segunda-feira, 29 de abril de 2013

Um olhar português nos anos 60

(...) Com uma densidade populacional de cerca de 29 000 h/km2, Macau integra-se bem no tipo da cidade oriental, formigueiro de gente. Por entre o amontoado de casario sobressaem algumas colinas graníticas a que a densa vegetação, que as cobre quase por completo, e a aspereza das encostas dão maior realce. Em pleno centro, a colina do Monte, encimada por uma fortaleza à Vauban, mandada edificar pelos portugueses, domina a cidade; no flanco do Noroeste ergue-se a elegante fachada de pedra, restos da "mais linda igreja do Oriente", que um incêndio devorou em 1835. À roda da igreja e no contraforte da fortaleza situou-se, até ao século passado, o mais importante bairro português. (...)
Ainda aí hoje se vêem alguns palácios e sobrados que se desafiaram uns aos outros em beleza; mas na quase totalidade foram abandonados pelos descendentes dos antigos moradores e acabaram por ter o triste destino dos palácios de Xabregas, em Lisboa. Apenas na Rua de Santo António algumas destas casas grandes continuam habitadas por famílias de dinheiro e de bom gosto. Ainda no centro, a colina de Camões é inteiramente ocupada por um grandioso jardim. A oeste da Península encontram-se as colinas da Barra e da Penha, uma e outra conquistadas pela implantação de vivendas ricas envoltas em jardins floridos, o mesmo se verificando de 1960 para cá, com os relevos de São Januário e Guia, a sudeste; porém em Mong-há, a norte, e na Ilha Verde, a noroeste, onde ainda não chegou a onda de construção, salientam-se as manchas de verdura intactas. (...)

De todas as zonas em que se pode dividir a cidade, a que mais atrai a atenção do Ocidental é a do bairro do Bazar, habitado principalmente por chineses e com uma vida comercial muito intensa. Ruas estreitas e sombrias são ladeadas por prédios esguios de dois ou três andares; quase todos possuem varandas muito salientes, as dos andares inferiores protegidas pelas varandas dos outros, apoiadas em colunas geralmente de madeira; as dos últimos andares são cobertas com folhas de zinco ou simples oleados, que as abrigam das chuvadas de monção de Abril a Setembro. O rés-do-chão de quase todos os prédios é ocupado por lojas , indicando os grandes letreiros, em vistosos e coloridos caracteres chineses, o ramo de negócio. (...) É nestas ruas que o bulício é maior e as pessoas se acotovelam mais amiúde nas horas de maior movimento; quando subitamente todo este movimento cessa e a azáfama comercial se interrompe, as janelas iluminadas e as portas entreabertas, donde sai o ruído surdo das pedras de majongue, são o único sinal de vida, pela noite fora. (...)
Na larga Avenida Almirante Sérgio, que rodeia o porto interior, em contraste, encontra-se o maior número de casas comerciais dedicadas a um mesmo ramo: tudo relativo à pesca (...). Também é nesta zona da cidade que está localizada a grande maioria das suas pequenas indústrias (serração de madeira e construção naval, tinturaria e estampagem de tecidos, confecção de vestuário, luvas e calçado, artigos eléctricos, esmaltagem, garrafas térmicas), que ocupam 16 000 pessoas (1/4 na confecção de artigos de vestuário e outro 1/4 no fabrico de explosivos e pirotecnia) e contribuem para alimentar, pela maior parte, as exportações e abastecer uma clientela modesta de grande número de portos da África Oriental. (...)
 
Excertos de um artigo - Achegas para a geografia de Macau - da autoria de Maria Raquel Viegas Soeiro de Brito publicado na Revista da Junta de Investigação do Ultramar, nº 81, 1968.
Professora e geógrafa, RSB formou-se em 1955. Nas três décadas que se seguiram efectuou diversas visitas de estudo às várias províncias ultramarinas e publicou inúmeros trabalhos sobre as mesmas. 
Em 1963 publicou "Imagens de Macau" pela Agência Geral do Ultramar.

sábado, 27 de abril de 2013

Inauguração do "correio aéreo": Abril 1937

Envelope e bilhete postal que assinalam o primeiro voo de correio aéreo entre Macau e os EUA.
As imagens abaixo são do Anuário do Governo (edição 1938). Mostram o gov. Tamagnini Barbosa à chegada ao Porto Exterior e subindo ao Clipper; o comandante do aparelho cumprimenta o director dos Correios que tem junto a si um saco com a correspondência enviada de Macau por via aérea pela primeira vez. O carimbo dos CTT atesta a data: 28 Abril 1937. Mais exemplos de produtos filatélicos desse dia aqui.
O Clipper da Pan Am haveria de voltar anos mais tarde a Macau


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Os últimos governadores do império

Este livro com coordenação de Paradela de Abreu e colaboração dos jornalistas Händel de Oliveira, Rui Nunes e J. Villas Monteiro foi editado em 1994. No que a Macau diz respeito, a referência vai para Lopes dos Santos, governador entre 1962 e 1966, "único governador ainda vivo do período anterior ao 25 de Abril." Lopes dos Santos (1919-2009) passou ainda por Cabo Verde de onde saiu já em 1974 sendo o último governador daquele território.
Nesta edição 'juntaram-se' os depoimentos na primeira pessoa dos "últimos governadores do império" ainda vivos na época. Eram 15 no total. Lopes do Santos (1919-2009), governador de Macau entre 1962 e 1966 foi um deles mas a sua 'estreia' no Território aconteceu antes, em finais de 1955, quando foi nomeado para desempenhar as funções de Chefe de Estado-Maior da Guarnição Militar de Macau, cargo que manteve até Abril de 1958. Era governador o comandante Correia de Barros.
Lopes dos Santos será convidado para governador de Macau em Outubro de 1961 por Adriano Moreira, ministro do Ultramar. Silvério Marques saíra da curta estadia no cargo por motivos de saúde. Não é objectivo deste post analisar o seu mandato 17 Abril 1962 a 25 Novembro 1966 - (fica para uma próxima oportunidade) pelo que limito-me a referir a título de exemplo algumas das palavras-chaves que o ajudam a caracterizar: planos de fomento, estudos localização aeroporto Ponte da Cabrita, primeiros estudos da ponte Macau-Taipa, refugiados, planos urbanização, contrato concessão de jogo, etc...
Lopes dos Santos em 1962 numa visita ao colégio Yuet Wha
Excertos de Garcia Leandro, tb ex-governador de Macau (1974-79), sobre Lopes dos Santos:
“Governou Macau em época politicamente difícil para Portugal e para a China, a que se adicionaram também problemas financeiros locais, tendo criado um excelente relacionamento com as comunidades locais e com os representantes da R.P. da China. Deste período ressalta como decisão fundamental o ter alargado para 25 anos a concessão do jogo à STDM, com revisões possíveis em cada cinco anos.(...) Com a alteração de Lopes dos Santos tal tornou-se possível, situação de que ainda vim a beneficiar com a primeira grande revisão do contrato dos jogos com a STDM assinado em Abril de 1976, em que a posição do Governo saiu muito reforçada, não só nas receitas que aumentaram muito, mas também noutras condições como as relacionadas com a fiscalização e respectivo controlos. Foi um processo muito difícil e tenso, tendo o futuro vindo a provar a justeza das exigências do Governo; veio a verificar-se que a SDTM poderia pagar muito mais, o que posteriormente se concretizou. E uma árvore para crescer precisa sempre de uma semente; o bem-estar e os créditos que Macau passou a receber e que têm vindo sempre em crescendo têm a sua origem nestas sementes lançadas há mais de quarenta anos". (...) Era um transmontano de gema, grande caçador, foi um excelente administrador, sendo um homem gerador de consensos”.
Aniversário do governo de Lopes dos Santos em 1963
A "Lição Proferida no dia 17 de Novembro de 1966, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, Integrada no Curso de Extensão Universitária, Sobre as Províncias do Oriente" foi transformada num pequeno livro de 42 páginas.

