terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Relaçam do estado politico e espiritual do Imperio da China

Relaçam do estado politico e espiritual do Imperio da China, pellos annos de 1659, atè o de 1666 
Escrita em Latim pello P. Francisco Rogemont da Cõpanhia de Iesus, Flamengo, Missionario no mesmo Imperio da China. 
Traduzida Por hum Religioso da mesma Companhia de Iesus (Gabriel de Magalhães)
Impresso em Lisboa em 1672 na Officina de Ioam da Costa.
 
Tem um título longo este livro publicado em Lisboa na segunda metade do século XVII e que contém dados preciosos sobre esse período da história, não só de Macau mas sobretudo da China. 
Viu a luz do dia fruto do empenho dos missionários da Companhia de Jesus que na missão a Oriente começaram por se estabelecer em Macau.
Neste ano de 2014 que agora termina assinala-se o 3º centenário da restauração da Companhia de Jesus.
Nascido em Maastricht (Bélgica) em 1624, Francois de Rougemont entrou para a Companhia de Jesus em Malines no ano de 1641. Meses depois de ser ordenado (Novembro 1654) candidatou-se às missões da Companhia de Jesus no Oriente. Chegou a Macau em Julho de 1658 e dali partiu para a China onde esteve em Hangchow (Hangzhou), Chekiang (Zhejiang), Soochow (Suzhou), Kiangsu (Jiangsu) onde fez várias conversões de chineses ao catolicismo.
Na comunidade católica de Ch'ang-shu (Changshu), estabeleceu 14 congregações. Wu Li, famoso pintor da dinastia Ch'ing (Qing) e mais tarde também ele jesuíta, acompanhou-o em muitas das suas missões. Durante a perseguição a que os religiosos foram sujeitos entre 1665 e 1671, Rougemont esteve preso em Cantão (Guangzhou). Foi durante esse período que escreveu esta obra, testemunho do que conheceu na China. Relata não só a consolidação do poder dos manchús no Sul da China em meados do século XVII como também um encontro com o famoso pirata Zheng Zhilong (1604-1661) e a batalha de Liaoluo Bay que teve lugar em 1633 ao largo da costa de Fujian. Envolveu a Companhia das Índias Orientais holandesa e marinhas da dinastia chinesa Ming. A batalha foi travada no Estreito de Taiwan onde a frota holandesa sob comando do almirante Hans Putmans estava tentando controlar a navegação, enquanto o tráfego e o comérico marítimo do sul de Fujian era protegido por uma frota sob o brigadeiro-general Zheng Zhilong. Esta foi a maior batalha naval entre as forças chinesas e europeias antes das guerras do ópio 200 anos mais tarde.
Francois de Rougemont morreu em T'ai-ts'ang (Taicang), perto de Shanghai, em 1676. Foi enterrado em Ch'ang-chou (Changzhou), Kiangsu. O seu livro, considerado essencial para se perceber a história da China no século XVII foi publicado em Lisboa em 1672.
Author: Rougemont, François de (1624-1676) “Born in Maastricht, de Rougemont entered the Society of Jesus at Malines in 1641. Several months after his priestly ordination in November 1654, he applied to go to the missions. After arriving in Macao in July 1658, and spending a year in Hangchow (Hangzhou), Chekiang (Zhejiang) Province, he labored in the military garrison at Soochow (Suzhou), Kiangsu (Jiangsu) Province, where he made a number of converts. To develop the Christian community in Ch'ang-shu (Changshu), some 20 miles to the north, he established fourteen congregations headed by scholarly leaders. During the persecution of 1665 to 1671, de Rougemont was exiled to Canton (Guangzhou), where he participated in a conference dealing with missionary methods. Later he became pastor for fourteen churches and twenty-one chapels, which he administered with the assistance of lay brothers. Wu Li, the famous Ch'ing (Qing) dynasty painter and later a Jesuit, accompanied de Rougemont on one of his mission tours.
Besides several catechisms in Chinese, de Rougemont wrote an important essay on the need for an indigenous clergy and an account of his exile in Canton. Preparing to go to the island of Ch'ung-ming (Chongming), he died at T'ai-ts'ang (Taicang), near Shanghai, and was buried in Ch'ang-chou (Changzhou), Kiangsu.”
According to The Beijing Center for Chinese Studies “Rougemont’s extremely rare eyewitness account of the Manchu campaigns against Zheng Chenggong (Koxinga) along with an account of the foreign missionary activities in China. The first part of this work gives a detailed description of the Manchu consolidation of power in the south of China, including an account of the career of the Chinese pirate leader, Zheng Zhilong – who achieved great power in the transitional period between the Ming (1368–1644) and Qing (1644–1911/12) dynasties – and his son Zheng Chenggong (Koxinga), against whom the Manchus campaigned. In the second part the author describes the events at the Qing imperial court during the Shunzhi period (1644-1661), as well as the fate of the Ming pretenders in the south. The final part contains the history of the so-called Ao Bai (Oboi) Regency (1661-1669) with primary emphasis on the trials and persecutions of the missionaries. It ends with the Kangxi emperor’s formal assumption of power. Rougemont was taken prisoner at Canton and used the time in prison to write the original account Relaçam do estado politico e espiritual do Imperio da China, pellos annos de 1659, atè o de 1666, published in Lisbon in 1672. “
 
 Referências a Macau que "dista 600 léguas da Corte de Peking"
 
The book gives a deep insight of China from a European point of view, the Manchu campaigns, European missionary activities and the attacks inflicted on Christian settlements during the 1660’s. The author settled with Fr. Intorcetta in Nanking in 1659, wrote the present history in prison and died in Chiang-chow 1676. The publication includes two letters by Father Bartolemeu de Espinoso (from Macao), and by Father Gabriel Magalhães (from Pekin) vividly accounting for the situation lived at that period. The work also provides information on the the Chinese pirate leader, Zheng Zhilong.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

"Aconteceu em Macau"

