Eduardo Brazão (1907 – 1987), diplomata e académico da Academia
Portuguesa da História, foi cônsul de Portugal em Hong Kong durante cinco anos
(1945-1950), no rescaldo da guerra.
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Telegrama de Eduardo Brazão para o Encarregado
do Governo de Macau, o comandante Samuel Vieira em 1947 |
Filho de Eduardo Joaquim Brazão (1851-1925) e de Maria José da Silva Reis Brazão, nasceu em Lisboa, freguesia do Coração de Jesus, a 1 de Fevereiro de 1907. O pai tinha abandonado a carreira da marinha para abraçar o teatro. Casado em primeiras núpcias com a célebre actriz Rosa Damasceno (1849-1904), era amigo pessoal do rei D. Luís, com quem colaborou na tradução de algumas peças de Shakespeare. Foi considerado o maior actor do seu tempo, numa época em que os grandes intérpretes eram também criadores, alcançando relevante prestígio social. A sua casa, na Rua Barata Salgueiro, era frequentada pelos mais conhecidos dramaturgos e artistas do seu tempo. Foi neste ambiente que cresceu o jovem Eduardo, fascinado pelo teatro e pensando seguir as pisadas do pai. Aos nove anos, escrevia e encenava uma peça teatral - Pedro, o cru - representada com os primos e amigos no barracão do jardim.
a mãe enviou-o para o Colégio de La Guardia, onde se tinham refugiado os jesuítas, expulsos novamente de Portugal com a implantação da República. Aí fizeram sucesso as suas interpretações, nas peças teatrais que os padres levavam à cena por ocasião das festas do colégio. Em História e Literatura alcançou sempre as melhores notas, mas, em Ciências, ficava, frequentemente, entre os piores classificados. Regressou a Lisboa para fazer o exame do 7º Ano do Liceu e, a conselho de Lino Neto (1873-1961), acabou por optar pelo curso de Direito mas já se sentida fascinado pela História.
A morte do pai, cujas Memórias tinha, entretanto, compilado e publicado, trouxe-lhe um enorme desgosto. Corria o Ano Santo de 1925 e o futuro diplomata dirigiu-se em peregrinação a Roma. A cidade pontifícia fascinou-o. Mais tarde irá desenvolver numerosos trabalhos sobre as relações de Portugal com a Santa Sé. Receosa de que as distracções da capital o desviassem dos estudos, a mãe enviou-o, no seu 2º Ano, para a Universidade de Coimbra, onde se albergou numa república de rapazes católicos.
Em Lisboa, frequentou a boémia literária, escrevia para os jornais e compôs um livro de poemas – Maria do Mar (1928) – com ilustrações de Arlindo Vicente. Conviveu com intelectuais e artistas das mais variadas inclinações políticas, de João Ameal ou Alfredo Pimenta a Almada Negreiros e Álvaro Cunhal, de quem conservou um desenho (Memorial, p. 26). Monárquico, foi um entusiasta partidário do Integralismo Lusitano, seguiu Maurras na sua orientação e Sardinha na propaganda nacionalista, vibrou com Sidónio e entusiasmou-se com D. Duarte quando o viu, pela primeira vez, em Portugal (Memorial, pp. 178 e 308, 309). Pouco estudou, mas acabou por se licenciar em Leis, no período regulamentar de cinco anos. Findo o curso, a sua tendência histórica estava consolidada.
Casou em 1930 e pouco depois publicou dois volumes da História Diplomática de Portugal.
Depois de várias tentativas ingressou na carreira diplomática em 1940 e esteve colocado em Itália, Espanha e Hong Kong.
De acordo com Ana Leal de Faria, que escreveu uma biografia sumária do embaixador Eduardo Brazão, "A ligação à longínqua Mãe-Pátria já praticamente não existia, tanto mais que tinham atravessado os difíceis tempos da guerra sem qualquer apoio do governo português. Num dos seus primeiros relatórios, referindo o estado de «desnacionalização» que encontrou, terminava lembrando que «a culpa do desaportuguesamento dos que andam espalhados pelo mundo, é quase sempre nossa», situação tanto mais condenável quanto «é de resto tão fácil falar ao coração dos portugueses» (Relatório, 29 de Abril de 1947). A maior preocupação do diplomata, elevado a Cônsul Geral, em 1949, foi retomar as linhas perdidas da comunidade portuguesa, começando pelos factores aglutinadores do sentimento nacional: a língua e a cultura. Abriu uma creche para filhos de portugueses; deu início ao ensino da língua portuguesa em todas as escolas católicas inglesas, chegando a contar com 400 alunos; organizou um curso bi-semanal para adultos; inaugurou um centro de cultura e divulgação, o Instituto Português; realizou concertos com música e cantares nacionais; e pôs a funcionar, semanalmente, uma «meia-hora portuguesa» na Rádio de Hong-Kong.
