quarta-feira, 9 de março de 2016

Reflexões "macaenses" em ano de "Encontro"


Já passaram mais de 20 anos sobre a primeira edição do Encontro das Comunidades Macaenses. Foi em Novembro de 1993 e começou a ser delineado anos antes, por volta de 1989 (curiosamente num jantar de macaenses em Toronto, Canadá, onde estava Lourenço da Conceição), e desde cedo apadrinhado pelo Governo de Macau. Desse primeiro grupo que 'arquitectou' o projecto fizeram parte nomes como José Celestino da Silva Maneiras, Presidente do Leal Senado, António Rodrigues, funcionário da Universidade de Macau, José Sales Marques, Sub Director dos Serviços de Turismo, Armindo Ferreira, Chefe de Secção dos Serviços de Turismo, e Lourenço da Conceição, Administrador de Autoridade Monetária e Cambial de Macau. 

No discurso da sessão de abertura do evento, a 4 de Novembro de 1993, o Governador Rocha Vieira falou perante mais de 600 representantes das Casas de Macau e de associações de macaenses de Portugal, Brasil, Estados Unidos, Canadá e Austrália.
"Estamos confiantes na continuidade de um Macau igual a si próprio, continuidade na participação livre e convivente das várias componentes culturais e humanas cuja presença e interacção fizeram a identidade de Macau e continuam a ser condição do seu desenvolvimento e prosperidade. Este é o Macau que todas as partes têm interesse que perdure, este é o Macau que tem o futuro do seu lado, que tem a seu favor o tempo e o sentido da história". (...) 
A presença e a ligação dos Macaenses ao Território é o factor fundamental da continuidade do espírito de Macau, um factor importantíssimo da preservação da sua identidade, e eu estou confiante que essa permanência e essa ligação se irão verificar, graças, uma vez mais, a esse traço essencial da personalidade portuguesa, à capacidade de compreender outras civilizações, de transmitir, respeitar e absorver os traços culturais determinantes, que é uma das grandes qualidades de inteligência e de temperamento dos Macaenses.
As Comunidades Macaenses espalhadas pelo Mundo poderão ter neste contexto um papel importantíssimo e por isso faço a todos vós um apelo veemente, um apelo de alguém que também ficou preso para sempre ao encanto desta Terra e partilha o mesmo anseio e uma grande confiança, relativamente ao seu destino.
Venham a Macau, façam de Macau um lugar de encontro, um lugar de peregrinação. Façam-no pela comunidade portuguesa de Macau que aqui permanecer, façam-no por aqueles que partirem, façam-no por Macau, por Macau que estou certo haverá de perdurar, nele perdurando Portugal, assim se cumprindo o legado de gerações e gerações de macaenses."
As palavras proferidas em 1993 pelo então Governador de Macau continuam válidas, bem como as do Presidente da República, Jorge Sampaio, no Encontro de 1999. No discurso de abertura feito em Março desse ano dizia assim o Presidente Sampaio:
"A grande família macaense possui uma excepcional capacidade de integração nas mais variadas culturas e sociedades, mas renova-se a cada geração, mantendo bem vivos os sentimentos de ligação à sua terra mãe. (...) Devo lançar um desafio, dirigido às novas gerações aqui presentes (...) para que reforcem laços com a terra dos seus pais e dos seus antepassados, para que acompanhem a vida da sua cidade (...) quer seja, a escola, no trabalho, nas cinco partes do mundo, os melhores veículos da rica herança cultural macaense (...)" 
 Já se realizaram oito edições - 1993, 1996, 1999, 2001, 2004, 2007, 2010, 2013 - e já se passaram mais de vinte anos sobre o primeiro encontro, um evento em que a diáspora macaense 'volta a casa' para rever amigos e familiares mas também para falar das questões prementes em torno do que é ser macaense, em Macau e no mundo.
Após estas edições não subsistem dúvidas de "identidade" nem de "sentimento de pertença". Basta ver o crescente número de participantes nestas ocasiões. O que falta é criar condições para a manutenção da vivência macaense, onde quer que as comunidades macaenses estejam: Portugal, Brasil, EUA, Canadá, Austrália, etc...
O Conselho das Comunidades Macaenses (CCM - fundado a 29.11.2004) tem vindo a desenvolver um trabalho meritório mas que pode ser melhorado, nomeadamente na criação de condições básicas para uma melhor articulação e comunicação entre as diversas instituições macaenses. Refiro-me, por exemplo, a um portal na internet que agregue essas instituições e que vá dando conta do que se faz não só nos "encontros" mas também nos períodos entre os "encontros". Sugiro ainda ao CCM que se afirme ainda mais como interlocutor privilegiado dos "interesses" das comunidades macaenses espalhadas pelo mundo junto dos organismos oficiais do Governo da RAEM.
Há não muito tempo José Luis Sales Marques fazia ao Jornal Tribuna de Macau (4.12.2013) um retrato muito fiel do que é a actual situação das Casas de Macau:“As Casas de Macau vivem à custa dos seus próprios recursos, não vivem com subsídios. Vivem com uma grande capacidade de iniciativa e de auto-financiamento, mas que também tem os seus limites, sobretudo quando se quer fazer mais e melhor”.
Convém recordar que a alínea C do artigo 3º dos estatutos do CCM define que compete à direcção da CCM “propôr ao Governo da RAEM modalidades concretas de apoio às organizações não-governamentais de macaenses, locais ou do exterior”.

As Casas de Macau

Há muito que considero que, a cada encontro, mais do que discursos de circunstância, pode e deve-se estabelecer uma reflexão de ordem prática, mesmo a título informal, sobre as melhores formas de assegurar a continuidade das marcas identitárias macaenses. Materiais e imateriais: a cultura, a língua (patuá), a gastronomia, etc...
Para que isso possa ser feito é indispensável o apoio do governo da RAEM - em articulação com o conselho das Comunidades Macaenses - que deve procurar parceiros como as Casas de Macau na diáspora que podem (e devem) ser ponto privilegiados para a promoção de Macau como destino turístico singular nos países onde se encontram instaladas.
Existem muitas formas de o fazer, desde o apoio financeiro regular e acções de promoção pontuais. Dou um exemplo prático que começou a ser implementado na Casa de Macau em Portugal (CMP) em Maio de 2015. Enquanto vice-presidente da instituição convidei a Delegação do Turismo de Macau em Portugal a ser parceiro numa iniciativa que proporciona aos sócios e ao público em geral uma oportunidade única de provar comida macaense. Desde logo o Dr. Rodolfo Faustino abraçou a ideia e até agora as cerca de 500 pessoas que por lá passaram receberam de presente um conjunto de material de merchandising do Turismo de Macau.
Ao nível da promoção da gastronomia pode-se fazer mais e melhor, nomeadamente com o envolvimento da Confraria da Gastronomia Macaense (CGM). Neste exemplo que dei a Casa de Macau em Portugal suportou integralmente todas as despesas de formação de um cozinheiro que recebeu formação da Graça Pacheco Jorge, sócia da CMP e confreira de mérito da CGM.
As Casas de Macau espalhadas pelo mundo (e são mais de uma dezena) têm ainda condições singulares para servir de veículo à promoção da cultura nomeadamente através da venda de livros - em regime de consignação, por exemplo - editados pelo Instituto Cultural de Macau e outros organismos/empresas que publiquem livros sobre Macau na RAEM ou noutros países.
O próximo "Encontro das Comunidades Macaenses" está agendado para o final do ano em Macau tendo definidas como datas provisórias entre 26 de Novembro e 3 de Dezembro.
Se não for antes, vemo-nos lá! Saudações macaenses!
João Botas
Autor do blogue Macau Antigo - macauantigo.blogspot.com - de diversos livros sobre a história de Macau e ex-residente no território entre as décadas de 1980 e 1990.
Nota: O autor do artigo é actualmente vice-presidente da Casa de Macau em Portugal mas as opiniões expressas são feitas a título individual e não vinculam a instituição.
Artigo publicado na edição nº 9 de Março de 2016 do jornal A Voz da Associação dos Macaenses

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