Livro da autoria de Margarida Castel-Branco (n. 1931) que escreveu o primeiro conto com apenas 11 anos no jornal "Fagulha". Estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio, na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, que terminou com a classificação de 20 valores. Em 1964 regressou à Escola António Arroio como professora. Foi ainda professora de desenho na Universidade Nova de Lisboa no Curso de Conservação e Restauro.
Esta colecção editada pela Verbo em 1973 tem como público-alvo os adolescentes dos 7 aos 12 anos e é composta por 4 volumes: 
Aconteceu nas Berlengas, Aconteceu em Conímbriga, Aconteceu na Gorongosa, Aconteceu em Macau. 
Existe uma edição posterior (2007) da Litexa.
Pedro, Miguel e Ana vão passar as férias a Macau com dois simpáticos primos gémeos, de olhos em bico e nariz arrebitado. A aventura deste cinco jovens passa por descobrir o paradeiro do tio dos gémeos que entretanto desaparecera.
O desenho da capa é da autoria de José Antunes. As ilustrações que acompanham a história são da própria autora.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Anúncio 1941: Cassiano Fonseca - médico

Para além de médico foi director do jornal "Notícias de Macau" e fez parte da direcção do Rádio Clube local. Pertenceu ainda ao Rotary Clube de Macau ao Grupo de Amadores de Teatro, na sua 'segunda' versão surgida após o final da segunda guerra.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A mulher chinesa: estudo do séc. XIX

Anna de Souza Caldas foi  primeira portuguesa a estudar a mulher chinesa. O seu trabalho "Chins vistos de perto - Notas e apontamentos tomados em Macau" seria publicado em 1900 no "Ta-Ssi-Yang-Kuo", ed. J. F. Marques Pereira, Arquivos e Anais do Extremo-Oriente Português. O facto, inédito, foi assinalado por Marques Pereira na introdução ao artigo: "Já não é a primeira vez que a Ex.ma Sr.a D. Anna de Sousa Caldas, a nossa distincta collaboradora, apresenta a publico as producções da sua lucida intelligencia; mas só a muito custo consegue vencer os impulsos da sua grande modestia para dotar a litteratura patria com os primores de observação, como as que se notam nos artigos, cuja serie encetamos hoje (...) enquanto viveu no Extremo-Oriente teve occasião de observar de perto os usos e costumes que tão magistralmente descreve."
Anna de Souza Caldas viveu em Macau e terá sido a partir do que observou na parte chinesa da sociedade macaense que elaborou este artigo. Era mulher do Major Antonio Alfredo de Souza Calda que desempenhou várias comissões de serviço em Macau (tb em Moçambique e Timor) entre 1880 e 1887, tendo sido, por exemplo, comandante do presídio militar. 
Desse seu trabalho reproduzo alguns excertos:
"As damas da classe principal usam cabaia comprida ou curta, calça e uma especie de saia justa e cheia de pregas em sentido vertical, sendo tudo de seda e tendo a cabaia, que trazem exteriormente, as mangas larguissimas para se verem as mangas das outras duas cabaias interiores, que são geralmente mais estreitas, mas de côres vivas e muito bordadas resumindo, por assim dizer n'ellas, a prova de bom tom das filhas do Celeste-Imperio. As mulheres do povo trazem cabaia curta e umas calças larguissimas de seda ou de ganga. (...)
As da alta cathegoria todas, ou quasi todas, teem os pés aleijados, porque todos os chins favorecidos da fortuna, mandam comprimir com ligaduras os pés ás suas filhas, desde a mais tenra edade, e calçam-lhes depois uns sapatos de seda pequenos e ponteagudos, em que não entra senão metade do pé. Assim, o dedo pollegar é o unico que vae crescendo com a edade da creança, os demais vão, pouco a pouco, dobrando para a planta do pé, o qual, com o temo, forma quasi que um bico na frente, á feição do calçado. Este defeito nas mulheres que nascem na opulencia serve para ostentar a grandeza de suas familias.
Com semelhante aleijão as mulheres nobres não podem andar sem o auxilio de creadas graves, em quem se apoiam. Quando sahem de casa vão fechadas em cadeirinhas; outras porém vão ás costas das creadas ou a pé, arrimadas a um chapeu de sol. As classes pobres que não podem dar creadas às suas filhas, e que, pelo contrario, as destinam para creadas de servir ou para outro qualquer genero de trabalho, não lhes comprimem os pés.
O uso de comprimir os pés data do anno de 954 da era de Christo. Conta-se que houve então uma imperatriz que tinha os pés de pequenissimas dimensões e que todas as damas do paço tinham summo desgosto de não possuirem uns pés como os d'ella. Cada uma, portanto, comprimia os pés como podia, imaginando novos feitios de sapatos, cada vez mais apertados, porque o diminuir o volume dos pés era o sonho de todas. Mas nem por isso nenhuma poude egualar á imperatriz. Então, uma dama dotada de mais engenho do que as outras, decidiu que só uns sapatos onde não coubesse senão metade do pé, as poderiam satisfazer, pois que d'esta fórma fariam parecer os pés ainda mais pequenos que os da imperatriz. Assim, mandou fazer umas pequenissimas botinhas de setim bordadas a ouro e depois de comprimir os pés, forçando os dedos a dobrar para baixo da planta, excepto o pollegar, calçou as botinhas até meio do pé e appareceu ás outras damas apoiada nos braços de duas creadas.
Esta innovação foi ao principio reprovada por algumas das damas, mas dizendo-lhe ella que além de conseguirem de tal modo diminuir o volume dos pés, se distinguiram de todas as outras mulheres do imperio, e, obrigadas como ficavam a andar amparadas por duas creadas, ostentariam melhor a sua alta dignidade, todas ellas, movidas pela vaidade, começaram a seguir aquelle exemplo que agradou a toda a côrte. Em vista d'isto, todas as mulheres das novas gerações chinezas, que pertenciam a familias nobres, ou mesmo abastadas, deviam ter os pés aleijados. As familias pobres, porém, não puderam seguir o barbaro uso para não impossibilitarem assum as suas filhas de serem creadas de servir."
F

