratamento e confiança nele depositados, Cam-Pau-Sai ofereceu-se para combater uma esquadra pirata que não se rendera e que ainda fazia estragos. Desconfiado, o Imperador do Celeste Império não aceitou a oferta e resolveu enviar uma armada chinesa, que foi de logo desmantelada. Mais uma vez o Ouvidor foi procurado e outra vez Arriaga recomendou a que aceitassem a oferta de Cam-Pu-Sai. O que de facto ocorreu. Derrotados os piratas, levou-os para Cantão, onde foi recebido com triunfo e ovação.
Quando Miguel José d’Arriaga morreu (13/12/1824), minado por doença prolongada, após ter ficado exilado em Cantão devido a intrigas e invejas palacianas e ter voltado a Macau em glória, como queriam os macaenses, com honrarias e reconhecimento reais pelo grande trabalho feito nessa parte do mundo português, foi pranteado por todos que viram nele o exemplo de homem enérgico e de carácter, o filantropo e grande estadista que serviu de modelo e orgulho para todo o Português.
Artigo de Maria Eduarda Fagundes - Uberaba, 6 de Janeiro de 2007
A seguir, excerto de um texto do Capitão José do Nascimento Moura.
A seguir, excerto de um texto do Capitão José do Nascimento Moura.
(...) Arriaga, que para alguns passou por ser o Marquês de Pombal de Macau, descendia de uma família nobre da ilha do Faial e foi tio-avô do primeiro Presidente da República Portuguesa, Dr. Manuel de Arriaga, Filho de José de Arriaga Brun da Silveira e de D. Francisca J.B. da Câmara, foi cursar leis na Universidade de Coimbra, concluindo a sua formatura em 1800, tendo 24 anos de idade.
Pelo favor da Corte e pelos seus merecimentos pessoais ascendeu no mesmo ano ao cargo de Juis do Crime do Bairro da Ribeira, em Lisboa, sendo pouco depois promovido a desembargador da Relação da Índia, com o cargo de Ouvidor de Macau e tendo superintendência sôbre Alfândega, Câmara, Fazenda, Orfãos, Confrarias, Capelas, Defuntos e Ausentes.
Tendo chegado a Macau em 28 de Julho de 1802, e tmando posse do seu cargo, imediatamente se revelou "um digno ministro, honra dos togados e coluna forte da glória nacional", como disse José Inácio de Andrade, onze anos depois da sua morte. Arriaga, que "sabia que a justa distribuição dos prémios e das penas é a melhor acção do govêrno sôbre o povo, servia-se desta principal mola do coração humano para animar a virtude e o mérito e obrigar o interêsse particular a promover o interêsse público".
Amante da justiça e tendo no mais alto grau a dignidade da sua profissão e o orgulho da pátria a que pertencia, tinha a meúdo a frase que bem se podia pôs diante de todos os governantes portugueses: " Os favores dados à incapacidade são roubos, feitos ao merecimento, e as recompensas dadas a quem serve a Pátria são dívidas que o Govêrno para por elas".
Sem descurar por um instante o que mais lhe cumpria, Arriaga, pelo ano de 1805, levou os chineses a reconhecerem e a respeitarem a nossa soberania, fazendo julgar pela nossa justiça um caso de assassínio em Macau, na pessoa de um chim, feito por um siamês. Quando o almeirante Drury quis ocupar Macau, o pretexto de defender esta nossa colónia dos franceses, foi Arriaga quem conseguiu que aqueles retirassem com uma provocada ameaça dos chineses, e que êstes, por fim, em número de 80.000, que se achavam dispostos a marchar sõbre Macau, desistissem do seu seu intento.
Infestando os mares da China e ameaçando a própria dinastia chinesa o célebre pirata Can-Pau-Sai, foi Arriaga quem combinando e preparando o ataque que o havia de fazer render-se, aprestou os navios, e do seu próprio bolso mandou construir duas canhoneiras para tal fim. No encontro de Arriaga com os mandarins e Can-Pan-Sai, para tratar da rendição, o Tigre do Mar - como era conhecido, - dirigindo-se a Arriaga disse-lhe: "Grandes motivos me fazem render e tratar convosco da minha capitulação para entrar na classe dos "Colaos", como me prometeste pelo Imperador.
Mas confesso-vos que o principal foi conhecer o fulcro da alavanca destruidora do meu poder. Já vos vi; estou satisfeito. Devo muito à natureza e à minha assídua aplicação; mas em tudo me achop convencido por vós". E voltando-se para os mandarins; "Tendes por experiência de 14 anos visto quão poderos e vigilante foi o meu sceptro: sabeis agora da minha bôca que o valor português foi quem o destruiu. Aqui me tendes: espero que metrateis como homem livre e destemido".
Arriaga, segundo descreve Andrade, era "dotado de presença cavalheiresca e gentil, de uma fisionomia onde se compadeciam os índices do génio com os da maior bondade do coração e de maneiras tão urbanas como sedutoras", conciliava o respeito com a familiaridade, sendo a sua casa o asilo de todos os malfadados. As suas dávidas a albergues, a viúvas e orfãos; a vacinação, de que pela primeira vez se fês uso na China quando as epidemias devastavam a população; a distribuição de alimentos, quando a fome batia à porta dos desamparados, e outros actos de generosidade e filantrofia, sobretudo quando as tempestades açoutavam a colónia e deixavam sem asilo as suas vítimas, fizeram-no adorado pelos pobres e humildes.
Deles disse, na sua conferência no Instituto de Macau, intitulada "Silhouettes portugais d´Asie", o meu venerando amigo e erudito escritor e investigador histórico Padre Regis Gervais (Eudore de Colomban) a quem Macau tanto deve, e a quem o nobre Portugal, por ele tão exaltado na imprensa nacional e estrangeira, tem em aberto uma dívida de gratidão que cêdo ou tarde tem de ser paga:
"Ce latin de haute souche et d´education privilégiée, fut le Ricci civil de la Chine au 19 siécle; et l´Histoire qui l´oublie, devrait inscrire son som dans fastes les plus memorables que l´Europe a dressés en Asile depuis Marco-Polo.Car son rôle social dans ces contrées de tourmente chronique ne se borna pas à rehausser le bon renom portugais, mas encore à révéler aux Jaunes la science do pouvoir rayonnant d´un barbares d´Europe, que n´etait pas comme les autres. L´on parle beaucoup et avec raison à Macao de l´energie civique du lieutenante de Mesquita qui, avec une poignée de volontaires, mit en fuite une armée d´envahisseurs; I´on vante aussi la fermeté du gouverner Amaral qui paya de industrie d´Arriaga sa douce bonhomie qui lui gagne tous les coeurs, et qui le dispense, pour remporter haut la main les plus belles victoires, de verser son propre sang et celui d´un peuple ombrageux qui avait appris à l´aimer. Oh! si l´idée venait un jour aux édiles de cette cité, d´élever une statue à ce grand citoyen, nous serions tous fiers de le désigner du doigt aux passants et de leur dire: Ce fut Arriaga, dernier champion en Chine de l´homeur Européen."
terça-feira, 12 de agosto de 2014
Miguel José D'Arriaga (1776-1824) - Primeira parte
Miguel José D'Arriaga: Nasceu a 22/03/1776 no Faial; Morreu a 13/12/1824 em Macau. Casou em 1808 em Macau com Ana Joaquina de Almeida, filha dos Barões de São José de Porto-Alegre. Os Arriagas, faialenses, descendem de João d' Arriaga primeiro deste nome que se estabeleceu na Ilha do Faial no último quartel do século XVII. Ele era natural de Baiona, França. O pai, Salvador d' Arriaga, era fidalgo espanhol, que lá tinha casado com fidalga francesa da Casa Berendi.
Monsenhor Teixeira no seu «Os Ouvidores de Macau», diz que devido aos permanentes conflitos entre o Senado e a Ouvidoria, e à inoperância desta em 1734, por ordem régia foi abolida a Magistratura. Continua, mostrando documentos, que é o próprio Senado que vem, posteriormente, a sentir necessidade de um juiz togado e a pedi-lo à Rainha D. Maria I, pretensão essa satisfeita em 1784 com a nomeação de Lázaro da Silva Ferreira. Com a reposição da ouvidoria, diz aquele investigador que os Ouvidores a partir daqui se continuam a reger pelo Regimento de 1587, anterior à suspensão. No entanto, vejamos...
Monsenhor Teixeira no seu «Os Ouvidores de Macau», diz que devido aos permanentes conflitos entre o Senado e a Ouvidoria, e à inoperância desta em 1734, por ordem régia foi abolida a Magistratura. Continua, mostrando documentos, que é o próprio Senado que vem, posteriormente, a sentir necessidade de um juiz togado e a pedi-lo à Rainha D. Maria I, pretensão essa satisfeita em 1784 com a nomeação de Lázaro da Silva Ferreira. Com a reposição da ouvidoria, diz aquele investigador que os Ouvidores a partir daqui se continuam a reger pelo Regimento de 1587, anterior à suspensão. No entanto, vejamos...
Pela Portaria de 12 de Abril de 1784, D. Frederico Guilherme de Sousa, Governador da Índia, falando por S. M. a Rainha, acusa o Senado de Macau das maiores incúrias, corrupção e conluios servis com os mandarins, de actos vexatórios pelo pouco amor à Nação e dá instruções rígidas a Bernardo Aleixo de Lemos e Faria, então nomeado pela primeira vez, Governador e Capitão Geral de Macau. Nessas instruções dão-se ordens de fiscalização aos actos do Senado, é criada uma alfândega e são estabelecidos os critérios le actuação não só do Governador como do «Ministro que vai com a Comissão Máxima o qual é o Desembargador Lázaro da Silva Ferreira». Este homem, sempre tratado por ministro na referida portaria, tem aqui definida a sua jurisdição, que não é outra senão a de Ouvidor.
Pela primeira vez é oficialmente mostrada a preocupação de justificar o estatuto português de Macau e, também pela primeira vez, são dadas ao Governador atribuições de supremacia plena em relação ao Senado, em actuação articulada com o «Ministro» ouvidor. Tarefa árdua para estes dois homens, sem dúvida. Lázaro da Silva Ferreira, é sabido, terá vários conflitos com o Senado e sai de vez em 1797. Bernardo Lemos e Faria será nomeado Governador de Macau por três vezes, sempre com o apoio desse mesmo Senado.
De qualquer das formas, o «regimento dos ouvidores de Macau» de 1587 não foi, efectivamente, revogado. O que aconteceu é que não só a Portaria de 12 de Abril de 1784, como uma sucessão de posteriores Cartas Régias foram procurando ajustar ou actualizar as atribuições do Ouvidor, sem o conseguir claramente, registemos, contribuindo apenas e cada vez mais para a confusão de poderes entre os Governadores, Ouvidores e Senado.
