A 3 de Janeiro de 1824 apareceu o semanário Gazeta de Macao, jornal que substituiu A Abelha da China, cujo último número, LXVII (67), saiu com a data de 27 de Dezembro de 1823, o dia seguinte à chegada a Macau do Conselheiro Miguel de Arriaga Brum da Silveira. Tudo tinha começado a 19 de Agosto de 1822, quando numa assembleia geral reunida no Senado se procedeu à eleição por sufrágio popular dos novos membros da Câmara e em Macau se instalou um governo constitucional, presidido pelo chefe dos liberais, o major vereador Paulino da Silva Barbosa.
As antigas autoridades de Macau revoltaram-se contra o novo governo e por duas vezes tentaram-no derrubar, mas ambas as tentativas fracassaram. Na primeira, a 13 de Setembro de 1822, após ser descoberta a conspiração contra o Governo liberal do major Barbosa e sendo o Conselheiro Arriaga acusado da sua autoria, foi este preso das 7 para as 8 horas da noite do dia 15 Setembro e encarcerado na Fortaleza do Monte. Quando após a segunda abortada tentativa, em 15 de Novembro de 1822, os revoltosos foram presos, o Conselho decidiu mandar para Goa os militares implicados e o Governador militar, José Osório de Castro Cabral e Albuquerque, considerado um dos principais conspiradores, seguir para Lisboa, conjuntamente com o Conselheiro Arriaga. Mas, quando a 25 de Março de 1823 embarcava, Arriaga conseguiu escapar do barco e seguiu numa embarcação para Whampoa (em mandarim Huangpu), porto junto a Cantão.
A 23 de Setembro de 1823, com a ajuda dos militares vindos de Goa na fragata Salamandra em Junho desse ano, os conservadores voltam ao poder e ficam os Agostinhos, em substituição dos Dominicanos, a controlar o semanário A Abelha da China. Se até então o jornal saia à quinta-feira, passou a partir dai e nas suas 14 edições seguintes a sair ao sábado e tinha como editor António José da Rocha que, apesar de viver no Convento de Sto. Agostinho, não era padre. Assim, na semana seguinte, a 27 de Setembro de 1823, A Abelha da China era já a voz do novo governo conservador e dizia que os macaenses acabavam de “renunciar para sempre aos delírios duma imaginação exaltada.”
Na Gazeta de Macao número VI, sábado, 7 de Fevereiro de 1824 pode-se ler “Macao – Artigo d’ Ofício – para o Ilustríssimo Conselheiro Miguel de Arriaga Brum da Silveira, estando ele em Cantão. IIlustríssimo Senhor Não fica ao alcance deste Governo dar a V. Senhoria provas do seu agradecimento, pela eficácia com que V. Senhoria socorreu a Fragata Salamanca, não só com dinheiros e mantimentos, mas até destruindo as intrigas, que contra ela se armavam pela parte da Nação Chinesa, a quem queriam fazer persuadir, que a dita Fragata era um Corsário inimigo, que vinha hostilizar Macau. Também não pode este Governo dar a V. Senhoria uma satisfação análoga aos atentados cometidos contra a Pessoa de V. Senhoria pelo anterior monstruoso, ilegal, e intruso Governo, cujas arbitrariedades e despotismos são bem conhecidos de V. Senhoria, e de toda esta Cidade, de que os efeitos ainda se sentem, e se sentirão por muitos anos, cujos objectos serão tratados em tempo, e lugar competente: por tanto se limita este Governo a pedir a V. Senhoria queira quanto antes restituir-se à sua Casa e Família donde poderá V, Senhoria auxiliá-lo com os seus conhecidos talentos, quando V. Senhoria julgue que a sua estada em Cantão já se não faça necessária para manejar os negócios Chineses a bem desta Cidade, como até o presente tem feito. Deos Guarde a V. Senhoria muitos anos. Macao em Sessão do Governo 13 de Outubro de 1823.” É assinada por Fr. Francisco, Bispo de Macau, João Cabral de Estifique e Ignácio Baptista Cortella.