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O Natal macaense

O facto de Portugal e Macau se localizarem no hemisfério norte origina a partilha das mesmas estações do ano ainda que com significativas diferenças. É assim que por terras do Oriente o Natal também é frio, mas raramente com temperaturas tão baixas como em terras atlânticas. Serve a introdução para “situar” a época natalícia num território em que a maioria da população não é, nem nunca foi, católica. Um facto que a toponímica local parece desmentir mas é a mais pura das verdades. Mas voltemos às tradições natalícias dos católicos em Macau.
Desde o início do século XX e até cerca da década de 1970 era assim o mês de Dezembro em Macau na comunidade dita católica, portuguesa e macaense. O primeiro domingo era dedicado à primeira comunhão (na Sé Catedral) e logo a seguir iniciavam-se os preparativos para o Natal, uma época muito celebrada por portugueses e macaenses e cujo ponto alto culminava com a Missa do Galo. Até ao Dia de Reis visitavam-se amigos e familiares e logo depois surgiria o Ano Novo Chinês, o Carnaval, etc.. A cidade vivia ao sabor dos eventos do calendário das duas comunidades… Só a partir da década de 1980 com a massificação/globalização do fenómeno do natal enquanto acto consumista as festividades passaram, a ser visíveis nas ruas. Antes, era mais uma celebração religiosa que impunha recato e era vivida no seio das famílias ou no interior das igrejas.
Década 1990
Mas como era o Natal em Macau? “Essa vilazinha de presépio”, nas palavras de Ondina Braga…
A centenária Aida de Jesus recorda que “jantava sempre com a família. Ia à Missa do Galo e, na volta, havia a ceia. Antes, todas as casas de macaenses tinham o presépio ‘arrumado’. À volta de uma mesa muito comprida sentavam-se também cunhados, genros, sobrinhos e primos”. Aida lembra-se ainda que era habitual a queima de panchões à janela, efectuada pela maior parte das famílias católicas, durante a ceia após a Missa do Galo.
De acordo com Leonel Barros (1924-2011) “a quadra festiva do Natal era assinalada, como de costume, com a tradicional Missa do Galo nas igrejas, exposição de presépio e a presença de árvores de Natal nas escolas e instituições de caridade. As igrejas paroquiais de Macau e as restantes enchiam-se de fiéis, na noite de 24, para a tradicional Missa do Galo, umas cantadas e outras rezadas. As missas eram acompanhadas de cânticos próprios da quadra. (…) As congregações marianas concentravam-se na Igreja de São Domingos, onde assistiam à missa, que era acompanhada de cânticos. Nesta igreja, como nas restantes, havia uma grande afluência de fiéis à mesa da Comunhão e à cerimónia de ‘beijar o Menino Jesus’. Em várias escolas, oficiais e particulares, faziam-se festas de Natal, com distribuição de prendas aos seus alunos. Na escola infantil D. José da Costa Nunes havia também uma festa. As crianças desta escola levavam a efeito um engraçado programa de variedades, com cantorias e danças, todas vestidas com trajes regionais, e outros entretenimentos infantis de boa disposição e alegria”.
Contemporâneo de Leonel, Henrique de Senna Fernandes (1923-2010) viveu em Macau a maior parte da sua vida. Em 1983 recordou assim esta festividade. “Dezembro era um mês festivo. O primeiro domingo era dedicado à Primeira Comunhão, uma cerimónia tocante na Sé Catedral, onde se ajoelhavam, nervosos, dezenas de novos comungantes de ambos os sexos, de todas as paróquias da cidade. Havia, então, festa pela tarde fora, correndo-se dum lado para o outro para satisfazer todos os convites, não fossem os pais dos comungantes ficarem ofendidos. Logo a seguir, vinham os preparativos para o Natal, as donas de casa atarefadas na cozinha, na confecção do aluar, dos coscorões, empadas e fartes, os costumados doces da época. Encomendavam-se o peru e outras carnes de Hong Kong e, em casa do meu Avô materno, não podia faltar o empadão gelatinado de peças de caça, o famoso ‘game-pie’ da Lane Crawford. Encomendavam-se também à loja de Omar Moosa, mais conhecido por Kassam, figura prestigiosa e mais destacada da larga comunidade moura de Macau, loja esta sita, primeiro, na Rua Central e, mais tarde, na Avenida Almeida Ribeiro do galo’ desse tempo, o jantar de Natal, o deslumbramento dos brinquedos, a mesa repleta de iguarias, onde se comia à tripa forra, a alacridade e as gargalhadas dos familiares, ainda se repercutem na minha saudade. Os dias seguintes até os Reis, com quebra no dia do Ano Bom, eram dedicados aos amigos e conhecidos. Ia-se de casa em casa, apenas para um cálice de vinho do Porto ou para deixar cartões à entrada. Para isso, organizavam-se, de antemão, listas para que ninguém fosse esquecido”.
Igreja St. António: década 1980
Ceias pantagruélicas: mesa “farta” é uma tradição do macaense
A época do Natal era sinónimo de mesa “farta” mas só depois da Missa do Galo, durante a ceia e nos dias seguintes. Seguindo os preceitos da Igreja não se comia carne até à noite de Natal e a refeição antes desta missa era composta pela sopa de lacassá (aletria) e empada de peixe. Francisco Carvalho e Rêgo escrevia em 1950 que “o Natal foi sempre festejado com grande pompa, não faltando famílias que recebessem, em seus verdadeiros solares, todos os seus amigos, oferecendo-lhes ceias pantagruélicas a que todos assistiam, finda a missa do galo, à qual não faltava um só”. FCR refere-se às primeiras décadas do século XX. Vejamos então que “ceias pantagruélicas” eram essas. De acordo com Luís Machado “é tradição do Macaense ter uma mesa ‘farta’ quando recebe alguém em sua casa e a consoada não foge à regra, mas esta era celebrada com simplicidade, pois de acordo com os dogmas antigos da Igreja Apostólica Romana, nessa época praticava-se a abstinência o que significava a não ingestão de carnes até à ceia de Natal. Por isso ao jantar, antes da Missa do Galo, esta refeição era composta somente de sopa de lacassá (aletria) e empada de peixe. O momento mais alto nas celebrações passou a ser a ceia, depois da missa da meia-noite e o do almoço do dia de Natal, no dia 25 de Dezembro, onde a mesa era então composta de imensas carnes e doces, quebrado que estava o jejum e a abstinência dos dias anteriores. Depois da ceia ou do almoço da família, tinha lugar a distribuição de presentes entre todos. Embora estas práticas estejam profundamente alteradas, ainda restam algumas famílias que mantêm esta forma de celebrar o Natal”.
Só a título de exemplo, recordo alguns dos pratos presentes na ceia de Natal macaense. O “tacho” ou chau chau de peles, espécie de cozido à portuguesa, adaptado localmente, que inclui galinha, pé de porco, costeletas de porco, chouriço, pato salgado, pele de porco, presunto, repolho e couve. Depois, o porco bafassá (porco; açafrão; sal; pimenta; cebola verde e alho); apa-bico (farinha de arroz; banha; carne de porco e hortaliça salgada); chilicotes (farinha de arroz; banha; nabo; presunto e carne de porco)… e Diabo, um prato que é nada mais nada menos que o aproveitar do que sobra de tanta fartura. Normalmente este guisado inclui galinha assada, porco assado, presunto, caril de vaca estufada, batatas, mostarda, ovos, tomates, azeite, malagueta e açafrão. Nas sobremesas destaque para os “cabelos de noiva” (fios de ovos); bolo menino; alua, aluá ou aluar (sobremesa feita de farinha de trigo, coco e amêndoas); ginetes; bicho-bicho (pequenos bolinhos fritos, feitos de farinha de trigo, açúcar, ovos e sal); muchi–muchi (ou muchi coco), que leva coco, farinha de feijão, gergelim e farinha de arrroz; coscorão (o ‘lençol’ do menino de Jesus…) entre outras iguarias da rica gastronomia macaense.
PS: Nesta época, tal como na páscoa, a comunidade macaense faz o chamado “chá gordo”, momento em que a meio da tarde reúnem-se grupos familiares e de amigos para uma refeição e convívio que se prolonga até ao jantar.
Feliz Natal!
Artigo da autoria de JB publicado no JTM de 18.12.2014