A manutenção do equilíbrio de forças era uma luta tremenda. De um lado a pretensão régia e, sobretudo, através do Estado da Índia na centralização de poderes num seu representante que seria o Governador. Do outro, do Senado, o espírito de autonomia ou da representação da autosuficiência através do comércio mais ou menos lícito, n as com a autoridade de quem não sorve o tesouro régio e só à Coroa quer responder. Com isto estavam lançados os dados para uma espantosa teia de intrigas.
Em 1802 era Governador da cidade Caetano de Sot sa Pereira e em Julho desse ano chegou um jovem bacharel em leis, Miguel de Arriaga Brum da Silveira, que tomará posse da Ouvidoria em Janeiro de 180329. Tomando as funções que lhe eram dadas pelos preceitos até aí costumeiros, deve ter sido já em 1804 que Arriaga recebeu o seu novo Regimento, redigido por Pina Manique e assinado pelo Príncipe em Março de 1803.
No Regimento de 1803, o Príncipe Regente revoga o de 1587 e, revoga ou confirma, conforme os casos, todo o conjunto de cartas régias que, como já se disse, foram procurando actualizar o anterior, de duzentos e dezasseis anos atrás e vêem-se, sobretudo, novas preocupações com o fomento comercial e a separação de poderes político e judicial mas, dando a este uma larga área de intervenção junto à Administração Civil.
Quartel na Fortaleza do Monte |
Outra novidade, são as ordens precisas para o Ouvidor prender e julgar sem delongas qualquer morador que mate um súbdito chinês, «por ser mais decoroso, que os meus vassalos sejam julgados por minhas justiças do que entregues... aos Mandarins». Outros procedimentos são estipulados como a visita trimestral à cadeia para julgamento de casos menores, a prisão e o julgamento sumário dos vadios e ociosos que «se entregam desordenadamente aos jogos proibidos, mancebia e lenocínio». No caso de estrangeiros deve-se fazer observar as leis estabelecidas na colónia, mas sem se comprometer o Governo face àqueles que pertencem às Companhias. Tal como em 1587, está autorizado a passar cartas de seguro e será o elo de ligação entre o Senado e o Governador do Estado da Índia, e agora o Ouvidor será o único que poderá conceder ajuda ao braço secular. Como Provedor dos Defuntos e Ausentes, será o administrador dos bens dos menores e negociará com os pais, os usos dos dinheiros daqueles.
Tal como no antigo Regimento ficam os Governadores de Macau impedidos de terem jurisdição sobre o Ouvidor, vencendo este 2000 taéis por ano, tal como o Governador e o Bispo mas, «sem vencer outra propina em dinheiro, seja pela factura das Pautas e Devassa de Suborno, que é obrigado a tirar, nem como Juiz dos Órfãos». Fica o Ouvidor proibido de se intrometer na jurisdição do mandarim do distrito, mas passa a ser permitida a liberdade de comércio com os súbditos chineses, sendo o Ouvidor o árbitro sempre que se tome necessário e por fim, permitese a este magistrado que seja ele e não os particulares, a proceder aos embargos a fazer aos mercadores chineses que dolosamente se negarem aos pagamentos devidos aos portugueses, conforme se deverá verificar pelas chapas das suas obrigações.
Está, pois, na altura de, com os dados conseguidos, acompanharmos a primeira metade da permanência do Ouvidor Arriaga em Macau, de observarmos o andar dos anos e os seus envolvimentos.
A Arriaga depara-se-lhe uma terra de forte poder municipal, que escapa à organização política tradicional do Império Português e que aposta, sobretudo, no comércio do ópio. Para isto, necessita do apoio camuflado de gente bem colocada na estrutura administrativa da vizinha província de Cantão, de um governo, aqui, na cidade do Santo Nome de Deus, que obste à concorrência estrangeira, que a presença destes estrangeiros seja gerida ou omitida conforme os interesses dos comerciantes portugueses e que as contas a apresentar a Goa não sejam demasiado transparentes.
No fundo, os «homens bons» de Macau, todos eles vereadores ou ex-vereadores, mas todos comerciantes, precisam de representantes régios que não lhes criem demasiadas dificuldades entre eles e a Coroa ou o Vice-Rei de Goa.
As exigências dos mandarins, a pirataria, a política externa portuguesa e as ambições das Companhias das Índias Orientais Britânica e Holandesa criam insegurança num grupo de gente que se reconhece vassala da Coroa Portuguesa mas, isolada, precisa de sobreviver e assim, muitas vezes, o espírito de autonomia está mais presente que o da entorpecente integração no Império.
Miguel de Arriaga, tomando posse em 3 de Janeiro de 1803, depois de 6 meses de estadia em Macau, teria tido tempo de se aperceber das questões fundamentais que diziam respeito à Colónia. Jovem de vinte e quatro anos, ambicioso, letrado e, segundo vários relatos, com extraordinários dotes de persuasão, naturalmente, esboçara já a sua estratégia. Os primeiros anos de magistratura não revelam um ouvidor omnipotente, como a partir de 1808 se parece fazer crer. O prestígio vai-o ganhando paulatinamente, mostrando firmeza, zelo pela cidade mas, sem nunca afrontar o Senado. Em 15 de outubro do ano da posse, o Senado, onde o ouvidor é vogal e vice-presidente, publica um edital que proíbe os pilotos portugueses de embarcarem em navios estrangeiros. Estão lançados os dados para o acordo do novo ministro nas dificuldades a criar ao comércio estrangeiro.
Mostrando-se ainda equidistante em relação aos interesses dos moradores, atendendo às frequentes repreensões vindas de Goa sobre a utilização da Real Caixa Pública, fez na mesma data, passar no Senado, a regra de que o pedido de dinheiro de risco só deve ser feito depois de ser apresentado à Ouvidoria, pelos senhorios, o requerimento de viagem para vistoria do navio. Mas, logo dois meses depois, perante a exigência do Conselho Ultramarino em obrigar o Senado a pagar as propinas das Câmaras do Ultramar, coisa que nunca tinha feito, o Ouvidor propõe-se a entregar ele ao Procurador 100 patacas, declarando não as retirar da Fazenda Real por o Senado não possuir bens.
Isenção e simpatia, começam por ser a imagem de Miguel de Arriaga em Macau e durante os tempos mais próximos não há notícia de qualquer querela que envolvesse a figura do magistrado. Em 26 de Maio do ano seguinte, volta a ser ultrapassada uma situação menos agradável para os negociantes da praça e em reunião do Senado com a presença do Governador Caetano de Sousa Pereira, o Juiz da Alfândega, isto é, o Ouvidor, apesar de ser «precária a avaliação (das mercadorias) e só admissível enquanto durasse a causa do acréscimo proposto» e face ao deficit da Real Fazenda, consegue o aumento dos direitos da pauta aduaneira, nos termos do Regimento de Alfândega, como já tinha sido aprovado por Sua Magestade e pelo Governador do Estado da Índia.
Logo em Julho, perante um dos muito frequentes requerimentos presentes ao Senado pelo armador Januário Agostinho de Almeida, para descarregar anfião, Arriaga é o único a ir mais longe na fácil aprovação «acrescentando que deve ter lugar a admissão do anfião, não somente este ano, mas para o futuro contando que a quantidade seja regulada pelo consumo necessário desta cidade». Estava em marcha a tentativa de quebra de passagem de ópio em barcos estrangeiros para a sua introdução na China através de Whampoa. Macau procura a todo o custo esse exclusivo e dentro de quatro anos o abastado mercador Januário Agostinho de Almeida, futuro Barão de S. José de Porto Alegre, tornar-se-ia sogro de Miguel de Arriaga Brum da Silveira.
Mas, os anteriores aumentos de direitos aduaneiros teriam três razões imediatas. Uma seria o sistemático descontentamento de Goa com as contas apresentadas por Macau, outra o aumento de despesas com o agravamento da pirataria e por fim o pretexto para sobrecarregar o tarifário aos não moradores. Em Dezembro de 1804 Miguel de Arriaga explica ao Vice-Rei que o aumento de direitos é para custear a Guarda-Costa na sequência de um outro exaustivo relato sobre «as criticas circunstâncias da cidade» onde se afirmava que os sócios Januário de Almeida e Manuel Pereira não querem «alguma lesão na Caixa Real» e o primeiro chega mesmo a oferecer o navio «Page» ao Senado. A situação é péssima .e sol cita-se a Goa a criação de fundos a partir dos direitos lançados aos estrangeiros, para apetrechar a Real Caixa e pedem-se ainda dois oficiais de Marinha para «prover o necessário corso».
A aprovação de Goa para o aumento dos direitos alfandegarios vem datado de 21 de Março de 1805 e noutra carta chega outra boa notícia para o Ouvidor. O mandado de pagamento pelo Senado de todo o tempo que Arriaga esteve em Macau antes de tomar posse e ao mesmo tempo, mais uma vez, é autorizado ao morador Januário de Almeida, a descarga de anfião. Noutro documento da mesma data, o Vice-Rei desaprova o anterior deferimento dado pelo Senado a um requerimento daquele negociante para isenção de uns quantos direitos.
Datadas do último dia do mês de Março vêm duas cartas uma para o Senado, outra para o Governador Caetano de Sousa Pereira com instruções sobre procedimentos políticos relativos ao combate a dar aos piratas que infestam os mares do sul da China. Deve ser estabelecida uma política cautelosa de alianças com o Governo Sínico mas, os barcos portugueses armados, devem ser utilizados apenas para a defesa da cidade e transporte de mercadorias para portos vizinhos e não se juntarem às esquadras imperiais nem aos comboios comerciais chineses, a fim de se evitarem problemas desnecessários com os piratas. No entanto louva o Senado e inicia aqui um processo de várias remessas de tropa, artilharia e munições.
É de Abril a primeira devolução de contas, já do ministério de Arriaga. Os balanços de receita e despesa dos Cofres da Administração do Senado, referentes aos anos de 1802-3 vêm «para corrigir omissões e outras informações pouco claras». O Vice-Rei ordena rectificações do «pouco cuidado que esse Senado tem aplicado à arrecadação das quantias» de cada um dos devedores e «à facilidade com que confia somas àqueles mesmos devedores». Não perdendo tempo, exige ainda em mais uma carta ao Senado, de 5 de Abril de 1805, a relação correcta dos navios dos moradores devido às «alterações que tem havido», ao mesmo tempo que remete cópia de uma carta régia pedindo donativos para o dote da p incesa D. Catarina e para suster a crise da nação.
É de Abril a primeira devolução de contas, já do ministério de Arriaga. Os balanços de receita e despesa dos Cofres da Administração do Senado, referentes aos anos de 1802-3 vêm «para corrigir omissões e outras informações pouco claras». O Vice-Rei ordena rectificações do «pouco cuidado que esse Senado tem aplicado à arrecadação das quantias» de cada um dos devedores e «à facilidade com que confia somas àqueles mesmos devedores». Não perdendo tempo, exige ainda em mais uma carta ao Senado, de 5 de Abril de 1805, a relação correcta dos navios dos moradores devido às «alterações que tem havido», ao mesmo tempo que remete cópia de uma carta régia pedindo donativos para o dote da p incesa D. Catarina e para suster a crise da nação.