Quatro dias depois, Arriaga envia uma resposta à carta agradecendo, mas dizendo que “hajam de permitir que ainda por mais algum tempo continue a vigorar-me dos males passados, demorando-me aqui mesmo, aonde de mais, talvez possa ser útil a essa Praça pelo Plano Comercial, que hei concebido em favor de único ramo mercantil, que ai se conhece, e eu suponho sinónimo com a existência política do Estabelecimento, como participei ao Leal Senado em data de ontem...”
O Conselheiro Miguel de Arriaga, vindo de Cantão, chegou a Macau em 26 de Dezembro de 1823 e no dia seguinte, saiu o último número do semanário A Abelha da China. Como esse jornal lhe trazia más memórias, terá feito questão em que o nome fosse mudado e assim, logo na semana seguinte, 3 de Janeiro de 1824 publicou-se o primeiro número do semanário Gazeta de Macao. O corpo redactorial era o que editou os últimos 14 números dA Abelha da China, continuando como redactor principal, António José da Rocha, apesar de o mentor ser o redactor Frei José da Conceição, prior do mosteiro dos Agostinianos, local onde se situava a redacção. Nele eram publicadas determinações oficiais e traduções da correspondência trocada com as autoridades chinesas sobre muitos assuntos, entre os quais os comerciantes estrangeiros e o comércio do ópio, que estava na ordem do dia.
(...) Seguimos agora com alguns dos números da Gazeta de Macao disponíveis no território, onde não aparece o número 1, havendo imensas falhas, sobretudo no ano de 1825.
Todos os números da Gazeta de Macao, por baixo do cabeçalho e logo a seguir à tira com o número e data do jornal, traziam dois versos retirados do Canto V dos Lusíadas de Camões: “A verdade, que eu conto nua, e pura,/vence toda a grandíloqua escriptura” e só depois vinham em duas colunas os artigos do jornal. Estes versos, que apareceram após os conservadores terem tomado conta d’ A Abelha da China desde o número LIV de 27 de Setembro de 1823, vieram substituir os versos de Terentius usados pelos liberais desde o primeiro número desse jornal: “Hoc Tempore/Obsequim Amicos, Veritas odium parit.”
A Gazeta de Macao constantemente fazia referências à História ocorrida no período da existência dA Abelha da China, como a que aconteceu a 19 de Agosto de 1823 e relatada na Gazeta de Macao n.º II de sábado, 10 de Janeiro de 1824. “Macau - Artigos Oficiais - Excelentíssimo Governo - Nós abaixo assinados, usando do direito que nos é permitido pelo Art. 14 das Bases da nossa Santa Constituição, representamos a V. Excelência, que o Ilustríssimo Conselheiro Miguel de Arriaga Brum da Silveira, Ouvidor desta Cidade tendo jurado em o dia 16 de Fevereiro de 1822 como todo o Povo Macaense em público e solene acto as Bases da nossa Santa Constituição, na conformidade do Decreto de 7 de Março, ficava pelo de 18 de Abril de 1821 sendo uma Autoridade Constituída, e por consequência legítima, que não podia ser removida no exercício do seu Ministério, se não pelo seu Supremo Poder Executivo, com todo uma facção aqui por nós bem conhecida, pisando aos pés as Leis mais sagradas, até as novamente juradas, o esbulhou com assombroso escândalo do seu lugar e exercício de Ouvidor Geral desta cidade por um Acto tumultuário e ilegal no infausto dia 19 de Agosto do ano próximo passado; corroborando este seu desacertado passo com a resolução tomada em um Conselho, denominado geral em o dia 16 de Setembro do mesmo ano, em que os assistentes não gozavam, nem podiam da sua plena liberdade, por ser em ocasião de uma nunca vista perturbação, e da geral falta de confiança, arrojando-se até ao excesso de o exterminar desta Cidade; agora porem que as prudentes e sábias providências do Ilustríssimo e Excelentíssimo Governador dos Estados da Índia, o Senhor D. Manoel da Câmara declara como revolucionário aquele escandaloso feito de 19 de Agosto e reconhece no Ofício n.º 15 o dito Conselheiro como Ouvidor Geral desta cidade e só no caso da sua falta é que aquele Excelentíssimo Governador expediu providência a fim de suprir o seu lugar; nós que reconhecemos a autoridade do mesmo Excelentíssimo Governador por legítima, cujas ordens se devem sem a menor restrição executar, requeremos a V. Excelência que, visto ter-se já executado em parte respeitável determinação emanada do Supremo Governo da Capital da Índia, haja de mandar recolher a esta Cidade, o Ilustríssimo Conselheiro Ouvidor Arriaga e restitui-lo ao emprego, em que estava provido por El-Rei Constitucional o Senhor D. João VI...”