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Guia "Hong Kong & Macao" da BOAC

A BOAC, British Overseas Airways Corporation, foi Companhia de aviação de bandeira do Reino Unido. Surgiu com a fusão da British Airways Ltd. e da Imperial Airways em 1939. Em 1974 encerrou a sua actividade ao fundir-se com a British European Airways.
Na década de 1970 a rota para o Oriente era assegurada, entre outros, pelo Boeing 707-436 Intercontinental (no aeroporto de Kai Tak em Hong Kong, na imagem). Já havia filmes e música bordo (custava um extra de 2,5 libras). Existiam 3 voos semanais de Londres para Hong Kong (3ªs, 4ªs e sábados). O voo KF752 partia às 17 horas de Londres à terça-feira, passava por Atenas, Teerão e Nova Deli e chegava à então colónia britânica às 20h40 do dia seguinte. No total eram cerca de 16 horas de viagem.
O Boeing 707 foi um dos primeiros aviões comerciais a jato e com este modelo a marca norte-americana passou a ser a maior fabricante de aviões comerciais do mundo. A primeira linha aérea a operá-lo foi a Pan Am em 1958. O aparelho tinha um alcance de10.659 km, uma velocidade de cruzeiro de 815 km/h, e capacidade para transportar até 202 passageiros. Deixou de ser produzido em 1978 mas os Boeing que se seguiram (727, 737 e 747) utilizaram muito da tecnologia do 707 que foi também o avião do presidente dos EUA (Air Force One).
Este folheto turístico dedicado a "Hong Kong e Macao" é dos primeiros anos da década de 1970. O território é apresentado como "a two-square-mile pensinsula" e "the oldest remaining European settlement in the Far East" tendo a aparência "of a charming Mediterranean resort".
O guia tem um breve resumo histórico sobre as origens de Macau, indica que a população é de 270,000 habitantes ("97% are Chinese) e que a economia vivia essencialmente do jogo, turismo e das indústrias do fabrico de móveis (teca e cânfora), cigarros, incenso, fósforos e panchões.
Entre os locais a visitar destaque para: porta do cerco, ruínas de S. Paulo, fortaleza do monte, templos chineses (muito melhores do que em Hong Kong, segundo o folheto), gruta de camões, canal dos patos, etc... Quanto a sugestões de estadia apresenta-se o hotel Lisboa ("newest and the most luxurious) e a Pousa Macau (Macau Inn). O folheto tem também dois anúncios. Um é do Turismo de Macau cujo mote é "First gateway to the Orient. When you visit the Far East, stay over in the wonderful Macau. No tour of the Orient is completed without it." O outro anúncio é do hotel Lisboa (inaugurado em Fevereiro de 1970) sob o mote "You can't lose". Mas a oferta não se fica pelo jogo. Para além do casino, tem 300 "quartos de luxo", 10 restaurantes (internacionais), sauna, massagens, galeria comercial, etc...
Como para chegar a Macau o turista vem de Hong Kong sugerem-se duas alternativas: "the quickest way by hydrofoil (75 min) e "the most interesting by ferry (3 hrs)".