Pese embora estes primeiros dissabores do Ministro, em 18 de Outubro seguinte e em resposta a este pedido, ele avança com um terço do ordenado de 2000 patacas. O Governador adiantou 500 e Januário Agostinho de Almeida 10000, num conjunto médio de ofertas de 100 patacas. Parece elucidativo de quem pode e quer mostrar, tanto mais que a cidade continuava a atravessar uma grave crise.
Os piratas levam mesmo a que o Senado proíba a compra de navios de dois mastros, melhores alvos na mira dos obuses daqueles e barco assim que entrasse na alçada da alfândega pagaria 400 taéis de multa. Por outro lado, problemas com os mandarins de Hiang San, levam a mais um corte de abastecimentos à cidade, marcando-se, em edital de 20 de Setembro, a venda no dia seguinte, entre as seis e as nove horas da manhã, de arroz e peixe, mediante apresentação de senhas de racionamento.
A situação era realmente critica. Nesse ano, ao longo de várias reuniões do Conselho Municipal, discutem-se as dificuldades económicas e por conseguinte a questão da limitação ou não, da entrada de ópio e o eventual aumento de direitos. Os grandes mercadores querem a entrada franca do anfião sem aumento de taxas e o Juiz da Alfândega assume a liderança, defendendo que as dificuldades criadas ao comércio português só provocam o aumento do contrabando fora de portas.
Em carta de 4 de Dezembro, dirigida ao Vice-Rei, o Ouvidor justifica o aumento de direitos sobre o anfião estrangeiro para compra de pólvora, alojamento para as tropas e pagamento de soldos. Quebrava-se o sentido liberal, em vigor, da livre concorrência, mas Arriaga ganhava em prestígio junto dos poderosos de Macau. Afinal, ainda nesse mês de Dezembro lhe foi endereçada uma nova boa notícia. Por ordem de Vice-Rei foi aumentado em 756 taéis e 250 caixas de anfião, de retroactivos desde 2 de Janeiro de 1803.
Entretanto, no campo social e de âmbito sanitário, consegue Arriaga amealhar outros pontos e mesmo com alguma casualidade, não se lhe poderão retirar os méritos. Em 1802 o Senado endereçou uma petição ao Conselho Ultramarino, onde está o antigo Ouvidor Lázaro da Silva Ferreira, pedindo o estabelecimento de um partido médico municipal. Em Abril de 1804, o Conselho manda o Ouvidor consultar os representantes da cidade sobre a necessidade de um médico municipal, para além do cirurgião militar e pede uma estimativa de despesas.
Apesar de só em Agosto de 1807 aquele eminente Conselho estabelecer o limite máximo de despesas para o requerido partido médico municipal46 em Dezembro de 1805 Arriaga já tem o parecer positivo e tendo já dado uma informação ao Senado e ao Vice-Rei, em Maio deste ano, sobre a chegada de um médico via Manila, com a vacina anti-variólica, é só em 10 de Janeiro do ano seguinte que Miguel de Arriaga envia um ofício ao Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, informando ter chegado de Manila um médico da Real Câmara de Sua Magestade Católica, que experimentou com a sua autorização aquele «maravilhoso invento». Espera fazer chegar esta novidade a Cantão e congratula-se com a «condescendência do Governador» que tem servido a Colónia. Manda ainda um mapa de inoculados, sendo a maior percentagem de crianças, sem se conhecer nenhum resultado negativo.
Na verdade, o afã da vacinação feita pelo médico municipal Domingos José Gomes, é enorme e José Caetano Soares, considerando esta a coroa de glória do homem que era também Juiz dos Feitos da Misericórdia, apresenta uma carta de Domingos Gomes, entusiástica e louvatória de Arriaga e vários mapas de vacinas. Passados dois anos, mais de setecentas pessoas tinham sido inoculadas com resultados plenos. Entretanto, toda a movimentação e apoio dado por Arriaga, no caso da vacina, a Domingos José Gomes, parece ser a premonição da ordem régia de 14 de Abril que mandava substituir aquele cirurgião por ter «ocupações que o distraiem do exercício da sua profissão, em grave dano, principalmente dos enfermos pobres».
O Visconde da Anadia, Vice-Rei do Estado Português da Índia, não parece ser muito favorável ao Senado ou ao governo de Caetano. Na mesma data, por ser «oposta à liberdade estabelecida por Carta Régia de 12 de maio de 1802», proíbe a pretensão do Senado para aumentar os direitos sobre o anfião estrangeiro. O ano de 1806 é também o ano da substituição de Caetano de Sousa Pereira por Bernardo Aleixo de Lemos e Faria, em segunda nomeação, que chegará em Abril e tomará posse em 8 de Agosto desse ano.
Em outra carta, acusa o Senado de ter recebido em Dezembro de 1804, um empréstimo de 40000 patacas sem necessidade de maior, a juro de dez por cento, do morador Manuel Pereira. Tais práticas devem acabar. E noutra ainda, também desse dia, discorda do armamento de grandes navios para dar caça aos piratas. Navios pequenos e chatos, para além de serem mais baratos, são de melhor manobra nos braços dos rios onde se acoita a pirataria. Desautoriza a compra do grande navio «Ulisses» pelo Senado, ordena a sua venda e que o produto revirta a favor da divida a Manuel Pereira51. Mas, se este expediente parecia não beliscar ainda, directamente, a figura do Ouvidor, em Junho surge o primeiro choque oficial, em Macau.
Sendo certo ou não, com o pretexto de reparações, o brigue inglês «Antelope», pede autorização ao Governador Caetano Pereira e aporta na Taipa. Inquietos, os comerciantes, sabedores das velhas pretensões britânicas, reúnem o Senado, a 17, a fim de tomarem uma atitude, agitados por Arriaga.
Sendo certo ou não, com o pretexto de reparações, o brigue inglês «Antelope», pede autorização ao Governador Caetano Pereira e aporta na Taipa. Inquietos, os comerciantes, sabedores das velhas pretensões britânicas, reúnem o Senado, a 17, a fim de tomarem uma atitude, agitados por Arriaga.
O navio está armado? Vem a corso? Traz mercadoria? As opiniões dividem-se, enquanto o rico Januário, com interesses em Bengala, se abstem dizendo que são negócios políticos que não percebe. A questão fica adiada, à espera da posição do Governador.
Quatro dias depois, Caetano de Sousa Pereira diz que a «proposta do Ouvidor é fundada unicamente em conjecturas destituídas de princípios sólidos e certos. Deveria ter poupado a esta Mesa o trabalho de convocar o Conselho só para fazer correr notícias indecorosas acerca da Nação inglesa, esquecendo-se que o comandante do brigue pediu licença ao Governador. O brigue está só para consertos e não para comércio e o Ouvidor só pode fiscalizar barcos mercantes». Por outro lado, há que ter em conta vários favores prestados pelo governo inglês a mercadores portugueses, como é o caso de Januário Almeida. Mais outros tantos dias e o Conselho Municipal decide que o brigue estava às ordens da Companhia Inglesa. Deve-se avisar o comandante que, face ao descontentamento da cidade, deve levantar ferro. Avisar-se-á igualmente, o Vice-Rei52. Começam aqui a desenhar-se os contornos de dois partidos, um anglófilo e outro francófilo, em Macau, com ligações ao Governo da Índia.
O futuro governador Bernardo Aleixo de Lemos e Faria será acerrimamente anti-inglês, com o apoio do Visconde de Anadia, enquanto o substituto deste, o Conde de Sarzedas, fomentará a política de apaziguamento com os britânicos.
Em 2 de Maio de 1807, apesar de outros actos hostis por parte dos ingleses, com o apresamento de «O Voador», já é o Conde de Sarzedas, novo Vice-Rei, que escreve ao governo de Macau sobre a «obrigação da nossa íntima e antiga aliança, sob pena de proceder com exemplar castigo contra quem transgredir...». É neste episódio que, também Arriaga, sente a primeira oposição directa, a que Lucas Alvarenga se há-se referir, mais tarde54. Aliás, é curioso ver como ainda em Goa, antes de ser nomeado para Macau, Alvarenga revela confidências do Conde de Sarzedas, que contrariamente ao seu antecessor, se preocupa em dar parte dos negócios de Macau à Coroa «porque o soberano anda sempre enganado, como é costume».
Por uma questão de tacto político, até porque em Agosto tomou posse o novo Governador, ou apenas por uma questão de rigor, em Outubro, Arriaga assina um edital onde reafirma a inflexibilidade das regras do empréstimo de dinheiro a risco, e de novas regras para o pagamento de dívidas56.
Assinada a 17 de Janeiro de 1807, o conde de Anadia envia uma carta ao Senado esclarecendo já ter escrito por igual ao Governador e ao Ouvidor, para aquele orgão se instruir sobre «... um sistema médio, prudente e ao mesmo passo enérgico, a fim de nem se ofender directamente e com modo desabrido e com resistência e teima, em causas de menos importância e amor próprio e ambição da Nação Britânica, nem deixar-lhe campo livre...». Em Abril partem ordens régias dirigidas ao Ouvidor para manter uma política de amizade estreita com os ingleses, não deixando, no entanto, de protestar contra abusos, tendo em conta a defesa do Território. É chamada a atenção para a situação internacional e o caso delicado de Portugal, França e Inglaterra.
As reprimendas, agora, não cessam de chegar.
Depois de ter tentado justificar e atenuar os efeitos da questão «Antelope» junto ao Capitão General de Bengala, Sir George Barloss, o Vice-Rei, ainda em Maio, escreve a Caetano de Sousa Pereira: «... O Governador dessa há-de ler nesse Senado, como lhe ordeno, a dita repreensão, de que enviei cópia ao Meu Augustíssimo Soberano a fim de justificar os meios que procurei para evitar as funestas consequências da reconhecida ofonsa à conservação da antiga aliança que subsiste entre as Nações portuguesa e Britânica: acrescentando neste oficio para esse Senado que não parece natural para quem discorre, que por tão insignificante motivo se arriscassem as mais graves consequências à conservação desse estabelecimento». E ao Senado invectiva-o por ter «abusado da sua autoridade», e agora também por te impedido a venda do navio «Ouvidor Pereira» à Companhia Inglesa, o que vai contra a liberdade ou tolerância do comércio. Quanto a dinheiros, fica o Senado proibido de contrair mais dividas a juro, conforme carta de S.A.R. de 27 de Dezembro do ano findo e deve amortizar a que tem com Manuel Pereira, apesar da questão do pagamento dos juros anteriormente acordados, estar dependente de resolução real.