"Macau foi sempre ao longo de mais de quatro séculos de presença portuguesa, um território, embora minúsculo, muito difícil de governar, um quebra-cabeças quase permanente para os capitães-gerais e depois para os governadores" - Lopes dos Santos no livro (pág. 355) citado no início deste post.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

25 de Abril: o fim de uma era antiga

(...) À margem das diligências oficiais que referi a semana passada, um amplo grupo de democratas reunia-se, entretanto, no restaurante “Fat Siu Lau”, à rua da Felicidade, redigindo um telegrama emocionado por intermédio do “Jornal República” (um dos símbolos da luta republicana contra Salazar e Caetano), em jeito de carta aberta a todos os portugueses. Nele saudavam “o patriótico” movimento de 25 de Abril que pôs fim ao “período fascista”, celebrando também o facto de levarem a cabo a primeira reunião política livre dos últimos 40 anos em Macau.
Ao fim da noite, os 38 subscritores da missiva abandonavam por entre vivas e aclamações o restaurante de regresso a casa sem receio de terem cometido qualquer acto criminoso previsto e punido pelo “Código Penal”, nem serem presos pelos subordinados do agente Noronha que sob a cobertura da Polícia Judiciária dirigia de facto a “PIDE-DGS” em Macau comandando de facto, ainda que oficiosamente, os serviços de informações da PSP.
Mas, a reunião do “Fat Siu Lau”, apenas culminou um dia de conquistas democráticas. Nessa mesma tarde, o chefe de gabinete do Governador (Lajes Ribeiro), reunira no Palácio da Praia Grande os directores e representantes dos jornais, comunicando-lhes oficialmente o fim da censura. A partir desse momento os periódicos portugueses poderiam escrever livremente o que quisessem. Os jornais chineses não foram convocados pelo simples facto de nunca terem sido submetidos à censura. Lajes Ribeiro, fazia-o com agrado e genuína convicção tanto quanto posso avaliar das inúmeras conversas que com esse oficial (actualmente general reformado) pude manter bem como com pessoas de vários quadrantes políticos que com ele conviveram em diversas épocas.

Depois de numa primeira vez se ter recusado a integrar como vogal a comissão de censura, ao ser para o efeito convidado quando era ainda oficial da polícia, acabaria por se tornar presidente da mesma comissão alguns anos mais tarde por inerência do cargo, facto de que não se apercebera antes de aceitar o convite de Nobre de Carvalho para ser seu “Chefe de Gabinete”. Nem tinha que se aperceber, digo eu, tendo em conta que se vivia então num regime totalitário onde qualquer lugar, ou posto nas forças armadas, ou na função pública implicava aceitar implicitamente tudo quanto não só a lei ditava como a sua regulamentação obrigava. O discurso de Lajes Ribeiro ainda que sincero, não se traduziria em imediata liberdade já que meses depois o velho jornal “Notícias de Macau” acabaria por ser sancionado com uma coima de tal ordem por “excesso de liberdade de imprensa” que teve que encerrar portas.
San Ma Lou 1976. Foto Braun Bros
Na sequência da fundação do CDM, também as forças conservadoras locais se sentiram na necessidade de se agruparem fundando a Associação para a “Defesa dos Interesses de Macau, ADIM, liderada pelo antigo deputado à Câmara Corporativa Carlos Assumpção, forte personalidade que para além da comunidade portuguesa estendia a sua influência à sobrepujante comunidade chinesa. Ao contrário do CDM, não era a democratização da sociedade o principal objectivo da ADIM, mas sim a criação de um grupo de pressão capaz de lutar contra os receios de curto prazo de alguns sectores da população de que o processo de descolonização em curso pudesse ser de alguma forma apressadamente aplicado em Macau.
Com a formação da ADIM, ainda que exponencialmente mais conservadora do que o CDM acentuava-se a pressão no sentido da transformação das estruturas coloniais ancilosadas que Nobre de Carvalho, embora dizendo oficialmente aderir aos princípios da revolução dizia simultaneamente que “as alterações que podiam ser implementadas” não estava em condições de as fazer ele próprio.
Entretanto nos quartéis registava-se grande turbulência, reflectindo as mudanças de conceitos e de objectivos das forças armadas que punham termo à guerra do “Ultramar” e ocupavam vitoriosamente o poder político. Nesse contexto de indefinição o chefe de estado-maior (Rocha Viera) decidiu eximir-se a ser árbitro na situação local. Pediu licença militar (que foi aceite) e partiu para Lisboa a fim de verificar “in loco” quais eram os novos rumos dos ventos da política nacional. Rocha Vieira, curiosamente, mais tarde acabaria por regressar a Macau afirmando-se delegado do MFA (Movimento das Forças Armadas).
Nessa altura, no Território o comandante Salgado, Capitão dos Portos, dizia igualmente que o era antes dele e provavelmente teria razão. Porém à falta de documentos credíveis, vá lá saber-se quem era o verdadeiro delegado do “MFA” em Macau?... O que se sabe ao certo é que o comandante Salgado acabaria preso e recambiado para Portugal, enquanto Rocha Vieira regressava como secretário adjunto para as Obras Públicas do novo governador Garcia Leandro. Mas, na verdade as suas funções excediam largamente as Obras Públicas, já que na prática se perfilava como comandante operacional da pacificação do Território e da sua guarnição que se tinha esquerdizado em demasia conforme o próprio Rocha Vieira afirma. Independentemente de quem comandava oficial, ou oficiosamente o MFA em Macau a agitação social mantinha-se dentro de limites aceitáveis face aos novos tempos revolucionários que tinham surgido de supetão. Mas isto é o depois da história.
Antes Nobre de Carvalho aguardava indicações claras de Lisboa sobre qual a política a seguir e fazia saber (no limiar da sua própria reforma) que fosse qual fosse a evolução dos acontecimentos deixaria o território no final do mandato para que tinha sido nomeado, ou seja Outubro de 1974. Embora beneficiando ainda da simpatia de grande parte da população, simpatia que lhe advinha dos tempos conturbados do “1,2,3”, Nobre de Carvalho começava a tornar-se alvo cada vez mais exposto: “Grande parte da população não aceitava a sua continuação, sofrendo por isso uma grande contestação durante muitos meses”, recorda o general Garcia Leandro, que seria juntamente com o major Rebelo Gonçalves o primeiro a deslocar-se a Macau como enviado oficial do novo regime.
O próprio Nobre de Carvalho, por seu turno, ia mais longe preferindo usar o termo “revolução” a contestação: “Foi uma outra revolução, que houve, desta vez dentro da população portuguesa (chinesa não!) macaenses e outros europeus (o que quereria dizer com outros europeus?). Mas foi uma minoria que estou convencido - muitos já morreram - que no fundo se devem ter arrependido do que fizeram porque foi uma vergonha essa actuação”. Apesar destas amargas palavras, o velho general no entanto não chegaria a conhecer os verdadeiros tempos de agitação que se seguiriam em Macau após a sua resignação do cargo.
Artigo da autoria de João Guedes publicado no JTM de 3-5-2011