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

"Notas sobre a Arte Chinesa" de J. V .Jorge

José Vicente Jorge era um coleccionador de arte muito conhecido no seio da comunidade macaense nos anos 30 e 40. A colecção, exposta na sua casa da Rua da Penha que se tornara um verdadeiro museu, era reputada como a melhor de Macau e uma das melhores do mundo pela quantidade e qualidade dos objectos reunidos. No livro "Notas sobre a Arte Chinesa" (1940) impresso na Tipografia Mercantil de N. T. Fernandes & Filho, José Vicente Jorge (1872-1948) deixa testemunho da sua paixão ao fazer um autêntico catálogo de arte chinesa.
Reedição ICM, 1995
A obra insere-se na promoção das manifestações e produções artísticas coloniais da Exposição do Mundo Português de 1940. Fornece toda a descrição cronológica da arte chinesa e das suas principais produções em cada dinastia. O trabalho tem o propósito de servir de guia ao coleccionador de arte chinesa através da descrição das marcas dos fabricantes, nomeadamente da dinastia Ming e Tsing; das marcas de sala e marcas de sala do palácio; marcas para exprimir bons desejos e felicitações; os símbolos chineses e sua interpretação; as preciosidades e os emblemas budistas; descrição dos objectos de bronze, de vidro, de jade, de pintura, e ainda: caligrafia, esmalte, gravuras, talha, laca, tecidos, brocados e bordados, etc. No final da obra são reproduzidas imagens de parte da colecção de 10.000 objectos que o autor reuniu durante 40 anos
Notas sobre a Arte Chinesa foi reeditado em 1995 pelo Instituto Cultural de Macau continuando a ser uma uma obra de referência sobre arte chinesa.
 Aspecto de uma das divisões da casa de JVJ com centenas de objectos de arte chinesa.
Em Maio de 1943 Luís Gonzaga Gomes escreve na revista Renascimento um longo artigo a que chama "Curiosidades Chinesas: o Museu do Senhor José Vicente Jorge” e onde se pode ler que "A (colecção) do senhor Jorge é sem dúvida… a mais rica e a mais numerosa. O seu palacete é hoje um verdadeiro e valiosíssimo museu, pletórico de incalculáveis preciosidades (...) Nos tempos mais recentes podemos citar o nome de várias pessoas que se dedicaram a formar com paixão colecções de objectos de arte antiga, principalmente da arte chinesa, como Camilo Pessanha, Silva Mendes e o Sr. José Jorge. Dos novos apraz-nos lembrar o do Sr. Dr. José Ferreira de Castro, possuidor de uma interessantíssima colecção escolhida com delicado gusto e em que predominam os bronzes e o do Sr. Dr. Pedro Guimarães Lobato, cuja ecléctica colecção azul e branco, é constituída por peças meticulosamente seleccionadas.
Pessanha, antes de falecer, oferecera as melhores peças da sua colecção ao Museu das Janelas Verdes de Lisboa. Da colecção de Silva Mendes, grande parte foi adquirida depois do seu falecimento, pelo Governo, para o Museu local. A do Sr. Jorge é sem dúvida das três a mais rica e a mais numerosa. O seu palacete é hoje um verdadeiro e valiosíssimo museu, pletórico de incalculáveis preciosidades, que nenhum estrangeiro ilustre, de passagem por esta Colónia, deixa de visitar. Tivemos ainda há dias mais uma vez o prazer de ir deleitar os nossos olhos nesta admirável colecção, hoje devidamente inventariada e classificada. […] A formar o ambiente, as salas estão repletas de ricos móveis de pau preto, admiravelmente esculpidos e reluzentes por constantes bruniduras de encáustica.
Para decoração dos interiores, foram inteligentemente aproveitados os belos frisos e lambrequins dos velhos tempos numa apoteose de estranhos rendilhados a oiro fulvo; e dos tectos pendem candelabros, lanternas ilustres de uma sumptuosidade ornamental de pasmar. Até as portas dos diversos compartimentos são autênticas portas antigas de casas chinesas, que se desfizeram, e onde se encontram encaixilhadas preciosas hialografias e vitrais com desenhos isentos de intervenção de ácidos. Logo no vestíbulo pode o visitante admirar dois manipanços em madeira doirada e esculpidos com notável perfeição, estando os mesmos assentes em dois artísticos escaparates prodigiosamente arrendilhados, na sua pompa de passarinhos, de folhas, de exóticos e enigmáticos símbolos. Na sala de espera, não saberá o visitante deter-se diante de qual objecto para o apreciar, tal a profusão de preciosas coisas ordenada e gracilmente distribuídas. O centro é ocupado por um gigantesco jarrão, raro quanto mais não seja pelo seu descomunal tamanho.
Um par de aguarelas, executadas em duas enormes lápides de mármore e devidamente encaixilhadas em pau preto, ocupam a parede que fica à mão direita de quem sobe a escada. Por outras paredes estão afixados variados pratos, tabuletas com perfeitíssimos embutidos de bambu e delicadíssima factura, quadros notáveis pela harmoniosa distribuição das cores e, dispersos por vários cantos, em desordem ordenada, hastarias com nitentes lanças, bisarmas, partasanas, tridentes e gládios de antigos guerreiros chineses, em cobre finamente cinzelados. A vasta sala de jantar é ocupada ao centro por uma enorme mesa de nara, a preciosa madeira em que se talhavam as ricas mobílias das famílias abastadas do velho Macau, e estonteia o visitante a formidável profusão de travessas, salvas e pratos em azul e branco que reveste de alto a baixo todas as quatro paredes deste compartimento. […]”
No palacete de José Vicente Jorge, na Rua da Penha, existiam “cerca de 10.000 peças, representando os principais ramos de arte chinesa – cerâmica, bronze, jade, pintura, caligrafia, escultura, gravura, esmalte, laca, bordado e mobília”. Ainda segundo JVJ, o livro “não é um tratado sobre cerâmica chinesa, pois a tanto não me abalançava”, mas “simples apontamentos, tirados de vários livros, de conversas com alguns coleccionadores chineses… e do que me foi possível observar, durante o longo período de 50 anos, em que tenho andado a coleccionar, pois que, no desempenho das minhas funções oficiais, tive a ocasião de visitar palácios de príncipes e reis, o Palácio Imperial, os museus do imperador e da imperatriz, tendo ficado maravilhado com as preciosidades que vi, tanto de arte cerâmica como das outras, todas de autenticidade absolutamente indiscutível”. 
José Vicente Jorge nasceu em Macau a 27 de Dezembro de 1872, sendo neto e filho de dois influentes macaenses, respectivamente, José Vicente Caetano Jorge, próspero comerciante que foi vereador, procurador do concelho e provedor da Santa Casa da Misericórdia, e Câncio José Jorge, intérprete-tradutor, que também foi vereador e ainda vice-presidente e presidente do Leal Senado, cônsul-interino de Portugal no Sião e nos estabelecimentos britânicos dos estreitos de Singapura, Malaca e suas dependências, advogado provisionário, juíz substituto e delegado interino do procurador da Coroa.
Após os estudos secundários, José Vicente Jorge fez o curso da escola de intérpretes da Repartição do Expediente Sínico, passando a integrar o quadro desse serviço público, a que dedicou a primeira fase da actividade profissional, ao mesmo tempo que dava colaboração nas áreas cultural, social e intelectual de Macau, e desempenhava funções docentes no Instituto Comercial, anexo ao Liceu de Macau.
Esteve colocado na Legação de Portugal em Pequim, como secretário-intérprete, de Junho de 1908 a Março de 1911, tendo chefiado interinamente a Legação durante seis meses e contribuído eficazmente para assegurar o seu regular funcionamento no período de mudança do regime político em Portugal.
Família de JVJ