Três dias depois, o Vice-Rei volta a escrever declarando que «é incompreensível o inconstante arbítrio com esse Senado em pouco tempo ter comprado vendido e tomado a comprar, e a fretar diversos navios». Na verdade, o Senado parece comprar barcos acima do seu real valor e a vendê-los abaixo e se o Município se justifica com a pressa de ter alguns barcos para defesa e refazer algum dinheiro depois, este aspecto não anda longe dos empréstimos que o Senado contrai a juros e os que concede sem reembolso. Em contrapartida vai mantendo um barco, o «Ulisses», de manutenção mais dispendiosa, pouco prático para combate com os piratas, de que o Estado da Índia já ordenou a venda. Agora, o Vice-Rei quer ainda a relação das munições de que o Senado precisa e quer um relatório do Ouvidor sobre providências junto a Manuel Pereira para aquisição de casas contíguas à Alfândega para aquartelamento de tropas.
O período entre 1808 e 1810 é decisivo para todo o poder que Arriaga virá a usufruir em Macau. O ano de 1808 é o do casamento. Thomas Beale insinua as fortes ligações de Arriaga ao comércio do ópio, que por lei lhe estava vedado, e a ligação muito próxima a dois dos mais influentes comerciantes desta praça60. Manuel Pereira e Januário Agostinho de Almeida, futuros Comendador e 1º Barão de S. José de Porto Alegre, lespectivamente, graças aos bons ofícios prestados à Coroa, eram sócios e o segundo, pai de Ana Joaquina de Almeida, a donzela que veio a casar na capela da família com o Fidalgo Cavaleiro da Casa Real e Ministro Ouvidor de Macau, entre outros cargos, Miguel de Arriaga Brum da Silveira, de 29 anos de idade.
Este é o corolário de duas carreiras ambiciosas e brilhantes. Uma, política e que no seu parco salário se quereria ver aureolada com bens que não herdara. A outra, a do sogro, mercantil, desejosa de ver o sangue da família nobilitado e necessitada de facilidades político-administrativas.
Na verdade, nos documentos consultados são inúmeras, desde 1789, as petições do futuro Barão até à oferta do «Page» ao Senado e ao empréstimo gratuito de 60000 patacas a uma Coroa quase falida, o que lhe virá a valer os maiores favores.
As ligações de Januário parecem ser as mais diversas. Aos comerciantes da cidade, aos ingleses, aos chineses e à Corte, onde não poderia passar despercebido um homem tão rico e generoso. Sobre os agentes desta ligação é que pouco mais se pode fazer do que apontar algumas probabilidades.
Uma hipótese seriam os conhecimentos trazidos po Arriaga e de que já falámos. Outra, a relação amistosa de Bernardo Aleixo de Lemos e Faria com o Ouvidor e o sogro e por sua vez, daquele com Veiga Cabral, Conde de Anadia, que foi Governador em Goa e veio a ser, antes de Araújo, Secretário de Estado dos Domínios Ultramarinos, no Brasil.
Aliás, a sistemática recondução de Lemos e Faria, que tinha caído em desgraça em 1788 e que acabaria por ser o fulcro das novas boas relações de Macau com a Coroa, mantendo a família em Lisboa, daria azo a umas quantas insinuações maliciosas por parte de Alvarenga, sobre as razões porque interessava manter aquele governador longe e assim a permanente garantia de estímulos que conviria serem-lhe dados.
Sendo, então, as relações com a Corte privilegiadas como referem Alvarenga e Thomas Beale, resta procurar a hipótese de qualquer outro elemento que pudesse trazer mais alguma forma de favores. Podê-lo-iam ser os corredores de comércio com os barcos de Macau, podê-lo-iam ser a afinidade ideológicas entre gente bem colocada ou a presença de amigos ou familiares de cada uma das partes em Macau ou no Rio de Janeiro.
Januário Agostinho de Almeida ostentará um título brasileiro, mas não se lhe conhecem antecedentes naquela colónia. Talvez houvesse em Macau gente próxima do Conde da Barca, Araújo de Azevedo, que não desdenhasse de um tratamento diferente por parte dos influentes daquela cidade. Azevedos em Macau são vários e alguns devedores da generosidade tanto do Barão como do Ouvidor. Araújos respondem da mesma maneira e sem comprovar coisa alguma.
A própria Baronesa de Porto Alegre tinha sido casada em primeiras núpcias com António Pereira Araújo, Mas, se estes dados pouco dizem, já se torna interessante saber que o sargento-mor Francisco de Mello da Gama de Araújo de Azevedo esteve aboletado em Macau recebendo pagamentos através do Senado.
De qualquer das maneiras, o mais provável é que a ascensão política destes dois homens acontecesse pelo dinheiro de um e pela manobra diplomática de outro. Não há dúvida é que o casamento de Arriaga foi o fechar de mais um importante elo numa autêntica «estratégia da aranha».
Porém, pela mesma altura, há notícias de alguns estranhos empréstimos contraídos pelo Ouvidor, relatados pelo escrivão da Câmara e da Fazenda. O Senado escreve ao Príncipe Regente apelando protecção face, mais uma vez, às dificuldades económicas e outras ameaças o que não impede que, novamente, o Conde de Sarzedas verbere o mesmo Senado por querer suplantar o Governador na controversa autorização de residência a estrangeiros. Neste caso, sugere ele, deve haver acordo entre aquelas duas autoridades, promover-se a tolerância mas, sem se permitir uma entrada desregrada.
Não atende ainda o Vice-Rei às novas pretensões da Câmara macaense para que o exclusivo do comércio seja dado aos habitantes de Macau, o que vai contra todas as liberdades e mais grave seria a pretensão de o dar só aos casados porque à luz da Lei Divina, ser solteiro não é crime. A este respeito já em 1800 o Senado alegava que não só o comércio dado a estrangeiros que não se consorciassem com as filhas dos moradores de Macau, como o que era dado a solteiros permitiria um injusto enriquecimento daqueles que não tinham gastos familiares e que se calhar nem pensavam investir naquela terra. O que se passava é que o ambiente gerado por estes e outros motivos era o próprio da caminhada a passos largos para novos focos de grande tensão.
Já em 30 de Dezembro de 1807 e a 9 de Janeiro de 1808, o Senado pedira instruções a S.A.R. acerca das relações com a Nação Britânica, cuja resposta chegará em 17 de Abril de 1809 dizendo «que é necessário conservar um sistema médio, prudente e ao mesmo tempo enérgico». Se por um lado temos aqui mais uma costumeira declaração anódina, ainda em 1808 já tinha chegado de Lisboa a Goa aviso para o envio de tropas não só para ajudar Macau contra os piratas como para reforçar a autoridade do Governador. Por notícia de lord Minto a Bernardo José Lorena, Conde de Sarzedas e Vice-Rei do Estado da Índia, também se sabia que a esquadra de William Drury já largara a caminho de Macau com c pretexto de protecção devido à guerra contra o imperialismo napoleónico e por essa altura chegou a Goa o pedido de demissão de Lemos e Faria, um ano antes do final do triénio, «por causa das moléstias», argumento achado por pouco convincente. Foi então que Lucas José de Alvarenga foi nomeado pelo Vice-Rei para Governador de Macau e Bernardo Lorena o terá avisado da «oposição sabida e costumada do Senado e do Ouvidor, mortais inimigos de todos os Governadores».
A 7 de Julho o Conde de Sarzedas assina a ordem dada a Lemos e Faria de aceitação das forças inglesas quando chegassem a Macau. Lançados os ferros ao largo da cidade, a 10 de Setembro de 1808, Drury enviou um «sobrecarga» ao Governador a entregar as ordens de lord Minto que explicavam a presença inglesa que se devia apenas aos acordos entre as duas Nações e à defesa de Macau contra a ameaça francesa.. Drury está disposto a conferenciar antes do desembarque, mas o Senado terá de se mostrar disponível para cooperar nas medidas a tomar para segurança da cidade e do comércio. Em caso contrário, o almirante ver-se-á obrigado a tomar uma atitude drástica.
É evidente que a cidade não se convence das intensões inglesas e Lemos e Faria anuncia a dispensa daquela protecção e pressionado pelo Senado e naturalmente, pelo Ouvidor, envia uma chapa aos mandarins avisando das incómodas ou mesme ameaçadoras pretensões inglesas. Drury reage acusando o governo de rebelião e apresenta um ultimato.
No dia seguinte, a 20 de Setembro, reúne o Conselho Municipal com a presença dos Bispos Diocesano e do coadjutor de Pequim. A divisão no seio dos conselheiros é evidente. Macau não tem meios de defesa para se opor, as autoridades chine sas só admitem portugueses numa terra que dizem ser deles mas, com as velhas ambições cornerciais inglesas não haverá já conluios entre britânicos e mandarins? Manuel Pereira defende o acordo com os «aliados» a fim de evitar vexames em terras de Sua Alteza Real. O Comissário Provincial dos Agostinianos mostra o exemplo da Família Real e apela, talvez ironicamente, ao abandono de Macau. Arriaga fala em prudência, em resistir cautelosamente, nos cuidados a ter com os ingleses e nos interesses político-comerciais com os chineses. Os Bispos falam no mesmo tom e o Governador diz submeter-se à maioria do Conselho. A resolução é a óbvia aceitação dos britânicos mas, negociando, por um lado, com eles, por outro, com as autoridades sínicas.
No dia seguinte sem esperar mais formalidades, os ingleses iniciam o desembarque. Arriaga tenta arranjos de última hora e em novo Conselho firma-se uma Convenção que estabelece a manutenção das leis portuguesas, dos tribunais, da subordinação dos britânicos às autoridades existentes, do hastear único da bandeira portuguesa, que as munições sejam distribuídas pelo governo, que o almirante Drury não intervenha junto de quaisquer navios que aportem a Macau e que o Conselho Municipal arbitre os problemas surgidos entre ingleses e chineses. As tropas inglesas vão-se instalando nas várias fortalezas da cidade, deixando apenas a do Monte para o Governador e acabam por desembarcar mais do que ha ia sido acordado, com grandes protestos na cidade.
Passados dois dias, a 23 de Setembro, chegará Lucas José de Alvarenga no barco inglês «Eliphston», para tomar posse lá para Dezembro. Este homem não só será, posteriormente, acusado pelo Senado e pelos mandarins de ser apaniguado dos ingleses, como face ao crescendo de dificuldades, estes o pressionarão a tomar posse quanto antes. Por tudo isto acabará por sentir a resistência à sua tomada do cargo por parte de Lemos e Faria, Arriaga e Senado e tendo forçado a posse para 26 de Dezembro, ela acabará por acontecer só a 1 de Janeiro seguinte devido a doença de última hora.
