terça-feira, 30 de setembro de 2014

Macau Anos 40 - George Vitalievich Smirnoff

Esta edição de 1985 inclui 60 aguarelas de Smirnoff e surgiu no 25º aniversário do Museu Luís de Camões. Ainda recentemente este pintor, cuja vida está intimamente ligada a Macau, deu que falar...
60 watercolours by Smirnoff covering his life in Macau since he emigrated there in 1944 from Vladivostok and commemorating the 25th anniversary of the Luis de Camoes Museum.
Em 2003, por ocasião do centenário do nascimento do pintor foi organizada uma exposição (intitulada Safe Harbor / Porto Seguro) e feito um catálogo que inclui 74 trabalhos de Smirnoff sobre Macau na década de 1940.
This catalogue was published on the occasion of the exhibition celebrating the one-hundreth anniversary of George Smirnoff's birth (2003). Featured in the exhibition are 74 works that depict the scenery of Macao in the 1940s.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Orfanato Imaculada Conceição - Escola de Artes e Ofícios

João Paulino de Azevedo e Castro, bispo de Macau, fundou em 1906 o Orfanato da Imaculada Conceição, que entregou à direcção dos Salesianos. Veja-se esta notícia da época: "Assinalando a passagem do aniversário de El-Rei D. Manuel II, e a convite do governador da província, Ten. Cor. Alves Roçadas, a banda do Orfanato da Imaculada Conceição tocou à noite, num palanque improvisado em frente do Palácio do Governo, das 9 às 11 horas".
E ainda esta: "Acompanhado por Sua Exa. Revma. o Bispo da Diocese, Sua Exa. o Governador de Macau, Sr. José Augusto Alves Roçadas, visitou o Orfanato da Imaculada Conceição a cargo dos beneméritos salesianos, onde Sua Exa. foi recebido ao som do Hino Nacional, desempenhado pela banda dos jovens alunos que em seguida executaram outros trechos de música; fizeram no pátio do Colégio, com muita precisão e graça, exercícios de ginástica sueca que o Exmo. Senhor Governador repetidas vezes aplaudiu. Na aula de música desempenharam os alunos cantores um trecho de música clássica e outro do canto gregoriano; na aula da instrução primária, exercícios de leitura, respostas a variado questionário, em que mostraram ter já uma adiantada iniciação no conhecimento da língua portuguesa. O que, porém, mais maravilhou o ilustre visitante foram as oficinas em que Sua Exa. teve ocasião de ver e apreciar a variedade de trabalhos e a perfeição com que os executam os jovens alunos sob a direcção dos seus hábeis mestres."