Regressado a Macau e já subchefe da Repartição Técnica do Expediente Sínico, assumiu interinamente a chefia deste organismo, bem como a da Procuratura do Expediente Sínico, deslocando-se numerosas vezes a Cantão em comissões especiais, como delegado do Governador de Macau. Integrou também o Conselho da Província de Macau, a Comissão de Assistência Judiciária e a comissão directora do Colégio de Santa Rosa de Lima. Já aposentado, foi nomeado 2.° juíz substituto do Tribunal Privativo dos Chinas e vogal representante da comunidade chinesa no Conselho Legislativo, exercendo também a docência no Liceu Central de Macau e a actividade de solicitador. Integrou o Instituto de Macau, que reuniu os homens mais cultos da terra mas teve vida efémera, traduziu importantes obras sobre a cultura, usos e costumes chineses e foi agraciado pelo Estado Português com a comenda da Ordem Militar de Cristo. Morreu em Lisboa a 22 de Novembro de 1948, para onde fora viver com a família após a 2ª Guerra Mundial.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Monopoly: Macau edition

É de 2008 esta edição do famoso jogo de tabuleiro Monopoly (Monopólio) dedicada a Macau. Inclui peças específicas, nomeadamente, as Ruínas de S. Paulo. O jogo tem centenas de edições especiais (filmes, países, regiões, etc... tem por exemplo a versão Parque das Nações, Lisboa) e as suas origens remontam a 1935 nos EUA e a Charles Darrow. Este vendedor que ficou desempregado com o crash da bolsa de 1929 inventou o jogo tal e qual o conhecemos hoje embora outros semelhantes já existissem, nomeadamente o que se julga ser o primeiro do género, registado em 1904, também nos EUA, como Landlord's Games. No início a empresa especializada Parker Brothers não se mostrou entusiasmada mas Charles não desistiu e decidiu construir ele próprio o jogo, com a ajuda de um amigo que era designer profissional. Conseguiu vender mais de cinco mil unidades por 4 dólares cada. Pouco tempo depois vendeu os direitos do jogo à Parker (comprada em 1991 pela Hasbro) e ficou milionário.
A história em torno das origens do jogo é muito curiosa, mas não cabe no âmbito deste blog. Facto é que até hoje já foram vendidos mais de 275 milhões de jogos em mais de uma centena de países e 43 línguas.

sábado, 20 de dezembro de 2014

As irmãs clarissas e o incêndio no convento

De acordo com o P. Eusebio Arnáiz Álvarez em "Macau, mãe das missões no extremo oriente", de 1953 "a iniciativa de fundar um convento de freiras, deve-se ao macaense António Fialho Ferreira, comandante em chefe (Capitão-mor) da frota de Macau, em cujo espírito brotou tão feliz ideia. Este escritor macaense distinguiu-se em Manila tratando com o provincial da província de S. Gregório Magno sobre a vinda das ditas religiosas, que veio a ser autorizada e facilitada pelo mesmo. Foram escolhidas para esse fim seis religiosas professas, uma noviça e duas postulantes. Como superiora foi escolhida a Madre Leonor de S. Francisco, cujas virtudes os coetâneos tanto enaltecem. Chegaram à cidade do Santo Nome de Deus a quatro de Novembro de 1633, tendo sido recebidas com carinho e cuidadosamente hospedadas, enquanto se lhes preparava um convento com clausura, encerrada no ano seguinte".
António Fialho Ferreira, natural de Sesimbra, estabeleceu-se em Macau como mercador. Foi escrivão da Santa Casa da Misericórdia em 1628 e 1629. Entre 1630 e 1633, período em que foi concedido a Lopo Sarmento de Carvalho o monopólio das viagens do Japão e Manila, foi Capitão Mor da viagem Macau - Manila. Com uma estadia de cerca de 23 anos em Macau, integrou o núcleo de eleitos ou adjuntos na década de 30 de Seiscentos. Em 1638 abandonou Macau em direcção ao Reino, na tentativa de solucionar as dissidências que enfrentava com grande parte dos moradores da cidade. Em Janeiro de 1641, juntamente com o seu filho Constantino Fialho, foi eleito familiar do Santo Ofício. Ostracizado pela elite económica e do poder da cidade, revelou-se pouco influente em 1642 nas contradições em que foram oponentes o Governador do Bispado Frei Bento de Cristo e os Comissários do Santo Ofício, padre Gaspar Luís e Gaspar do Amaral. Assinou o termo de 31 de Maio de 1642 aquando da aclamação de D. João IV.
A primeira noviça macaense foi a filha do próprio António Fialho Ferreira, «ornada de formosura e gentileza, que não só levou após si os olhos de todos, mas os do Divino Esposo» ... Nunca mais faltaram em Macau donzelas, que preferiram as austeridades do claustro aos regalos da família e às esperanças mundanas, vivendo sempre sob a mais estrita observância e florescendo em virtudes; por isso o próprio Leal Senado se preocupou com atender às suas súplicas, fornecendo-lhes a necessária sustentação. E quando no Natal de 31 de Dezembro de 1824 um voraz incêndio lhes destruiu o pobre convento, foi o próprio bispo que, à frente de toda a população, acudiu à salvação delas, proporcionando-lhes imediatamente um asilo, mais tarde seguido da reconstrução do convento. 
O Barão de Bougainville estava em Macau nessa altura e em Agosto de 1826 a revista “The Gentleman´s Magazine and Historical Chronicle” refere isso mesmo:
“M. de Bougainville witnessed at Macao the burning of the convent of St. Claire, the nuns of which were so earnest in remaining faitful to their vows that one of them was burnt: and in order to save the others from the same fate, the priest of a neighbouring parish was obliged to seise, in their presence, an image of the Virgin, and to call on them in the name of the Virgin to follow him.”
De acordo com a Cronologia da História de Macau Século XIX, Volume 3 (de Beatriz Basto da Silva) "o incêndio que ocorreu pelas 20.45 do dia 31 de Dezembro de 1824, ardeu completamente o primitivo Mosteiro de Santa Clara das religiosas franciscanas clarissas, morrendo uma religiosa de 90 anos de idade, a madre Florentina, e salvando-se 31. O incêndio foi devido ao fogo que se pegou às flores de papel do Presépio, assim engalanado, em honra do Deus Menino".
No ano de 1731, D. João Casal, bispo de Macau, estabeleceu que as freiras pudessem atingir o número de quarenta. Porém a maçonaria do século passado não perdoou ao sossego e recolhimento das esposas de Cristo Crucificado, e o Leal Senado tratou de executar o decreto de D. Pedro de 1834, expulsando-as do seu mosteiro. Perdeu assim Macau esse tesouro, que foi em tão largo período a única comunidade de religiosas no Extremo Oriente continental.
Nas duas imagens acima pode ver-se parte do convento (e da baía da Praia Grande) a partir do local onde foi construído o hospital S. Januário em 1874. Mais imagens e uma carta de uma abadessa do convento em 1809 podem ser vistas aqui.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