Quanto ao material publicado na Gazeta de Macao, eis o que escreve J.M. Braga: “Este jornal servia de veículo para a publicação das ordens governamentais e notícias importantes de Portugal, e traduções portuguesas de correspondência trocada com os oficiais chineses sobre vários assuntos; tais como comerciantes estrangeiros (sobretudo ingleses) em Cantão, ancoragem de navios estrangeiros na Ilha de Lintin, o tráfico do ópio, etc. A questão do comércio em Macau foi também defendida nos primeiros tempos deste jornal. Uma das notícias importantes era a menção das chegadas e partidas de navios, com os nomes dos capitães e muitas vezes os dos passageiros e pormenores dalguns dos artigos transportados. A começar no número de 20 de Março de 1824, eram publicadas as listas dos preços das mercadorias à venda em Cantão. Também apareciam pormenores das mercadorias registadas na Alfândega de Macau. Publicava-se ainda a correspondência entre as autoridades e alguns cidadãos de Macau, entre os quais estavam o Conselheiro Miguel de Arriaga, Simão Vicente da Rosa, o Barão de S. José de Porto Alegre e João de Deus de Castro. Quando havia dificuldade em arranjar material de interesse local, as colunas da Gazeta de Macau vinham recheadas com longos extractos dos jornais da Europa, de lugares como Lisboa, Madrid, Paris, Londres, Barcelona, S.Petersburgo, Roma e até Trieste, Odessa, Cadiz, Bayona, Gibraltar e outras partes. Neste jornal de Macau publicavam-se notícias dos Estados Unidos da América e dos países da América Sul. Entre os artigos de interesse histórico houve alguns sobre os portugueses no Japão e na Birmânia, mas estes foram poucos e com grandes intervalos.”
A Gazeta de Macao n.º II de 10 de Janeiro de 1824 noticia em “Edital que o Governo de Macau faz saber que no dia 15 do corrente há-de largar deste porto, a fragata Salamandra, e é o navio de vias para a Capital de Goa.” Neste número aparece uma outra notícia que relata: “No dia 2 do corrente sentiu-se um pequeno tremor de terra aos 7 minutos do meio-dia, o qual duraria por espaço de 5 segundos e sendo bastante sensível não causou com tudo prejuízo algum nos edifícios.”
Dois números depois, a 24 de Janeiro nas Notícias Marítimas “Saídas, a 21 do corrente a fragata Salamandra para a capital de Goa: Comandante o Ilustríssimo Capitão-de-Mar-e-Guerra, Joaquim Mourão Garcez Palha, levando a seu bordo quatro presos, o Major Paulino da Silva Barbosa, Bento Jozé Gonçalves Serva, o Padre Francisco Pinto e Maya e o Cirurgião Jozé de Almeida Carvalho e Silva.
Montalto de Jesus, em Macau Histórico, adita mais uma informação: “O padre Leite, famoso reitor do Colégio de São José, teria sido um deles (dirigentes do Partido Constitucional que foram levados presos no Salamandra para Goa) não fossem as eloquentes súplicas dos estudantes e dos seus pais a favor do venerável savant, cuja atitude contrastava com a do clero, tendo a maior parte dos prelados em Portugal sido desterrados pela sua participação no movimento anticonstitucional.”