Entretanto, a 8 de Outubro o importante mandarim da Casa Branca manda uma chapa ao Suntó de Cantão, informando que «o intento dos ingleses é apoderarem-se da cidade de Macau...já montaram mais de 300 tendas» e que se vêm refugiar da luta com os franceses. Termina dizendo de forma curiosa mas henesta que «estas são as inquirições que aqui temos feito se elas são ou não verdadeiras é o que não sei». Depois, ao mesme tempo que estalam os primeiros distúrbios na cidade entre chineses e soldados ingleses, Drury sentindo cada vez maior hostilidade, falta de víveres e os avisos belicistas, resolve ir a Cantão, acompanhado após autorização, do «língua» Pe. Rodrigo, onde é mal recebido. Os acontecimentos precipitam-se com a troca de cartas, chapas e mensagens verbais, durante os meses de Outubro e Novembro, entre portugueses, ingleses e chineses. Quem teria fornecido aquelas informações ao mandarim não é conhecido mas, Arriaga passa a estar na mira dos britânicos e mais tarde de Lucas Alvarenga. As desconfianças chegam a tal ponto que tentam inspeccionar a correspondência entre o Governador e os mandarins.
Em 30 de Outubro, com a situação ao rubro, Lemos e Iária escreve a Drury mostrando firmeza patriótica e zelo pelas alianças régias, enquanto lastima o que se está a passar. O Povo da cidade está descontente e não percebe a atitude inglesa. Garantindo a fidelidade à Casa de Bragança «não tenho dúvida em prestar a minha condescendêi cia à vontade do almirante... mas devido à oposição dos chineses ao comércio britânico, tenho grande embaraço no cumprimento do meu desejo». É urgente uma solução satisfatória para todas as partes.
Entre os finais de Novembro e os primeiros dias de Dezembro, o Suntó de Cantão faz anunciar um decreto imperial que manda marchar tropas chinesas para, de modo humilhante, forçar a evacuação britânica de Macau. A situação inverte-se e a anterior preponderância inglesa passa à defensiva. Os ingleses insistem com a tomada de posse do que consideram o melhor interlocutor, Lucas de Alvarenga. Este diz acompanhar o processo, mas que não quer impor decisões enquanto essa posse lhe não for dada81.
No dia 11, um documento conjunto assinado pelos responsáveis britânicos, Bernardo Aleixo de Lemos e Faria, Miguel de Arriaga e Lucas José de Alvarenga, estabelece, por fim, as bases da retirada das forças inglesas e mandata o Ouvidor que leve a Whampoa os termos deste acordo a fim de evitar a ocupação chinesa e negociar o término da retenção de víveres.
Uma vez mais, Arriaga se movimenta com extraordinário à vontade nas negociações com dlgnitários chineses e tudo isto não sem que, antes, chegasse nais uma chapa do mandarim de Hiang San, dirigida ao Procurador do Senado, afirmando sabe que Lucas de Alvarenga chegou num barco inglês e que quer tomar posse quanto antes, que é seu parecer que Lemos e Faria tem dirigido bem os negócios e que os ingleses se devem retirar antes do novo governador ser empossado. Arriaga entregara uma carta a Lemos e Faria, afirmando ter já convencido «civilizadamente» Drury a retirar. A carta que o Governador demissionário deixará, louvando Arriaga pela questão da resolução inglesa é, não só, a anulação de qualquer veleidade quanto a este aspecto por parte de Alvarenga como início de um empolado esplendor do Ouvidor.
Em 20 de Dezembro, Lucas de Alvarenga apresenta ao Senado o documento régio que prova ter sido Lemos e Faria a pedir dispensa do 3º ano de mandato e que ordena a sua posse ainda durante o ano de 1808. Passados dois dias é afixado um bando pelo Senado, anunciando a tomada de posse do novo Governador para o dia 26 mas, a 25 é afixado um 2º bando onde se lê que «devido a molestia do dito senhor», a posse de Lucas Alvarenga é adiada para 1 de Janeiro de 1809, o que efectivamente acontece.
Novos conflitos institucionais
É curioso ver nas «Memórias» de Lucas de Alvarenga como ele justifica o facto de ter vindo no «Elphinston» apenas por ter perdido outro transporte, o que lhe causou grandes transtornos por se ter deslocado por terra, de Goa para Bombaim, para não perder mais tempo.
De qualquer das formas, segundo diz, três meses após a sua chegada a Macau, os ingleses saíram na maior amizade, apesar de, agora, com os mares mais livres, terem os piratas regressado em força. Alvarenga lamenta a situação que encontrou. Encontrou os cofres exauridos com deficitários negócios de barcos e armamento, sem quaisquer resultados práticos na luta contra os piratas. Contra a opinião geral do Senado, arregimentou milícias e armou a fragata «Belisário». O que é certo é que tomada a posse a 1 de Janeiro, logo depois começam a surgir graves problemas.
O Comité Selecto da Companhia Britânica dirigira ao novo Governador queixas de grande melindre sobre Arriaga87 e toda a desconfiança trazida em relação aos poderes institucionais de Macau, agrava-se. Entretanto, o intérprete Pe. Rodrigo que acompanhara Drury a Cantão, fora preso e mal tratado pelo mandarim de Hiang San, por suspeita de ser adepto da ocupação inglesa. Em reunião de vereação de 6 de Janeiro, o Senado nomeia o Ouvidor e o Procurador Joaquim de José Barros a negociarem com o mandarim uma fiança para libertação do Pe. Rodrigo. No dia seguinte é recebida uma chapa do seu sequestrador a explicar os motivos da prisão, motivos melhor esclarecidos mais tarde, em 2 de Fevereiro, com nova chapa a explicar estarem-se a cumprir ordens do Suntó de Cantão.
Logo a 8, o Governador escreve ao Conde de Sarzedas a explicar porque só tomou posse a 1 desse mês e que por seu mandado a comissão nomeada trouxe o padre intérprete para a Fortaleza do Monte89. Nas suas «Memórias», há-de dizer que intimou pela força militar o mandarim. De qualquer das maneiras dá a questão inglesa por encerrada.
Mas, o caso do Pe. Rodrigo ainda dará que falar. Mons. Manuel Teixeira refere um manuscrito do Reitor do Seminário de S. José, datado de 16 de Janeiro de 1809, onde se fala na libertação daquele «língua» graças à atitude enérgica do Ouvidor Arriaga. Em 28, em carta dirigida ao Visconde de Anadia, anterior Governador da Índia, protector de Bernardo Aleixo de Lemos e Faria e agora poderoso Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, Alvarenga congratulando-se com aquela nomeação e acompanhamento do Rei para o Brasil, tenta comprovar a sua tomada de medidas iniciais pela intriga entre Bernardo de Lemos e Faria e Miguel de Arriaga. Sobre este, os ingleses terão dito coisas gravíssimas e põe em dúvida a fidelidade do Pe. Rodrigo. A carta não é muito dignificante para o Governador, tanto mais que o padre na sua conveniente e rápida retirada de Macau acaba por acusar «os partidistas franceses» de intriga e de o terem conotado com a ocupação inglesa e por conseguinte culpá-los da sua prisão. Apresenta desculpas e pede o entendimento do Governador para a sua saída.
Enquanto isto, estalam os conflitos entre o Governador e o Senado, onde era notória a influência do Ouvidor. A meados de Janeiro, Alvarenga, sem mais demoras, admoesta o Senado àcerca de interpretações abusivas de Direito Consuetudinário e fundamenta os seus argumentos com ordens régias antigas e recentes. Cerca de dez dias depois, volta a advertir seriamente aquela Câmara de não obedecer as ordens reais e intima-a com a autoridade do Governador94. Logo de seguida o Senado reúne e em longa carta contesta o primeiro ofício daquele. Afinal, os membros do Senado não auferem vencimentos para serem vereadores, isto é, profissionais da política, que, mesmo assim, dão o seu melhor, que seguem os princípios que já seguiam outros doutos Governadores e Ouvidores, que Lucas de Alvarenga está há poucos dias em Macau e não conhece as realidades da terra e nem sequer tem comparecido às reuniões do Senado como é seu dever e ameaçam verem-se obrigados a escrever ao Vice-Rei e à Corte a pedir a demissão colectiva.
Passado um mês de governação, com a pressa em moralizar, Lucas de Alvarenga perdeu o tacto político e criou uma situação de extremo azedume e grande inquietação. No final de Janeiro volta a cometer novo erro. Em nova carta ao Visconde de Anadia, que como sabemos não seria muito adepto da causa inglesa, nem de Alvarenga, pede a ratificação da carta régia de 9 de Março de 1746, que mandava expulsar todos os estrangeiros de Macau. O Governador vê agora uma boa ocasião para expulsar os holandeses, que na Europa são aliados de Napoleão, e aqui vivem numa promiscuidade político-comercial com o Senado. Nada disto acontecerá, como veremos.
Ainda assim, na escolha da deputação ao Rio de Janeiro, Lucas de Alvarenga realça as virtualidades de Miguel de Arriaga e defende que deve ser ele o redactor da carta de homenagem ao Soberano, o que não o impede de entrar em nova guerrilha epistolar com o Senado, sobre o protocolo para a sua convocação. E isto vai dar origem a que a Câmara escreva directamente ao Príncipe em 7 de Março, acusando a «estranha pretensão do actual Governador desta cidade» sobre o protocolo de convocatória. Pede regras para no futuro «se evitarem desgostos e perturbações».
Por outro lado, não deixa de ser digno de registo, Arriaga ter-se mantido na sombra desde o inicio dos diferendos e só começar a assinar os documentos senatoriais, a partir de 18 de Março. Possivelmente, as razões de Lucas José de Alvarenga eram muitas e boas, mas há que reconhecer a forma pouco cautelar e desastrosa como inicia a sua governação. As acusações que faz ao modo como Arriaga e Bernardo de Lemos e Faria geriam o Cofre Público e os estranhos conluios financeiros com mercadores, fazem-no descurar a prudência. Nunca chegou a modificar o que quer que fosse e apesar de algumas decisões importantes, passado um mês, é um homem em queda acelerada.
Lá para os finais do ano chegará uma carta régia, assinada em 10 de Abril reconduzindo novamente a sombra negra de Alvarenga, Bernardo Aleixo de Lemos e Faria, devido apenas à teia maledicente entre este, o Visconde de Anadia, o Ouvidor Arriaga e o seu conterrâneo, com ele desavindo mas brilhante oficial de marinha em Macau, Teotónio Braga, diz o Governador.
Em Abril já é Arriaga, como Desembargador Administrador da Alfândega, que protesta junto a Lucas de Alvarenga a prisão de um marinheiro da alfândega devido ao desconhecimento do Governador dos procedimentos dos antecessores no que respeita a serviços gratuitos feitos pelas lorchas, que não estarão apenas para a defesa da cidade. Alvarenga responde, que por ordens reais, as lorchas são para defesa e outros serviços só acontecerão esporadicamente e com autorização prévia.
Entretanto, a troca de chapas com mandarins reflectem coincidência nas preocupações com o crescimento da pirataria, enquanto o Senado volta a receber nova reprimenda do Conde de Sarzedas, agora por ter dispensado a ida de navios de comércio à ainda mais isolada colónia de Timor. Deste ano, apenas nos é dada notícia de Arriaga ter estabelecido uma fábrica de pólvora em Macau, surgindo, publicamente, a dirigi-la o boticário Joaquim dos Santos.
