sábado, 29 de novembro de 2025

A "extensa bahia da Praia Grande orlada de formosas habitações"

"(...) não vês como se encurva ante as aguas do Oceano essa extensa bahia da Praia grande, toda orlada de formosas habitações, amplas e arejadas, sustidas sobre columnas ao gosto asiatico. Não vês lá no extremo os penedos escalvados que formam uma muralha exterior á fortaleza de S. Francisco e n'esta ponta a fortificação do Bomparto, como as extremidades de um Crescente, que segundo dizem os viajantes de Italia, fecham uma bahia muito similhante á de Napoles.
Isto é pelo lado do mar, agora pela parte do rio tambem encontrarás uma bonita perspectiva; a fortaleza portugueza da Barra e o pagode chinez do mesmo sitio (templo de A-Ma), o soberbo edificio da alfandega (Alfândega chinesa - havia esta no Porto Interior e outra na Praia Grande; o gov. Ferreira do Amaral acabou com as duas) entre palacios de particulares, e ao lado de cabanas chinezas, mil embarcações de estructuras phantasticas; e lá no fundo, as montanhas do Celestial Imperio.
Para o centro da cidade vês tambem as torres e cupulas de varios templos, as sotéas e mirantes de lindas casas apalaçadas, pequenos jardins, pobres fontes e ruas estreitas mas aceiadas no bairro portuguez, immundas e emaranhadas no bazar chim.
A cidade é do feitio de um X ou cruz de Santo André; por todos os lados lhe bate a água do Oceano ou do Tigre, e de todas as montanhas que a circundam se gósa o espectaculo completo da sua povoação.
Na base da fortaleza do Monte, cidadella d'onde partem as muralhas para uma e outra extremidade do logar, ha um bairro miseravel de pobres christãos de todas as raças em que predominam os Timores e as mulheres sem nome; são becos mal gradados na esquina de um dos quaes se vê este letreiro 'rua de D Queixote'.*
Uma das pernas do X é o isthmo que liga o territorio portuguez ao imperio e lá se vêem ainda as ruinas da porta do Cerco, ou do Limite, e um pouco áquem, um tosco pilar que designa o sitio onde caiu golpeado por seis chins o desgraçado temerario e honrado governador Amaral.
Para fóra do porto de Macau, no declive de uma colina, enxerga-se a fortaleza da Taipa e ao sopé mal saindo a espaços das ondas (...)
Excerto de "Um passeio de sete mil leguas: cartas a um amigo", da autoria de Francisco Maria Bordalo.
* Os registos do final do século 19 referem apenas a Travessa de D. Quixote, e já agora, também a Travessa de Sancho Pança. As duas ainda existem actualmente.
Baía da Praia Grande vista a partir da Fortaleza do Bomparto
Pintura de meados do séc. 19 (autor anónimo)
não incluída na obra referida

Várias vezes mencionado aqui no blogue, Francisco Maria Bordalo (1821-1861), oficial da Armada, foi secretário do governador de Macau entre Janeiro de 1851 e Maio de 1852. Neste período, com a patente de 1º tenente, trabalhou com os governadores Francisco António Gonçalves Cardoso (1800-1875) e Isidoro Francisco Guimarães (1808-1883).
Ficou também para a história como autor de múltiplos artigos na imprensa e alguns livros: "Viagens na África e na América" (1854), "Scenas de Escravatura" (1854), "Quadros Marítimos" (1854), "D. Sebastião, o Desejado - Lenda Nacional" (1855), "Navegadores Portugueses" (1855) "Navegadores Estrangeiros" (1855), "Viagem Pitoresca à Roda do Mundo" (1855), Trinta Anos de Peregrinação, Manuscrito Achado na Gruta de Camões (1852), "Sansão na Vingança" (1854), Um Passeio de Sete Mil Léguas (1854) e "Eugénio, Romance marítimo" (1846).

Sem comentários:

Enviar um comentário