terça-feira, 23 de abril de 2013

Há biscoitos no armário

O livro foi escrito por Jorge Pinheiro amigo de longa data da família Machado. A introdução é da autoria de Beatriz Basto da Silva, amiga e antiga colega da "madame" no Liceu de Macau. Foi apresentado em Outubro de 2011 na Casa de Macau em Lisboa por ocasião do 90º aniversário da visada, a prof. Manuela Machado.
Apresentação do livro em Outubro de 2011. Foto de Sofia Morais
Jorge Pinheiro sobre o livro:
"Maria Manuel Pimenta de Castro Machado fez no dia 21 de Outubro noventa anos. É a primeira senhora a contar da esquerda. Para comemorar o aniversário, os quatro filhos resolveram oferecer-lhe uma biografia. Coube-me a honra de escrever o livro. A sua vida longa e rica passou por Lisboa, Angola, Moçambique e Macau. Uma vida que percorreu muita História. Desde as convulsões da I República, à Guerra do Ultramar e ao 25 de Abril. Foram longas horas de conversa. Uma memória prodigiosa. Uma força impressionante. Entrevistei muita gente. Da família e fora dela. Viajei virtualmente por sítios desconhecidos. Macau foi uma surpresa. Foram 10 meses de trabalho intenso e gratificante. "Há Biscoitos no Armário" é uma viagem e uma lição de amor. O Armário existe mesmo. É um Armário mágico. Está na sala da casa da família. Um Armário cheio de afectos, onde os netos e bisnetos encontram sempre os biscoitos favoritos de cada um. Foi com esta alegoria que surgiu o fio condutor da narrativa. Foi com o medalhão da porta do Armário que a Mafalda Diniz estilizou a capa (pode-se ver num post abaixo). Acabado o livro, fiquei sem trabalho... Não sei se vá de férias ou se comece a pensar no próximo livro. Há um alívio e, simultaneamente, um desassossego."
Excerto:
“Bonjour Madame! e os alunos entravam noutro mundo. Um mundo europeu e distante. Um mundo longínquo. Um mundo erudito, quase incompreensível. Uma língua de adultos. Uma língua fora de contexto. Uma língua curricular. Este era o desafio de Maria Manuel. Tornar acessível uma disciplina pouco apelativa. O francês fora importante em Macau no século XIX. Mas agora o inglês tudo dominava. Quem falava francês no oriente? Para que servia? Maria Manuel conseguiu desmistificar as dificuldades que se imaginavam na língua gaulesa. Bonjour Madame! A memória ficou para sempre nos alunos. Gerações que cantaram Au clair de la lune, Frère Jacques, Sur le Pont d´Avignon. Êxitos populares. Melodias de sempre. Canções que ainda hoje lembram a Madame. As aulas de Maria Manuel eram inesquecíveis. Os seus métodos inovadores cedo cativaram os alunos. Utilizava o gira-discos e os discos de vinil de 45 rotações. Nas aulas passava músicas e canções francesas da moda. Despertou o interesse por uma língua pouco utilizada naquelas paragens. Conquistou, rapidamente, a estima dos alunos. Tornou-se numa professora memorável. Ainda hoje todos sabem quem é a Madame. Com ela, as aulas eram animadas. Corriam num ápice. Madame Machado não deixava ninguém desatendido. A sua visão funcionava como um verdadeiro radar, detectando tudo e todos. Os alunos aprenderam a complicada conjugação dos verbos e a hermética gramática francesa. A pronúncia era tarefa mais difícil. Mais um desafio que se venceu. Maria Manuel deixou saudades, quando partiu em 1973. O Liceu ficou sem uma grande professora. Uma mulher com um enorme sentido humano. Alguém que olhava os alunos como filhos. Uma mulher inolvidável. Franzina, de aparência frágil, pele alva, cabelos negros. Boca larga e sorriso pronto. Olhar penetrante, lúcido e sagaz. Maria Manuel Machado possuía uma elegância e uma finura no trato que ressaltavam. Destacava-se das outras docentes. O volume da voz. O seu timbre. Tudo nela era diferente. Uma presença. Uma personalidade determinada e generosa. A sua elegância era natural. A sua conversa, espontânea. A sua alegria, contagiante. Se estava triste ou preocupada, não deixava transparecer. Tinha uma postura clássica. Simples, mas sempre muito arranjada. O penteado, a roupa, as jóias, o calçado, tudo era clássico. Tudo condizia maravilhosamente, de uma forma sóbria. Nada de modernices. Nada de coisas à chinesa. Muito feminina. Sempre chique. Sempre discreta. Sempre bem. Maria Manuel era muito imaginativa. Uma especial predilecção pelo trabalho de mãos. As aulas de apoio à Mocidade Portuguesa Feminina beneficiavam do seu talento. Com ela, a empatia era imediata. Um relacionamento que não se explica. Havia nela uma fé, uma crença, uma certeza, que tudo vencia. Uma força que se reconhecia. Um querer que tudo fazia. Maria Manuel sempre foi muito mais do que a mulher de um oficial do exército. Trilhou a sua carreira com competência e profissionalismo. Mais que uma professora, Maria Manuel é uma educadora. Uma educadora nata. O seu tom nunca foi imperativo. Ensinar para ela é natural. Aprender com ela é um prazer. Nunca uma obrigação.
Em Macau, durante a primeira comissão, de 1954 a 1960, Maria Manuel dava aulas de francês na Escola Comercial Pedro Nolasco e no Liceu de Macau, o Liceu Nacional Infante D. Henrique, a funcionar ainda na zona de Tap Seac que, em cantonês, quer dizer Torre de Pedra. Tap Seac era uma várzea pantanosa, um foco de peste, onde os insectos proliferavam. No inicio do século XX, fez-se o aterro e iniciou-se o bairro, com edifícios de estilo neo-clássicos, tipicamente de arquitectura colonialista. Um bairro hoje classificado pela UNESCO. De 1924 a 1958 aqui funcionou o Liceu. Mais tarde, durante a segunda comissão, de 1967 a 1973, o Liceu funcionava, então, ao lado do Hotel Lisboa. Um edifício que, na gíria, se chamava Cinzento. As cores das paredes em Shangai Plaster, muito ao estilo Estado Novo. Ficava na antiga Avenida Oliveira Salazar (hoje Avenida Dr. Mário Soares). (...) Mais tarde, muito mais tarde, já em Lisboa, uma coisa que sempre emociona Maria Manuel é encontrar um antigo aluno de Macau. Nas ruas da Baixa, num eléctrico ou num autocarro. Reconhecem-na. Falam-lhe. Ela continua a ser uma referência. Um marco. Conversas intermináveis, feitas de respeito e nostalgia. Em 1996, a Associação dos Antigos Alunos do Liceu de Macau convidou Maria Manuel para o centenário do Liceu. Foi a última vez que foi a Macau. Uma comoção enorme. Estava tudo pago. Estadia e tudo. Maria Manuel comemorou lá os seus setenta e cinco anos, a 21 de Outubro de 1996. Os antigos alunos são, agora, respeitáveis senhores e senhoras de cinquenta anos. Todos em cargos importantes de empresas ou da Administração. Gente que nunca a esqueceu. Gente para quem nunca deixou de ser a Madame.”

domingo, 21 de abril de 2013

"Macau nos anos da revolução portuguesa: 1974-1979"