Esta questão da pirataria, que irá ter o ponto alto entre Setembro de 1809 a Janeiro de 1810, é um tema de grande polémica em duas vertentes. Uma, porque é o passo decisivo para a glorificação de Miguel de Arriaga, não tendo tido ele sempre uma atitude suficientemente clara. Outra, à volta do líder da dita esquadra pirata, Kam-Pau-Sai.
Para a grande maioria Kam-Pau-Sai não passava de mais um, mas poderoso, pirata dos que enxameavam os mares do Sul da China. Outros, deixam escapar que a luta deste homem tinha como principal objectivo o afastamento da dinastia tártara. Abordaremos aqui a questão, apenas, na perspectiva do protagonismo de Arriaga.
Informa Mons. Teixeira que em Setembro Kam-Pau-Sai apresou um brigue de António Botelho e o passeou provocatoriamente à vista de Macau. Até aqui a afronta nunca tinha ido tão longe. Perante o recrudescer das hostilidades e o próximo fim do triénio de Miguel de Arriaga, o Senado escreve ao Vice-Rei reforçando uma súplica já feita a S.A.R. para recondução de Arriaga pelos seus inestimáveis serviços ou, pelo menos, enquanto «não finalizar negociações importantes que estão pendentes do Suntó de Cantão».
Tudo isto terá a ver com o comércio legal ou ilegal entre Macau e a China, com Kam-Pau-Sai de permeio, a quem não é difícil adivinhar a subsistência através não só da pilhagem costeira e marítima, mas também do lucrativo contrabando do ópio. É que os interesses comerciais e a conjugação de ideias das autoridades sínicas com os mercadores portugueses e contra os avisos régios, continuam na ordem do dia, tal como o permanente beliscar entre o Senado e o Governador. Vemos isso ainda em Setembro com o mandarim de Mong Há que em chapa enviada, transcreve ordens do imperador onde os negociantes estrangeiros depois de comerciar o estritamente necessário não podem permanecer em Macau.
Mas, a fim de responder ao crescendo agressivo de Kam-Pau-Sai, Lucas de Alvarenga afirma ter obtido «certa soma em dinheiro» dos mandarins para armar os barcos necessários e derrotar os piratas. Este acordo, entre os mandarins representantes do Vice-Rei de Cantão e o Governo de Macau representado pelo Ouvidor, feito em 23 de Novembro, continha seis parágrafos que previam uma esquadra conjunta com seis navios portugueses, a cedência de 80.000 patacas por parte das autoridades chinesas, a divisão equitativa do espólio de guerra e a restauração dos antigos privilégios da cidade de Macau. Enquantc que para muitos tudo se vai resolver satisfatoriamente graças a Arriaga, António Feliciano M. Pereira redu-lo ao papel de executor de ordens e acusa-o de ambição cega.
Entre as expectativas criadas com tal acordo, a ideia da esquadra conjunta contradiz claramente anteriores ordens régias, que já aqui vimos. Tanto assim é que ainda em Novembro o Senado escreve ao Vice-Rei justificando o acordo de cedência de seis embarcações e o acréscimo das despesas, pedindo mais tropas e munições.
Entretanto em Dezembro, respondendo a uma intimação, Kam-Pau-Sai afirma querer as pazes com os portugueses mas, não por estar assustado Só não se quer submeter ao imperador, apesar das promessas que tem recebido de oferta de um mandarinato. Os portugueses devemse retirar para Macau para ele fazer o que tem a fazer. Na verdade, não é isto que se vai passar. Depois de uma série de confrontos menores, os portugueses vão dar caça a Kam-Pau-Sai, sem esperar pela frota chinesa.
Tendo recebido 55.000 patacas das 80.000 prometidas, diversos autores falam nos vultuosos empréstimos particulares contraídos por Arriaga para armar os navios, dívidas essas que o irão atormentar até ao fim da vida e que terão chegado aos 480.053 taéis. António F. M. Pereira, mais prosaico, anota o dinheiro chinês em contraponto com as grandes dívidas, sobretudo aos mercadores Félix Tovar e José Coimbra para além de Arriaga exaurir os cofres do Estado. Mas, um novo facto surge.
As súplicas do Senado não terão chegado a tempo de impedir a vinda de João Guimarães Peixoto para substituir Arriaga e logo no primeiro dia de 1810 aquela instituição informa o Governador Lucas de Alvarenga que, por sua vez, o Ouvidor ainda em exercício havia comunicado que Peixoto queria tomar posse da Ouvidoria «amanhã dia dois. Que o Governador diga do que for servido». Este Guimarães Peixoto, tal como Alvarenga, deveria vir com mil ideias feitas sobre os malefícios de Macau e a pressa, da mesma maneira, o haveria de trair.
Por seu lado, Lucas de Alvarenga afirma que Arriaga lhe exigira que não desse posse a Peixoto ou então que o viesse a nomear a ele vogal do Senado «segurando-me a aprovação da Corte que com ela tinha razões de contar», coisas que, obviamente iam além da autoridade do Governador. No entanto, Alvarenga enumera as ordens oficiais que deu, comissionando Arriaga como plenipotenciário na questão Kam-Pau-Sai, devido aos tratos já tidos e facilidades de movimentação, apesar de ter dado posse a Guimaraes Peixoto.
Quanto a Kam-Pau-Sai, foi tendo uma série de desaires que acabaram na conhecida batalha da Boca do Tigre, em 21 de Janeiro de 1810, com a derrota militar daquele por erro estratégico provocado por José Pinto Alcoforado. Sobre a capitulação a Arriaga e o facto de ela não se dar em Macau mas em Hiang-San, as opiniões divergem e é difícil garantir a isenção de qualquer uma. Face aos dados apresentados, desta vez, Arriaga tem um comportamento que não consegue ser explicado convincentemente.
Começa por ser estranho, tanto Kam-Pau-Sai como os mandarins exigirem a presença de Arriaga para negociarem os termos da capitulação do rebelde. Tudo isto apenas pelo grande prestígio de um Ouvidor intocável? Alvarenga, nas suas «Memórias», diz, tal como Mons. Teixeira anuncia, que por reconhecer no infeliz Bispo de Pequim, D. Joaquim de Sousa Saraiva, sempre retido em Macau, um homem de bom senso, ainda tentou que fosse ele a negociar em Hiang-San tal capitulação, o que lhe poderia trazer proveitos em termos de reocupação da sua cadeira episcopal. D. Joaquim, homem cauteloso, conhecedor do emaranhado de interesses existentes em Macau e receoso da sua presença ser sentida pelos mandarins como pressão, declinou a missão.
Também estranho é o facto dos portugueses terem na mão um homem, podendo Macau tirar algumas contrapartidas do governo imperial e entregarem-no às autoridades chinesas, descurando, no momento próprio, os termos do acordo feito. Não deixa de ser intrigante e dar azo a que se levante a questão: Kam-Pau-Sai terá sido mesmo um pirata derrotado? Ou Kam-Pau-Sai seria um incómodo adversário comercial o político que, graças a um erro de estratégia, acabou por ceder a umas quantas mordomias?
José Inácio de Andrade acusa Alvarenga das falhas verificadas, que era tímido e cobarde e que por sua causa Kam-Pau-Sai não se rendeu a Macau. Foi Arriaga que teve que tomar as rédeas de tudo e sem outra alternativa senão encaminhar a rendição junto dos mandarins em Hiang-San. Mas, acaba por cair em confusão quando diz que o Governador dera ordens para as forças portuguesas atacarem Kam-Pau-Sai se este saísse de Macau, o que veio a acontecer apesar das tentativas contrárias por parte de Arriaga e dos mandarins. Gonzaga Gomes diz o mesmo, mas o episódio parece ter mais lógica contado de outra maneira. Ouçamos Alvarenga acerca dos factos, já depois da vitória de Pinto Alcoforado na Boca do Tigre, onde retinha Kam-Pau-Sai encurralado.
«...Partiu Arriaga para a Boca do Tigre dizendo que ia a negócio particular afinal esteve com o cabeça dos Piratas» e quando Alcoforado espera a entrega definitiva eles foram embora. Foi aqui que o capitão reagiu para travar a saída e Arriaga interveio com novas ordens. O comandante Alcoforado terá mesmo estranhado as atitudes do Ouvidor. O mesmo se passa quando são feitas as honras finais e o Governador distingue Pinto Alcoforado e o inimigo de Arriaga, Teotónio Braga, confessa ter sabido de um «facto terrível» passado com Arriaga mas que prometera calar-se em troco da rendição dos piratas dentro do tempo «que lhes marcou», isto é, antes de ser substituído.
Inácio de Andrade que vê em Lucas de Alvarenga um brasileiro que não devia ter vindo para Macau injuriar os macaenses acenando com as Disposições vexatórias de 1783, de Martinho de Melo e Castro, nega aquelas insinuações perguntando «Arriaga comprou alguém? Falso. Mas se fosse verdadeiro prova que era Miguel de Arriaga quem predominava em Macau». Estranha forma de defesa, convenhamos.
Mesmo Luís Gonzaga Gomes, outro admirador do agora e por enquanto ex-Ouvidor, diz-nos ter sido Alvarenga a ter recebido o pedido de auxilio do mandarim de Hiang-San para a luta contra os piratas. Que, os ingleses forneciam munições a Kam-Pau-Sai e ofereciam auxilio aos chineses, não custa acreditar. Que, tendo os portugueses de jogar neste difícil tabuleiro, Arriaga funcionou como elo da grande influência que exercia nos membros do Senado e persuasão fácil junto às autoridades chinesas, o que o levou a induzir o Vice-Rei de Cantão a rejeitar o auxilio da Companhia Inglesa das Índias orientais como provará um memorial, entregue através de um influente negociante português em Cantão.
Um negociante com este perfil poderia ser o sogro de Arriaga, mas nada de concreto nos é adiantado àcerca dele. O que sabemos é que em 14 de Fevereiro o Governador de Macau interroga o Senado sobre o envolvimento de Miguel-de Arriaga na compra de barcos a Cantão que depois põe ao serviço da cidade e que o mesmo Governador receberá uma chapa datada de 18 de Abril, do mandarim de Hiang-San, louvando o fim da expedição contra os piratas e informando que o Suntó de Cantão virá em breve a Macau tratar dos «prémios», o que nunca acontecerá.
Na imediata partilha do espólio, logo após a captura, a grandeza de carácter de Arriaga, como fez transparecer Inácio de Andrade, leva a uma desiquilibrada repartição, por aquele só estar interessado nas bombardas para oferta a S.A.R.. As 25.000 patacas em falta, promessa dos dignitários chineses, nunca mais virão e a questão dos privilégios fará ainda correr muita tinta, como veremos, mas será sempre um assunto adiado.