Considerava que o principal objectivo das missões consulares no Extremo-Oriente devia ser uma melhor e maior colaboração local, tanto com os ingleses como com os chineses,retomando a tradição dos interports entre Macau, Hong-Kong e Shangai. Nas vésperas da sua despedida, a imprensa local lembrava que o diplomata tinha chegado a Hong Kong «full of entusiasm and built up new hopes in the hearts of his people» (China
Mail, 5 de Outubro de 1950). O Cônsul deixou na colónia a imagem de um homem «whose modesty is only exceeded by his indefatigable desire for work»: nunca tirou um único dia de férias e depois de cumprida a rotina consular ainda aproveitava o tempo livre para se consagrar à preparação dos seus numerosos trabalhos historiográficos (Morning Post, 5 de Fevereiro de 1949). Nas palavras do Governador, Sir Alexander Grantham, Eduardo Brazão tinha feito mais pela comunidade portuguesa que qualquer um dos seus predecessores, incutindo-lhe confiança e orgulho (Hong-Kong, 11 de Junho de 1950). Foi grande a sua desilusão, ao regressar a Lisboa depois de cinco anos de lutas e de um péssimo clima, não ter recebido nenhuma palavra de apreço pelo seu «portuguesismo que não esmorecera com a distância» (Memorial, p. 243).
Ainda de acordo com Ana Faria "A lista das suas obras testemunha a missão historiográfica que empreendeu como parte integrante das funções diplomáticas, com sentido de serviço e em coerência com as circunstâncias de uma carreira que o levou praticamente a todos os continentes. Em cada um deles encontrou a presença da diáspora portuguesa ligada ao destino nacional. Não podia apagar-se a memória de um passado comum para a continuação e fortalecimento desses laços no futuro. Foi esse o sentido que Eduardo Brazão deu aos seus numerosos trabalhos, procurando, com eles, superar a «desconsoladora amnésia sobre os reais valores que vão passando» (Prefácio, Estudos Históricos, 1984). Uma incansável recolha de fontes nos arquivos estrangeiros deu origem a numerosas publicações sobre a História Diplomática portuguesa, ao mesmo tempo que os seus relatórios - A França em Abril de 1944, A Internacionalização da Santa Sé ou Os portugueses em Hong Kong - revelavam uma arguta observação sobre a realidade contemporânea, que veio a trazer-lhe alguns dissabores, nomeadamente no caso da monografia Portugal e a Inglaterra na China (1947), apresentada para concurso de Conselheiros e Cônsules Gerais. O pedido para publicação foi recusado, não tanto pelas opiniões políticas sobre o reconhecimento do governo de Mao Tse Tung - embora consideradas inoportunas (para Eduardo Brazão todas as nações deveriam ter seguido Inglaterra no reconhecimento do novo leader chinês, logo que ele dominou uma parte substancial da China) - nem pela tese - estimada «historicamente muito contestável», de que Portugal ficou devendo à Inglaterra as possibilidades colonizadoras no Extremo Oriente -, mas sim, e sobretudo, porque os censores do texto consideraram que ele tinha subjacente a ideia «de que não soubemos realizar em Macau a obra colonizadora que ali
iniciámos» (Processo individual nº 94, Relatório, 1 de Julho de 1952)."
Algumas obras relativas à presença portuguesa no Oriente:
- A Política europeia no Extremo Oriente no século XIX e as nossas relações diplomáticas com a China, Porto, Livraria Civilização, 1938
- Subsídios para a história das relações diplomáticas de Portugal com a China: a embaixada de Alexandre Metelo de Sousa e Meneses 1725-1728 e […] a embaixada de Manuel de Saldanha 1667-1670, Macau, Imprensa Nacional, 1948
- Em demanda do Cataio: a viagem de Bento de Goes à China (1603-1607), [Lisboa], Agência Geral do Ultramar, 1954
- Macau: cidade do nome de Deus na China, não há outra mais leal, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1957
Resumindo, "em mais de uma centena de trabalhos, manifestou o seu profundo patriotismo, o seu amor a Portugal, que se traduzia numa imensa admiração pelo seu passado histórico e num enorme sentido de serviço na defesa dos interesses nacionais, através de uma carreira diplomática que o levou aos quatro cantos do mundo. Deixou essas memórias no seu Memorial de D. Quixote (1976), escrito com tranquilidade, elegância e muito sentido de humor. Morreu em Cascais, a 7 de Dezembro de 1987."
Eduardo Brazão deixaria parte do seu espólio e da sua biblioteca ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português.