15º aniversário da transferência de soberania

Em Dezembro de 1999, enquanto o mundo debatia com angústia os perigos do “bug” do milénio, Macau cumpria a recta final do processo de transição. No Cineteatro estava em exibição “Os Dias do Fim”, uma película de Hollywood, protagonizada por Arnold Schwarzenegger, que procurava captar os prenúncios apocalípticos que pairavam sobre o fim do século XX. Nada que contaminasse os discursos oficiais sobre a transição de soberania, onde o optimismo predominava, apesar das incertezas mais silenciosas da comunidade macaense e portuguesa que tinha ficado. Nos dias que antecederam as cerimónias oficiais também houve episódios marcantes: um exemplar da Lei Básica foi levada ao altar da Sé Catedral e os documentos relacionados com o processo de transição foram enterrados numa cápsula do tempo.

As 23 horas, 57 minutos e 40 segundos de 19 de Dezembro, a bandeira portuguesa foi arriada pela última vez em Macau nas cerimónias oficiais da transição de soberania. O cadete Saldanha Junqueiro foi o responsável pelo momento solene que disse encarar com “honra e nostalgia”. Menos de uma hora e meia depois, Jorge Sampaio e Rocha Vieira abandonariam Macau em direcção a Banguecoque, concluindo, do lado português, a participação nas cerimónias oficiais. Nos últimos dias de Macau sob administração Portuguesa, o Governador multiplicou-se em inaugurações, homenagens e festas e o optimismo dominava os discursos oficiais. Nos relatos da época, apenas o momento da entrada das tropas chinesas no território suscitou algum atrito nos preparativos para as cerimónias de transição.

No dia 19 de Dezembro, na missa de Acção de Graças realizada pela Diocese na Sé Catedral, os fiéis foram convidados a trazer ao altar símbolos do que consideravam valores fundamentais de Macau. Houve que tem tivesse levado uma vela para representar “a luz e a fé trazida pelos portugueses”, outros optaram por miniaturas das Ruínas de S. Paulo. A presidente cessante da AL, Anabela Ritchie, escolheu um exemplar da Lei Básica, que entrava em vigor naquele dia.
Uma cápsula do tempo, contendo as versões em português, chinês e inglês da Declaração conjunta Luso-Chinesa e da Lei Básica, foi enterrada pelo Presidente Jorge Sampaio junto aos jardins envolventes do edifício onde a bandeira portuguesa seria arriada. A pequena caixa de mental, enterrada a cerca de um metro de profundidade, continha também o programa oficial da entrega da Administração, a ementa do banquete oficial, entre outros documentos.

No último dia de Macau sob Administração Portuguesa uma chuva intensa complicou o programa oficial de Rocha Vieira e Jorge Sampaio mas no dia seguinte, pelas 12h, seria debaixo de sol que os 200 soldados do Exército Popular de Libertação entrariam em Macau pela fronteira das Portas do Certo, em veículos blindados e camiões, percorrendo a zona da Areia Preta e da Avenida da Amizade onde foram recebidos por milhares de pessoas. Apesar de tal não estar previsto em nenhum documento oficial, a China pretendia instalar uma guarnição do Exército antes do dia 20 de Dezembro, opção a que Portugal se opunha. A entrada acabaria por ser adiada para o dia 20, embora elementos do exército chinês – à civil e desarmados – estivessem já no território a preparar a chegada das colunas militares. “Portugal considera que o entendimento encontrado é equilibrado”, dizia então Santana Carlos, chefe da delegação portuguesa no Gabinete de Ligação Conjunto.

Para receber as comitivas oficiais que seriam lideradas pelo presidente Jorge Sampaio e Jiang Zemin, as autoridades policiais estavam a preparar uma operação de segurança sem precedentes. Os serviços apelavam aos moradores da zona do NAPE, onde iriam decorrer parte das cerimónias, para não se aproximarem das janelas com máquinas fotográficas sob pena de os agentes especiais destacados poderem confundir os aparelhos com armas de fogo.
Excerto de um artigo publicado no Jornal Tribuna de Macau de 9.12.2014

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Cápsula do tempo: 18 Dezembro 1999

Passava pouco depois do meio dia de 18 de Dezembro de 1999 quando o Presidente da República portuguesa, Jorge Sampaio, presidiu à cerimónia de encerramento da “Cápsula do Tempo”, em frente ao edifício onde um dia depois iria decorrer a Cerimónia de Transferência de Poderes. Nesta “Cápsula do Tempo” foram guardados documentos relacionados com a Transição, a preparação da Cerimónia de Transferência e as últimas actividades da Administração Portuguesa do Território.
Entre o o que lá foi colocado estão edições da Declaração Conjunta Luso-Chinesa e da Lei Básica, bem como toda a documentação de suporte à Cerimónia de Transferência, incluindo exemplares do programa, da ementa do Banquete Oficial e dos conjuntos de informação distribuídos à imprensa.
A “Cápsula do Tempo” enterrada a um metro do chão deverá ser aberta a 19 de Dezembro de 2049, para que “se retirem ensinamentos e sentimentos do seu conteúdo”, conforme está escrito na lápide que assinala o evento, e que vai ser descerrada pelo Presidente da República. O arranjo exterior da cápsula é da autoria de Donato Moreno.
«Cápsula do Tempo
Cinco séculos – é muito tempo? Cinquenta anos – são muitos anos?
Uma Cerimónia de Transferência de Poderes, no final de 1999, anunciou junto a este local uma nova etapa da História de Macau. Portugal administrou o Território durante 442 anos, e a República Popular da China, conforme acordado com a República Portuguesa, instituiu, ao reassumir o exercício da soberania, a Região Administrativa Especial de Macau, com autonomia e modo de vida próprio por 50 anos. Um dia antes da data histórica foram depositados nesta cápsula do tempo os documentos mais significativos da última fase do período de Transição. O encerramento da cápsula foi testemunhado por Sua Excelência o Presidente da República Portuguesa, Dr. Jorge Sampaio, e pelo Governador de Macau, General Vasco Rocha Vieira. Este espaço é uma mensagem para o futuro, para aqueles que, no dia 19 de Dezembro de 2049, queiram retirar ensinamentos do seu conteúdo.
Macau, 18 de Dezembro de 1999» 
Texto gravado numa lápide descerrada diante da Cápsula do Tempo
Jantar com dirigentes da Função Pública em Dez. de 1999