Ainda assim outro facto pouco normal, que impressionará o próprio Kam-Pau-Sai, como igualmente veremos, é quando mais tarde, já dignitário imperial virá propositadamente a Macau para ser recebido principescamente por Miguel de Arriaga. De qualquer das maneiras esta controvérsia perdurará até hoje e não deixa de ser interessante ler um contraponto pela pena de Luís Gonzaga Gomes: «Foi mui repreensível o modo porque obrigaram Arriaga a dar contas do dinheiro, que seus inimigos divulgaram ter ele levado dos cofres públicos, em sua administração. Afinal ele só fez sacrifícios em honra da Nação e não devia nada aos cofres públicos. Ainda ficou credor de onze contos conforme dizem a Comissão criada para verificar contas, e as notícias das várias gazetas de Macau».
As quedas de Lucas Alvarenga e do Ouvidor Peixoto e a ascensão definitiva de Arriaga
Estando no auge a questão dos piratas, no início de 1810, ela ir-se-á repercutir ao longo de todo esse ano.
Em Março, o Conde de Sarzedas remete os balanços de 1807 e 1808, depois de vistos, novamente com vários reparos e é nesta altura que fica o Senado avisado que, em virtude de o próximo Ouvidor Guimarães Peixoto já estar em Macau, resta apenas ao Vice-Rei o encargo de enviar a D. João a anterior representação da Câmara macaense em abono de Arriaga e não garantir a sua recondução.
Entretanto, reprova, mais uma vez, os aumentos dos direitos em 8 taéis por cada caixa de anfião, aos mercadores. De qualquer das formas, a admissão de novos estrangeiros deve ser decidida pelo Senado conjuntamente com o Governador e na mesma remessa de correspondência vem ainda ordenado que tanto os negócios da Real Fazenda como os Sínicos não devem ser tratados sem as presenças do Governador e do Ouvidor Face ao cenário contabilístico apresentado pelo Senado é apontado que «o estado actual dos cofres desse Senado não dão lugar ao aumento dos ordenados pretendido no ofício nº 7. esperando que melhorando ele, possa em algum tempo vir a ser deferida esta pretensão». É, aqui, claro o jogo de represálias mesmo num período em que se desenrolam acontecimentos giaves em Macau.
Entretanto, em torno de Guimarães Peixoto, agudiza-se a polémica. Pretendendo a recondução do anterior Ouvidor, logo de início se verificam tentativas de impedimento ou, pelo menos, adiamento da sua posse por parte do Senado e do próprio Arriaga. Os chineses terão chegado a invadir o Senado a exigir a demissão de Peixoto e pouco depois, o acordo entre ele e Alvarenga ao tentarem que fosse D. Joaquim de Sousa Saraiva às negociações da capitulação de Kam-Pau-Sai contrariava o oferecimento de Miguel de Arriaga para ir ele mesmo a Hiang-San tratar da restituição dos privilégios da cidade.
Nesta controvérsia, Lucas de Alvarenga afirma ter tentado levar o Senado à definição da situação e que este se demitiu das suas obrigações. Mas, o que vemos é que o Governador não tinha voz junto à Corte que «tomando em consideração os bons e úteis serviços praticados», assina a ordem de recondução de Arriaga por 3 anos, que irão sendo sucessivamente renovados e manda regressar Guimarães Peixoto por conveniência nos negócios com a China. É a propósito dessa recondução que Luís Gonzaga Gomes, citando o deão da Sé à época, António Francisco Miranda de Sousa, diz ter sido a causa dos infortúnios do Ouvidor e da sua morte prematura.
Voltando às ordens reais é ainda nesta altura, datadas de 13 de Maio, que sua Alteza agracia Miguel de Arriaga com a Comenda da Ordem de Cristo, o nomeia Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação do Brasil e concede o título de «Leal» ao Senado de Macau. E continuando as «benesses», confirma a reprovação do juro acordado pelo empréstimo feito por Manuel Pereira em 1804 mas, atendendo às necessidades comprovadas e às benfeitorias do Comendador, a que não é alheia a acção do Ouvidor, manda restituir o capital de juro e por último, cria o Batalhão do Príncipe Regente, com 410 homens. Algum equilíbrio é reposto quando o Príncipe confirma o governador como Presidente do Senado e regula as convocatórias polémicas dizendo que aquele aparece sempre que queira, na Câmara, e em reuniões extraordinárias é convocado em «aviso pelo Procurador ou carta atenciosa do Senado» e que nada se pode deliberar sem a sua presença que, em caso de impedimento o deve participar atempadamente.
De pouco isto viria a servir a Alvarenga se atendermos ao tempo que mediava entre a assinatura destas cartas e o seu recebimento. É que sem saber da sua substituição, S.A.R., entretanto, reconduz Lemos e Faria e assim Alvarenga não chegará a ver estas ordens nem a que mandava ao Senado apresentar à «lª autoridade», o Governador, todos os mapas de despesa.
Mas, Maio parece ser, na verdade, o mês das boas vontades régias. Os barcos que comerciam entre Macau e o Brasil ficam isentos do pagamento de direitos, é estabelecida a Casa do Seguro Mercantil com a supervisão do Senado e o Ouvidor é nomeado fiscal e Intendente da Marinha, definindo-se a autoridade militar para o Governador e a administração logística para o Senado através daquele magistrado. E com certeza sem Sua Alteza imaginar, é ainda neste mês de Maio que, segundo Inácio de Andrade, foi Arriaga, enquanto ex-Ouvidor, que convenceu o Suntó de Cantão a permitir que fosse Kam-Pau-Sai a ir capturar os antigos companheiros que continuavam sublevados e que, no caminho, ao passar por Macau ficou «surpreendido pelas maneiras singulares com que o obsequiou o Ministro Arriaga».
Atendendo aos desacertos pelos tempos de demora de correspondência, não deixa de ser curiosos que, enquanto o Príncipe Regente, no Brasil, assinava todas estas louvações ainda referentes aos finais de 1809, é também neste mesmo mês que o Senado escreve, a 26, ao Vice-Rei de Goa queixando-se, por um lado, que sempre respeitara a vontade real no bom relacionamento com os ingleses e daí achar estranhas as queixas que circulavam de ser aquela Câmara fomentadora de embaraços no comércio entre a China e os aliados britânicos e, referindo-se à questão do «Antélope», a decisão foi tomada devido a ordens que suplantavam o facto de nem todos os vogais terem podido votar inequivocamente, tanto sobre esta questão como à do local de rendição dos piratas. Tudo isto, segundo o Senado, faz levantar sérias dúvidas sobre a intenção das informações do Ouvidor Peixoto.
Por outro lado, na mesma data, é informado o Vice-Rei que tendo Lucas de Alvarenga dado o comando a José Pinto de Alcoforado e face às dúvidas sobre as decisões a tomar, foi o ex-Ouvidor Arriaga que fez tudo o que pôde para resolver do melhor modo a capitulação de Kam-Pau-Sai e sozinho foi falar com este e com o mandarim de Hiang-San, tudo com elevados custos pecuniários. É claro que, se temos aqui mais uma tentativa de glorificação de Miguel de Arriaga, ela também deixa escapar a demasiada autonomia desta proeminente figura. No princípio de Junho é assinada a autorização régia para, legalmente, se estabelecer uma lotaria anual de regulamento semelhante ao da Misericórdia de Lisboa, para socorro dos estabelecimentos pios, o que queria dizer que seria superintendida, exactamente, pelo Juiz dos Feitos da Misericórdia de Macau. Enquanto isso, em Macau, passadas as grandes ameaças e posteriores comemorações, este vai ser mais um mês de intrigas que adivinham mudanças.
Contrariamente ao que têm sido acusados, o Governador e o novo Ouvidor Guimarães Peixoto não exerceram os seus cargos em conluio permanente contra os interesses do Senado. A 14 de Junho o Governador Alvarenga adverte o ouvidor Peixoto na sequência de vários procedimentos e atitudes exorbitantes em relação ao Senado e aconselha-o a cingir-se às atribuições regimentais. Acto não só imediatamente contestado pelo visado, como inédito nas relações entre Governadores e Ouvidores. Nem as más relações entre Alvarenga e Arriaga chegaram aqui. Com certeza porque o mal-estar e receio mútuo já seria tanto que não permitiriam uma atitude enérgica como esta que veio a cair, precisamente, num homem que, tal como Alvarenga, vinha apressadamente preocupado em moralizar Macau, acabando ambos por serem acusados pelos opositores em se conluiarem permanentemente durante os poucos meses em que aqui exerceram os seus cargos.
Lá para finais do mês, o Senado queixar-se-á de Guimarães Peixoto ao Governador, por intrigas e má diplomacia com ingleses e chineses e de ter acusado aquela Câmara perante Sua Alteza Real de ser constituída por «infiéis vassalos, já pouco amantes de repetir o seu Real nome, já delapidadores da sua Real Fazenda, já fomentadores de conventículos e intrigas destrutivas do sossego público e bem social» e faz seguir cópias tanto para o Vice-Rei como para o Príncipe Regente.
Não esqueçamos que Miguel de Arriaga, nesta altura, nada tem a ver, oficialmente, com o Senado o que não quer dizer que os interesses comuns não continuassem. De qualquer das formas, Lucas de Alvarenga responde colocando-se, claramente, ao lado da Câmara e acusando o Ouvidor Peixoto de querer extravasar os poderes para se insinuar junto ao Vice-Rei e a S.A.R.. E continua, sossegando os espíritos, dizendo que à Cone não chegarão as denúncias de Guimarães Peixoto e o Conde de Sarzedas, Vice-Rei da Índia. sabe quem tem a governar Macau. No entanto, fala na sua prudente observação das coisas antes de actuar drasticamente.
Tudo isto não impede que, entretanto, também o Governador se queixe ao Senado de este não reunir devido à «moléstia dos vogais» e avisa da necessidade de acelerar a discussão do art. 6º do convénio com as autoridades chinesas e que trata da restituição dos antigos privilégios de Macau. O Senado responde de imediato falando «no conhecido desvelo de V. Sª pelo bem-estar desta cidade» e ir já tratar do assunto na próxima sessão.
No entanto, Lucas José de Alvarenga poderá descarsar de todas as preocupações de Macau. Todo este arrazoado de luva branca é já indicativo da retomada de posse de Bernardo Aleixo de Lemos e Faria, em 19 de Julho seguinte, pela 3a vez Governador de Macau. As queixas e amarguras de Alvarenga voltarão ainda a passar, fugazmente, por Macau mas, ficar-se-ão pelas revelações feitas na passagem das suas memórias a escrito.
Logo de seguida, datada de 25 de Junho, segue a carta de agrado de D. João com o Senado e Arriaga pela extinção dos piratas, onde se aconselha que se negoceie prudentemente com os mandarins a permanência de barcos para Guarda-Costa e rejubila com as próximas restaurações dos privilégios de Macau e da Diocese de Pequim com a recondução do seu Bispo. Como se os dados lançados já tivessem garantido os resultados, isto é, como se fossem essas as informações recebidas pelo Príncipe.