O primeiro director do orfanato foi Luigi Versiglia (1873-1930). Numa primeira fase o orfanato tomava conta de cerca de 50 rapazes. Mais tarde viria a chamar-se Instituto Salesiano. Desde praticamente a sua criação vai ter uma escola tipográfica e, claro, uma tipografia. Na década de 1920 muitos dos livros impressos em Macau saem desta tipografia. O Boletim Eclesiástico, os que vão para a exposição de Sevilha em 1929, etc...
Regulamento
Artigo 1.º O Orfanato da Imaculada Conceição é um instituto, fundado pelo Bispo de Macau, com sede na capital do bispado, destinado a recolher meninos especialmente órfãos e pobres das
raças indígenas, para os instruir e educar, conforme os princípios e máximas de religião cristã, na exercício das artes e ofícios em uso nas nações cultas
Artigo 2.º Os fins do Orfanato são dois: Geral e Especial. O Fim Geral é secundar os esforços do bispo da diocese na obra de civilização cristã dos povos que ele recebeu a missão de chamar ao grémio da Igreja e de informar na crença e prática do cristianismo.
O Fim Especial é educar as crianças pobres do sexo masculino, por modo a torná-las aptas para ganharem honradamente os meios da vida, incutindo-lhes hábitos de trabalho, amor à nacionalidade portuguesa e respeito às legítimas autoridades.
Artigo 3.º Em harmonia com estes fins o trabalho educativo do Orfanato abrangerá:
a) Educação intelectual, compreendendo:
1) A Instrução primária.
2) A música vocal e instrumental.
3) O desenho linear, geométrico e de figuras.
b) A educação moral e religiosa, que consistirá no ensino das verdades e máximas da religião católica, apostólica e romana e no emprego dos meios aptos a incutir hábitos de virtude e uma sincera e sólida piedade.
c) A educação física, que compreenderá um curso regular de ginástica.
d) A educação profissional, constando do ensino das artes e ofícios em uso nos povos civilizados que possam ser proveitosamente exercidos nas colónias e em geral no Extremo Oriente, onde quer que os alunos mais tarde encontrem modo de ganharem honestamente a vida.
Artigo 4.º A direcção e administração geral e superior, tanto a literária como a económica do Orfanato, será exercida dependentemente da inspecção do Governo por uma comissão, que se denominará «Comissão Directora».
Artigo 5.º Esta Comissão será composta:
1) Do Prelado Diocesano, que será o presidente.
2) De quatro vogais nomeados pelo Governo da Província de Macau, sob proposta do Prelado.
3) Servirá de Secretário o escrivão da Câmara Eclesiástica ou quem o substitua.
4) Quando o Orfanato possuir bens ou títulos, que precisa administrar, a Comissão nomeará um procurador que escrupulosamente olhe pela sua conservação e a tempo faça a cobrança e preste contas dos rendimentos.
Artigo 6.º À Comissão Directora compete:
1) Organizar o quadro das disciplinas, artes e ofícios que hão-de ser ensinados no instituto, alterando, aumentando ou diminuindo o seu número, segundo melhor convier ao ensino e aperfeiçoamento dos alunos, conforme exigirem as circunstâncias e em harmonia com as condições da vida do estabelecimento.
2) Nomear o pessoal do Orfanato e prover a sua substituição, quando, por rescisão do contrato ou por outra causa, o existente deixe de prestar os seus serviços.
3) Resolver sobre a admissão dos alunos. Fixar anualmente o número de alunos gratuitos, que o Orfanato poderá receber.
4) Administrar os bens e capitais que o instituto venha a adquirir e velar pela sua conservação e aumento.
5) Autorizar e legalizar todas as despesas do estabelecimento.
6) Dirigir toda a correspondência acerca de assuntos literários e económicos do Orfanato.
7) Ordenar as modificações, as normas e condições reguladoras da admissão, conservação e vida dos alunos que tenham de ser feitas em cumprimento das prescrições das autoridades competentes e reclamar perante o Governo se as acham injustas, nocivas ou inconvenientes.
8) Apresentar ao Governo um relatório anual sobre o estado moral, literário e económico do estabelecimento, acompanhado das contas e despesas.
Artigo 7.º A administração, inspecção e direcção imediata do Orfanato, tanto na parte pedagógica e disciplinar como na económica, pertencerá ao Director que será o Superior da Comunidade contratada para a direcção, ensino, e serviço do mesmo.
Artigo 8.º O pessoal dirigente e docente do Orfanato será escolhido em algum instituto religioso aprovado pelo Governo, destinado ao ensino profissional.
Artigo 9.º O Director e o pessoal da sua dependência deverão, no exercício do seus respectivos cargos, conformar-se com as prescrições deste regulamento e com as leis vigentes, procedendo em tudo o que fizerem a bem do instituto, de inteligência e em harmonia com a Comissão Directora.
Artigo 10.º As condições para a admissão são as seguintes:
1) Ser do sexo masculino e não ter menos de nove anos de idade nem mais de catorze.
2) Ter autorização ou anuência do pai ou superior legal, se o houver.
3) Ser pobre, o que provará com atestado competente, e não o sendo, sujeitando-se o pai ou seu legal representante a pagar ao Orfanato uma pensão mensal não inferior a $ 6,00 patacas, além de vestuário, calçado, livros e outros objectos de estudo.
4) Ser de constituição boa e sadia e não sofrer de moléstia contagiosa.
Parágrafo Único: Poderão ser admitidos os jovens não católicos que não tenham repugnância nem obstáculos para abraçarem a religião católica, apostólica, romana.
Artigo 11.º Sendo o fim do Orfanato, na educação profissional que ministra aos alunos, fazer destes bons e úteis artistas, aptos para ganharem honestamente a vida e ao mesmo tempo dar impulso às artes e ofícios das nações civilizadas, são eles, admitidos que sejam ao Orfanato, obrigados ao seguinte:
1) A não abandonarem o instituto nem a serem retirados dele, desde que nele completem um mês de permanência, enquanto não houverem concluído o seu curso profissional, salvo caso de força maior.
Parágrafo Único. Fora dos casos de força maior, os pais, os tutores, família ou legais representantes dos menores, no caso de retirarem do instituto os respectivos menores ficam obrigados a indemnizar o instituto das despesas até à data da saída feitas com o seu sustento e vestuário.
2) O curso profissional durará normalmente cinco anos, e durante este tempo os alunos sujeitar-se-ão em tudo ao regulamento e à direcção dos seus Superiores fazendo toda a diligência por aproveitarem o ensino que o Orfanato lhes ministrar.
Artigo 12.º Os alunos do Orfanato poderão receber as visitas de seus pais ou tutores, parentes ou protectores e com eles corresponderem-se, quando aqueles e a direcção do estabelecimento autorizarem nos dias feriados e épocas próprias que a Comissão Directora determinar, e sob a devida vigilância; tudo nos termos compatíveis com o melhor preenchimento dos fins do instituto, mas sem quebra dos laços e boas relações da família.
Parágrafo Único. Nas férias ou outras épocas estabelecidas de descanso, deverá para o mesmo fim ser facultada a saída do estabelecimento pelo tempo e condições que não prejudiquem o fim da admissão.
Artigo 13.º A saída final do estabeleeimento só pode ser facultada nos termos do artigo 11.º N.º 1, parágrafo único do presente regulamento e dependentemente da vontade do interessado, quando maior ou sui juris ou de seu pai ou legal representante; pode, porém, ser imposta pela Direcção por conveniência ou necessidade e tem de ordenar-se nos seguintes casos: a) Logo que esteja preenchido o fim da admissão, b) Quando se reconheça a impossibilidade de o preencher, c) Havendo motivo para transitar para outro estabelecimento.
Artigo 14.º Nas pessoas do instituto haverá todo o asseio e condições higiénicas devendo as casas destinadas à permanência das pessoas, designadamente os dormitórios, ter a capacidade e cubagem prescriptas pela ciência, como for determinado pelo facultativo do estabelecimento, podendo tudo ser verificado pelas autoridades sanitárias.
Artigo 15.º As refeições diárias não serão menos de três, e constituídas com substâncias e nas qualidades próprias para a restauração das forças físicas e condições de saúde, conforme a idade, constituição e mais circunstâncias das pessoas a que se destinam.
Artigo 16.º As horas de aplicação e trabalho não excederão o número de oito em cada dia útil, havendo entre elas a necessária alternação, com as de descanso e refeições.
Artigo 17.º As doenças serão participadas aos parentes próximos que o aluno tenha, e quando contagiosas serão sempre tratadas em enfermaria privativa ou removidos os enfermos para fora do instituto, seja para o hospital seja para casa particular.
Artigo 18.º As prescrições reguladoras do modo de vida do instituto, tanto do pessoal educando como daquele que o vigia, guarda, instrui e dirige serão subordinadas igualmente às normas de higiene, procurando manter em justa correlação o desenvolvimento e conservação das forças físicas com o das intelectuais e salutares preceitos da moral e religião católica romana.
Parágrafo Único. Os horários da distribuição dos serviços, intervalos destes para descanso e refeições, ocasião e natureza destes tempos destinados aos diferentes exercícios religiosos e dos trabalhos de aprendizagem a executar, ou de educação e bons exemplos a seguir; bem como as tabelas das substâncias alimentícias e suas qualidades e distribuição por cada uma das refeições serão organizados com a intervenção do competente médico ou facultativo clínico do estabelecimento e delas se dará conhecimento às autoridades sanitárias competentes, quando o exigirem.
Artigo 19.º Os prémios e castigos adoptados neste estabelecimento são os seguintes:
a) Prémios. Além dos prémios pròpriamente ditos e que consistem em medalhas de diferentes graus, livros, ferramenta do ofício, dar-se á:
1) Semanalmente, desde o fim do primeiro ano em diante uma percentagem sobre o trabalho feito por cada aluno, proporcionado à sua habilidade, diligência no trabalho e ao seu comportamento, que se irá acumulando até ao tempo em que o aluno deixar o Orfanato, deduzidas quaisquer (?) quantias aplicadas em brindes extraordinários para prémio ou estímulo.
2) Ao fim dos cinco anos do curso, um diploma de habilitação com o qual possa apresentar-se na sociedade, se tiver dado boas provas nos vários misteres da sua arte.
b) Castigos. O sistema preventivo adoptado no Orfanato exclui o castigo corporal. Os castigos adoptados são:
1) Deminuição de benevolência da parte dos Superiores para com o aluno culpado, o que em geral é para crianças castigo assás sensível e de efeito salutar.
2) Repreensão em particular ou em público, conforme a gravidade e notoriedade da falta cometida.
3) Privação de recreio e da saída a passeio ou a casa de família.
4) Perda do direito à percentagem sobre o trabalho.
5) Nos casos de insubordinação incorrigível, de faltas públicas contra a moral e bons costumes, recorrer-se-á à expulsão e denegação do diploma de habilitação.
Artigo 20.º Qualquer aditamento ou alteração ao presente regulamento fica dependente da prévia aprovação do Governo.
Secretaria Geral do Governo em Macau, 22 de Setembro de 1908.
O Secretário-Geral, interino, Damião Martins Pereira de Menezes.
Está conforme,
Secretaria do Governo Eclesiástico de Macau, 10 de Outubro de 1908.
Arced. Guilherme F. da Silva Secretário da Câmara Eclesiástica.
Portaria governamental aprovando o sobredito regulamento
Tendo-me sido presente por Sua Exa. Revma. o Senhor Bispo desta Diocese o Regulamento do «Instituto Orfanato da Imaculada Conceição», tendo ouvido o Conselho de Província, hei por conveniente aprovar, para todos os efeitos legais, o referido Regulamento que baixa, assinado pelo Secretário Geral, interino, do Governo desta Província e faz parte-integrante desta portaria. As autoridades e mais pessoas a quem o conhecimento e execução desta compete assim o tenham entendido e cumpram.
Palácio do Governo em Macau, 22 de Setembro de 1908.
O Governador da Província José Augusto Alves Roçadas

domingo, 28 de setembro de 2014

O aniversário dos reis: 28 Setembro 1895

Anniversario natalício de Suas Magestades El-Rei o Sr D. Carlos e a Rainha Senhora D. Amelia.
Passou no dia 28 do corrente* (Setembro) o Anniversario de Suas Magestades, e nós aqui, d’este obscuro logar, como monarchicos sinceros, que nos prezamos de ser, depomos a nossa mais viva homenagem de respeito e congratulação nos degraus do throno dos nossos Reis, dirigindo ao Altissimo os nossos mais fervorosos votos para que Deus conserve a vida de suas Magestades por largos annos, o que será penhor sagrado de paz e prosperidade para a nossa querida pátria.

Saudando Suas Magestades, nós saudamos tambem o seu representante, S. Exa. O Governador da colónia, que pelos seus actos de alevantada e sã moralidade e justiça comprehende nobremente a sua missão, e d’ella se tem desempenhado da maneira a mais digna e honrada.
Fonte: jornal Echo Macaense 02.10.1895 

sábado, 27 de setembro de 2014

Caçador de sonhos

Ilustrações de Carlos Estorninho
Circula no Facebook uma corrente inofensiva com algo de lúdico e pedagógico, à qual aderi, contrariamente à minha habitual postura de pouca simpatia pelo lado alienatório das redes sociais (como poderá classificar-se, de outro modo, o estado daqueles que se levantam da cama, às quatro da manhã, para ir “alimentar” as ovelhas de uma “farm” virtual, seguindo compulsivamente as regras de um qualquer jogo de computador?). Aderi, então, à tal brincadeira literária:” abre o livro que tiveres mais à mão, na página 56 e transcreve a frase que encontrares na quinta linha.” Encontrei:”(...) fase da cobrança coerciva, com recurso, obviamente, ao físico dos devedores e sua prole”.
Embora na página do Facebook se recomende a ocultação do nome do livro - ainda ninguém explicou a razão - aqui, transgrido a regra: “ Rua sem Nome” da autoria de António Correia.
Personalidade que, ao longo de vinte anos, deu a Macau muito do seu saber e competência, não só como advogado, mas também, no desempenho de importantes cargos, nomeadamente, o de deputado da Assembleia Legislativa, António Correia tornou-se, por outro lado, um dos mais representativos escritores portugueses de Macau. Oscilando entre o romance e a poesia viu publicados mais de uma dezena de títulos. Li, de um fôlego,”Rua sem Nome”, “Aldeia da Paz” e “Memórias do meu Rio”, cujo prefácio nos desvenda a sensibilidade do António Correia, escritor: “(..) procuro ser fiel ao espelho onde mirei a face da minha infância e que levei comigo para todos os lugares do mundo onde tenho vivido, sonhando-o, como apelo ao regresso, para ouvir de novo as histórias que se contavam nos longos serões de Inverno”.
São relatos tão singelos quanto humanos que, por um lado, transportam o leitor a uma realidade impensável nos dias de hoje, mesmo em lugares tão recônditos, como a freguesia de Anreade, concelho de Resende, onde nasceu o escritor e que, por outro lado, marcam pela sábia reflexão:” (...) é a errar que se aprende. Aprendi que nunca se pode desistir e que perante um fracasso devemos insistir uma e outra vez”.
Terá sido essa a chave do seu reconhecido êxito pessoal e profissional. A força da montanha e o forte apelo do rio da sua infância terão ditado, mais que quaisquer outros factores, os seus Ser e Estar e, porventura, a escolha de Macau como “ancoradouro”, inspirando, inevitavelmente, grande parte da sua obra.
Em “Magao, meu Amor”, Macau é percorrida das origens às realidades do nosso tempo, com grande mestria, a tal ponto, que quando acabei a leitura desse livro fui reler a “Mensagem”, de Fernando Pessoa. Confirmei que em ambos os livros, à respectiva dimensão epocal e geográfica, lá se impõem as figuras dos heróis e toda uma simbólica histórica - mero acaso, ou possível desafio, semelhante ao processo de construção de um outro titulo da autoria de António Correia, “Flores do Bem”, considerado pela critica como inteligente contraponto a “ Les Fleurs du Mal”, de Baudelaire”.
O escritor pertence à geração que fez a guerra de África, outra lição de vida, povoada pelo sonho que a comanda e dita, grande parte dos seus poemas: “ Pela raiz do Sonho”,” Caçador de Sonhos”, “Sonhos passados”, “Vale a pena Sonhar”...
Em qualquer das fases do seu percurso literário, António Correia apresenta uma faceta de “raciocinador” que tem, para alem de outros méritos, o de transmitir a complexidade, de forma simples: “Não aceites o estigma de naufrago sem esperança/porque há sempre uma tábua que avança sobre a água/ e nos anima a sonhar a vida”.
Transparece do seu exercício da escrita uma necessidade de chegar fundo ao sentido possível das coisas, uma preocupação em ter um papel moralizador, num mundo reduzido ao conceito economicista básico, que prevalece sobre perdidos valores de outra ordem. São disso reveladores, poemas com títulos elucidativos insertos no livro “Fragmentos”, entretanto, traduzido para cantonense: “Amor a Verdade”, “Perdão”, “Trabalho”, “Coragem”, “Razão das Razões”. Como se infere, a invulgar pluralidade de registos da escrita de António Correia, levou-me a “mergulhar”, com gosto, em grande parte da sua obra que, mea culpa, em Macau, me passara ao lado...
“Last, not least”, recomendo “ Rua sem Nome”, romance que segundo a própria advertência do autor tem “como trave mestra o submundo que suporta, directa ou indirectamente, as três comunidades (chinesa, macaense e portuguesa) da sociedade de Macau (...). As cenas, salvo as memórias de pretérito desfiadas por uma ou outra personagem, tem o seu início em 1979 e terminam precisamente no ano da graça de 1999 (...) um mundo que não inventei porque existe mesmo (...) que recriei a partir da realidade, ficcionando-lhes os passos necessários à sua dimensão de personagens literárias”.
“Pedras, ouros, diamantes, pérolas, safiras, esmeraldas, jades... tantas jóias! Candelabros de luz, sombras, fofas cadeiras, veludos de sangues de todos os tons; mistérios suspensos, em cada havano que se desfaz no ar... Numa mesa de “bacará” um homem viçoso envelheceu de repente aos cinquenta anos: os olhos são duas covas e os dedos são ceras enrugadas a afagar as cartas, os chips e a branquear os destroços dos cabelos. (...) O homem velho pendurou a juventude na janela da esperança e vive cada segundo no sonho do regresso. Tem a face suada e não come há trinta e oito horas, em que a juventude o espera, na esquina da esperança, que mora no sonho do regresso. O homem velho era Wong, mas já nem tem nome, nem nada, porque o passaporte e o documento de identidade moram algures no quarto do hotel onde fica o escritório do banqueiro que já mandou um empregado, cuja cara não engana ninguém... (...) E a trigésima oitava hora que é o numero que abre sempre a porta da sorte... e o homem não olhou... assinou com a caneta de ouro que fora sua e já não é (...) O homem velho, então olhou sem sorrir e deixou cair a cabeça sobre a mesa de “bacará”...e já nem é velho, nem jovem... é uma coisa que está a estorvar! Mas a mesa é enorme e ninguém dá por nada! Uma sincope? Que é que isso tem, se ninguém deu por nada?"
Deixo-vos este naco do romance “Rua sem Nome”, na quase certeza de que, tal com eu, não resistirão à curiosidade de o saborear no seu todo, mais dia, menos dia.
Texto da autoria de Maria Lourenço, professora/jornalista e ex-residente em Macau publicado no JTM de 20-9-2011

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Smuggler's Island: 1951

"(Porto de) Piratas do Mar da China" assim se pode traduzir este filme dos EUA estreado em Maio de 1951 nos EUA como "Smuggler's Island".  Mas tem vários títulos de acordo com o país onde estreou. "Piraten von Macao" na Aústria e Alemanha, por exemplo. Em Itália chamou-se, curiosamente, "Hong Kong". Em França e na Bélgica, "Port des pirates." 
E, a julgar pela imagem ao lado, na Islândia ou Finlândia, chamaram-lhe "Smugglarnas".
Contrabando era o tema de fundo. O filme começa com um 'narrador' a descrever Macau como o paraíso para os contrabandistas, jogadores e piratas.
A década de 1950 foi uma época dourada do cinema nos EUA. Macau surgiria em diversos filmes, alguns rodados no território. Não foi o caso deste. Para trás ficava a 2ª guerra mundial. Terminara o comércio do ópio mas florescia o do ouro e o território voltava à ribalta... Mas sobre este tema existem outros posts aqui no blog.
Sinopse:
Ex-Navy man Steve Kent, struggling to make a living in Macao, is approached by beautiful Vivian Craig. She wants to hire him and his boat to retrieve some medicine from a plane which crashed into the ocean on a flight from Manila. Kent dives at the crash-site but discovers he's been tricked into retrieving a cache of gold bars. He intends to report this cache to authorities but his growing attraction to Vivian soon causes him to change his mind. Vivian's husband, Allan, now appears on the scene. Kent reluctantly agrees to sail the gold to Hong Kong where it will be sold and the proceeds divided equally between himself, Vivian, and Allan. On the voyage to Hong Kong, however, Kent's boat is pursued both by the police and by a pirate named Bok-Ying.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Camões e Macau na obra de Slauerhoff


O escritor holandês J. Slauerhoff (1898-1936) - que tb era médico - conheceu Portugal e Macau e sobre essas suas viagens deixou impressões na sua poesia.Após embarcar para o Extremo Oriente em 1927 publicou um livro de poemas “Oost Azië” (“Extremo Oriente”) que inclui uma secção dedicada a Macau, constituída por cinco poemas: “De Jonken” (“Os juncos”), “Kathedraal S. Miguel” (“Catedral S. Miguel”), “Uitzicht op Macao van Monte af” (“Vista de Macau a partir da fortaleza do Monte”), “Ochtend Macao” (“Aurora Macau”) e “Camoës” (“Camões”).
De Março de 1928 a Fevereiro de 1931 (…) trabalhou como médico de bordo em navios da Lloyd Real Holandesa na carreira Amesterdão-Buenos Aires v.v., com escala obrigatória em Lisboa. Recordações das suas visitas à metrópole encontramos na colectânea de poesia “Solares” (1933).
"Tal como faz de Lisboa e Macau projecções do seu próprio mal-estar, transforma também a figura de Camões. Reconhece nele um poeta maldito a seu modo e transfigura-o da mesma maneira que transfigurou os outros poetas com quem se identificava, isto é, transpondo para eles as suas próprias obsessões. De todos estes poetas Camões é a personagem mais recorrente na obra de Slauerhoff.
Em 1932 é editado o seu primeiro romance “Het verboden rijk”, traduzido para português sob o nome “O Reino Proibido”. Aqui uma das duas personagens principais é baseada na figura de Luís de Camões.
Em 1935 é publicado o conto “Laatste verschijning van Camöes” ("A última aparição de Camões”). Neste conto surge novamente o protagonista de “O Reino Proibido”. Poucos meses antes da morte de Slauerhoff ainda foi publicado um outro poema intitulado “Camões”, na colectânea “Een eerlijk zeemansgraf” (“Um honroso jazigo de marinheiro”)."
Fonte: Revista Camões nº 7, 1999 a partir do artigo "Camões e Macau num romance neerlandês" de Patrícia Couto com Arie Pos (adaptado)
Jean Jacob Slauerhoff, nascido em Leeuwarden, capital da província da Frísia, é um dos escritores clássicos da literatura holandesa do século XX. Desde jovem sofrendo de afecções asmáticas e, mais tarde, de uma tuberculose que lhe provocaria a morte aos 38 anos, teve uma vida difícil, que se reflectiu num carácter rebelde e irrequieto, o que profundamente marcou a sua obra e a sua maneira de ser. Fascinado pelo mar e por culturas remotas, optou pela profissão de médico de bordo. Nessa qualidade percorreu os mares de lés a lés e contactou com países e culturas da Ásia, África e América Latina. 
De Setembro de 1925 a Setembro de 1927 trabalhou na Java-China-Japan-Lijn, uma companhia de navegação que fazia a ligação entre a ilha de Java, a costa chinesa e o Japão. Data desse período um fascínio duradouro pelo mundo chinês, nomeadamente por Macau, e pela figura de Luís de Camões, que inspiraram uma parte substancial da sua obra: apontamentos de viagem, poesia, contos e romances. Nos anos seguintes, e através de visitas a Portugal, Espanha e América Latina, aprofundou o seu interesse pelo mundo ibérico e pela época das grandes descobertas e conquistas. Macau e Camões figuram lado a lado no mais conhecido romance do autor, Het verboden rijk (1932, edição portuguesa: O Reino Proibido, 1997) que, conjuntamente com outros escritos, testemunha uma paixão muito pessoal pelo enclave português e pelo poeta dos Lusíadas. Trata-se de um singular caso de identificação que revela muito sobre o próprio escritor, mas igualmente sobre Macau, Camões e a condição humana na Europa da época entre as duas grandes guerras.
Autor: Arie Pos, pp. 126-135] - RC nº 7
As imagens - de 1926 - foram publicadas na Revista Cultura do ICM

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

"Piratas" no Diário de Notícias: 24 Setembro 1910


A segunda parte do despacho do correspondente do DN em Macau conta os pormenores da pequena guerra entre piratas chineses, refugiados em Coloane, e as tropas portuguesas estacionadas em Macau. Trata-se de uma narrativa cheia de peripécias, como num romance de aventuras de Emilio Salgari.
O bando de piratas dedicava-se à extorsão e raptou um grupo de estudantes de famílias chinesas ricas, exigindo resgate avultado, equivale a 18 contos, 18 milhões de reis, o que hoje seria uma verba a rondar 2 milhões de euros. Os reféns foram levados para Coloane e as autoridades organizaram uma operação militar envolvendo 40 soldados de infantaria. No entanto, a unidade caiu numa emboscada ao desembarcar. Na confusão, perdeu-se o controlo da fortaleza local, que os piratas ocuparam.
Após bombardeamento executado por duas canhoneiras, os piratas foram forçados a fugir para as montanhas, mas a situação complicou-se devido a um Tufão. O texto não menciona baixas e não explica a razão da população ter ajudado os bandidos que viviam do roubo. Finalmente, numa caverna das montanhas de Coloane, foram capturados 15 piratas, com 13 mulheres e 3 crianças. As autoridades conservavam detidos 70 chineses suspeitos.
Fonte: Diário de Notícias - Setembro de 2010

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Bambu Quebrado


O mais recente romance histórico de Maria Helena do Carmo (apresentado esta semana) fala de Macau, do problemático governo de Ferreira do Amaral e do seu amor impossível por Maria Helena de Albuquerque. 
Bambu Quebrado é uma biografia romanceada que retrata factos reais da vida de um liberal, que viveu com intensidade a história do seu tempo, e fez História, ao vencer batalhas que deram novo rumo aos desígnios nacionais. Oficial da Armada, João Maria Ferreira do Amaral comandou navios, percorreu os mares, defendeu as colónias portuguesas num combate sistemático ao tráfico de escravos e estendeu a sua autoridade até ao Extremo Oriente. Em Macau este capitão-de-mar-e-guerra desempenhou o cargo de governador, enfrentou uma forte luta diplomática para recuperar a autonomia da cidade, conseguindo dar-lhe soberania administrativa, financeira e territorial, acabando por morrer ao serviço da Pátria.
Mas a sua vida encerra também a história de um grande amor. Uma paixão proibida pela fidalga madeirense Maria Helena de Albuquerque, senhora por quem lutou contra os preconceitos sociais da mentalidade da época e a relutância da própria mãe. Por ela enfrentou o mundo, com o auxílio das novas leis liberais, vindo a casar por procuração com essa senhora que lhe deu dois filhos. D. Maria Helena abdicou de tudo por amor, mas o destino não a recompensou como merecia.
Segue-se um excerto.
No tratado de Nanquim, assinado a 29 de Agosto de1842, Francis Davis firmou a Convenção com o vice-rei de Kung para franquear Cantão aos europeus por dois anos, ratificando este tratado no ano seguinte, altura em que fora estabelecida a paz entre as duas nações. Exigiu a abertura dos portos de Amoy, Fu-chau, Ning-pó e Xangai, a supressão do Cong-hang, igualdade de tratamento entre as autoridades, e uma indemnização à Inglaterra de 21.000.000 patacas pelos gastos com a guerra e pelo prejuízo que tiveram com o ópio queimado em 1839. Nesse tratado de Pequim a China cedeu a ilha de Hong Kong aos ingleses, com jurisdição própria, porto que a abriram ao comércio internacional.«Medida que veio prejudicar Macau, cidade sem recursos para as suas despesas e que jamais poderá competir com Hong Kong. Aplicar a lei de 1845, que determina tornar Macau um porto franco será também uma medida prioritária do meu governo.» Concluiu. Apesar destas transformações impostas pelos ingleses, não se alterou o relacionamento de Macau com a China. O procurador pediu aos mandarins a diminuição dos direitos alfandegários, o aumento do número de navios de 25 para 50, o livre comércio, o fim da medição dos navios para desenvolver a economia da cidade, sem nada conseguir. O território continuou sujeito aos mandarins que, em 1844, chegaram a advertir Macau de que os limites da cidade se confinavam às portas do Campo e de Santo António. Uma chapa do imperador enviada ao suntó de Cantão avisava que não entretivéssemos no coração esperanças vãs (1), sugerindo que Macau se conservasse nos limites que lhe impunham com o mesmo modo de relacionamento. A guerra com os ingleses havia estipulado condições de cedência, que o imperador não queria ver repetidas com outras nações estrangeiras. «Ora aqui está um assunto que importa clarificar quanto antes. Alterada a conjuntura internacional, não se justifica a eterna dependência de Portugal à China, em inferioridade com as outras nações europeias que por aqui fazem comércio.» Sublinhou com três traços no seu bloco.A cidade sofria a concorrência inglesa e deixara de ser intermediária com a China em prejuízo do seu comércio. Via-se disputada por forças estrangeiras, como a França, sem dispor de recursos humanos, bélicos e financeiros para se impor, correndo o risco de ser entregue a outro país por ser território da China. Era esta a realidade que João Maria Ferreira do Amaral teria de enfrentar no Extremo Oriente para satisfazer o governo de Lisboa. 
(1) Marques Pereira, Ta-Ssi-Yang-Kuo, Série I, Vol. I-II, p. 24

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

"Cidade de Prazeres" - Ilustração Portugueza, 1908

Não é a embriaguez brutal do occidente, é ainda a forma hypocrita de gosar núma nuvem de fumo o que sem ella ninguém pode obter. As maiores loucuras, mulheres correndo nuas como n´um paraizo novo por entre árvores de sombras bellas e roseiraes sem espinhos, de agradável perfume, os sue lábios abertos para beijos, os seus braços sôfregos de se enlearem; é o amor em toda a sua subtileza divina e em todo o seu final bárbaro.
Sonhos de glórias em que o homem é Deus n´um céu para elle feito, em que a sua côrte são as maiores belezas da terra, em que basta um gesto para derruir um mundo. Foi isto o que Kouong Tsen revelou aos seus discípulos ao fumar a seiva da papoula vermelha do delírio, foi isto o que se tornou logo vulgar, para ser d´ahi a pouco um dos mais ricos commercios d´essa China mysteriosa. Logo cahiu da grandeza d´uma religião nas casas de venda, e em Macau, como de resto onde há chinezes, embora lhes prohibam por editos tremendos esse goso, sempre hão-de existir os logares de luxo e de asco onde se fuma o opio e onde se sonham delicias.
Em todos paira o mesmo perfume adocicado e o mesmo fumo cinzento que mata, que abaçana a pelle e come a carne, tornando o homem transparente e roubando-lhe o pensamento, marcando bem que Deus enlouquece aquelle que deseja perder.
Nas casas ricas como nas espeluncas é sempre o mesmo, acrescentando-se a estas o horror natural do scenario, em que homens e mulheres se misturam em esteira infectas, os olhos cerrados, n´um cheiro nauseante, acordando por fim n´um torpor, os olhos espantados, os membros lassos, com o ar de pessoas que voltassem d´um mundo distante, que estivesse, mergulhadas n´um sonho de seculos e acordassem espantadas deante do que viam.”
Após uma digressão pelas casas de jogo, d´amor, d´embriaguez, traz-se a impressão cançada do goso, mas olhando n´um dealbar verão a cidade onde as nhonhas de lindas pernas, com seus trajes de dó ou com seus vestidos leves, vão passar dentro em pouco, reparando n´esses bairros adormecidos, sob a luz doce do sol e comparando-a com essa China do luxo e da mizeria onde tantos milhões de homens luctam, sente-se bem que Macau foi feito para paraizo dos mandarins, dos ricos e dos piratas e logo nos vem á mente que com esse caminho de ferro de Cantão até ali, que já temos licença para fazer, a cidade seria definitivamente o logar de regalo de todo esse Extremo Oriente se dentro de gosos, que abafa ou se regela na sua atmosfera e que ali, em Macau, encontraria a sua estancia de prazeres, fazendo correr o ouro que seria applicado em torar mais deslumbrante a linda terra das nhonhas e das delicias.

A macaísta, que mettida nos seus trajos de dó tem alguma cousa das nossas antigas damas embiocadas, talvez então se desse mais à vida da rua, talvez mergulhasse n´esse banho de luxo e perdendo a característica do trajar iria docemente, sem dar por isso, deixando o recolhimento em que vive.
Macau é, pois, o logar onde se folga onde os piratas – que os há ainda – veem deixar o seu ouro, com os riscos de serem apanhados pela polícia vigilante. Mas é tal o prazer que todo o chinez tem em se demorar na cidade que eles, foragidos às leis, correm para o jogo, para o ópio e para as lindas chinesas, até que um dia lá vão amarrados pelos rabichos, levados por uma escolta para a fortaleza do Monte até serem entregues às suas auctoridades, até que as suas cabeças sejam degoladas em terras do Celeste Império e expostas nas ruas gotejando sangue. Apezar de tudo o pirata vem e na hora da morte não se lembra decerto das suas façanhas, mas sim dos olhos oblíquos de alguma linda chinesinha da rua da Felicidade, d´essa extranha cidade de prazeres.
Excerto do artigo "Macau Cidade de Prazeres” publicado na “Ilustração Portugueza”, 1908

domingo, 21 de setembro de 2014

Marcas do Passado: cartazes publicitários chineses

"Marcas do Passado" - cartazes publicitários chineses (1907-1953)
Catálogo da exposição realizada na Galeria de Exposições do Leal Senado com um total de 84 cartazes expostos. Texto em português e chinês.
Leal Senado - Galeria de Exposições Temporárias, Macau. 3ª edição. Junho 1996

sábado, 20 de setembro de 2014

Rifa beneficência hospital Kiang Wu: 20 Setembro 1954

Rifa de Beneficência a favor do hospital chinês "Kiang Wu" de Macau
1 º prémio: dois prédios com os nºs 4 e 4A na rua Pedro Nolasco
2º prémio: automóvel novo da marca Humber
3º prémio: anel de brilhante
4º prémio: frigorífico de luxo


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Biblioteca digital com história para os mais novos

Com vista a fomentar o contacto das camadas mais jovens com a história, a cultura e os costumes e tradições da China e de Macau a Fundação Jorge Álvares promoveu recentemente duas iniciativas: o projecto Biblioteca Digital Fundação Jorge Álvares e a edição do livro Missão Impossível, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada.
A Biblioteca Digital Fundação Jorge Álvares foi produzida pelo CITI – Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e constitui uma plataforma digital com recursos multimédia associados que integra livros da Escola Portuguesa de Macau sobre a história e cultura de Macau e da China.
Trata-se de uma plataforma inovadora que agrega conteúdos temáticos compilados em colecções. A navegação é dinâmica e proporciona ao visitante múltiplas formas de recombinar a informação e construir o seu próprio ambiente de aprendizagem. Os textos são enriquecidos com animações, vídeos e aplicações interactivas que contribuem para a experiência do utilizador e para consolidação do saber.
A Biblioteca Digital constitui um importante veículo para o conhecimento da história e da cultura da China e de Macau, para a interacção professor-aluno ou pai-criança, bem como para o intercâmbio entre escolas, designadamente das escolas nacionais com a Escola Portuguesa de Macau.
O público-alvo da primeira fase desta iniciativa são os alunos do 1.º e 2.º ciclos de ensino, tendo no entanto interesse e podendo igualmente ser utilizado pelo público juvenil e adulto, nomeadamente os professores nas escolas.  
Partindo de uma garrafa de porcelana azul e branca da China encomendada por Jorge Álvares em 1552, de que a Fundação é proprietária e pode ser vista no Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, as autoras desenvolvem no livro Missão Impossível, destinado à mesma faixa etária da Biblioteca Digital, uma aventura em que ressalta a vida de Jorge Álvares no Oriente naquela época, os seus amigos bem como as lendas e os animais míticos chineses.
Esta edição, não comercial, destina-se a ser oferecida às bibliotecas de todas as escolas do país, constituindo um importante instrumento para fomentar o conhecimento da história e das lendas de Macau e da China, bem como para a organização na escola de trabalhos de grupo.  
De seguida alguns excertos do texto sobre as origens de Macau e a chegada dos portugueses.
Muito antes da chegada dos portugueses, a zona de Macau já seria habitada há mais de 4000 anos. Coloane talvez há 6000 anos. Existem registos históricos de que já no século V, navios de comerciantes chineses, em viagem para outras regiões da Ásia, paravam na zona de Macau, para se abastecerem de água e comida. No século XIII, durante a dinastia Song, terão sido construídas várias pequenas povoações, na zona de Mong-Há. Pensa-se que o templo mais antigo de Macau seja o Templo de Kun Iam (Deusa da Misericórdia), que ainda hoje existe na zona de Mong-Há. Já na dinastia Ming, no século XV, a zona de Macau era porto de abrigo de pescadores do Guangdong e do Fujian. Terão sido estes últimos a construir o famoso Templo de A-Má, que terá estado na origem do nome da cidade de Macau.
Ao longo do século XVI, um conjunto de pequenas e frágeis habitações terá existido na zona do Patane, próximo do actual Porto Interior. Ali viviam pescadores e comerciantes chineses e de outras regiões da Ásia que vinham fazer negócios na China.
Estabelecimento dos portugueses
Em 1498 os Portugueses chega­ram à Ásia, graças à viagem de Vasco da Gama, ordenada por D. Manuel I. Em poucos anos criaram no Oceano Índico uma rede de fortalezas e feitorias. A conquista da cidade de Malaca deu acesso aos mercados da Ásia do Sueste e da China, sem dúvida os mais ricos da Ásia, nessa época.
Em 1513, Jorge Alvares saiu de Malaca num junco, rumo à China. Chegou à ilha de Tamão (Tunmen), ao largo de Cantão. Foi ele o primeiro português a contactar directa­mente a China. O sucesso comercial desta viagem levou a novas viagens até às costas do sul da China. Ali, os portugueses procuravam porcelanas, sedas e outras mercadorias raras chinesas.
Os portugueses estabeleceram-se em Macau em 1555/1557. Para além das parcerias comerciais com mercadores chineses, os portugueses aproveitaram a boa vontade das autoridades do Guangdong, para que o seu estabelecimento em Macau se tornasse gradualmente permanente. Os portugueses começaram por se fixar na colina do Patane - junto ao actual Jardim Luís de Camões - construindo casas de madeira e palha. Depois, a pouco e pouco foram construindo casas de materiais mais resistentes.
 Em 1558 terá surgido a primeira igreja (Santo António) e mais tarde, em 1572, a primeira escola. A comunidade portuguesa era formada por gente vinda de Portugal, mas também por muitos luso-asiáticos, resultado de uniões de portugueses com mulheres chinesas, indianas, japonesas, malaias, etc. A população de Macau foi aumentando à medida que a cidade se foi tornando um porto de comércio internacional. No final do século XVI já tinha alguns milhares de habitantes. Na sua maioria eram chineses do Guangdong e do Fujian.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Planeamento Urbano no século XIX