Inauguração da ponte Macau-Taipa em Outubro de 1974
Uma obra fundamental sobre a história contemporânea de Macau, uma autobiografia política que confirma o que muitos suspeitavam: Garcia Leandro foi o mais importante governador do último século. “Macau nos anos da Revolução Portuguesa, 1974-1979”, de Garcia Leandro, é provavelmente o mais importante livro sobre a história contemporânea de Macau. E, entre as várias razões que justificam esta afirmação, destaca-se uma: confirma aquilo que alguns suspeitavam, mas que não ousavam clarificar por falta de um suporte – Garcia Leandro foi o mais importante governador de Macau dos últimos cem anos.
Agora, depois de se ler o livro, ficam poucas ou nenhumas dúvidas [se o período do “1,2,3” estava já bem explorado e os anos mais recentes também são bem conhecidos, faltava uma obra que documentasse os anos seguintes à Revolução de 1974].
Garcia Leandro foi um governador notável, essencialmente por três razões:
− pelas dificuldades contextuais em que governou (o pós-Revolução em Macau, sem relações diplomáticas com a China e com diversas tentativas para implantar outro regime político localmente, sobretudo pelos militares do Movimento das Forças Armadas (MFA); em 51 meses de Macau lidou com oito governos, cinco primeiros-ministros e dois presidentes da República, em Lisboa);
− pelo que realizou nesses quatro anos (o excelente Estatuto Orgânico, a revisão do contrato de jogo, o arranque do aeroporto, etc.);
− pela forma como o fez (com firmeza, mas sobretudo alicerçado em valores como a honestidade, a honra; ficou famoso, e o livro recupera bem isso, o decreto em que proíbe prendas acima de determinado valor, para tentar combater a imagem de corrupção generalizada que encontrou quando chegou a Macau);
Garcia Leandro, 30 anos depois, tem a noção do trabalho que realizou (“um relato fiel e fundamentado da história”), mas não é nem de perto uma obra glorificadora. Escrita na primeira pessoa, esta autobiografia política é, ao mesmo tempo, livro de memórias e um ensaio histórico. O autor admite várias vezes erros de percurso, que o tempo ajudou a compreender, mas também serve para corrigir outros (factuais e de cronologia, como refere relativamente ao livro de Almeida Santos).
As esquerdas de Macau
Trata-se de um livro muito completo, que abarca todas as áreas em que Garcia Leandro interveio, com recurso a datas e a nomes – mesmo daqueles com quem não teve bom relacionamento ou quem se incompatibilizou. Além disso está repleto de pormenores, sejam eles pitorescos ou mesmo ‘policiais’, que tornam esta obra ainda mais agradável de ler. Vários desses pormenores estão relacionados com a divergência de ideias políticas, imediatamente após o 25 de Abril de 1974.
Garcia Leandro chegou a Macau em Novembro desse ano, depois de uma primeira deslocação a pedido do MFA, que serviu para ouvir sensibilidades e explicar a decisão de manter em funções Nobre de Carvalho, o último governador nomeado pelo fascismo (até Outubro, para inaugurar a ponte com o seu nome). Rapidamente se viu envolvido num clima de fractura (por vezes mesmo de intriga e conspiração) política e ideológica: “o relacionamento com a esquerda civil e militar foi-se agravando e não contava naturalmente com o apoio e a compreensão da direita macaense” (pág. 64). Neste contexto, destaca-se um nome, o do capitão Catarino Salgado, representante do MFA no território. “Era a terceira vez que Catarino Salgado não cumpria uma ordem. (…) provocar confrontação e ao mesmo tempo medir forças para apurar quem, efectivamente, detinha o poder local” (pág. 76). No culminar da tensão (em que alguns oficiais passaram a andar armados e parecia que uma revolta seria iminente), Catarino Salgado foi detido no Palácio do governador e enviado imediatamente para Lisboa. “O nosso 25 de Novembro tinha sido feito alguns meses antes, em Julho”, escreve (pág. 78), para mais à frente (82) perguntar: “Embora todos estes factos tenham agora apenas um interesse histórico, é importante que fiquem registados, sendo de perguntar o que teria acontecido ao futuro de Macau se a linha radical do MFA e do CDM não tivesse sido derrotada em Julho de 1975?”. Na mesma linha ainda, Garcia Leandro escreve: “Arranjei de factos alguns inimigos à esquerda” (pág. 59).
“O mais importante legado do meu governo”
A revolução de 74 obrigou a mexer no estatuto de Macau, seja ao nível político-administrativo, seja da autonomia face a Portugal (e à China). Dois exemplos: Macau não podia continuar a ser uma colónia e teria de ser repensada a posição/papel das forças armadas portuguesas.
Com a proposta de Estatuto Orgânico discutida entre Lisboa, Pequim e Macau, conseguiu-se um documento absolutamente revolucionário: surge por exemplo a formulação do ‘território chinês sob administração portuguesa’, surge a dependência política do Presidente da República e não do Governo, e surge a Assembleia Legislativa, eleita parcialmente pela população. “No início admiti ingenuamente a hipótese da AL ser toda eleita por sufrágio directo”, escreve o antigo governador, para reconhecer logo a seguir que teria sido “um erro grave” (pág. 87). A primeira eleição decorre logo em 1976 (com a vitória da ADIM, de direita, e o segundo lugar de um novo grupo chamado GEDEC, onde pontificava Jorge Rangel, também eleito). Garcia Leandro olha para trás e vê com algum gozo que Hong Kong iniciou o processo de ‘democratização’ 20 anos depois. Foi “o mais importante legado do meu governo”, reconhece (pág. 83).
A revisão do contrato de jogo
Uma das partes mais saborosas de ler em “Macau nos anos da Revolução Portuguesa, 1974-1979” é o capítulo dedicado à revisão do contrato de jogo. Garcia Leandro começa por recordar que o antigo governador Silvério Marques foi demitido/substituído quando ousou adjudicar o contrato de jogo à então desconhecida STDM (Março de 1962), por pressões da família Fu. Esse contrato tinha uma revisão prevista para 1975/76 e o governador considerou que os nove milhões de patacas que então eram pagas anualmente eram uma verba demasiado baixa. Deixou tudo e todos de boca aberta quando pediu 120 milhões por ano.
Os detalhes envolvem tensão e traição (davam um filme…) e, depois de muitas negociações, as contrapartidas subiram, a partir daí, para cerca de 70 milhões. “Julgo que não me saí mal” (pág. 193), admite, revelando que “a STDM não gostava obviamente do maior controlo a que passou a estar sujeita por parte do governo, sendo essa a razão de algumas campanhas graves contra mim, nomeadamente na comunicação social de Portugal e de Macau, bem como tentativas de influência junto do poder político em Lisboa” (pág. 200).
Do Banco de Macau ao ministro no 10 de Junho
Já se disse, Garcia Leandro fala de muito mais neste livro – de tal maneira que nunca mais poderemos olhar para a segunda metade da década de 70 em Macau sem ter como referência o livro (e mesmo para os historiadores interessados no processo revolucionário em geral esta obra é importante, já que o então governador teve como interlocutores personagens determinantes como Álvaro Cunhal ou o antigo presidente Costa Gomes). Fala por exemplo na tentativa fracassada de criar um Banco de Macau, como forma de responder ao desinteresse do BNU pelo território. Garcia Leandro pretendia maior autonomia, com controlo a partir de Macau, e mais receitas. Mas isso não interessava ao BNU (que teria 49 por cento do novo banco) e o CDS/ADIM boicotaram essa intenção (págs. 152-157). Entretanto, chegou a Macau Melo Egídio e o projecto foi abandonado (ainda que o ‘susto’ tenha servido para o BNU passar a ter outra atenção a Macau). Outro exemplo: na página 257, Garcia Leandro faz aquilo que nos parece ser uma revelação: Mário Soares defendeu que a transição acontecesse apenas em 2007. Alargar a dimensão geográfica de Macau foi outra das suas ideias, tendo alimentado durante algum tempo o objectivo de Portugal voltar a administrar as ilhas da Lapa, D. João e da Montanha. Ficamos ainda a saber que foi a partir da sua governação, 1977, que se tornou hábito um ministro vir a Macau no 10 de Junho.
Podia ter sido um manual precioso
Pessoalmente, há muito que esperava este livro, tendo desafiado várias vezes Garcia Leandro a escrevê-lo. Sabia que, em qualquer circunstância, seria sempre importante, mas o resultado surpreendeu-me. Poderia haver a ideia de que o livro serviria para esclarecer de uma vez por todas a ideia de que Portugal, naqueles anos, propôs a devolução de Macau à China, mas a obra – que aborda naturalmente o assunto (por exemplo, pág. 21), vai muito para além disso. É, sem dúvida, “um relato fiel e fundamentado da história” (pág. 21) mas é, sobretudo, um livro à altura do legado que Garcia Leandro deixou nos 51 de meses em que governou Macau, de 1974 a 1979. Se há uma crítica a fazer, ela resulta apenas de sair tarde – 20 anos antes teria sido muito útil para os futuros governadores.
"Macau nos Anos da Revolução Portuguesa, 1974-1979”, Garcia Leandro, é uma edição da Gradiva. Tem 336 páginas.
Artigo da autoria de João Paulo Meneses publicado em Marcço de 2011 no jornal Ponto Final
Sinopse
O autor transporta-nos a 1974, à sua vivência de quatro anos pós-Revolução de Abril, num Macau frágil e confuso (com ligação a Portugal e, no plano regional, à China e a Hong Kong), às suas muitas dificuldades políticas, sociais e económicas, ao emaranhado confronto dos interesses que ali se moviam. Cada situação é enquadrada pelos seus antecedentes e, em muitos casos, relatado o respectivo desenvolvimento.
Neste livro explica-se, pela primeira vez, como foi feita a reformulação local do Estado (Estatuto Orgânico) e da Administração e quais os caminhos seguidos no relançamento da economia (a dinâmica dos investimentos, a revisão do contrato dos jogos de fortuna e azar, etc.), no reforço das relações entre comunidades e na resolução dos problemas concretos da população. É-nos dito ainda como Portugal era encarado no Oriente – no Japão, na Malásia, nas Filipinas, na Índia (especialmente em Goa), e também na Austrália e na Indonésia, apresentando-se novos elementos sobre a crise de Timor. Em alguns capítulos somos surpreendidos por episódios envoltos em ambiente de grande tensão. Certos factos desconhecidos são chocantes; outros, comoventes – mas nenhum se esquece.
Garcia Leandro termina falando de uma ética ao serviço do Estado e confessando a sua frustração pelo Portugal de hoje, que, considera, vive uma situação previsível e evitável.
Escrito na primeira pessoa, este livro é um testemunho que nos enriquece e não pode ser perdido, sendo essencial para o estudo da nossa história contemporânea.
«Várias pessoas me fizeram saber que seria bem recebida a sua nomeação. […] Era um homem do MFA, o que, na circunstância, o recomendava. E tinha-se revelado sensato, sereno, inteligente e preparado. Propu-lo. Foi aceite sem reservas e exerceu o cargo com sabedoria verdadeiramente chinesa. Impecavelmente sério, reflectido e prudente, foi um dos Governadores de Macau, após Abril, que menos resistências levantaram. E Macau, sobretudo à época, era tudo menos fácil de governar.»
Almeida Santos sobre Garcia Leandro, in Quase Memórias (2.º volume, p. 425)
José Eduardo Garcia Leandro nasceu em Luanda em 1940, sendo tenente-general do Exército desde 1998. A sua vida profissional dividiu-se entre o antigo Ultramar (Angola de 1962 a 1964 e de 1970 a 1972, Guiné de 1965 a 1967 e Timor de 1968 a 1970, tendo sido Governador de Macau entre 1974 e 1979), as funções de comando e internacionais (conselheiro militar da Delegação de Portugal junto da NATO entre 1987 e 1990, comandante da Componente Militar da Minurso/ONU-1996, director do Instituto de Altos Estudos Militares e do Instituto da Defesa Nacional, e vice-chefe do Estado-Maior do Exército), e o ensino superior (nomeadamente no IAEM e mestrados do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e do IEP/UCP).
Actualmente, entre outras actividades, é membro do Conselho Geral da Universidade Aberta, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, curador e administrador da Fundação Jorge Álvares e académico correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Coronel Henrique Alberto de Barros Botelho: 1906-1999

