João Sameiro Afonso dos Reis, mais conhecido por Johnny Reis, morreu (ontem) aos 84 anos no hospital S. Januário em Macau. Natural de Braga, JR foi para Macau em 1939 e fez carreira na rádio, onde se estreou em 1948 na Rádio Vila Verde.
Apresentou programas como “Hit Parade”, “Yours for Asking”, “Disco-Mistério” e ainda noticiários. A partir de 1966 com o fim das emissões em português na Rádio Vila Verde, JR Reis passou para a Emissora de Radiodifusão de Macau. Esteve aos microfones durante quatro décadas e chegou a chefe dos locutores. Foi ainda responsável pelo arquivo discográfico da Rádio Macau. Esteve ainda ligado ao concurso Miss Macau que chegou a apresentar na televisão.
A Rádio Macau recordou-o no programa Rua das Mariazinhas: “Recordando Johnny Reis”. Foi uma das melhores vozes que passou pela rádio em Macau e tive o prazer de o conhecer nos meus primeiros passos na rádio. Recordo como se fosse hoje os programas da manhã na década de 1980 bem como o seu irmão, Walter Reis, também locutor. Há não muito tempo, quis retomar contacto mas soube que JR já estava doente. Paz à sua alma!
Former Rádio Macau presenter João Sameiro Afonso dos Reis passed away yesterday at the age of 83 in Macau. The Portuguese national, better known as ‘Johnny Reis’, arrived in Macau as a child in 1939. After completing his studies, he worked as a public servant but less than a decade later he dived into the local radio world at Rádio Vila Verde. In 1966 he moved into the public radio broadcaster, which later became Rádio Macau, where he was a presenter for about 40 years before retiring.
Segue-se a transcrição de um artigo de Cecília Jorge datado de 1998.
João Sameiro Afonso Reis, Johnny Reis, para a comunidade macaense que o “adoptou” prepara-se para a reforma ao sol do Algarve, a ocupar-se da neta predilecta. Ao fim de trinta anos, completados em 1996 como “músico” semi-profissional, além da Função Pública, vai sobejar-lhe tempo para descansar e recordar peripécias na cena do “show-bizz” local, algumas já referidas no artigo de Rigoberto do Rosário que a Revista MacaU publica. Natural de Braga, veio para Macau em 1939 numa comissão de serviço do pai que acabou por se prolongar por causa do deflagrar da II Grande Guerra e posterior entrada do pai para o Corpo da PSP. Foi adiando o gozo da licença a Portugal e o seu primeiro regresso à terra natal, de onde saíu ainda criança, deu-se só em 1993. Considera-se “macaense”. “A música ajuda as pessoas a viver a vida”, refere ao explicar a estreita ligação (sua e dos seus “conterrâneos”) a esta forma de passar o tempo.
Com a mesma voz de timbre quente, com que encantou quem o ouviu cantar durante tantos anos em nights-clubs, festas e festivais, e foi apresentando programas radiofónicos e noticiários, diz-nos que a memória o trai quando quer referir datas e alguns nomes. Mas se o diálogo se proporcionar, as cenas avivam-se e a “voz” também, com a fluência das palavras que nunca se deixaram contaminar pela pronúncia típica de Macau.
No início da aventura musical — mais ou menos em 1966, ainda a Rádio Vila Verde se situava na esquina da Francisco Xavier Pereira , Johnny, Nuno e Alberto Senna Fernandes, Tony Hyndman, Sonny Gomes e Kenny Barnes entretinham-se a “fazer música”. Nessa altura, os dois últimos, mais profissionais, marcavam o ritmo “batendo as palmas”… Os agrupamentos mais certinhos vieram depois, como os uniformes: com camisas axadrezadas com faixas “à toureiro”, a princípio, depois blazers, cinzentos, e mais tarde vermelhos. (Os “Rockers”, assinalados com o monograma R, e os “Four Aces” com quatro ases, de naipe diferente para cada componente).
Tocaram em todos os locais onde era possível tocar — recorda hoje Johnny Reis. Tocavam igualmente todos os instrumentos em que pusessem as mãos, apreendendo todos “de ouvido” e uns com os outros…
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JR no xilofone |
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Rockers |
A carestia de vida e do equipamento levou inclusivamente a que, uma vez, a avalizar um empréstimo pedido a Guilherme Silva, gerente da Pousada de Macau, para compra dum xilofone, providenciassem música de dança no seu restaurante durante uns tempos.