É àcerca de documentos oriundos do Senado que, primeiro Luíz Gonzaga Gomes e depois, o Pe. Manuel Teixeira falam em toda a política desastrosa de Alvarenga e Peixoto, gravemente lesiva dos interesses do Senado, que é a Arriaga que se deve tudo o que se conseguiu não indo mais além, com o já célebre art. 6º da Convenção e o reingresso de D. Joaquim Saraiva em Pequim, porque aqueles dois levaram em frente uma política de boicote. Ora, as coisas não terão sido, exactamente, assim.
Já vimos as relações entre o Governador e aquele temporário Ouvidor. Já vimos as intenções de Alvarenga que não se ajustam ao que agora é dito e mesmo após a saída deste, em Julho, a questão dos privilégios continuará sempre como uma questão adiada. E na verdade, o Príncipe havia sido induzido em erro quanto ao reingresso do Bispo de Pequim e à sua Diocese. Nunca tal hipótese fora abordada na referida Convenção e ela apenas é verdadeiramente formulada quando Lucas de Alvarenga quer convencer D. Joaquim de Sousa Saraiva a ser ele o plenipotenciário em Hiang-San aquando da capitulação de Kam-Pau-Sai.
Tendo afrontado os poderosos Senado e Miguel de Arriaga, de facto, após as saídas de Alvarenga e de Peixoto passaram a ser estes dois os alvos preferenciais da intriga com o Conde de Sarzedas, actual Vice-Rei e protector daquele ex-Governador e com o Conde de Anadia, antigo Governador de Goa, protector de Lemos e Faria e agora Secretário de Estado dos Domínios Ultramarinos com a Corte no Brasil, tal como o viria a ser logo de seguida o Conde da Barca que, igualmente, já referenciamos.
Lucas de Alvarenga: a queda vista pelo próprio
Talvez valha a pena darmos alguma atenção a Alvarenga a propósito desta sua primeira saída dramática de Macau. A segunda visita, mais curta, acabaria por ser ainda mais humilhante.
José Inácio de Andrade, com desprezo, trata-o por um brasileiro que fomentou a grande rapina em Macau, conjuntamente com Guimarães Peixoto. Não o tendo conhecido pessoalmente porque tendo saído da cidade em Janeiro de 1808 e retornado em Novembro de 1810 não coincidiu com a presença, ali, de Alvarenga, diz não lhe querer dar qualquer atenção porque as actas do Senado não lhe são nada favoráveis e assim «não quero anodar um escrito consagrado às virtudes luso-macaenses».
Desculpemos Andrade desta confissão de demissão de procura de verdade e vejamos também as «Memórias», agora as de Lucas José de Alvarenga que, quer se queira quer não, apresentam documentação oficial para além, claro, da dissertação intencionalmente subjectiva.
Diz ele que sabia como o Senado e Miguel de Arriaga o rotulavam de «desconfiado» quando, na verdade, era apenas cauteloso, prudente e seguidor da Lei Régia, o que muito incomodava aqueles, sobretudo a sombra das Provisões de D. Maria I, de 1783. E dizemos agora nós que, naturalmente, chegando o Governador Alvarenga a Macau, agitando como base da legalidade para a terra um documento tão ofensivo para os moradores é, pelo menos, falta de tacto político. Continua Alvarenga dizendo ser conhecedor das tramas que o Senado tentou junto aos mandarins, tudo com o fito de o envolver e vir a ser humilhado e que sabia que entrar em conflito com o Ouvidor Arriaga era entrar em conflito com o Senado, já que este era «apenas o catavento» daquele.
Mais estranho, por parecer confirmar o desconhecimento da Coroa àcerca do que se passava nas colónias é que a carta de recondução de Lemos e Faria é precisamente de recondução e não uma nova e diferente nomeação, o que parece mostrar que sua Alteza desconhecia ter aquele sido substituído antes do final do triénio e portanto, na altura da promulgação do documento, desconhecedor da presença de Alvarenga em Macau. Este, por sua vez, justifica a confirmação que o Conde de Sarzedas dá à sua substituição, por estar muito receoso das intrigas na Corte.
A imagem de Alvarenga está seriamente afectada e mesmo o atestado que o Conde lhe passa em Outubro de 1815, onde entre várias coisas afirma a sua lª nomeação devido ao pedido de resignação de Bernardo de Lemos e Faria, que a expedição aos piratas terminou em Abril de 1810 e Faria só retornou em Julho ao governo de Macau, mesmo este atestado só chegará às mãos do Príncipe, quase quatro anos depois.
Lucas José de Alvarenga tinha, definitivamente, caído em desgraça enredado na teia de intrigas a que quis pôr ponto final mas, sem a prudência a que tanto se arrogava. As suas «Memórias» são um longo lamento e um repositório de queixas contra Lemos e Faria, o Senado de Macau, Miguel de Arriaga e todos aqueles que lhes estavam próximos, que estariam muito mais interessados em falsear a sua acção do que defender os verdadeiros interesses da Coroa. É sintomático que Lemos e Faria, logo em Janeiro de 1811, escreva à Corte queixando-se dos abusos e conflitos criados por Alvarenga e de este lhe não ter passado diversas ordens régias só para forçar as ligações através de Goa.
O ano de 1810: os últimos meses
Saído Lucas José de Alvarenga, restou Guimarães Peixoto na mira do Senado e de todos os correlegionários apontados pelo ex-Governador.
Os homens da Companhia Holandesa voltam a estar na ordem do dia, em Novembro, com a ordem de expulsão dada por Peixoto e agora o Senado a apelar ao Príncipe argumentando que os aliados de Napoleão não foram envolvidos na declaração de guerra em vigor, desde que para efeitos comerciais.
Nesse mês o Senado perdoava os direitos acrescidos do anfião a Januário de Almeida e a Manuel Pereira e oficiava ainda para o Rio de Janeiro, alegando que não tinham razão de ser as queixas de Guimarães Peixoto sobre a atitude premeditada daquela Câmara em retardar a sua posse. Esta deu-se a 2 de Janeiro, a data que ele terá pretendido. Todo o mal-entendido se resumiria, segundo o Senado, ao facto de estar em causa a negociação da Convenção lusochinesa contra os piratas e atendendo às especiais circunstâncias, ter sido preferível dar a representação a Miguel de Arriaga. No entanto, não se perdia agora a ocasião, para se dizer que quando foram apresentadas as queixas ao Governador Alvarenga sobre as considerações desabridas que Peixoto tecera na sessão de 12 de Maio no Senado, muito fora de estranhar a passividade daquela lª autoridade que até parecia já estar a par de tudo. Mas, as coisas não ficam por aqui. O ataque continua demolidor.
Noutra carta dirigida ao Vice-Rei, é afirmado ser ignominiosa a acusação de Peixoto de os vereadores serem delapidadores da Real Fazenda e declaram-se cansados do despotismo deste Ouvidor. Logo de seguida é feito um longo relatório lamentando a presença de Guimarães Peixoto em Macau por haver um mal-estar geral em todos os serviços da sua jurisdição, com as exigências que fazia, pelas intrigas que criava com os mandarins e embaraços causados na acção de Arriaga quando tudo parecia ir correr pelo melhor, na concretização os privilégios da cidade. E continuavam com queixas de vários moradores sobre o seguro de risco que o Ouvidor Peixoto começou a despachar sobre a Real Caixa, quando esta execução seria uma atribuição do escrivão do Senado.
Não há dúvidas sobre o jogo de interesses que aqui se movem. Pesem embora as razões que pudessem assistir ao Senado, toda a estratégia passava pelo empolamento da necessidade de recondução de Arriaga. E quanto aos tão apregoados privilégios de Macau, acentua-se que há mais de dois meses nada se trata devido às «sucessivas moléstias» do Ouvidor e tendo o Senado pedido ao ex-Ouvidor Miguel de Arriaga que assegurasse as negociações por estar muito bem visto entre os mandarins e o Suntó de Cantão, considerou aquele ex-magistrado terem-se já perdido as boas oportunidades quando da entrega de Kam-Pau-Sai, só por causa «da oposição que então havia para tudo». Não será necessário relembrar toda a confusa trama que rodeou a capitulação do antigo proscrito para se constatar a insinuação vipe ina contida nestas atitudes que mais parecem um alijar permanente de responsabilidades, por falta de garantias para o futuro ou outros favores especiais.
22 de Novembro chega o navio «Ulisses» com todas as boas novas reais, desde as congratulações pela extinção dos piratas, à régia isenção de direitos dada aos navios que comerciem entre Macau e o Brasil, a almejada recondução de Miguel de Arriaga e o título de «Leal» para o Senado que, em 1822, Arriaga há-de cobrar como factura sua. Acabou o tormento Guimarães Peixoto, são os festejos e os preparativos para uma nova pacificação institucional. Mas, a reposição dos antigos privilégios continuará em gaveta como veremos.
Ainda no final do mês, o Conde de Sarzedas volta a assinar nova confirmação, a pedido do Senado, da deputação de Arriaga a Cantão e se no ano seguinte a malfadada questão dos privilégios de Macau volta a ser abordada, a pouco e pouco a cidade mostrará que sobrevive sem demasiadas preocupações dessas. Aliás, o Senado mostra-se muito mais preocupado junto ao Vice-Rei, em insistir no grandes trabalhos e despesas de Miguel de Arriaga e estando a Câmara reconhecida com a sua recondução não está ainda plenamente satisfeita dada a grande necessidade de Arriaga de compensações monetárias155. A intrigante postura de Arriaga perante vários casos, volta-se a notar neste dos dinheiros.
Na verdade, não é suficientemente claro como tendo por objectivo a defesa da cidade, um homem se endivida e não há quem lhe financie, por interesse pessoal ou público, os custos com essa defesa, como não é clara a conferência de Arriaga com Kam-Pau-Sai, as posteriores acusações a Alvarenga e a Peixoto por aquele não se ter entregue em Macau e a carta régia assinada pelo Conde de Galveias em Fevereiro de 1811, felicitando o Senado e o ouvidor àcerca dos piratas e do «seu rendimento ao Imperador da China». Falta de argúcia diplomática é coisa de que Arriaga não pode ser acusado. A aplicação dessa sagueza é que, por vezes, é muito dúbia.
É ainda com referência a 1810 que José Inácio de Andrade contesta Henry Ellis, secretário do Embaixador Lord Amhert em Pequim, quando dizia entre várias invectivas a Portugal, que os portugueses de Macau dificultavam a entrada dos ingleses no Mar da China, sujeitando-se às humilhações chinesas e que estava certo «de que uma autoridade de Macau mandara dizer mal de nós ao Vice-Rei de Cantão», apontando para Miguel de Arriaga.
Texto de Acácio Sousa, licenciado em História e Mestrando em Estudos Luso-Asiáticos
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