Obituary of a prominent Macanese: Colonel who took a secret to the grave
The death last Sunday of Colonel Henrique Alberto de Barros Botelho at the age of 93 removes a major player in a long and significant part of Hong Kong's history – the once prominent local Portuguese community. Little recognised now, for generations it was they – not the bulk of the Chinese population – who were Hong Kong's truly local people. Botelho's life and times encompassed most of Hong Kong's growth and development during the past century. The Hong Kong Volunteer Defence Corps,in which he played a leading role for decades, the Legal Department, the Club Lusitano and several community organisations all benefited from his involvement. Few Europeans in the 19th century considered Hong Kong a place to make an enduring home. It was a place to make money, enjoy and leave. Most of the Chinese population were also long-term transients. The Portuguese were the exception. Descendants of generations of intermarriage from Macau, they had years of continuous residence in Hong Kong, where they owned homes and property, educated their families, retired and were buried. Botelho's family had been in Macau since the late 1500s. He spent his early years in an area of small terraces between Caine Road and Robinson Road known as Matto Moro, where much of Hong Kong's Portuguese community lived. Though the local Portuguese were often seen as middlemen for the British business houses, by this century the community also contained many prominent professionals and businessmen. From the late 1920s they had a member of the Legislative Council to represent their interests. Botelho's life-long friend and contemporary, the late Leo D'Almada e Castro Jr, Hong Kong's first Portuguese barrister, took up this post in 1937.
Calçada do Botelho junto à igreja de Sto. António
Botelho became an articled clerk to his father's friend, solicitor Leo D'Almada e Castro Snr, in the mid-1920s, when this was the only way to obtain legal training. In due course he became a solicitor and partner in the firm, practising until the Pacific War broke out. He left private practice after the war and joined the Hong Kong Government, one of the first locals to be employed on expatriate terms. He specialised in law drafting, eventually being appointed Commissioner of Law Revision. He continued as a Crown Counsel until well into his eighties. In 1924 he joined the Hong Kong Volunteer Defence Corps. He often said that if he had his time over again he would spend it in the military. The community's loyalty to the British was reflected in the fact that the Portuguese Volunteers were kept interned in prisoner-of-war camps throughout the war, in spite of their families being classified as neutrals. Botelho once said that when a rumour did the rounds in the PoW camp that Portuguese Volunteers might be released, he told his junior officers that if ordered to leave prison by the Japanese he would refuse to go. He was brutally interrogated by the Japanese after being implicated in resistance activities at Argyle Street Officers' Camp. In spite of this experience he refused to harbour hatred for the Japanese.
Text by Jason Wordie in The South China Morning Post, Hong Kong 3.10.1999
Sugestão de leitura: "Macau 1937-1945: os anos da guerra", IIM, 2012