O Comandante da fragata Salamandra Capitão-de-Mar-e-Guerra Joaquim Mourão Garcez Palha, após chegar a Goa no dia 15 de Março de 1824, foi nomeado Governador de Macau pelo Vice-Rei D. Manoel da Câmara. Assim regressou a Macau e em 28 de Julho de 1825 tomou posse como Governador de Macau, sendo o governo provisório dissolvido, os exilados liberais amnistiados, regressando a colónia à sua pacata rotina. Tinha já falecido em 13 de Dezembro de 1824, Miguel de Arriaga Brum da Silveira, “Desembargador da Casa de Suplicação do Brasil e da Relação de Goa, com exercício de Ouvidor de Macau, ao fim duma prolongada moléstia."
Segundo o que nos diz Luís Gonzaga Gomes: “Vivia o jornal essencialmente de assinaturas, mas como estas caíram, passou por algumas crises económicas que lhe trouxeram uma vida difícil, até que “este semanário deixou de aparecer, em fins de Dezembro de 1826.” Num ofício do Leal Senado ao Comendador Francisco António Pereira da Silveira: “Havendo o Leal Senado na sessão de ontem assentado cessar as despesas da Gazeta desta cidade, se encarregará Vossa Senhoria, conjuntamente com este seu criado para proceder o Inventário das coisas pertencentes à mesma.” 30 de Dezembro de 1827 e é assinado por Miguel Pereira Simoens. O último número da Gazeta de Macau é de 16 de Dezembro de 1826 e por oito anos Macau ficou sem um jornal em língua portuguesa.
A segunda Gazeta
Em 1820, é instituída a liberdade de imprensa em Portugal, o que fez aparecer uma enorme quantidade de jornais políticos no país e nos seus territórios ultramarinos. Quando deixou de ser publicado em 16 de Dezembro de 1826 o semanário Gazeta de Macao, que tinha vindo substituir o primeiro jornal de Macau A Abelha da China, Macau ficou durante oito anos sem um jornal em língua portuguesa. Em 22 de Julho de 1826 foi em Santarém jurada a Carta Constitucional, o que aconteceu em Macau apenas a 26 de Dezembro de 1827. Após a restauração de 1833, voltou a Portugal a liberdade de imprensa, o que de novo fez aparecer uma enorme quantidade de jornais. Tal aconteceu também em Macau. Em 12 de Outubro de 1834 apareceu a quinzenal Chronica de Macau que com 45 números existiu até 1836. E a 17 de Janeiro de 1839, tanto Luís Gonzaga Gomes, como o padre Manuel Teixeira referem o “aparecimento do semanário Gazeta de Macao, editado por Manuel Maria Dias Pegado, irmão do célebre deputado macaense e lente de matemática na Universidade de Coimbra, lente da cadeira de Física na Escola Politécnica, etc., doutor Guilherme José António Dias Pegado.” O hebdomadário noticioso Gazeta de Macao teve 32 números, que foram publicados de 17 de Janeiro a 29 de Agosto de 1839. Este semanário, em 2 colunas, destinava-se em parte aos documentos oficiais, sendo os seus 22 primeiros números impressos na Tipografia Macaense e os outros 10 na Tipografia da Gazeta de Macau.
Mas ao querer consultar este semanário verificamos não existir nenhum exemplar, nem em microfilme, nas Bibliotecas e Arquivo Histórico de Macau, sendo-nos sempre mostrada a Gazeta de Macao dos anos 20 do século XIX; confusão essa que parece também existir em quem estudou a Imprensa em Macau.
Manuel Maria Dias Pegado merece uma especial referência por ser um dos que até hoje fundou mais jornais nestas paragens. Além da Gazeta de Macao, Pegado fundou também O Portuguez na China (1839-1843), O Procurador dos Macaístas, semanário literário e político em duas colunas (1844-1845). Um ano depois Pegado lançou em Hong Kong A Voz do Macaísta.
Excerto de artigo da autoria deJosé Simões Morais publicado no Hoje Macau de 17.1.2014