Há cidades que atraem pelo seu cosmopolitismo, outras pela vertente cultural que apresentam, outras ainda pela relevância histórica, pelas vivências dos seus bairros, ruas, praças e quarteirões. Dum modo geral as histórias que as cidades nos narram são páginas abertas aos sentidos, à inteligência, à sensibilidade e aos sentimentos. Macau assimila e transmite mensagens inequívocas e percorrer as suas ruas é fazer uma viagem pela história onde a convivência cultural assumiu um papel preponderante, e estabilizador, ao longo dos últimos cinco séculos.
Senti o encanto desta cidade quando aqui desembarquei há 20 anos atrás, e respirei uma atmosfera carregada de significados e experiências acumuladas, que se confundiram com a humidade, os cheiros e os sabores, deixando marcas que o tempo jamais diluirá.
A cidade atraiu-me pela sua pluralidade, pela confluência cultural visível e pelos sinais que encontrava de uma forma de estar e viver que, sendo original, transmitia a “habilidade” que os portugueses sempre tiveram em adaptar-se e integrar-se nos locais que iam encontrando no seu périplo pelo mundo, entrosando as culturas locais num resultado final que, sem esquecer as matrizes, se revelava, e revela, numa atraente originalidade.
A cidade evoluiu, mas sempre soube sobreviver e responder de forma eficaz aos desafios que, ao longo do tempo, se foram colocando, sendo que os seus governantes se apetrecharam com os instrumentos necessários para o efeito.
Do ponto de vista urbano, desde o sec. XVI, a evolução da cidade foi marcada por diversos ciclos e se no início prevaleceu um certo organicismo espontâneo em resultado do modo de viver da época, na fase pós Ferreira do Amaral (1846-1849) começa a surgir a cidade planeada em conformidade com o “Plano de Melhoramentos para a Cidade”, que visava atalhar, entre outros, problemas de salubridade e higiene urbana, no combate à peste.
Ainda no sec. XIX, nos primeiros anos da década de 80 (1881), devido às condições de assoreamento da zona portuária, coube a Demétrio Cinatti, capitão dos portos de Macau, alertar o governador para a situação de colapso eminente, o que veio a induzir a necessidade de responder tecnicamente à questão do assoreamento, tendo sido estabelecido o “…princípio do primado do plano sob qualquer intervenção a fazer, bem como a definição das estratégias urbanísticas e de construção a ser seguidas no traçado de futuras vias a construir na cidade”**.
Em 1877 surge o primeiro Plano de Pormenor, pela mão de Miguel Ayres, para um terreno concessionado, publicado na portaria nº 64 de 7 de Julho.
Devido ao rápido assoreamento da zona portuária e depois do relatório de Demétrio Cinati, em 1884, foi publicado “O Porto de Macau/Ante-Projecto para o seu Melhoramento”, de Adolfo Ferreira Loureiro, onde o autor descreve e justifica tecnicamente a proposta, incluindo pormenores construtivos, medições e orçamentos, das obras necessárias para melhoramento do porto de Macau.
Por aqui se pode verificar que o crescimento da cidade, desde os primórdios da chegada dos portugueses, foi planeado e pautado ao longo do tempo, tendo em vista o desenvolvimento estratégico da cidade, criando as bases para uma economia sustentada e apoiada num enquadramento urbano que lhe desse rosto, porque afinal, sempre existiu planeamento em Macau…
**José da Conceição Afonso, Arquitecto, in “Macau: uma experiência de Urbanismo Estratégico e Higienista”, Revista de Cultura Nºs 38,39(II Série), Jan/Jun 1999

Texto da autoria da arquitecta Maria José Freitas publicado em 2008 no JTM