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Wenceslau de Moraes: enigmático e desconcertante

Wenceslau José de Sousa Moraes (1854-1929) é uma personagem enigmática e desconcertante. Ele próprio, a pedido do seu amigo Yanazi Wara, esboça um brevíssimo perfil auto-biográfico.
“Sou português. Nasci em Lisboa (a capital do país) no dia 30 de Maio de 1854. Estudei o curso de marinha e dediquei-me a oficial da marinha de guerra. Em tal qualidade fiz numerosas viagens, visitando as costas de África, da Ásia, da América, etc. Estive cerca de cinco anos na China, tendo ocasião de vir ao Japão a bordo de uma canhoneira de guerra e visitando Nagasaki, Kobe e Yokoama. Em 1893, 1894, 1895 e 1896 voltei ao Japão, por curtas demoras, ao serviço do Governo de Macau, onde eu então estava comissionado na capitania do porto de Macau. Em 1896, regressei a Macau, demorando-me por pouco tempo e voltando ao Japão(Kobe). Em 1899 fui nomeado cônsul de Portugal em Hiogo e Osaca, lugar que exerci até 1913. Em tal data, sentindo-me doente e julgando-me incapaz de exercer um cargo público, pedi ao Governo português a minha exoneração de oficial da marinha e de cônsul, que obtive, e retirei-me para a cidade de Tokushima, onde até agora me encontro, por me parecer lugar apropriado para descansar de uma carreira trabalhosa e com saúde pouco robusta”.
Começa a construir-se uma lenda em torno desta figura expatriada e voluntariamente exilada, com os seus amores chineses e japoneses, ganhando uma maior consistência depois de se transformar no escritor que abre uma janela, em língua portuguesa, sobre a cultura japonesa.
Da sua obra registo os principais títulos: “Traços do Extremo-Oriente: Sião, China e Japão”(1895); “Dai Nippon (O Grande Japão)”(1897); “Cartas do Japão”(1905); “A Vida Japonesa”(1907); “O Culto do Chá”(1905); “Paisagens da China e do Japão”(1906); “O Bom-Odori em Tokushima – caderno de impressões íntimas”(1916); “O-Yoné e Ko-Haru”(1923); “Relance da História do Japão”(1924); “Serões no Japão”(1926); “Cartas do Japão – 2ª série”(1928).
Em 1890...em Macau
É de assinalar o incansável trabalho e a dedicação de Armando Martins Janeira à figura e à obra de Wenceslau de Moraes. É justo reconhecer, de igual modo, a importância do contributo de Daniel Pires, de Jorge Dias e de Ana Paula Laborinho, entre outros, para melhor conhecermos a integralidade da sua obra. Em certa medida, Eduardo Kol de Carvalho retoma, na contemporaneidade, essa pedagogia do olhar sobre o Japão que justamente celebrizou Moraes.
No Japão, Moraes é um autor de culto estando toda a sua obra traduzida. Entre nós já não é bem assim, por variadas razões que não cabe esmiuçar neste espaço.
O seu trajecto em Macau, nessa “pachorrenta colónia de Macau”, merece ser sumariado. Chega ao Território pela primeira vez em 1888 e parte para Lisboa, em Abril de 1891, comandando a canhoneira “Tejo”. Em Outubro está de regresso, como Imediato da Capitania do Porto. Desempenha, ainda, as funções de delegado do Superintendente da Fiscalização da Importação e Exportação do Ópio. Deslocou-se várias vezes ao Japão integrado em comissões de aquisição de armamento para Macau. Secretariou a missão diplomática ao Japão, liderada pelo Governador de Macau Eduardo Galhardo.
Exerceu funções docentes no Seminário de S.José. Foi Professor no Liceu de Macau. Por nomeação do Conselho Inspector da Instrução Pública é desi-gnado para o serviço de exames, no Liceu, em 1894, presidindo ao júri de Inglês e sendo vogal nos júris de Matemática e de Desenho. No Liceu convive e faz amizade com Camilo Pessanha.
Numa carta endereçada à sua irmã, descreve a sua instalação em Macau: “compreendes, pois, o penoso trabalho a que me dei ao pôr pé na China, acompanhado de duas malas com roupa e dum caixote com livros, vendo-me pela primeira vez nos complicados apuros de precisar dum abrigo em terra.(…)A primeira preocupação era naturalmente a escolha da casa. Encontrei-a, comum, banal, como todas as casas de aluguer de todos os países (…) os meus vizinhos fronteiros são chinas, graças a Deus. Sem o mínimo ponto de contacto com o meu modo de ser, interessados dissemelhantemente na vida, pelos usos, pelos hábitos, pela língua, pelos afectos, pelas crendices, pouco os deve preocupar o que faz no seu albergue o vizinho europeu, o ‘fan quai’, o diabo estrangeiro. E para mim – confesso-o aqui entre nós – proporciona-me o ensejo, esta boa gente chinesa, de em horas de fastio distrair-me em devassar-lhe a íntima existência(…)”.
A serenidade budista que encontrou no Japão proporcionou-lhe uma medi-tação profunda sobre o sistema de domi-nação colonial, ao arrepio das doutrinas e do pensamento político do seu tempo.
Numa das “Cartas do Japão”, de 1906, afirma que “hoje já não é lícito admitir-se que a nossa civilização ocidental vá civilizar à nossa imagem o africano, ou o índio, ou uma tribo qualquer avassalada. O que ela consegue, quando consegue – e já é muito em benefício do ocidental – é reprimir-lhe os ímpetos de revolta, incutir-lhe resignação e passividade”.
Continua o seu raciocínio: “quereis que não chamemos actos de imoralidade à posse de Macau pelos Portugueses, à posse de Hong-Kong pelos Ingleses, à posse da Indochina pelos Franceses, à posse de Quiaucheu pelos Alemães, etc.? Pois seja assim. Mas chamemos desde já actos de temeridade a conservação de tais domínios e admitamos que o seu alargamento, que nos parecia há poucos anos coisa fácil, vai entrando na ordem das empresas impossíveis”.
Diga-se, a talho de foice, que nesse mesmo ano de 1906 era fundada, em Lisboa, a Escola Superior Colonial destinada a formar os nossos quadros da administração colonial. Esta lucidez era prenunciadora de uma nova ordem jurídico-política na cena internacional, o que realmente veio a suceder a partir do ocaso da segunda guerra mundial. Wenceslau de Moraes dava os primeiros sinais de um pensamento heterodoxo e divergente, assumido perante a indiferença geral.
Em 1903. Com 49 anos.
E quanto a Macau? Não ficamos muito favorecidos neste esboço crítico: “voltando a falar de Macau, é claro que Portugal procedeu como os outros países possuidores de colónias, tratando de escravizar o chinês e nada mais. Na verdade, a escravidão foi doce e mesmo indulgente, porque se distinguiu, sobretudo, pela indiferença. Portugal não cuidou de atrair os indígenas por importantes facilidades comerciais e pelos melhoramentos do porto de Macau, únicos meios que talvez pudessem impressioná-los agradavelmente, tendo em vista as suas qualidades eminentemente mercantis. Sugou-os como pôde por meio de impostos, de monopólios, de exclusivos. Patrocinou os vícios, animando as indústrias das lotarias, dos jogos, do ópio e ainda outras. Por último, instituiu um seminário e mandou vir padres, tarefa inútil, porque o chinês, em geral, não se converte”.
É claro que tudo isto é a verdade nua e crua dos factos, se bem que, aqui e ali, salpicada por uma injustiça ou por um juízo apressado. Numa delicada história de cortesias e entendimentos cultivamos as metáforas e outras figuras similares, fugindo da rudeza das palavras impertinentes. Aqui, Moraes evidenciou a sua idiossincrasia ocidental e portuguesa.
As palavras verdadeiramente emocionais e proféticas, que escreveu em Kobe, em Março de 1898, revelam muito sobre o seu modo de pensar e de sentir: “dizem aqueles que estudam os segredos dos corações, que uma grande paixão, um grande amor, salvam não raras vezes o homem dos abismos, trazem-no ao bom caminho, regeneram-no, inoculam-lhe nas artérias sangue nobre. As nações são como os homens. (…) Acorda, Portugal; acorda, que são horas!”.
Pensaria em si mesmo, com certeza, mas também num país à deriva num fim de século exigente, que perdera a honra no Ultimatum e ainda mal refeito do fortíssimo abalo sofrido no 31 de Janeiro de 1891. Manuel da Silva Mendes, numa crónica publicada no “Jornal de Macau”, em 1929, defende que Wenceslau de Moraes é uma “figura excepcional na contemporânea literatura, pois nela mui raros são os escritores de comparável quilate”. Fora de um pequeno grupo de orientalistas e de um outro constituído por gente culta e esclarecida, hoje, quem lê Moraes?"
Artigo da autoria de António Aresta, docente e investigador publicado no JTM de 6-1-2011

