domingo, 30 de novembro de 2025

"Explosion of a Portuguese frigate"

O irmão de Francisco Maria Bordalo (1821-1861) - ver post de ontem - Luíz Maria Bordalo, também oficial da Marinha portuguesa, foi uma das vítimas de uma das maiores tragédias humanas em Macau e um dos maiores desastres navais a envolver a marinha portuguesa. Ocorreu a 29 de Outubro de 1850  - era dia de aniversário do rei D. Fernando II e estava Francisco Maria Bordalo a caminho de Macau - quando por razões ainda hoje desconhecidas ocorreu a explosão no paiol da fragata D. Maria II - ancorada ao largo da Taipa - que continha 300 barris de pólvora. Morreram mais de 200 pessoas. A maioria pertencia à guarnição da D. Maria II. Dos 224 elementos da tripulação morreram 188 e os que se salvaram, apenas 36, foi graças ao facto de estarem em terra (hospitalizados ou destacados) e um grumete, o único que sobreviveu entre os feridos transportados para o hospital de Macau. Consta que apenas foram encontrados 71 cadáveres - os únicos sepultados - tendo os restantes desaparecido. Da lista de vítimas mortais constam ainda três marinheiros franceses presos e cerca de 40 chineses que estavam a bordo da fragata ou em embarcações próximas que foram atingidas pela força da explosão.
Em Portugal, cerca de dois meses depois, o jornal "O Patriota" escreve na edição de 28.12.1850: "Hontem espalhou-se uma noticia que tem causado profunda e geral consternação (…) Há jornaes que a dizem ocorrida em Macau, outros a referem como acontecendo em Calcutá, na India Inglesa. (…)" 
A notícia termina referindo haver esperança que a notícia fosse falsa. Mas não era... E o tema  volta na edição de 30.12.1850 escrevendo que "Por outras notícias parece que mesmo da fragata D. Maria alguém escapou".
A dimensão da tragédia foi amplamente noticiada na imprensa mundial, com especial enfoque na de língua portuguesa, incluindo no Brasil ao longo de 1851. O jornal "O Patriota" dedicou grande parte da edição de 30 de Janeiro de 1851 ao acontecimento publicando em duas páginas relatos oficiais, cartas de testemunhas e os nomes das vítimas. 

"Finalmente chegaram de Macau noticias officiaes e miudas do desastre acontecido á fragata D. Maria II. Infelicidade para o paiz, e para tantas familias! Mas cumpre que aquellas que só tem que lamentar a perda de seus chefes ou de alguns dos seus membros, tenham informações exactas a esse respeito. Por isso, com o officio do sr. Isidoro Francisco Guimarães Junior*, copiamos do Diario de hontem as relações que acompanham o mesmo officio. Fica manifesto que não pereceu ninguem estranho á fragata. Copiamos tambem do Boletim official de Macau sobre a impossibilidade de explicar aquelle infeliz acontecimento. Damos igualmente a nossos leitores a parte principal de uma carta particular que trata do mesmo acontecimento; e abonamos a intelligencia e a por nós conhecida boa fé da pessoa que a escreveu. A tudo isto ajuntamos um resumido extracto de outras cartas, tambem escriptas em Macau por homens que sabem ver as cousas; neste extracto se pinta o estado daquella cidade, e se indica a origem dos seus males. Lamentamos amargamente tanta desgraça! Todas as noticias, tanto officiaes como particulares, são conformes em attestar que a guarnição americana da corveta Marion fez todos os esforços possiveis para salvar os infelizes que podessem ser salvos. O governo de Macau escreveu e publicou officialmente uma carta dos mais expressivos agradecimentos ao commandante daquella corvetta."
* Era na altura capitão-tenente e comandante da corveta D. João 1º, estacionada em Macau. Viria a ser pouco tempo depois governador de Macau.
“Explosão da Fragata D.ª Maria 2.ª  em Macao no anno de 1850”
título desde óleo sobre tela -33x54cm -  de autor anónimo (provavelmente chinês)
Espólio do Museu Marítimo de Hong Kong

Copia de uma carta de Macau datada de 24 de Novembro de 1850 também publicada n'O Patriota a que juntei algumas notas. Não está assinada, mas o autor foi Carlos José Caldeira (1811-1882), que viveu em Macau entre Setembro de 1850 e Dezembro de 1851, e escreveu relato idêntico no livro que publicou em Lisboa em 1852 intitulado "Apontamentos d'uma viagem de Lisboa a China e da China a Lisboa".

"Eu achava me no dia 29 do mez passado a jantar com o bispo*, quando a explosão abalou todo o palacio, ouvindo se o estrondo como de um forte tiro de canhão. Em poucos momentos, olhando para a Taipa ou ancoradoiro, conhecemos a causa e os tristes effeitos. Sahi logo, e fui dos primeiros a chegar a bordo da curveta americana, onde estavam os dez desgraçados salvos pelos escaleres della; e dos quaes vi morrer dois; soffriam todos horrivelmente. A curveta americana nada soffreu; julga se que quem a salvou foi a proximidade em que se achava da fragata, por ficar exactamente debaixo do arco da curva que descreveu a explosão. Peças de 18** voaram por cima da curveta, com a felicidade de não a tocarem. Disseram me alguns officiaes americanos que um momento antes da explosão viram a fragata elevar se quasi seis pés ***fóra d agua. Tal foi a resistencia que apresentou o paiol e a forte structura do navio!

Gravura publicada no Diário Illustrado a 11.10.1873

A causa desta grande desgraça, isto é, o modo como chegou o fogo ao paiol da polvora, ficará para sempre desconhecido. Os que sobreviveram nenhum esclarecimento deram e só diziam que, estando cada um nos seus misteres, accordaram depois como de um letargo, ja a bordo da curveta americana. Com tudo, entre as varias hypotheses que lembram, a mais provavel parece a de ter sido lançado o fogo ao paiol pelo fiel d artilheria João Antonio, individuo de pessimo caracter e conducta e que naquelle mesmo dia fora asperamente reprehendido pelo commandante depois da salva ao meio dia. Embebedava-se, e dizem, que alguna vez soffrendo castigos, se lhe ouviram ameaças deste successo. Seria cousa bem curiosa a policia procurar a origem de um boato que correu em Lisboa da queima e perda da fragata do qual se fazia menção em uma carta escripta d ahi em Agosto pelo irmão do official Bordalo e por este aqui recebida e mostrada. Esta circumstancia é notavel; talvez o malvado fiel a alguem para Portugal tivesse communicado suas dannadas intenções.
Além da perda deste bello navio e de tantas vidas, havia talvez a bordo delle o valor de trinta a quarenta mil patacas em objectos e dinheiro dos officiaes e de comissões. Particularmente me affectou a morte do Assis e do Bordalo. Naquelle dia tinha o Assis tido o pensamento de jantarmos juntos a bordo da fragata, com o Sequeira Pinto, Guimarães e outros; e por algum inconveniente que teve tinha este jantar ficado para algum dos dias imediatos. Foi a providencia que nos salvou; provavelmente aquella hora por lá estariamos se lá tivessemos ido jantar.
Esta semana houve aqui outro acontecimento tambem desastroso. Um portuguez desta cidade casou se; achou a noiva impura e arrancou lhe a confissão de que o padrasto della era o culpado. Com toda a serenidade procurou a este na sua propria habitação e disparou una pistola n'um ouvido; deixando o nas agonias da norte, sahiu e na escada carregou outra vez a mesma pistola e deu outro tiro na sua propria cabeça morrendo immediatamente Parece que esta terra esta agora fadada para desastres!!!"