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Carta do cônsul britânico: 1940

Carta registada do cônsul britânico em Macau para o seu homólogo em Lisboa. Tem no campo do remetente a sigla O.H.B.M.S., que significa On His Britannic Majesty's Service.
Foi enviada a 12 de Janeiro de 1940 tendo passado por Hong Kong no dia seguinte. Daí seguiu por avião até Portugal onde chegou no dia 27 desse mês. Antes, ainda passou por Itália (Turim) como atestam os carimbos dos dias 20 e 22.
Numa situação normal esta correspondência deveria ter sido enviada num envelope timbrado. Acontece que desde que os japoneses invadiram e ocuparam Hong Kong, Macau ficou sujeito a um embargo naval que provocou a escassez de todo o tipo de produtos, dos alimentos aos simples envelopes.
John Pownall Reeves era o cônsul britânico em Macau na altura. O Reino Unido estava do lado dos aliados e, curiosamente, Reeves tinha como vizinho em Macau o consulado japonês, o inimigo... (imagem abaixo - Hong Kong University Press).
Entre 1937 e 1945 Macau viveu os piores momentos do século XX. Tentei recuperar a memória desses anos no livro "Macau 1937-1945: os anos da guerra" editado há dois anos pelo IIM. Já este ano um outro livro sobre o mesmo tema foi publicado. Trata-se nada mais, nada menos que o testemunho do cônsul britânico escrito a 'quente', logo depois do final da guerra em 1945, quando John Reeves deixou Macau. Em breve espero voltar ao tema. Entretanto sugiro a leitura de um post anterior sobre este livro que 'esperou' mais de 70 anos para ver a luz do dia.
Em 2015 deverá ser editado em Hong Kong uma nova abordagem a este período negro da história mundial com enfoque no que se passou em Macau. O meu contributo resultou de um convite de o coordenador do projecto que contará com o contributo de meia dúzia de académicos de várias nacionalidades.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

16 de Dezembro de 1999: contagem decrescente

A 16 de Dezembro de 1999 estava-se a poucos dias da cerimónia de transferência de soberania de Macau de Portugal para a China e o governador Rocha Vieira reuniu pela última vez com os secretários adjuntos. O processo de transição iniciara-se a 13 de Abril de 1987 quando os primeiros ministros Cavaco Silva e Zhao Ziyang assinaram em Pequim a Declaração Conjunta sobre a Questão de Macau.
A 15 de Maio de 1999 Edmund Ho é eleito primeiro chefe do Executivo da futura Região Administrativa Especial de Macau e nos dias 19/20 de Dezembro ocorre a transferência de poderes de Portugal para a China e a implementação da Região Administrativa Especial de Macau após cerca de 450 anos de administração portuguesa.
PS: nos próximos dias publicarei mais alguns post's a propósito do 15º aniversário da transferência de soberania.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Marcha de Caridade por Um Milhão

Realizou-se este domingo em Macau a 31ª edição da Marcha de Caridade por Um Milhão, evento organizado pela Associação de Beneficência dos Leitores do Ou Mun, o jornal em língua chinesa com maior tiragem no território. Milhares de pessoas voltaram a participar neste evento solidário criado em 1984. Este ano juntaram-se mais de 16 milhões de patacas (cerca de 1,5 milhões de euros).
Edição de 1987: na frente podem ver-se, entre outros, Stanley Ho (esq), o gov. Carlos Melancia (de 1987 a 1990), Carlos Assumpção (na altura presidente da Assembleia Legislativa) e Ma Man Kei (membro da Assembleia Nacional Popular, da Assembleia Legislativa de Macau e presidente da Associação Comercial de Macau falecido este ano).
Aspecto da marcha na rotunda Ferreira do Amaral numa edição do início da década 1990.Em 1989 foram angariadas 2 milhões e 600 mil patacas.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Edital sobre idas a banhos em 1868

Edital
De ordem de S. Ex.ª o Sr. Governador d'esta cidade, faço saber que é expressamente prohibido a qualquer pessoa banhar-se nú nas praias do litoral d'esta cidade, desde o amanhecer até ao anoitecer, sob pena de serem prezos os que forem encontrados em contravenção. 
Quartel da Policia de Macau no Bazar, 18 de Maio de 1868. Jerónimo Pereira Leite, Tenente-coronel commandante.
Publicado no Boletim da Província de Macau e Timor, ´Sabbado´, 23 de Maio de 1868
Nota: na primeira imagem uma pintura referenciada como sendo de 1868 sem menção de autor.

sábado, 13 de dezembro de 2014

A estátua de Jorge Álvares e os eventos de 1966

Nos eventos conhecidos como 1,2,3 de Dezembro de 1966 alguns dos confrontos entre polícia e manifestantes tiveram lugar junto ao Palácio do Governo e a esta estátua (eregida em 1954) - enviada a partir de Portugal
Um dos braços da estátua acabou por ser arrancado como a imagem acima documenta. Serenados os ânimos o braço foi 'recolocado' e a estátua ainda hoje permanece no mesmo local.
O monumento assinala a chegada à China do navegador português Jorge Álvares em 1513/14.