quarta-feira, 17 de abril de 2013

1º raid terrestre Macau-Lisboa: foi há 25 anos...

Os aventureiros junto à TDM. Foto de Artur Sousa

Sete aventureiros ao volante de 3 jipes UMM partiram no dia 17 de Abril de 1988 das Ruínas de São Paulo em Macau rumo a Lisboa por via terrestre. Atravessaram nove fusos horários durante 50 dias percorrendo 22 mil quilómetros. Chegaram a Portugal a 10 de Junho desse ano.
Os sete aventureiros: João Santos, Vitalino de Carvalho, José Babaroca, João Severino, Mok Wa Hoi, João Queiroga e Jorge Barra. Foto de J.S.
Revista Aventura 4x4 Outubro 1990
Emissão filatélica especial dos CTT de Macau a que juntei o logo do blog para 'tapar' a identificação pessoal. O cartoon é da autoria de Carlos Marreiros.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Exposição Universal de Bruxelas: 1958

Postal máximo de da Exposição Universal de Bruxelas (17 Abril a 19 Outubro 1958) com o selo de 70 avos emitido em Macau. Foram emitidos 200 mil com o valor facial de 70 avos. A autorização foi feita pela portaria nº 16857 do Ministério do Ultramar e publicada no Diário da República de 5 de Setembro de 1958. Este foi o primeiro grande certame depois da 2ª Guerra Mundial e foi visitado por mais de 40 milhões de pessoas. A exposição ficou conhecida pelo modelo de átomo numa escala gigante e ainda hoje é um dos pontos de referência da capital belga.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Breve história do (Leal) Senado