Mas, se foram muitas as actuações do grupo, que mudou mais de nome do que de componentes — tocando no Hotel Riviera, no Bela Vista, no Estoril, na Pousada de Macau, no “Helena” que ficava na Ponte-Cais nº 16, em todos os Clubes e Associações, no Clube Recreio e até no Indian Club de Hong Kong, mais foram as oportunidades perdidas. Tratando-se de funcionários públicos que se agrupavam pelo gosto da música, pelo prazer de entreter amigos e um público animado, e para complementar o salário, as limitações da pesada burocracia dos anos 60 e 70 impediram-nos de “voar mais alto”.
Johnny ainda hoje lamenta não terem podido aceitar um convite do “Paramount” de Hong Kong para substituirem “Giancarlo and his Combo” naquela boite de luxo ou mesmo noutras actuações em Hong Kong. E Mário Sequeira lembra-se dos problemas , depois da transferência para “a outra banda” (Ilha da Taipa), com autorizações para ir a Macau actuar em festas, ou por exemplo no Macau Palace. Transportes, só em tancares ou barcos condicionados à maré. Mas vezes houve também que a timidez e relutância dos camaradas do grupo os impediu de actuar em programas de grande audiência da Televisão de Hong Kong. Estreou-se na emissora VilaVerde, que começou a funcionar em 1948 com Johnny Alvares como engenheiro de som e seu irmão Walter Reis, locutor.
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JR no acordeão |
Acabara de sair da tropa. E apresentou programas como os “Hit Parade”, “Yours for the Asking” (em inglês) e os “Request”, de grande audiência, porque dias havia em que o carteiro despejava na emissora quilos de cartas com pedidos de discos e se preenchiam 5 folhas A4 com dedicatórias de cada canção. Eram tantas e tão fiéis as radiouvintes que chegou a ser necessário apaziguar pais que julgaram atentatório do bom nome das filhas a frequência alarmante de dedicatórias públicas dos (múltiplos) enamorados. Alegavam forte “distracção em horas de estudo”. E o meio-termo foi a proibição de inclusão de apelidos.
A
voz de Johnny era inconfundível. E contudo, quando uma vez, em desespero de causa, quis evitar o pior no seu programa “Disco-Mistério” (oferta de discos de 45 rotações a quem identificasse o vocalista), e cantou com música de fundo, não houve um único ouvinte que o reconhecesse. É claro que disseram ser batota… mas o certo é que já pesava estar a custear ele próprio os prémios, quando lhe faltou o financiamento prometido. Graça teve também aquela vez quando, habituado a improvisar, e depois de anunciar o início da transmissão do “Terço do Bairro”, teve que fazer as vezes do sacerdote que faltou.
Era indiscutivelmente um bom profissional da rádio, pela experiência, pela dicção, pela voz, pela presença, e simpatia contagiante. Lembra-se das últimas locuções na Vila Verde, quando durante os incidentes de 1966 teve que ler comunicados oficiais à população na qual se minimizava a situação, ao mesmo tempo que, pela janela aberta do estúdio se ouviam disparos e o tiroteio na cidade. O canal em língua portuguesa encerrou pouco depois. E Johnny passou a funcionar na ERM, localizada na torre do edifício dos CTT. Artigo da autoria de Cecíla Jorge publicado na Revista Macau em Junho de 1998 As imagens foram reitradas ao arrtigo da revista Macau já mencionado e do livro "Meio século em Macau" de J. J. Monteiro, editado recentemente pelo IIM
Na primeira pessoa (declarações à TDM: rádio e TV)
"Recebi (1967) um telefonema do director dos correios, Salazar Trindade". (...) Macau conheceu-me criança (tinha 10 anos). Foi cá que eu me fiz homem, foi cá que eu me eduquei e por Macau fiquei, até hoje. Nunca regressei à terra que me serviu de berço, sou natural de Braga, por nunca se ter proporcionado a ocasião".
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Nos Rockers.. o 2º a contar da direita |
Testemunhos publicados no Hoje Macau e Jornal Tribuna de Macau de 23-2-2012 / recolhidos por mim:
João Severino
"Johnny Reis, deixou-nos. Companheiro inseparável no 98FM, o Johnny foi sempre um grande amigo pronto a colaborar e a aceitar os desmandos de muita porcaria que por lá apareceu. Lamento o seu desaparecimento. Macau ficou mais pobre"
Miguel Brandão
"Tinha figura de gentleman. Todos gostavam dele pela maneira de estar, pela sua voz. Lembro-me do seu programa logo pela manhã em que ele dedicava 15 minutos à música portuguesa. Servia de despertador para mim. Lembro-me também dele a tocar nas noites de festa do Hotel Lisboa. Aprendi com ele muito do que sei na rádio. Era um excelente profissional. Lamento a sua morte e quero enviar as condolências à família".
Hélder Fernando
"Quando, na rádio, uma genuína voz se cala, permanece no éter o seu timbre, e nos ouvintes um sentimento de perda. No cósmico, jamais se apagará a voz de Johnny Reis. Na memória do colectivo auditório que o conheceu e lhe sobrevive, também. "Os Dias da Rádio", entendidos como um tempo em que as telefonias, depois os transístores, ofereciam o fascínio dos sons da música, das vozes, dos programas de radiodifusão com os cantores e as orquestras tocando ao vivo, as reportagens vividas de forma empolgante, o estilo coloquial e bem pronunciado das conversas em estúdio, tinham em Macau um profissional do mesmo nível dos melhores em qualquer parte do mundo radiofónico. Johnny Reis oferecia a verdadeira magia da rádio. Quando há quase 30 anos comecei a ser seu companheiro de trabalho, foi o Johnny que me apresentou e mobilizou as primeiras pessoas de Macau com quem fiz as minhas quase primeiras horas de emissões na Rádio Macau. Ainda na Rua Francisco Xavier, lembro-me da alegria dele quando o João Canedo (outro gigante da rádio que esta terra acolheu, com irreparável partida precoce há uns anos) transformou os antigos estúdios, dentro do possível, numa lógica mais semelhante ao pleno exercício profissional de radiodifusão. Era, então, o Johnny Reis o nosso querido Rei da Rádio, a voz singular, o dono das manhãs em antena, para além de outros espaços. Elegantíssimo, afectuoso, sempre disponível para novas tentativas de melhor, dinamizar, operacionalizar a forma de fazermos rádio. Inesquecível companheiro de trabalho. No princípio dos anos 1990, a sua voz deixou de ser escutada nas telefonias, por motivos algo nebulosos, que muito entristeceram ouvintes e profissionais na época, passando a exercer funções na discoteca interna. Momentos provavelmente escuros que a longa história da radiodifusão em Macau, talvez um dia venha a dar relevância. Mas a vida pública do senhor Johnny Reis também transmitiu brilho a muitíssimos espectáculos que apresentou com extraordinária elegância e eficácia. Tal como tantos concursos "Miss Macau", inclusivamente através da televisão. Em récitas do patuá macaense, tal como músico permanente, anos a fio, no então "Portas do Sol" do Hotel Lisboa. Noites inesquecíveis nos bailes, ao som da sua banda; dias e noites inesquecíveis com a rádio que ele nos proporcionava. Muitos, bem melhor do que, dará acrescentado testemunho a estas singelas e rápidas palavras que aqui deixo como um longo e fraterno abraço a um grande cavalheiro, a um enorme profissional, a um sempre fiel companheiro de trabalho".
Miguel Senna Fernandes
"Foi um grande senhor. Muita gente, por diversos motivos e de diversas formas, expressaram o seu pesar e isso deixou-me satisfeito. Johnny nunca foi esquecido. Foi uma grande voz e um grande músico. Para mim, foi a Voz dos anos 60 e 80 da Rádio Macau. A sua voz mítica é inesquecível. Foi ainda um dos fundadores do Doci Papiaçam di Macau e sempre foi uma pessoa prestável e profissional. Lembro-me dos Rockers, enfim. Há vários anos que já não estava bem e a última vez que apareceu em público, num espectáculo, foi em 2006. Guardo muita saudades do Johnny" .
Luís Machado
"Era muito afável e não levantava nunca a voz para ninguém". Lembro-me que ele tinha uma rubrica chamada "O que é que a baiana tem?". Tinha uma voz e dicção perfeitas."
Nuno Silveira Ramos
"Durante muito tempo partilhei a mesma sala de produção de programas da Rádio Macau com ele, nos estúdios da Xavier Pereira e, mais tarde, passámos também muito tempo na converseta na sala de arquivo e discoteca da Nam Kwong onde ele continuou a ser o boss Johnny. Falámos muito de rádio, de locução, de música, de discos, da vida, de Macau, de boas e más memórias. Falávamos de tudo e mais alguma coisa mas, até em temas em que entrávamos em desacordo, não tenho memória de o ver zangado ou de mau humor. Sempre pacato, afável, disponível, simpático."
André Serpa Soares
"O primeiro chefe que tive e que recordo com saudade, como pessoa atenta, afável e de uma educação extrema. Um grande homem da rádio, um Homem grande."