* Carlos José Caldeira era primo D. Jerónimo José da Matta, bispo de Macau entre 1845 e 1862; o palácio/residência episcopal era anexa à Sé.
** peso da bala disparada, neste caso, canhão de 18 libras (8,16 Kg).
*** quase 2 metros.

sábado, 29 de novembro de 2025

A "extensa bahia da Praia Grande orlada de formosas habitações"

"(...) não vês como se encurva ante as aguas do Oceano essa extensa bahia da Praia grande, toda orlada de formosas habitações, amplas e arejadas, sustidas sobre columnas ao gosto asiatico. Não vês lá no extremo os penedos escalvados que formam uma muralha exterior á fortaleza de S. Francisco e n'esta ponta a fortificação do Bomparto, como as extremidades de um Crescente, que segundo dizem os viajantes de Italia, fecham uma bahia muito similhante á de Napoles.
Isto é pelo lado do mar, agora pela parte do rio tambem encontrarás uma bonita perspectiva; a fortaleza portugueza da Barra e o pagode chinez do mesmo sitio (templo de A-Ma), o soberbo edificio da alfandega (Alfândega chinesa - havia esta no Porto Interior e outra na Praia Grande; o gov. Ferreira do Amaral acabou com as duas) entre palacios de particulares, e ao lado de cabanas chinezas, mil embarcações de estructuras phantasticas; e lá no fundo, as montanhas do Celestial Imperio.
Para o centro da cidade vês tambem as torres e cupulas de varios templos, as sotéas e mirantes de lindas casas apalaçadas, pequenos jardins, pobres fontes e ruas estreitas mas aceiadas no bairro portuguez, immundas e emaranhadas no bazar chim.
A cidade é do feitio de um X ou cruz de Santo André; por todos os lados lhe bate a água do Oceano ou do Tigre, e de todas as montanhas que a circundam se gósa o espectaculo completo da sua povoação.
Na base da fortaleza do Monte, cidadella d'onde partem as muralhas para uma e outra extremidade do logar, ha um bairro miseravel de pobres christãos de todas as raças em que predominam os Timores e as mulheres sem nome; são becos mal gradados na esquina de um dos quaes se vê este letreiro 'rua de D Queixote'.*
Uma das pernas do X é o isthmo que liga o territorio portuguez ao imperio e lá se vêem ainda as ruinas da porta do Cerco, ou do Limite, e um pouco áquem, um tosco pilar que designa o sitio onde caiu golpeado por seis chins o desgraçado temerario e honrado governador Amaral.
Para fóra do porto de Macau, no declive de uma colina, enxerga-se a fortaleza da Taipa e ao sopé mal saindo a espaços das ondas (...)
Excerto de "Um passeio de sete mil leguas: cartas a um amigo", da autoria de Francisco Maria Bordalo.
* Os registos do final do século 19 referem apenas a Travessa de D. Quixote, e já agora, também a Travessa de Sancho Pança. As duas ainda existem actualmente.
Baía da Praia Grande vista a partir da Fortaleza do Bomparto
Pintura de meados do séc. 19 (autor anónimo)
não incluída na obra referida

Várias vezes mencionado aqui no blogue, Francisco Maria Bordalo (1821-1861), oficial da Armada, foi secretário do governador de Macau entre Janeiro de 1851 e Maio de 1852. Neste período, com a patente de 1º tenente, trabalhou com os governadores Francisco António Gonçalves Cardoso (1800-1875) e Isidoro Francisco Guimarães (1808-1883).
Ficou também para a história como autor de múltiplos artigos na imprensa e alguns livros: "Viagens na África e na América" (1854), "Scenas de Escravatura" (1854), "Quadros Marítimos" (1854), "D. Sebastião, o Desejado - Lenda Nacional" (1855), "Navegadores Portugueses" (1855) "Navegadores Estrangeiros" (1855), "Viagem Pitoresca à Roda do Mundo" (1855), Trinta Anos de Peregrinação, Manuscrito Achado na Gruta de Camões (1852), "Sansão na Vingança" (1854), Um Passeio de Sete Mil Léguas (1854) e "Eugénio, Romance marítimo" (1846).

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

"Atlas de bolso sobre Portugal continental e províncias ultramarinas"

Designer, pedagogo, editor e tipógrafo amador em Portugal, Paulo de Cantos (1892-1979) produziu em 1938 um "Atlas de bolso sobre Portugal continental e províncias ultramarinas", com um forte pendor pedagógico e de divulgação do nacionalismo da época. Tem como sub-título "O que todo o português deve conhecer". O Atlas publicado pela Livraria Povoense (Póvoa de Varzim) inclui mapas de Portugal continental e das províncias ultramarinas.
Esta obra apresenta um pequeno mapa estilizado de Macau, acompanhado de um texto explicativo. O mapa é elaborado em estilo minimalista e abstracto, utilizando formas geométricas simples e uma paleta de cores limitada (predominantemente laranja e creme). Delimita as principais características geográficas de Macau, como a Península de Macau, a Ilha Verde, as Ilhas da Taipa e a Ilha de Coloane, bem como o Mar de Macau circundante. Os nomes dos lugares são apresentados em tipografia clara e legível.
Acima do mapa, o título está impresso em uma fonte sans-serif moderna: "Macau - A mais antiga colónia europeia do Extremo Oriente".* O mapa está emoldurado por uma borda tracejada, enfatizando ainda mais seu propósito esquemático e didáctico.
Transcrição do texto que forma verticalmente a palavra Macau:
Mar de Macau, ao S. O. da Ásia, banha esta Colónia. (Oferecida pela China no séc. de 500, por os portugueses a libertarem da pirataria.)
Área: 10 km2 para 1.000.000 de almas distribuídas pela península de Macau, Ilha Verde, 2 ilhas de Taipa, e de Coloane; 5 rincões.
Clima: saudável, húmido, muita chuva só no verão regulada por monções, muitas vezes tufónicas.
Artefactos: chá, ópio, charões, louças, fogos de artifício.
Uma gruta relíquia serviu a Camões para compor os imortais Lusíadas. Macau, nobre tradição de Portugal, ostenta os costumes pitorescos da China e beneficia da colonização Europeia. Possue igrejas e pagodes.

* O título "Macau: a mais antiga colónia europeia no Extremo-Oriente" é uma cópia da obra de Jaime do Inso, publicada em Macau em 1929.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

"A Voyage Round the World in 500 Days"

"A voyage round the world in 500 days, with details, compiled and arranged by G. Sutherland Dodman. Giving an account of the principal parts to be visited with a brief description of the scenery and all particulars connected with the undertaking; Illustrations and Map and Chart of the Route. Sailing from Liverpool, June, 1880"
Este longo título descreve a obra da autoria de G. Sutherland Dodman publicada pela primeira vez em Londres no ano de 1879. No título refere-se que a partida seria em Liverpool em Junho de 1880., ou seja em data posterior à publicação do livro. Estamos pois perante uma viagem programada. Na prática o autor compila todas as informações disponíveis na época e apresenta neste livro um guia para uma volta ao mundo ao longo de 500 dias.
O livro foi publicado pouco depois do grande sucesso de Júlio Verne, A Volta ao Mundo em Oitenta Dias (1873), que despertou o fascínio do público pela circum-navegação do mundo. Capitalizando o interesse que a obra de Verne suscitou, Dodman apresenta o que diz ser um plano para uma viagem "realista" de 500 dias.
Macau surge referido na obra a propósito de uma escala em Hong Kong. De uma forma geral as informações sobre a história do território são fidedignas, com algumas excepções, apresentando o contexto do que era Macau no último quartel do século 19.
Aqui fica o excerto bem como uma tradução/adaptação do mesmo:


"(...) Some 40 miles distant across the Canton river and on a peninsula of the island of Heang shang, is the Portuguese settlement of Macao, another town of considerable interest. Macao was ceded to the Portuguese during the sixteenth century as a reward for services rendered in the suppression of a noted Japanese pirate and other acts for the well being of the Chinese empire, but the present Government do not care to recognize them as the owners of the Macao peninsula.
Since the treaty ports were opened, the trade of Macao appears to have sunk into insignificance and now that the coolie traffic has been abolished and the tea trade taken to the Yang tse Kiang ports, it has become a ruined town and its only revenue is derived from the licensing of the gambling houses of which there are not a few.
Visitors are admitted to a gallery in these places to see the novel way in which the Chinese, who, by the way, are inveterate gamblers win and lose their money.
The bay is very beautiful and is surrounded by very fine scenery. The Praya Granda, a fine broad promenade running along by the beach, contains the Government House and other good buildings with a great number of elegant mansions having large gardens. These were formerly the residences of the wealthy merchants of Macao.
A most delightful view of the coast and the curiously shaped islands adjacent may be obtained.
The Cathedral is a noble looking building and its interior contains some exquisite workman ship. The Jesuit Cathedral of St Paul, built over 300 years ago, was some time back destroyed by fire but the ruins which still remain give some idea of its original grandeur. The churches,  which are numerous, are most elegant structures. The Senate House, at the head of the principal thoroughfare, is a stately building and an object of much interest. The old convents on the side of the hills are now converted into barracks but are little used.
The gardens surrounding them were at one time very beautiful. The public gardens are very pretty and attractive and from their lovely situation might if tended with proper care become a most popular resort.
The Bar Fort is a very formidable defensive work and a visit to it will prove very interesting. The markets are full of novelty and much amusement may be derived from a walk through them. The Portuguese Barracks are large and discipline is strictly maintained but the men have not the fine appearance of British soldiers owing to their irregularity in height no fixed standard appearing to be enforced.
The Cemetery is full of interest and is the resting place of many famous residents in Macao, when it was the great emporium of Portuguese commerce in the East. The monuments and tombs are somewhat peculiar in their style and are worth a visit.
The Pagoda and Chinese Temples may be visited but they fall far short of the interesting character of the temples of Japan or of others to be seen in China.
The streets, as a rule, are narrow but clean and orderly. They are however for want of the ordinary wear of traffic more or less overgrown with grass. It may in fact be said of the inhabitants of this once famous port that they are allowing the grass to grow under their feet while other places are reaping the harvest of prosperity.
One of the most interesting spots here is the gardens behind the town where the great Camoens wrote his famous Lusiad, a portion of which he composed during the time he held the high office of Portuguese Judge at Macao. There is also the cavern from which he studied the stars and their satellites in their brilliant splendour. The natural beauty of these lovely gardens is beyond description and from their elevated position they command a most delightful view of the town, the neighbouring coast and the broad expanse of ocean. Few places can equal in picturesque beauty the gardens of Camoens. The climate here is healthy and the place is a favourite resort for invalids and pleasure seekers. (...)

Panorâmica da cidade vista da Penha ca. 1880
(imagem não incluída no livro referido)

Tradução/Adaptação
A 40 milhas de distância, do outro lado do rio Cantão, e numa península da ilha de Heang shang, situa-se o território português de Macau, outra cidade de considerável interesse. Macau foi cedida aos portugueses durante o século XVI como recompensa pelos serviços prestados na supressão de um notório pirata japonês e outros actos para o bem-estar do império chinês, mas actualmente não há o reconhecimento da posse territorial.
Desde que os portos do tratado foram abertos*, o comércio de Macau parece ter afundado na insignificância e, agora que o tráfico de cules foi abolido** e o comércio de chá foi levado para os portos de Yang tse Kiang, a cidade tornou-se uma ruína e a sua única receita deriva do licenciamento das casas de jogo, que não são poucas. Os visitantes estrangeiro são admitidos numa galeria nestes locais para ver a forma como os chineses, que, aliás, são jogadores inveterados, ganham e perdem o seu dinheiro.
A baía é muito bonita e está rodeada por uma paisagem muito delicada. A Praia Grande, um amplo e belo passeio marítimo que corre junto à praia, contém o Palácio do Governo e outros bons edifícios, com um grande número de elegantes mansões com grandes jardins. Estas foram outrora as residências dos ricos comerciantes de Macau.
Da cidade conseguem-se ter vistas fantásticas vistas panorâmicas costa e das ilhas adjacentes.
A Catedral é um edifício de aspeto nobre e o seu interior contém um trabalho artesanal requintado. A igreja jesuíta de São Paulo, construída há mais de 300 anos, foi destruída por um incêndio há algum tempo ***, mas as ruínas que ainda permanecem dão uma ideia da sua grandiosidade original. As igrejas, que são numerosas, são estruturas muito elegantes. O edifício do Senado, no topo da principal artéria, é um edifício imponente e de grande interesse. Os antigos conventos na encosta das colinas estão agora convertidos em quartéis, mas são pouco usados. Os jardins que os rodeavam já foram muito bonitos. 
Os jardins públicos são muito bonitos e atraentes e, devido à sua adorável localização, poderiam, se tratados com o devido cuidado, tornar-se um resort muito popular.
O Forte da Barra é uma obra defensiva formidável pelo que que uma visita será muito interessante. Os mercados estão cheios de novidades e proporcionam um passeio muito divertido. Os quartéis portugueses são grandes e a disciplina é estritamente mantida, mas os homens não têm a boa aparência dos soldados britânicos devido à irregularidade da altura, não oferecendo um conjunto homogéneo.
O cemitério**** é um local de bastante interesse e é o local de descanso de muitos residentes famosos em Macau, quando era o grande empório do comércio português no Oriente. Os monumentos e túmulos têm um estilo um tanto peculiar e merecem uma visita.
O pagode e os templos Chineses podem ser visitados, mas ficam muito aquém do carácter interessante dos templos do Japão ou de outros que se podem ver na China.
As ruas, em regra, são estreitas, mas limpas e ordenadas. Contudo, devido à falta do desgaste normal do tráfego, estão cobertas de erva. De facto, pode-se dizer dos habitantes deste outrora famoso porto que estão a deixar a erva crescer debaixo dos seus pés enquanto outros lugares colhem a ceifa da prosperidade.
Um dos locais mais interessantes aqui são os jardins nas redondezas da cidade, onde o grande Camões escreveu o seu famoso Os Lusíadas, uma parte do qual compôs durante o tempo em que ocupou o alto cargo de juiz português em Macau. Há também a gruta de onde ele estudava as estrelas e os seus satélites no seu brilho esplendoroso. A beleza natural destes jardins encantadores está para além de qualquer descrição e, da sua posição elevada, proporcionam uma vista deslumbrante da cidade, da costa em redor e do delta do rio. Poucos lugares podem igualar em beleza pitoresca os jardins de Camões. O clima aqui é saudável e o local é um resort favorito para pessoas doentes e pessoas que procuram prazer. (...)"

*referência à década de 1860 e à segunda guerra do ópio.
** a abolição ocorreu em 1873.
*** 1835.
*** cemitério protestante junto ao Jardim Camões.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

“Macau, Terra Nossa – Solar de Portugal no Oriente”

Funcionário público, Afonso Correia, pertenceu ao quadro do Ministério do Ultramar e esteve vários anos em Cabo Verde antes de rumar a Macau em 1948 onde exerceu funções na Repartição da Fazenda e Tesouraria até 1954. No território foi um dos fundadores do Círculo Cultural de Macau. Na faceta de 'jornalista', escreveu e publicou inúmeras crónicas no jornal "Notícias de Macau", incluindo o teor das palestras proferidas em Portugal sobre Macau - por exemplo, no Rotary Club de Viseu em Outubro de 1952. O essencial do que foi publicando seria editado em dois livros:
"Macau terra nossa - solar de Portugal no Oriente", Imprensa Nacional de Macau, 1951; e "Um céu e três mundos", INM, 1954.

Excerto:
Este livro é bem teu, Macau.
Induziram-me a escrevê-lo os encantos das tuas feições. Quero dedicar-to, devotadamente, como um alegre presente de aniversário.
Uma grande parte foi escrita, em horas incertas, atravessando momentos em que a desdita, fruto de inexorável doença, me rondava a porta e já quando, volvida a tormenta, bebia o travo duma reparação dos tecidos orgânicos, quase impossível. Arquitectei-o, entretanto, com o espírito em teimoso desanuveamento, rendido à tua fronte auriverde, bafejado pelos estímulos da tua compostura, do teu busto de Rainha do Orien­te, dos teus enlevos que são o triunfo duma vida de labor e sofrimentos contados, dia a dia, como um rosário de amarguras nascentes da tua fatalidade geográfica. Os seus materiais de contextura são formados por crónicas ligeiras, feitas de observações ocasionais, mas tocadas de sentimentos amistosos e devotivos.
Sei bem que pouco valem estas crónicas. Deves recebê-las com franca tolerância e não ver nelas senão uma sinceridade amiga e uma admiração convicta. Estima-as. Cumprirás assim um imperativo de consciência bem formada e de gratidão bem nutrida pela ventura que nelas te é desejada. De entre as inúmeras crónicas que tenho publicado, em toda a minha vida jornalística, nenhuma guardei, nenhuma guardo, porque entendo deverem ser volantes os nossos escritos, como as palavras. Se o vento e a fatalidade os leva, já não nos pertencem, em contrariedade do conceito latino — verba volant, scripta manent.
Porém, uns amigos e camaradas da imprensa daqui e de Lisboa incitaram-me a coligir algumas, no livro que agora consagro ao teu exame. Seria impossível dar satisfação a essas vontades, tão cativantes para mim, se um bem estudado método de arrumação me não facilitasse o trabalho com a demanda e o encontro dos exemplares do jornal, onde as crónicas vieram a lume. Aqui lhes deixo o meu reconhecimento profundo.
A ti, Macau, antes de pôr fim a esta pobre inscrição, quero dizer-te mais algumas palavras de amizade:
Nasceste, promissora e feliz, sob o ideal protector, próprio necessariamente de quem crê, da Santíssima Trindade. “Santo Nome de Deus” é o teu lema dignificador e eternizante. Não sei porque nem como, mas descobri, na tua vida, no teu ser, nos teus segredos, no teu clima nacional e internacional, no teu poder e no teu inconfundível posto de província portuguesa, bem portuguesa, uma, influência decisiva do número três para os teus destinos, em paralelo débil e longínquo com a já por mim invocada de ti e para ti Santíssima, Trindade.
Baía da Praia Grande na década 1940
(imagem não incluída no livro referido)

Vê e considera o quadro que te confio, expresso nas seguintes pala­vras, que julgo dignas de atenção:
Em Macau são faladas três línguas — a portuguesa, a chinesa e a inglesa. A cidade é dominada por três colinas mestras — a da Guia, a do Monte e a da Penha. Apresenta três colégios de considerável frequência — Santa Rosa de Lima, Sagrado Coração de Jesus e S. José. Possui três hospitais, a saber: Conde de S. Januário, S. Rafael e Keang-Vu. E servida por três templos de capital importância — o da Sé, o de Sto. Antônio e o de S. Lourenço, que, por sua vez, dão os nomes às três freguesias existentes na cidade. Possui três grandes e predominantes artérias de trânsito constante —Avenida Almeida Ribeiro, Avenida da República e Avenida Marginal. Oferta aos budistas chineses três pagodes principais – o da Barra, Mong-Há e Bazar. Segue constantemente três rumos — Norte, Oriente e Ocidente. Alimenta, decisivamente, três civilizações — a portuguesa, a chinesa e a anglo-saxónica. Ostenta três imponentes arranha-céus — o Central, o Kuok Chai e o Oriental. Segue três religiões — a cristã, a protestante e a budista.
Dispõe de três territórios distintos, como capital da província que é, — o da península, o da ilha da Taipa e o da ilha de Coloane. Enamora-se de três cores fundamentais — a verde, a encarnada e a amarela. Mostra três jardins públicos ou publicitados — o de S. Francisco, o de Camões e o de Vasco da Gama; três estátuas, embora a última não figure ainda em lugar público — a de Ferreira do Amaral, a do Coronel Vicente Mesquita e a do Conde de Sena Fernandes; três cinemas, de melhor frequência — Capitol, Apolo e Vitória; três padroeiras a que todos os crentes rendem particular devoção — Nossa Senhora da Guia, Nossa Senhora de Lurdes e Nossa Senhora de Fátima. Observa três mundos distintos — o oriental, o ocidental e o austral. Dispõe de três meios de transporte — o automóvel, o riquechó e a bicicleta; três climas — o frio, o moderado e o quente. Aborrecem-na três barreiras —o mar, a China e as ilhas. Apresenta, como figuras predominantes do seu meio social e económico, três capitalistas chineses — Fu Tak Iam, Kou Ho Neng e Ho Yin. Conta três fases, na sua existência histórica — a construtiva, a expansiva e a evolutiva e segue à risca, no geral, as três grandes virtudes teologais — Fé, Esperança e Caridade.
Se nos abalançássemos a pesquisas mais prolongadas, talvez o quadro oferecesse maior extensão. Os números estão certos e faço votos por que eles, de algum modo, tenham provindo dos ditames protectores e beneficentes da Trindade em que tanto confias e que sempre tem guiado e amparado os teus passos, conforme é tua crença firme.
Não durmas, porém, confiando exclusivamente nesses ditames mesmo que eles, de certeza, sejam oriundos do Poder Supremo, invencível para os crentes.
Continua a remar sobre a maré das tuas fagueiras e nobres intenções, não esquecendo que vives rodeada pela inconstância, pelo desatino e até por signos de indesejável preponderância. A tua felicidade será a de todos nós, portugueses, filhos e não filhos desta amada terra a que não posso oferecer mais nada, além da modéstia deste livro.
Aqui o tens,
Afonso Correia."

terça-feira, 25 de novembro de 2025

José Celestino da Silva Maneiras: 1935-2025

Morreu em Macau o arquitecto José Maneiras. Tinha 90 anos. Nascido em Macau a 11 de Maio de 1935, foi para Portugal onde se licenciou em arquitectura na Escola de Belas Artes do Porto em 1962. No mesmo ano regressou ao território passando a integrar uma equipa coordenada por Manuel Vicente com quem desenvolve vários planos urbanísticos para a cidade.
José Celestino da Silva Maneiras. Foto JTM (2018)

A partir de 1967, o arquitecto abriu um atelier próprio e foi responsável projectos privados. Em 1987 foi um dos fundadores da Associação dos Arquitectos de Macau. Entre 1989 e 1993 foi presidente do Leal Senado. Desde 2006 tornou-se membro honorário da Ordem dos Arquitectos de Portugal.

Malha urbana da cidade no final da década 1970

Alguns dos projectos em que participou:
Da lista de primeiros projectos realizados em Macau, muitos foram demolidos ou remodelados, mas deles constam: vários edifícios residenciais, incluindo conjuntos na Rua da Praia Grande (Conjunto São Francisco, 1964), na Estrada do Visconde de São Januário (duas residências, 1965), Belle Court na Penha (casa e bloco de apartamentos, 1968) ou o programa residencial para invisuais, a pedido da Santa Casa da Misericórdia (1970), na Rua Sete do Bairro da Areia Preta.
"Anuário de Macau - Ano de 1970" Centro Informação e Turismo

Edifício Si Toi (atual HSBC): em 1982 projectou este que foi o primeiro edifício em Macau a usar um sistema de "curtain wall" (fachada-cortina).
Requalificação da Praça do Tap Seac: entre 2003 e 2006 em colaboração com Carlos Marreiros e José Chui Sai Peng.
Reordenamento Viário da Rotunda Dr. Carlos de Assumpção: coordenou a equipa para este reordenamento em 2006.

domingo, 23 de novembro de 2025

O "Sui-An" da "Hong Kong-Macao Line"

Um dos navios que no início do século 20 assegurava a ligação entre Macau e Hong Kong.
Um testemunho de um viajante no Sui An pode ser lido aqui.
 




sábado, 22 de novembro de 2025

"História do Karting em Macau”

Editado em 2024 pela Praia Grande Edições a "História do Karting em Macau” é um livro trilingue (português, chinês e inglês) da autoria de Carlos Barreto e Pedro Dá Mesquita que como o título indica documenta a história do karting em Macau, incluindo muitas fotografias a cores e a preto e branco de competições locais e internacionais realizadas no território
O karting surgiu em Macau através da delegação local do Automóvel Clube de Portugal em 1965. A primeira edição da prova decorreu no circuito do Grande Prémio de Macau que nesse ano iria cumprir a  12ª edição. As edições de 1966 e 1967 aconteceram num circuito improvisado nas imediações do Liceu, campo dos operários e rotunda Ferreira do Amaral.
Na fotografia da capa do livro um aspecto da edição de 1967 frente ao Liceu, vendo-se muita assistência, não só no interior do recinto do Liceu como também no próprio edifício, incluindo no topo. Ao fundo o edifício Rainha D. Leonor. Do lado esquerdo seria construído cerca de uma década mais tarde o Hotel Sintra.

Os pilotos 'macaenses" dos primeiros anos do karting: Johnny Reis, Baltazar Botelho, Walter Reis e Leonel Barros.

As imagens acima são do livro referido.

A prova de 1967 - 2ª edição - decorreu em Setembro e mereceu destaque no jornal Notícias de Macau, logo a partir dos treinos. (imagens abaixo)
Teddy Yip, de Hong Kong, intimamente ligado ao Grande Prémio, foi um dos principais entusiastas do Karting em Macau sendo também piloto nas provas. Em 1967 por Macau correram os pilotos Walter A. Reis, José Walter Reis e Baltazar Botelho.
O circuito do "Go-Karting"  tinha a meta frente ao Liceu. Passava pela rotunda de Ferreira do Amaral seguindo em direcção ao Porto Exterior na então denominada Av. Oliveira Salazar (actual Av. da Amizade); voltava-se depois no sentido inverso passado frente aos terrenos já reservados para a construção do Hotel Lisboa.
Em declarações ao blogue Macau Antigo Calos Barreto revelou estar a ser preparado "um segundo projecto que vai reunir as histórias contadas pelos pilotos locais que participaram nas provas do Grande Prémio de Macau."

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Painéis de azulejo do Aeroporto Internacional

No ano em que se assinalam 30 anos sobre a inauguração do Aeroporto Internacional de Macau - 9 Novembro 1995 - foi inaugurada uma exposição sobre a criação do mural de painéis de azulejo pelo artista plástico português Eduardo Nery (1938-2013). 
O impressionante mural tem 210 metros de comprimento e 2,1 metros de altura. Os temas retratados incluem religiões e mitos portugueses e chineses, o significado histórico do mar na ligação entre Portugal e Macau, a ciência náutica, a aviação em Macau e aspectos da cultura portuguesa dos séculos XVI e XVII.
A mostra está patente no terminal de passageiros e "apresenta materiais preciosos do processo criativo" (...) "incluindo esboços, estudos de cor e projectos gráficos".
Eduardo Nery nasceu na Figueira da Foz em 1938. Trabalhou nas áreas da pintura, tapeçaria, vitral, mosaico e azulejo, entre outras. Desde a década de 60 realizou diversas intervenções em espaços arquitectónicos como os painéis de azulejo no viaduto do Campo Grande (Lisboa) ou os vitrais da capela de São José (Basílica de Fátima). Entre 1970 e 1972 leccionou as disciplinas de Desenho e Texturas no IADE (Instituto de Arte e Decoração).
Em 1973 integrou a primeira direção pedagógica do Centro de Arte e Comunicação Visual (Ar.Co). Ao longo da carreira foi premiado diversas vezes, incluindo um galardão atribuído na 1.ª Bienal Internacional de Arte Contemporânea Europeia (Itália, 1975) e o Prémio Bordalo da Imprensa, na categoria de Artes Plásticas (1995).

Emissão filatélica "Azulejos em Macau": 1998

 Emitida e posta em circulação, a partir de 8 de Dezembro de 1998
Emissão extraordinária de selos designada "Azulejos em Macau" com as seguintes taxas:
$1,00 pataca $1,50 patacas $2,50 patacas $5,50 patacas Bloco com selo de $ 10,00. 
Os selos foram impressos em 475 000 folhas miniatura, das quais 118 750 foram mantidas completas para fins filatélicos.
自一九九八年十二月八日起,發
行並流通題為「瓷磚在澳門」

Sugestão de leitura: "Painel de Azulejo do Aeroporto Internacional de Macau"
(Catálogo de exposição) Missão de Macau, Lisboa, 1996

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Depósito do Governador no BNU em 1906

Recibo nº 2361 de um depósito no valor de 7.126,60 patacas feito pelo Governador de Macau - Martinho Pinto de Queirós Montenegro (1864-1919) - em Julho de 1906* na "Agência em Macau" do Banco Nacional Ultramarino. O documento inclui assinatura do gerente da agência do BNU em Macau - Félix Duarte Costa e o carimbo da agência.

Félix Duarte Costa foi primeiro gerente do BNU-Macau. Chegou ao território a 15 de Junho. O primeiro lançamento nas contas do banco foi feito por ele a 8 de Agosto: uma transferência de Londres no valor de 600 libras. A 20 de Setembro de 1902 a agência abriu com um capital de 25.119,85 patacas, através de créditos obtidos pela sede em Lisboa, em seu nome, no Hong Kong and Shangai Banking Corporation. A primeira agência do BNU-Macau funcionou no n.º 9 da Rua da Praia Grande. Para além do gerente, a agência tinha um guarda livros, dois escriturários e um servente. Os vencimentos mensais oscilavam entre as 509 patacas (gerente) e as 5 patacas (servente). Durante o mandato deste gerente foram emitidas as primeiras notas próprias de Macau e transferida a agência para o antigo Palácio das Repartições, onde se manteve até à inauguração do edifício-sede do banco em Março de 1926.

* segundo notícia de jornal de Hong Kong.

domingo, 16 de novembro de 2025

"Macao Grand Prix Winners": 1954

Na edição de 1 de Novembro de 1954 (segunda-feira) o The China Mail, jornal de Hong Kong, publicou duas fotografias onde surgem os pilotos classificados em 1º e 2º lugares na primeira edição do GPM a receberem o respectivo troféu das mãos de Laurinda Marques Esparteiro, mulher do então govermador de Macau. A cerimónia decorreu a 31 de Outubro de 1954 (ultimo dia do GPM) num jantar de gala no salão do Clube de Macau. A Taça Governador de Macau foi o nome do troféu que custou 1.200 patacas.

MACAO GRAND PRIX WINNERS
Mr Eddie Carvalho (above), winner of the Macao Grand Prix, receiving the Governor's cup from Madame Esparteiro, wife of His Excellency the Governor of Macao, at the presentation of trophies last night. Below is the runner-up, Mr Paul du Toit, receiving his trophy. Both drove Triumph TR2 sports cars. 
China Mail Photos.
VENCEDORES DO GRANDE PRÉMIO DE MACAU
O Sr. Eddie Carvalho (em cima), vencedor do Grande Prémio de Macau, a receber a taça do Governador das mãos de Madame Esparteiro, esposa de Sua Excelência o Governador de Macau, na entrega de troféus de ontem à noite. Em baixo está o segundo classificado, o Sr. Paul du Toit, a receber o seu troféu. Ambos conduziram carros desportivos Triumph TR2. Fotos do China Mail.

sábado, 15 de novembro de 2025

"Listen to Macau Grand Prix on Radio Vila Verde"

Listen to the MACAU REGULARITY SPEED TRIAL and GRAND PRIX on Radio Vila Verde 1005 k/cs 298 m.
RADIO VILA VERDE RACE COMMENTARIES
SATURDAY, OCTOBER 30th, 1954
Regularity
12:00 – 1:00 Start & Point 2 (D. Maria corner)
1:55 – 2:10 All Points
2:55 – 3:10 All Points
3:50 – 4:10 Finish
SUNDAY, OCTOBER 31st, 1954
Grand Prix
11:30 – 12:00 Start & Point 2
12:55 – 1:10 All Points
1:55 – 2:10 All Points
2:55 – 3:10 All Points
3:50 – 4:10 Finish and Point 2
BROADCAST DETAILS
Radio Vila Verde will broadcast in English at the following times on the two race days. Saturday: 12:00 to 4:00 p.m. Sunday: 11:30 to 4:00 p.m.
Commentaries will be given at the times shown in the tables opposite and progress reports will be broadcast at half past each hour.
In the intervening periods music and variety will be broadcast from the studios.
FOR COMPLETE HOUR BY HOUR COVERAGE TUNE TO RADIO VILA VERDE
The China Mail (Hong Kong): 30.10.1954

Tradução/Adaptação

Ouça a PROVA DE VELOCIDADE DE REGULARIDADE e o GRANDE PRÉMIO DE MACAU na Rádio Vila Verde 1005 kc/s 298 m.
RÁDIO VILA VERDE COMENTÁRIOS DA CORRIDA

SÁBADO, 30 DE OUTUBRO DE 1954
Regularidade
12:00 – 1:00 Início e Ponto 2 (Curva D. Maria)
1:55 – 2:10 Todos os Pontos
2:55 – 3:10 Todos os Pontos
3:50 – 4:10 Fim
DOMINGO, 31 DE OUTUBRO DE 1954
Grande Prémio
11:30 – 12:00 Partida e Ponto 2
12:55 – 1:10 Todos os Pontos
1:55 – 2:10 Todos os Pontos
2:55 – 3:10 Todos os Pontos
3:50 – 4:10 Ponto 2 e Meta 
DETALHES DA TRANSMISSÃO
A Rádio Vila Verde transmitirá em Inglês nos seguintes horários nos dois dias de corrida. Sábado: 12:00 às 16:00. Domingo: 11:30 às 16:00.
Os comentários serão feitos nos horários indicados nas tabelas ao lado e os relatórios de progresso serão transmitidos a cada meia hora.
Nos períodos intermédios, música e variedade serão transmitidas dos estúdios.
PARA COBERTURA COMPLETA HORA A HORA SINTONIZE A RÁDIO VILA VERDE

Este anúncio da Rádio Vila Verde foi publicado na imprensa de Hong Kong a 30 de Outubro de 1954, dia da estreia da primeira edição do Grande Prémio de Macau. A estação de rádio fez uma forte aposta na transmissão dos 'relatos' da prova tendo estúdio móvel instalado juto à recta da meta (imagem) e vários pontos de transmissão ao longo do Circuito da Guia. Um deles era a zona da Curva D. Maria, uma das zonas mais sinuosas e por isso mais desafiadora.
Posto da Rádio Vila Verde na recta da meta do GPM em 1954

Vila Verde era o nome (e a cor) da moradia do proprietário da rádio, Pedro Lobo... uma residência na rua Francisco Xavier Pereira onde estavam instalados os estúdios da rádio. Após emissões experimentais em 1951  a Rádio vila Verde passou a funcionar de forma regular em 1952. Transmitia em frequência de Onda Média de 1.005 quilociclos e no comprimento de onda de 289 metros. Em Setembro de 1954 foi aumentada a potência do transmissor da rádio que passou a ser ouvida numa raio de 800 milhas.
Na prática existiam duas estações de rádio: a CR9XL, mais abrangente; e a CR9XM - desde Abril 1953 - na frequência de 1200 quilociclos e onda de 250 metros, apenas para Macau.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

72.ª edição do Grande Prémio de Macau

Começa hoje a 72.ª edição do Grande Prémio de Macau, um evento desportivo criado em 1954. Ao todo decorrem sete provas no Circuito da Guia até domingo.
Em cima a fotografia de uma edição do GPM no final da década 1960. Na imagem pode ver-se um monolugar a fazer a curva que dá acesso à rampa da Estrada de S. Francisco (que nos primeiros anos da prova não tinha alcatrão, mas sim calçada). Ao fundo início da construção do Hotel Lisboa. Pode ainda ver-se uma passagem superior para os peões. Do lado esquerdo acesso à Av. Dr. Rodrigo Rodrigues. Do lado direito, acesso ao Clube Militar.
Nota: 
A primeira edição do Grande Prémio de Macau foi em 1954, mas era uma corrida de carros esportivos (GT e Turismo).
Em 1961 o evento passou a incluir a corrida de monolugares, enquadrada nas regras da Fórmula Libre. A Fórmula Libre (ou Fórmula Any), como o nome sugere, permitia uma variedade de carros de corrida. O primeiro vencedor da corrida de Fórmula Libre no GP de Macau, em 1961, foi Peter Heath, ao volante de um Lotus 15-Climax.
Esta categoria de Fórmula Libre continuou a ser a principal prova de monolugares do GP de Macau até 1973, sendo substituída pela Fórmula Pacific em 1974.
A Fórmula 3 (F3), que se tornou a prova mais famosa, só foi introduzida em 1983 com a histórica vitória de Ayrton Senna.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

"A colina perfumada"

Pictures and Rice paper Drawings
The first few days of my sojourn at Macao convinced me of what must be evident to a visitor at any Chinese port, the native taste for pictures and the desire of shopkeepers to gratify what they well know to be a passion too among all strangers for drawings, paintings & c. But the best specimens to be obtained at Macao are not to be taken as fair samples of the native unassisted art. At Canton, Macao and Hong Kong there has been for years so much imitation of foreign productions and not a little improvement has gradually crept over the designs of the native artists from the influence of Chinnery, an Englishman now deceased. That gentleman was for many years resident in Macao and much to his credit lent his aid in suitable suggestions and instructions to some of the Canton draughtsmen; Lamqua, for instance, known to foreigners for his portrait painting and his younger brother, Tingqua, for his sketches and miniatures. The effect of this upon the native artists of Canton may easily be guessed.
Nevertheless, genuine specimens of uneducated artists are to be found in the south, but especially at the ports farther north. The rude designs of their pencillings are such as may be seen on the commonest ware, the finest porcelain, wood engravings or wall scrolls. Although the want of perspective is a glaring blunder in all their delineations, yet, from the wood engravings in their topographies, or landscape sketches in their works on husbandry which every foreigner meets with now-a-days, it is clear that experience has taught some of them that, in describing the more distant objects, these should lessen in dimensions, as they recede from the point of view. But they have not detected that the more remote the objects become to give effect to them, the more should their outlines diminish in distinctness. (...)

Brief descriptions of Hong Kong, Canton and Macao
Any vessel bound to the port of Canton has to the delta of the Pearl River the area of which is largely occupied with isles and sandbanks This exten sive estuary forms a rough triangle measuring about 100 miles in length on each side Few rivers can be more protected than this for during the late visit of Admiral Seymour the forts along its banks amounted to thirty It is fed by large and numerous branches some of which run two and three hundred miles into the interior of the country When your ship has passed through the mouth of this wide embouchure you may if you please turn to the right to the English island of Hongkong which lies SE by E at a distance of nearly ninety five miles from Canton or to the left to the Portuguese settlement of Macao. (...)
Macao (pronounced Macow) is forty miles to the westward of Hongkong, a Portuguese settlement at precisely the same distance from Canton as Hongkong.
The position of Macao is agreeable to the English sojourner, as it has a pleasant variety of hill and dale in its little territory and is nearly surrounded with water and open to sea breezes on every side. But, apart from its having no good harbour whatever, it has the great drawback of a mongrel Portuguese society, and a low caste pig headed class of Chinese. Besides to some of the present generation of English residents in China, there can be anything but associations of a comfortable kind connected with Macao, recollecting as they must the unfriendly policy which the Portuguese on the spot pursued some sixteen or seventeen years since, and the bitterly hostile bearing which the Chinese of the settlement were encouraged to assume towards 'the red haired English'.
Macao is a peninsula not more than eight miles in circuit. It is attached to the south east point of a large island called in the Chinese tongue, Hiangshan, or as if again to delude the fancy 'the fragrant hill'.
The connecting band is a narrow isthmus which in the native topography is designated 'the stalk of a water lily.'! In 1840, a low wall stretched across this isthmus, the foundation stones of which had been laid about three hundred years ago, with the undisguised object of limiting the movements of foreigners, pedestrian or equestrian. This was the 'notorious barrier' which during the Chinese war of 1840 and 1841 was a source of great uneasiness to the Portuguese settlers of Macao, and the occasion of repeated fits of jealousy between Chinese and English.
As large numbers of the peasantry had to pass the 'barrier gates' with provisions for the mixed population at Macao, it was a frequent manœuvre with the Chinese authorities, out of revenge on the English, to stop the market supplies by closing this gate and setting over it a guard of half-starved and ravenous militia. But to leave Macao and make for Canton, your ship starts and glides by the notorious Bogue Forts threads her course through an involved network islets and mudbanks, and at last drops anchor twelve miles from Canton off the small island of Whampoo.
At Whampoo our near approach to the city of Canton is indicated by the numerous and grotesque egg boats, sampans, bumboats and other small fry of that class which are constantly ferrying between the two places, not to mention the mastheads of junks lying abreast of Canton and the flagstaffs of Chinese, British and other ensigns, which on a clear day are visible at some distance. (...) 
Excertos de "Life in China - Fourtheen Years among the Chinese" de William Charles Milne, 1857


Tradulão/Adaptação:
Quadros e Desenhos em Papel de Arroz
Os primeiros dias da minha estada em Macau convenceram-me do que deve ser evidente para um visitante em qualquer porto chinês: o gosto nativo por quadros e o desejo dos lojistas de satisfazer o que bem sabem ser também uma paixão de todos os forasteiros por desenhos, pinturas, etc. Contudo, os melhores exemplares que se podem obter em Macau não devem ser tomados como amostras justas da arte nativa não assistida.
Em Cantão, Macau e Hong Kong tem havido, durante anos, tanta imitação de produções estrangeiras, e uma melhoria não negligenciável infiltrou-se gradualmente nos desenhos dos artistas nativos por influência de Chinnery*, um inglês já falecido. Esse cavalheiro residiu em Macau durante muitos anos e, para seu grande mérito, prestou a sua ajuda através de sugestões e instruções adequadas a alguns dos artistas de Cantão; Lamqua, por exemplo, conhecido entre os estrangeiros pelos seus retratos, e o seu irmão mais novo, Tingqua, pelos seus esboços e miniaturas. O efeito disto sobre os artistas nativos de Cantão pode ser facilmente imaginado.
Não obstante, no sul, mas especialmente nos portos mais a norte, encontram-se espécimes genuínos de artistas não instruídos. Os traços rudimentares dos seus desenhos a lápis são semelhantes aos que se podem ver na louça mais comum, na porcelana mais fina, em gravuras em madeira ou em pergaminhos de parede.
Embora a falta de perspectiva seja um erro gritante em todas as suas representações, contudo, a partir das gravuras em madeira nas suas topografias, ou dos esboços de paisagens nas suas obras sobre agricultura, com que qualquer estrangeiro se depara actualmente, é claro que a experiência ensinou a alguns deles que, ao descreverem os objectos mais distantes, estes devem diminuir de dimensão à medida que se afastam do ponto de vista. Mas não detectaram que, quanto mais remotos os objetos se tornam para lhes dar efeito, mais as suas linhas de contorno devem diminuir em distinção. (...)
* Chinnery viveu em Macau entre 1827 e 1852, quando morreu
Breves Descrições de Hong Kong, Cantão e Macau
Qualquer navio com destino ao porto de Cantão tem, no delta do Rio das Pérolas, uma área largamente ocupada por ilhas e bancos de areia. Este extenso estuário forma um triângulo imperfeito com cerca de 100 milhas de comprimento em cada lado. Poucos rios podem ser mais protegidos do que este, pois durante a recente visita do Almirante Seymour, as fortalezas ao longo das suas margens ascendiam a trinta. É alimentado por grandes e numerosos afluentes, alguns dos quais se estendem por duzentas e trezentas milhas para o interior do país.
Quando o seu navio tiver passado pela boca desta ampla foz, pode, se assim o desejar, virar para a direita em direção à ilha inglesa de Hong Kong, que fica a Sudeste por Este, a uma distância de quase noventa e cinco milhas de Cantão, ou para a esquerda em direção ao estabelecimento português de Macau. (...)
Macau
Macau (pronuncia-se Macáu) fica quarenta milhas a oeste de Hong Kong, um estabelecimento português à mesma distância exacta de Cantão que Hong Kong.
A localização de Macau é agradável para o residente inglês, pois o seu pequeno território possui uma variedade aprazível de colinas e vales, estando quase totalmente rodeado por água e aberto às brisas marítimas em todas as direcções. No entanto, para além de não possuir nenhum bom porto, tem a grande desvantagem de uma sociedade portuguesa mestiça e uma classe de chineses teimosos e de baixa casta. Além disso, para alguns da actual geração de residentes ingleses na China, as associações a Macau não podem ser de natureza confortável, lembrando-se, como devem, da política hostil que os portugueses no local seguiram há cerca de dezasseis ou dezassete anos, e da postura amargamente hostil que os chineses do estabelecimento foram encorajados a assumir para com 'o inglês de cabelo vermelho'.
Macau é uma península com não mais de oito milhas de perímetro. Está ligada ao ponto sudeste de uma grande ilha chamada, na língua chinesa, Hiangshan, ou, como se para iludir novamente a fantasia, 'a colina perfumada'.
A faixa de ligação é um istmo estreito que, na topografia nativa, é designado 'o caule de um lírio-de-água'!** Em 1840, um muro estendia-se por este istmo, cujas pedras de fundação tinham sido colocadas há cerca de trezentos anos, com o objetivo não dissimulado de limitar os movimentos de estrangeiros, a pé ou a cavalo. Esta era a 'notória barreira' que, durante a guerra chinesa de 1840 e 1841, foi motivo de grande incómodo para os colonos portugueses de Macau e a causa de repetidos acessos de ciúmes entre chineses e ingleses.
Uma vez que um grande número de camponeses tinha de passar pelos 'portões da barreira' com provisões para a população mista de Macau, era uma manobra frequente das autoridades chinesas, por vingança contra os ingleses, parar os abastecimentos do mercado fechando este portão*** e colocando de guarda uma milícia faminta e voraz.
Cantão
Mas para deixar Macau e seguir para Cantão, o seu navio arranca e desliza pelas notórias Fortalezas da Boca do Tigre, abre caminho através de uma complexa rede de ilhéus e bancos de lama, e finalmente larga âncora a doze milhas de Cantão, ao largo da pequena ilha de Whampoa.
Em Whampoa, a nossa aproximação à cidade de Cantão é indicada pelos numerosos e pitorescos tancares, sampanas, barcos de provisões e outras pequenas embarcações daquela classe que estão constantemente a fazer a travessia entre os dois locais, para não mencionar os mastros dos juncos atracados ao lado de Cantão e os mastros de bandeira chineses, britânicos e de outras insígnias, que num dia claro são visíveis a alguma distância. (...)
** metáfora poética: caule de lírio-de-água; em chinês 蓮花/蓮葉 - Flor de Lótus.
*** Porta do Cerco (ver pintura acima)
Filho do missionário William Milne, William Charles Milne (1815-1863) chegou à China com apenas dois anos. A mãe morreu em 1819 e o pai em 1822. Nesse ano regressa a Inglaterra onde completa os estudos e integra como missionário a London Missionary Society que o envia para a China em 1839, tendo passado por Macau a 18 de Dezembro desse ano.  Ali vai viver até 1854. Durante esse tempo viveu largos períodos em Macau, nomeadamente entre 1840 e 1841. Apenas de ausente entre 1844 e 1846 quando está em Inglaterra e se casa.
Voltou à China com a mulher em 1846 fixando-se em Xangai. Com a morte de um delegado de Ningpo que fazia parte da comissão encarregue da tradução da Bíblia foi eleito para preencher a vaga. Finalizada a tradução do Novo Testamento, foi eleito para continuar como delegado para a tradução do Antigo Testamento, tarefa concluída em 1852. Regressou a Inglaterra por motivos de saúde mas em 1856 estava de novo na China como intérprete do consulado em Fuzhou. Com o estabelecimento da Legação Britânica em Pequim, Milne actuou como tutor de intérpretes no serviço público britânico. Viria a morrer a 15 de Maio de 1863 e foi sepultado numa área não consagrada do cemitério russo nos arredores de Pequim.
O livro foi primeiro publicado em Londres em 1857. No ano seguinte teve uma edição em francês - "La vie réelle en Chine".