A criação do Senado, nos finais do século XVI (1582/1583), decorre do anseio de autogoverno da comunidade mercantil portuguesa radicada em Macau, e também como uma maneira de garantir um enquadramento político-administrativo permanente para uma zona que só intermitentemente era visitada por um representante da Coroa – o capitão da viagem da China e do Japão. Esta forma de governo da cidade de Macau seria aprovada pelo vice-rei da Índia D. Francisco de Mascarenhas e reconhecida pelo seu sucessor D. Duarte de Meneses, sendo monarca Filipe I, que concederia um alvará de 10 de Abril de 1586 para o Senado exercer as suas funções administrativas, nos mais variados aspectos e sectores – excepto o militar – , assim como a condução das relações externas com os Impérios Português e Chinês e outras potências internacionais. 
A constituição do Senado de Macau seria semelhante à de um município português do Século XVI. Nele encontramos os cargos de vereador (três), de juiz (dois) e o procurador (um) que, em conjunto, formavam o Senado da Câmara de Macau. Em 1626, o vice-rei da Índia concede ao Senado de Macau, por alvará de 1626, o privilégio de prover directamente a vara de alcaide da Cidade. Por volta de 1643, seriam reconfirmados os direitos e privilégios já concedidos pelos anteriores monarcas, por provisão do vice-rei da Índia, conde de Aveiras, que serão de novo reafirmados em 1689, por um alvará do vice-rei da Índia, D. Rodrigo da Costa. De igual modo a 30 de Dezembro de 1709 por Carta Régia, o rei D. João V, confirma os alvarás outorgados ao Senado em 1689, assim como por Carta de Declaração, de 6 de Janeiro de 1712, o mesmo monarca confirma as competências do Senado. Por volta de 1740, o vice-rei da Índia, na ausência do ouvidor nomeado, aceita que o cargo seja exercido por um juiz ordinário, o que levou à extinção da ouvidoria em Macau – a ouvidoria só veio a ser restabelecida em 1743 – passando as funções de ouvidor para o juiz mais velho do Senado. A partir dos meados do século XVIII, o Estado português tomou medidas centralizadoras para tentar controlar o desempenho do Senado de Macau. Assim em 1783, o ministro da Marinha e Ultramar, em cumprimento das Providências Régias de D. Maria I, enviou ao governador da Índia, “Instruções” para introduzir reformas no Senado de Macau, Portaria de 12 de Abril de 1784. Assim o Senado seria cerceado dos seus principais poderes. No início do século XIX Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão (1807) e a família real refugia-se no Brasil (1808). O Senado de Macau envia ao Brasil um navio com uma valiosa prenda de marfim para a rainha D. Maria I. Em 1810, o príncipe regente (futuro D. João VI) concede ao Senado o título de Leal, assim como em 1818 o título de Senhoria pela aclamação da subida ao trono de D. João VI. Em 1820, desponta a revolução liberal, iniciando-se a fase de monarquia constitucional. D. João VI regressa do Brasil em 1821, as cortes constituintes elaboram a primeira Constituição, que o Rei jura no ano seguinte. Em 1822, em sessão solene do Leal Senado, adere-se à monarquia constitucional e jura-se a Constituição. O Leal Senado aproveita a ocasião para tentar recuperar os seus privilégios, em representação dirigida ao Rei, passando pouco depois a ter nova composição, com a substituição dos conservadores pelos liberais, e recupera, embora por pouco tempo, os privilégios perdidos com as provisões reais de 1783. No ano de 1834, com a Nova Reforma Administrativa Colonial, que reestrutura a administração portuguesa ultramarina, coloca o Leal Senado sob a alçada do governador e vê-se reduzido a um mera Câmara Municipal. A 22 de Fevereiro de 1835 o governador de Macau, Bernardo José de Sousa Soares de Andrea, dissolve o Leal Senado, passando ele próprio a presidir às suas sessões. Por volta de 1837, o governador de Macau, Adrião Acácio da Silveira Pinto, equipara, efectivamente, o Leal Senado, a mera Câmara Municipal, sendo reafirmado em 1844 pela rainha D. Maria II, por Carta de Lei de 2 de Março. Em finais de 1847, o governador Ferreira de Amaral, dissolve o Leal Senado e nomeia uma comissão municipal, por Decreto de 29 de Dezembro, sendo ordenada nova eleição. Também a Procuratura saiu da tutela do Leal Senado, sendo anexada à Secretaria do Governo, em 1863, por ordem da Rainha. O Leal Senado, enquanto mera Câmara Municipal veio a encontrar o seu principal enquadramento no Código Administrativo de 1842, aprovado pelo Decreto de 18 de Março, e posto em vigor na colónia de Macau pela Portaria n.º 47, de 7 de Dezembro de 1868. A composição do Leal Senado conta com seis vereadores, sendo o presidente e o vice-presidente escolhidos entre os seus pares. A sua jurisdição ficou confinada apenas à Cidade de Macau. 
Leal Senado ca. 1870
Em 1896 seria aprovado o Código de Posturas Municipais do Concelho de Macau e também proibido o Leal Senado de se corresponder directamente com o governo da Metrópole. Durante 1914 haviam sido publicadas as leis orgânicas da administração civil e financeira das provinciais ultramarinas, Leis n.ºs 277 e 278, de 15 de Agosto. Nos termos da primeira, cada província deveria ter a sua Carta Orgânica. A Carta Orgânica de Macau seria atribuída em 1918, pelo Decreto n.º 3520, de 5 de Novembro. De acordo com a Carta Orgânica, as instituições municipais seriam representadas em Macau por uma Câmara, que continuaria a usar a designação de Leal Senado da Câmara da Cidade de Macau, e uma comissão municipal. O Leal Senado era constituído por cinco vogais e igual número de substitutos, eleitos directamente pelos eleitores do concelho. O presidente e o vice-presidente seriam eleitos pelos vereadores. Em Julho de 1918, pelo Decreto n.º 4627, de 1 de Julho, revogou-se aquela carta, tal como a das outras províncias ultramarinas, mas que seria reposta em 1919 pelo Decreto n.º 5779 de 10 de Maio. Pelo Diploma Legislativo n.º 10 de 15 de Março de 1922, seria publicada a “Organização das Instituições Municipais da Província de Macau”, sendo confirmados os municípios das ilhas e de Macau, conservando este último o seu títuto honorífico. 
Leal Senado: ca. 1900
Por volta de 1933, pelos Decretos-Lei n.ºs 23228 e 23229, de 15 de Novembro seriam publicadas a Carta Orgânica do Império Colonial Português e a Reforma Administrativa Ultramarina, que entraram em vigor a 1 de Janerio de 1934. Esta última reforma seria o principal diploma de enquadramento dos municípios de Macau até à publicação do regime jurídico de 1999. O presidente do Leal Senado era nomeado pelo governador e composto por quatro vogais, sendo dois eleitos por sufrágio directo e dois indirectamente pelas associações, económicas e profissionais do concelho. Por volta de 1948, a organização dos serviços do Leal Senado é alterada, com o intuíto da admissão de mulheres, pela Portaria n.º 4442, de 25 de Setembro, mas apenas para certos cargos como dactilógrafos, arquivísticas, amanuenses e jornaleiros. Em 1955 seria publicado o Estatuto da Província de Macau, pelo Decreto n.º 40227, de 5 de Julho, reafirmando a designação de Leal Senado ao corpo administrativo de Macau, assim como o presidente do Leal Senado seria nomeado e exonerado livremente pelo governador. Durante 1961, verificou-se algumas alterações à Reforma Administrativa do Ultramar, pelo Decreto n.º 43730 de 12 de Junho e Portarias n.º 6802 de 7 de Outubro e n.º 6858 de 30 de Dezembro; em que as câmaras municipais seriam constituídas por um presidente, que em regra geral seria o administrador do concelho, e por quatro vogais eleitos quadrienalmente. Dos vogais, dois seriam eleitos pelos organismos representativos dos interesses morais e espirituais e associações de interesses económicos ou profissionais, ou na sua falta, pelos contribuintes, pessoas singulares de nacionalidade portuguesa, recenseados, com um mínimo de contribuição directa de 1000$00 escudos. Os restantes dois vogais, seriam eleitos por sufrágio directo dos cidadãos inscritos no recenseamento eleitoral. Em 1963, apareceu a Lei Orgânica do Ultramar Português, pela Portaria n.º 19921 de 27 de Junho, que em relação aos municípios, repôs a ideia de que o presidente da Câmara é designado pelo governador de cada província, podendo recair no administrador do concelho, quando circunstâncias especiais o justificassem. Já em Macau, a composição do Leal Senado, seria formado por um presidente, nomeado e exonerado livremente pelo governador, por quatro vogais eleitos, conforme fosse estabelecido na lei e, ainda, por dois representantes da comunidade chinesa designados pelo governador. Por volta de 1968, pelo Decreto n.º 48575 de 12 de Setembro e Portarias n.º 8848 de 14 de Dezembro e n.º 8936 de 31 de Dezembro, seria definido que as câmaras municipais poderiam ter um vice-presidente, também nomeado pelo governador. Já em 1976 seria publicado O Estatuto Orgânico de Macau, pela Lei Constitucional n.º 1/76, de 17 de Fevereiro, que atribuía ao governador a competência de superintender no conjunto da administração públicas, em que se incluíam os municípios e à Assembleia Legislativa a aprovação das bases gerais do regime jurídico da administração local. Também em 1984 as deliberações das Câmaras seriam tomadas por votação de todos os membros presentes, incluindo o presidente e o vice-presidente, tendo o primeiro voto de qualidade, pelo Decreto-Lei n.º 60/84/M de 30 de Junho. Por volta de 1986, pelas Portarias n.ºs 95/86/M e 96/86/M de 20 de Julho, seriam dissolvidos o Leal Senado e a Câmara das Ilhas, aquando da revisão de legislação das autarquias locais de Macau, sendo nomeadas comissões administrativas para os dois municípios, sendo comandados por estas até 1989, em que seria implantado novo modelo das autarquias de Macau, pelas Portarias n.ºs 38/89/M, de 27 de Fevereiro, 88/89/M de 29 de Maio e 95/89/M e 96/89/M de 5 de Junho. 
Posteriormente em 1989, seguindo a revisão constitucional de 1989, o enquadramento legal dos municípios e dos titulares municipais em Macau resultou dos seguintes diplomas: Regime jurídico, Lei n.º 24/88/M de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.º 4/93/M de 5 de Julho; Regime financeiro pela Lei n.º 11/93/M, de 27 de Dezembro; Regime eleitoral para a Assembleia Municipal Lei n.º 25/88/M de 3 de Outubro que remete para a Lei n.º 4/93/M de 1 de Abril e Estatuto dos titulares dos cargos municipais pela Lei n.º 26/88/M de 3 de Outubro. Durante 1996, pela Deliberação da Assembleia Municipal de 23 de Fevereiro, aprovada pelo secretário-adjunto para a Administração, Educação e Juventude em 28 de Março, os serviços do Leal Senado seriam reestruturados passando o Leal Senado a dispor de oito serviços municipais e de 28 divisões. Posteriormente e seguindo o formulado na Lei Básica, os municípios seriam tratados numa secção própria do Capítulo IV da Lei Básica, sendo os serviços referidos na secção 2 (Órgão Executivo), em que os municípios se encontravam num patamar próprio do sistema político da RAEM, tendo apenas funções executivas, no âmbito da prestação de serviços à população. Com a transição político-administrativa de Macau em 20 de Dezembro de 1999, a Câmara Municipal deixou de ostentar a designação de Leal Senado e após várias reformas político-administrativas no século XXI culminou com o aparecimento do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM).