A igreja da Sé em Macau tem no interior vários altares. Um deles é o do Cristo Rei nas imagens abaixo: primeiro num postal da década de 1980 e depois numa fotografia do século 21.
sábado, 30 de setembro de 2017
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
A ponte das nove curvas
Provavelmente um dos mais bonitos jardins de Macau (e são cerca de uma dezena no total) o Jardim Lou Lim Ieoc é o único verdadeiramente de estilo chinês. Foi mandado construir nos primeiros anos do século XX pelo comerciante Lou Cheok Chin (1837-1906) que se fixou em Macau por volta de 1870. Por essa altura contratou em Cantão os serviços de dois profissionais, Lau Kat Lok e Lei Tat Chun, especialistas em jardinagem.
A zona - do Tap Seac - era na época pantanosa e os lagos abundantes e o seu projecto passava pela construção de um jardim chinês ao estilo do século XIV, da zona de Suzhou. Baptizado de Jardim das Delícias, acabou por ficar conhecido pelo nome do seu proprietário ou do seu primogénito, comummente designado por Jardim do Lou Kau ou Jardim do Lou Lim Ieoc. Actualmente ocupa uma área de pouco mais de 1 hectare, cerca de metade da inicial, pois após a morte de Lou Lim Ioc os seus descendentes alugaram, em 1938, parte do jardim à escola Pui Cheng e mais tarde à Escola Leng Nam. A partir de 1951, uma grande parte da sua área foi urbanizada.
Em 1973 foi adquirido pelo governo de Macau aos descendentes da família Lou. Depois de totalmente recuperado, abriu ao público a 28 de Setembro de 1974. Está repleto de recantos e lagos onde se evidenciam os nenúfares e flores de lótus. É usado para passeios sendo habitual os utilizadores tocarem instrumentos musicais ou praticar Tai-Chi.
Outra das imagens de marca deste espaço são as gaiolas tradicionais chinesas com pássaros lá dentro e que os seus proprietários levam a passear. Ao contrário do que é habitual nos jardins tipicamente chineses, neste, a ponte que atravessa o lago, não é feita em linha recta. Antes, pelo contrário, é às curvas, num total de nove. Segundo a tradição, quem passar pelas curvas da ponte, deve formular um desejo, pois verá esse desejo transformar-se em realidade.
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
Colónia de comércio e pequenas indústrias
No início do século XX a economia de Macau 'vive' essencialmente do comércio do ópio e do jogo, origem da maior parte das receitas do governo. Destaca-se ainda a fábrica de cimento da Ilha Verde, a única no género em todo o Oriente. Segue-se o excerto de um texto sobre Macau para distribuição na Exposição Portuguesa de Sevilha (1929) da autoria de Ernesto de Vasconcellos.
Secagem do peixe no Porto Interior |
"Macau é uma colónia de comércio e mantém algumas pequenas indústrias. Importa ópio cru e exporta-o cozido. Prepara a folha do chá; descasca e mói o arroz; desfia o casulo de seda e fabrica alguns tecidos, esteiras e panchões. A sua maior indústria é a da pesca, salga e secagem do peixe. Pela sua situação geográfica faz grande comércio de trânsito devido à cabotagem favorecida pelos inúmeros canais que ligam os rios de Cantão e de Oeste, que foi um dos últimos abertos ao comércio, havendo os chamados portos de tratado, como Kongmun e Samshui, estando este servido pelo caminho-de-ferro de Cantão, que, por seu turno, está ligado a Kowloon, o que equivale dizer a Hong Kong, que é o porto que lhe dá serventia. A grande maioria das embarcações que frequentam Macau é constituída por pequenos barcos veleiros, dos vários tipos chineses, que tomam indistintivamente o nome de ‘juncos’. Não quer isto dizer que ao porto exterior não vão vapores de vária tonelagem, sobretudo agora que se construiu o porto, que está sendo devidamente apetrechado. (…)"
Mapa com indicações dos principais destinos das exportações de Macau em 1938 |
quarta-feira, 27 de setembro de 2017
Luís Andrade de Sá: 1958-2017
O jornalista Luís Andrade de Sá morreu esta terça-feira em Portugal aos 58 anos. Nascido a 31 de Dezembro de 1958, em S. Julião, Setúbal, Luís Andrade de Sá iniciou-se no jornalismo em 1984, tendo feito grande parte da sua carreira em Macau onde trabalhou na TDM e em vários títulos da imprensa na década de 1990.
Em 2000 regressou a Portugal, onde trabalhou em vários órgãos de comunicação social, como a Agência Lusa sendo delegado em Maputo de 2004 a 2007. Em 2014 voltou ao território para dirigir o semanário bilingue Plataforma e em 2015 foi director da Macau Business
Luís Sá, que era eu ainda estudante, tive oportunidade de conhecer e do qual recebi alguns ensinamentos sobre jornalismo, é autor de vários livros sobre a história do território: A Aviação em Macau: um século de aventuras, The Boys from Macau, Hotel Bela Vista, Marcas da presença portuguesa em Macau, A história na bagagem: crónicas dos velhos hotéis de Macau.
Até sempre, Luís!
terça-feira, 26 de setembro de 2017
A China de Fernão Mendes Pinto
No século XVI, ainda o Oriente era interdito aos ocidentais o português Fernão Mendes Pinto (FMP) percorreu aquela zona do mundo durante duas décadas onde foi "treze vezes cativo e dezassete vendido nas partes da Índia, Etiópia, Arábia Félix, China, Tartária, Massacar, Samatra e muitas outras províncias daquele Ocidental arquipélago dos confins da Ásia”.
FMP nasceu entre 1509 e 1514 em Montemor-o-Velho (morreu em 1583) e a viagem começa por volta de 1536. No regresso a Portugal (1557) passou a memória das viagens e aventuras para livro numa obra que chamou de Peregrinação. (publicada pela primeira vez em 1614 em castelhano) com um total de 226 capítulos e que viria a ser publicada após a sua morte. Na época e durante muitos dos anos seguintes foram muitos que a classificaram de fantasia mas actualmente praticamente todos reconhecem o valor histórico do testemunho que incluirá alguns elementos de ficção ou, no mínimo, relatos de locais e situações que podem não ter sido testemunhados por ele, mas que lhe contaram...
Durante 21 anos FMP viajou por muitos países - os actuais Mongólia, Japão, Singapura, Índia, Indonésia, Tailândia, Laos, Vietname, Camboja, Myanmar... - e no livro faz descrições muito pormenorizadas dos povos, das línguas e das terras por onde andou, testemunhando também o seu fascínio pela grandiosidade dessas civilizações. Chega a ser acusado de exagerar nas descrições - tendo ficado célebre o dito popular «Fernão, Mentes? Minto!». Mas até para isso o livro tem resposta: "A gente que viu pouco mundo, como viu pouco também costuma dar pouco crédito ao muito que os outros viram".
Certo é que a “Peregrinação” foi um sucesso na época, nomeadamente na Europa tendo tido 19 edições, em seis línguas.
FMP nasceu entre 1509 e 1514 em Montemor-o-Velho (morreu em 1583) e a viagem começa por volta de 1536. No regresso a Portugal (1557) passou a memória das viagens e aventuras para livro numa obra que chamou de Peregrinação. (publicada pela primeira vez em 1614 em castelhano) com um total de 226 capítulos e que viria a ser publicada após a sua morte. Na época e durante muitos dos anos seguintes foram muitos que a classificaram de fantasia mas actualmente praticamente todos reconhecem o valor histórico do testemunho que incluirá alguns elementos de ficção ou, no mínimo, relatos de locais e situações que podem não ter sido testemunhados por ele, mas que lhe contaram...
Durante 21 anos FMP viajou por muitos países - os actuais Mongólia, Japão, Singapura, Índia, Indonésia, Tailândia, Laos, Vietname, Camboja, Myanmar... - e no livro faz descrições muito pormenorizadas dos povos, das línguas e das terras por onde andou, testemunhando também o seu fascínio pela grandiosidade dessas civilizações. Chega a ser acusado de exagerar nas descrições - tendo ficado célebre o dito popular «Fernão, Mentes? Minto!». Mas até para isso o livro tem resposta: "A gente que viu pouco mundo, como viu pouco também costuma dar pouco crédito ao muito que os outros viram".
Certo é que a “Peregrinação” foi um sucesso na época, nomeadamente na Europa tendo tido 19 edições, em seis línguas.
A China é, de longe, o país ao qual FMP mais páginas dedica. Fica surpreendido pelos chineses comerem com pauzinhos e não com as mãos e faz vários elogios à “grandíssima ordem e maravilhoso governo” chinês. Destaca ainda locais como a Cidade Proibida e a Grande Muralha. A primeira era a residência do imperador - “nem é visto senão daqueles que o servem” - e a segunda, construída para a defender o país do ataque dos tártaros (mongóis) do Norte, era constituída por cerca de “315 léguas” de muro, “na qual obra dizem que trabalharam contínuo 750.000 homens”, incluindo o próprio F. M. Pinto, que foi condenado a trabalhos forçados juntamente com alguns companheiros de viagem, por terem sido apanhados a mendigar depois de um naufrágio.
Sugestão de leitura: "Aventuras Extraordinárias de um Português no Oriente", uma adaptação de Aquilino Ribeiro publicada em 1933 com ilustrações de Martins Barata.
Na edição nº 41 (Julho 2017) da Macao Magazine, Joaquim Magalhães de Castro assina um artigo intitulado "The China of wonder and marvels of Fernão Mendes Pinto" que a seguir transcrevo:
Portuguese traveller writes his memoirs on China in his literary sensation Peregrinação published in 1614. The latest studies by historian Jin Guo Ping, the translator of Peregrinação into Chinese and one of the top experts in historical relations between China and Portugal, have corroborated much of what the 16th century Portuguese adventurer Fernão Mendes Pinto wrote about the Middle Kingdom (China), a subject occupying nearly two-thirds of his famous memoirs.
Mendes Pinto (c.1509 – 1583) is the author of Peregrinação (Pilgrimage), a literary sensation published posthumously in 1614. Beyond recounting his many adventures, the book offers an European’s view of Asian, and especially Chinese, civilization at the time.
Mendes Pinto travelled to India in 1537 and spent the next two decades in Asia, much of it in the Far East, often in the service of the Portuguese crown. In 1543, he claimed to have landed at Tanegashima Island in Japan, supplying the local ruler with an arquebus and thereby introducing guns to that country. Then in China, he was convicted at one point of plundering royal tombs and sentenced to a year of hard labour on construction of the Great Wall. In 1558, after his return to Portugal, Pinto wrote Peregrinação.
The traveller settled in Almada near Lisbon, married, received a royal pension, and died 25 years later in 1583. His memoirs, a demy quarto volume containing more than 400 pages divided into 226 chapters, became widely popular with several new editions published in the 17th century.
“… I undertake this crude and rough writing, which I leave to my children… so that they can see in it the travails and perils of life I experienced in twenty-one years during which I was thirteen times a captive and seventeen times sold, in the parts of India, Ethiopia, Arabia Felix, China, Tartary, Macassar, Sumatra and many other provinces of that oriental archipelago at the ends of Asia…”
Misfortune lands Pinto in China
Portuguese traveller writes his memoirs on China in his literary sensation Peregrinação published in 1614. The latest studies by historian Jin Guo Ping, the translator of Peregrinação into Chinese and one of the top experts in historical relations between China and Portugal, have corroborated much of what the 16th century Portuguese adventurer Fernão Mendes Pinto wrote about the Middle Kingdom (China), a subject occupying nearly two-thirds of his famous memoirs.
Mendes Pinto (c.1509 – 1583) is the author of Peregrinação (Pilgrimage), a literary sensation published posthumously in 1614. Beyond recounting his many adventures, the book offers an European’s view of Asian, and especially Chinese, civilization at the time.
Mendes Pinto travelled to India in 1537 and spent the next two decades in Asia, much of it in the Far East, often in the service of the Portuguese crown. In 1543, he claimed to have landed at Tanegashima Island in Japan, supplying the local ruler with an arquebus and thereby introducing guns to that country. Then in China, he was convicted at one point of plundering royal tombs and sentenced to a year of hard labour on construction of the Great Wall. In 1558, after his return to Portugal, Pinto wrote Peregrinação.
The traveller settled in Almada near Lisbon, married, received a royal pension, and died 25 years later in 1583. His memoirs, a demy quarto volume containing more than 400 pages divided into 226 chapters, became widely popular with several new editions published in the 17th century.
“… I undertake this crude and rough writing, which I leave to my children… so that they can see in it the travails and perils of life I experienced in twenty-one years during which I was thirteen times a captive and seventeen times sold, in the parts of India, Ethiopia, Arabia Felix, China, Tartary, Macassar, Sumatra and many other provinces of that oriental archipelago at the ends of Asia…”
Misfortune lands Pinto in China
During his travels between 1540 and 1550, along the coast and upriver, Mendes Pinto generally expresses admiration and sympathy for the Chinese people and their culture.
Fernão Mendes Pinto entered Chinese territory as the result of a tragic shipwreck. He lived, though he could hardly have imagined the difficulties he and the other survivors would face.
The territory they landed in, likely somewhere on the coast of Jiangsu province, was unknown to the survivors. They set out walking over hills and dales before eventually finding shelter at a local inn, where they presented themselves as poor shipwrecked subjects of the King of Siam. They were immediately provided with all the assistance they required, as that kingdom was a vassal of the Celestial Empire and habitually employed foreigners in its service. In such shelters the stay was limited to three days, so they once again took to the road, though not before they were provided with ample supplies by the local inhabitants. They soon reached another shelter for travellers, where they were provided with food, lodging, laundry service and even medical assistance, for some of them were quite ill.
Foreigners at that time were only allowed to trade in the ports, and were forbidden from entering Chinese territory. Fearing contact with imperial authorities, they decided to travel on secondary roads, with limited success. They would go on to be arrested, mistreated, and considered as thieves on various occasions. Such hard times alternated with good luck when they received alms or found shelter with local Chinese families, a unique opportunity to closely observe habits and customs different from their own. Mendes Pinto and his companions were among the first Europeans to have that privilege.
The Portuguese traveller also had the opportunity to witness China’s vastness, vividly recounting the bustling waterfront of the long canal and the ports where they docked when travelling by boat. The variety of products on sale in markets and fairs and the skill shown by the Chinese in breeding animals and cultivating land were two aspects that stood out for Mendes Pinto, who assures us that “in that Empire of China there were as many people living along the rivers as in the cities and towns.”
At one moment during his trip, he calls attention to a city with noble and rich buildings and “bridges sustained on very thick columns of stone and roads all paved with very fine flagstones, and all very large and well-finished and very long,” a description that fits the profile of the former capital, Hangzhou. His sense of astonishment before the many marvels he witnessed is evident throughout the text.
Exploring the Grand Canal
There is no definitive proof that he visited Suzhou, as the names of places he passed through are generally hard to identify. Even today the names for places and regions of China can seem confusing due to the different spellings used. This is especially true in the south of the country, where Cantonese and various other dialects are present. So when Fernão Mendes Pinto speaks of a “good city surrounded by a very fine and strong stone wall, with towers and bastions almost like our own and a quay bordering the river,” he could be referring to Suzhou just as easily as any other city along the Grand Canal.
In one of the chapters of his book, he mentions a small city with a large number of bridges “made on very strong stone arches, and at the ends columns with their chains crossing through and stone benches so people could rest,” a description which perfectly recalls Zhouzhuang. It could also refer to Tongli, though, a neighbouring canal city that has resisted the passage of centuries in the Grand Canal region encompassing the provinces of Jiangsu and Zhejiang.
Peregrinação is a veritable treatise on sinology. In it, Mendes Pinto highlights on several occasions the richness of the streets, even the most ordinary ones, all of them very long and broad “with fine smooth paving”. He speaks of a land “fertile in food, so rich and well-supplied in all things” that he can find no words to describe them. He also describes numerous warehouses stocked with an endless variety of food and places where “all kinds of game and meat as are created on this earth are slaughtered, salted, cured, and smoked.”
His account details the dynamics of trade practiced in ordinary shops of rich merchants, “which on their private streets were very well-arranged, with such a quantity of silks, embroidery, fabrics and clothing of cotton and linen, and furs of martens and ermines, and of musk, fine porcelains, items of gold and silver, seed-pearls, pearls and gold in powder and bars, so that we nine companions were continually amazed.” And where there was trade there were also “technical officials for as many vocations as there are in the guilds.”
Mendes Pinto highlights the ability and ingenuity of the Chinese “in all mechanical dealings and agriculture, and the very skilled architects and inventors of very subtle and artful things,” and records the presence of men and women who played various instruments “to provide music to whoever wanted to listen, and for that reason alone become very rich.”
To the Forbidden City
Fernão Mendes Pinto entered Chinese territory as the result of a tragic shipwreck. He lived, though he could hardly have imagined the difficulties he and the other survivors would face.
The territory they landed in, likely somewhere on the coast of Jiangsu province, was unknown to the survivors. They set out walking over hills and dales before eventually finding shelter at a local inn, where they presented themselves as poor shipwrecked subjects of the King of Siam. They were immediately provided with all the assistance they required, as that kingdom was a vassal of the Celestial Empire and habitually employed foreigners in its service. In such shelters the stay was limited to three days, so they once again took to the road, though not before they were provided with ample supplies by the local inhabitants. They soon reached another shelter for travellers, where they were provided with food, lodging, laundry service and even medical assistance, for some of them were quite ill.
Foreigners at that time were only allowed to trade in the ports, and were forbidden from entering Chinese territory. Fearing contact with imperial authorities, they decided to travel on secondary roads, with limited success. They would go on to be arrested, mistreated, and considered as thieves on various occasions. Such hard times alternated with good luck when they received alms or found shelter with local Chinese families, a unique opportunity to closely observe habits and customs different from their own. Mendes Pinto and his companions were among the first Europeans to have that privilege.
The Portuguese traveller also had the opportunity to witness China’s vastness, vividly recounting the bustling waterfront of the long canal and the ports where they docked when travelling by boat. The variety of products on sale in markets and fairs and the skill shown by the Chinese in breeding animals and cultivating land were two aspects that stood out for Mendes Pinto, who assures us that “in that Empire of China there were as many people living along the rivers as in the cities and towns.”
At one moment during his trip, he calls attention to a city with noble and rich buildings and “bridges sustained on very thick columns of stone and roads all paved with very fine flagstones, and all very large and well-finished and very long,” a description that fits the profile of the former capital, Hangzhou. His sense of astonishment before the many marvels he witnessed is evident throughout the text.
Exploring the Grand Canal
There is no definitive proof that he visited Suzhou, as the names of places he passed through are generally hard to identify. Even today the names for places and regions of China can seem confusing due to the different spellings used. This is especially true in the south of the country, where Cantonese and various other dialects are present. So when Fernão Mendes Pinto speaks of a “good city surrounded by a very fine and strong stone wall, with towers and bastions almost like our own and a quay bordering the river,” he could be referring to Suzhou just as easily as any other city along the Grand Canal.
In one of the chapters of his book, he mentions a small city with a large number of bridges “made on very strong stone arches, and at the ends columns with their chains crossing through and stone benches so people could rest,” a description which perfectly recalls Zhouzhuang. It could also refer to Tongli, though, a neighbouring canal city that has resisted the passage of centuries in the Grand Canal region encompassing the provinces of Jiangsu and Zhejiang.
Peregrinação is a veritable treatise on sinology. In it, Mendes Pinto highlights on several occasions the richness of the streets, even the most ordinary ones, all of them very long and broad “with fine smooth paving”. He speaks of a land “fertile in food, so rich and well-supplied in all things” that he can find no words to describe them. He also describes numerous warehouses stocked with an endless variety of food and places where “all kinds of game and meat as are created on this earth are slaughtered, salted, cured, and smoked.”
His account details the dynamics of trade practiced in ordinary shops of rich merchants, “which on their private streets were very well-arranged, with such a quantity of silks, embroidery, fabrics and clothing of cotton and linen, and furs of martens and ermines, and of musk, fine porcelains, items of gold and silver, seed-pearls, pearls and gold in powder and bars, so that we nine companions were continually amazed.” And where there was trade there were also “technical officials for as many vocations as there are in the guilds.”
Mendes Pinto highlights the ability and ingenuity of the Chinese “in all mechanical dealings and agriculture, and the very skilled architects and inventors of very subtle and artful things,” and records the presence of men and women who played various instruments “to provide music to whoever wanted to listen, and for that reason alone become very rich.”
To the Forbidden City
It is not certain that Fernão Mendes Pinto ever visited the Chinese capital, and some scholars staunchly reject that possibility. Whether or not he did, it is certain that what he recounts is very close to reality. If he did not actually visit the empire’s capital, he was certainly very well informed about it.
He describes a city with “noble streets with arches at the entrances and gates which closed at night,” noting that “most of them have fountains of very good water and are by themselves very rich and finely worked,” and mentioning the “hundred and twenty noble squares,” each of which hosted a market fair every month.
Mendes Pinto states that of all the cities he knew, none could be compared to “the great Peking,” lauding its grandeur and sumptuousness, due to its “superb buildings” and “infinite wealth, superlative abundance, well-supplied in all things necessary, countless people, trade and vessels, justice, government and peaceful court.”
Even so, the centre of all attention remains the Forbidden City, which at the time, “as the Chins told us” it had 360 entrances, all permanently guarded by four men armed with halberds, “to control everything that passed through.”
He notes a certain class of odd and influential people, telling us that “within the walls of the royal palace are a hundred thousand eunuchs” along with 12,000 guards, “whom the king provides with large salaries and pensions,” and describes the concubines, which he numbers at 30,000. They were surely attractive women, for beauty was no rarity in the kingdom of China. On several occasions Mendes Pinto highlights that fact, stating that Chinese women were “very pale and chaste, and inclined to all work more than the men.”
He stresses the importance of the temples, which were usually surrounded by beautiful gardens, noting the admirable carpentry work of the buildings and the walls of the enclosures “lined inside by very fine porcelain tiles and above by roof ridges and in the corners by very tall spires, diversely painted.” He also mentions triumphal arches in gold with a large number of silver bells hanging by chains of the same metal, which “ringing continuously due to movement of the air made such a noise that it was impossible to hear anything else.”
Of course, Mendes Pinto cannot fail to notice the golden lions on round balls or spheres, which he correctly calls “the emblem or arms of the king of China.” Another imperial symbol is the dragon, appearing to his eyes as nothing more than a monster , with the “figure of a dissembling serpent,” recalling to him the figure of Lucifer.
Revealing the Great Wall
Fernão Mendes Pinto was one of the first Europeans to reference the existence of the Great Wall, telling us that “the king who then reined in China,” fearful that the traditionally nomadic barbarians in the north would once again unite, he ordered that the entire border between the two empires be protected by a wall.
Pinto specifies that, according to historical annals, “in twenty-seven years the entire border of those two empires were closed from end to end.” After making the respective calculations, he concludes that the wall was 315 leagues long and more than 750,000 men were involved in the project.
His has perhaps the most complete description of the Great Wall ddone by a Westerner of that time and date.
In Peregrinação, Fernão Mendes Pinto collected descriptions and rare geographical details about the many countries he had known. In it, some kingdoms disappear, while others merge or change names, making it difficult to accurately trace his truly audacious route, with its numerous maritime diversions along the coast of the Asian continent, travelling up rivers and visiting islands.
While mindful of the illusory style, likely intended to better combine the author’s personal history with the accounts of others, it is still fascinating to revisit some of the places mentioned in the book. Especially China, the country to which he devotes the most pages, full of praise for its “very great order and marvellous government”—a powerful kingdom, exotic and perfectly organised. The rigorous and profoundly just Chinese social organisation ran from the distribution of work for all to the free right to justice, including subsidies for the “lame and people without support” and homes for the elderly no longer able to work. Even the shelter offered to him and his companions demonstrated how advanced China was in the area of social assistance, administration and application of justice, compared to Europe at the time. For even as his many fanciful adventures challenge credulity, the immense admiration for China and its people expressed by Fernão Mendes Pinto rings remarkably true.
He describes a city with “noble streets with arches at the entrances and gates which closed at night,” noting that “most of them have fountains of very good water and are by themselves very rich and finely worked,” and mentioning the “hundred and twenty noble squares,” each of which hosted a market fair every month.
Mendes Pinto states that of all the cities he knew, none could be compared to “the great Peking,” lauding its grandeur and sumptuousness, due to its “superb buildings” and “infinite wealth, superlative abundance, well-supplied in all things necessary, countless people, trade and vessels, justice, government and peaceful court.”
Even so, the centre of all attention remains the Forbidden City, which at the time, “as the Chins told us” it had 360 entrances, all permanently guarded by four men armed with halberds, “to control everything that passed through.”
He notes a certain class of odd and influential people, telling us that “within the walls of the royal palace are a hundred thousand eunuchs” along with 12,000 guards, “whom the king provides with large salaries and pensions,” and describes the concubines, which he numbers at 30,000. They were surely attractive women, for beauty was no rarity in the kingdom of China. On several occasions Mendes Pinto highlights that fact, stating that Chinese women were “very pale and chaste, and inclined to all work more than the men.”
He stresses the importance of the temples, which were usually surrounded by beautiful gardens, noting the admirable carpentry work of the buildings and the walls of the enclosures “lined inside by very fine porcelain tiles and above by roof ridges and in the corners by very tall spires, diversely painted.” He also mentions triumphal arches in gold with a large number of silver bells hanging by chains of the same metal, which “ringing continuously due to movement of the air made such a noise that it was impossible to hear anything else.”
Of course, Mendes Pinto cannot fail to notice the golden lions on round balls or spheres, which he correctly calls “the emblem or arms of the king of China.” Another imperial symbol is the dragon, appearing to his eyes as nothing more than a monster , with the “figure of a dissembling serpent,” recalling to him the figure of Lucifer.
Revealing the Great Wall
Fernão Mendes Pinto was one of the first Europeans to reference the existence of the Great Wall, telling us that “the king who then reined in China,” fearful that the traditionally nomadic barbarians in the north would once again unite, he ordered that the entire border between the two empires be protected by a wall.
Pinto specifies that, according to historical annals, “in twenty-seven years the entire border of those two empires were closed from end to end.” After making the respective calculations, he concludes that the wall was 315 leagues long and more than 750,000 men were involved in the project.
His has perhaps the most complete description of the Great Wall ddone by a Westerner of that time and date.
In Peregrinação, Fernão Mendes Pinto collected descriptions and rare geographical details about the many countries he had known. In it, some kingdoms disappear, while others merge or change names, making it difficult to accurately trace his truly audacious route, with its numerous maritime diversions along the coast of the Asian continent, travelling up rivers and visiting islands.
While mindful of the illusory style, likely intended to better combine the author’s personal history with the accounts of others, it is still fascinating to revisit some of the places mentioned in the book. Especially China, the country to which he devotes the most pages, full of praise for its “very great order and marvellous government”—a powerful kingdom, exotic and perfectly organised. The rigorous and profoundly just Chinese social organisation ran from the distribution of work for all to the free right to justice, including subsidies for the “lame and people without support” and homes for the elderly no longer able to work. Even the shelter offered to him and his companions demonstrated how advanced China was in the area of social assistance, administration and application of justice, compared to Europe at the time. For even as his many fanciful adventures challenge credulity, the immense admiration for China and its people expressed by Fernão Mendes Pinto rings remarkably true.
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
Centenário da Caixa Económica Postal
Criada a 21 Setembro de 1917 a Caixa Económica Postal (CEP) celebra este ano o centenário. Sob a alçada da Repartição Superior dos Correios e Telégrafos a CEP tornou-se uma instituição de relevo para Macau, papel que ainda hoje cumpre, nomeadamente na prestação de serviços de depósitos e empréstimos, de transferência de fundos para o exterior e de câmbios e como plataforma de pagamentos online. Para celebrar a efeméride a Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações editou um álbum fotográfico que inclui um conjunto de imagens de edifícios que foram propriedade da CEP. As imagens fazem ainda parte de uma exposição patente na galeria da Estação Postal do Carmo, na Taipa, de terça a domingo, das 10:30 às 17:30 horas, até 31 de Março de 2018.
quinta-feira, 21 de setembro de 2017
‘Pancho’ Borboa: de padre a pintor
Francisco Borboa Valenzuela é um nome que a maior parte dos leitores terão dificuldades em associar a Macau.
Mas na verdade várias obras deste artista plástico - conhecido por "Pancho" - estão bem presentes no quotidiano do território desde a década de 1960 e ainda hoje podem ser apreciadas.
São os casos, por exemplo, do mural da fachada lateral do hotel Sintra e das paredes e tectos da entrada do 'velhinho' hotel Lisboa. Mas há mais…
Para além de Macau, Borboa assinou trabalhos um pouco por todo o mundo:
Austrália, Malásia, México, Filipinas, Espanha, Bornéu, Taiwan e Hong Kong.
Aos 94 anos, celebrados em Julho passado, "Pancho" vive em Taiwan e ainda está no activo.
Francisco Borboa nasceu em 1923 em San Juan Bautista, na Califórnia (EUA). Foi ainda em criança para o México (Sinaloa) onde iniciou os estudos. Os professores reconhecem o seu talento natural para a arte e incentivam-no. Em 1943 Borboa ingressa no sacerdócio em San Cayetano, Santiago Tianguistenco, e cinco anos depois, em 1948, tinha então 25 anos, partiu para a China como membro da Companhia de Jesus.
Aprende mandarim em Pequim mas a revolução em marcha obriga-o a sair da capital do Império do Meio: primeiro vai para Shangai e depois para Wuhu. Desses anos ano recorda uma vista a uma igreja católica e se dislumbra com a pintura chinesa. “Primero que nada, la pintura china no tiene bosquejos, hay que pintar directamente”, explica.
Um ano depois da fundação da República Popular da China (1949) decide sair do país. Vai de comboio até Tienshin e de barco até Hong Kong de onde segue para as Filipinas. Sem visto para entrar no país a autorização de entrada virá do punho do próprio presidente. Nas Filipinas, onde começa por viver num antigo campo de prisioneiros da segunda guerra mundial, Borboa conclui os estudos em filosofia e teologia em 1953. Pouco depois é convidado para professor no Ateneo de Cagayán, em Oro City.
Em 1957 é ordenado sacerdote. Um ano depois inicia mais uma etapa da “provação”. Viaja para o Japão (Hiroshima) onde fica até 1960 seguindo depois para Taichung, em Taiwan onde trabalha para a Kuang Chi Press e conhece uma rapariga chamada Ana
Em 1962, com quase duas décadas anos de vida religiosa, Borboa decide abandonar a Companhia de Jesus e pede à Cúria Romana para o dispensar do sacerdócio. A resposta chega um ano depois. “Petitio sine fundamento” (Pedido sem fundamento).
Deixa Taiwan e fixa residência em Hong Kong onde vai encontrar alguns dos antigos professores das Filipinas. Os anos passam e a autorização de Roma não chega mas Borboa não desiste e resolve escrever a Ana que tinha conhecido em Taiwan propondo-lhe casamento. Ana aceita e vai ter com Borboa levando consigo um visto com a duração de apenas um mês.
Ao fim do terceiro mês fora do país, Ana recebe um ultimato das autoridades de Taiwan: ou casa ou regressa ao país natal. Pressionados e sem autorização do Vaticano, o jovem casal acaba por casar, mas pelo registo civil. “Entonces Ana y yo fuimos a la iglesia y enfrente del Santísimo prometimos casarnos, pero vivir como hermanitos hasta que llegara mi dispensa sacerdotal y así nos pudiéramos casar por la Iglesia”.
A dispensa do sacerdócio só chegaria em 1966. Quando o padre Granelli lhe dá a notícia e lhe pergunta quando pretende casar, Borboa não hesia: “Amanhã!”. O futuro passa por Hong Kong onde o Francisco e Anna Liang Lee de Borboa irão viver as próximas duas décadas.
De padre a pintor
Será em Hong Kong que Borboa inicia uma nova carreira, a de artista plástico, tornando-se pintor e muralista. É da sua autoria, por exemplo, o mural que existe no Club Lusitano feito em 1967. A primeira exposição ocorre na então colónia britânica em 1972.
A primeira visita de Pancho a Macau acontece pela primeira vez em 1962 “para renovar o visto”. Desses tempos, recorda-se que “foi uma estadia muito curta” mas ficou com a impressão de ser “uma cidade muito bonita”.
No início da década de 1970 regressaria a Macau mas desta vez por mais tempo deixando a sua marca artística nos novos hotéis Lisboa e Sintra, da STDM - Sociedade de Turismo e Diversões de Macau. “Através de um contacto com o arquitecto Eric Cummins fui contratado para desenhar e executar os murais e tectos em mosaico do hotel Lisboa,” recorda. “Stanley Ho esteve directamente envolvido na empreitada” realizada na entrada (interior e exterior) do hotel que seria inaugurado em Fevereiro desse ano, primeiro o casino e só depois o hotel.
“Foi uma obra de grande envergadura. No interior – lobby principal – desenhei as caravelas do tempo dos Descobrimentos. Colar os mosaicos com cimento no tecto é mais difícil do que pintar o tecto da capela sistina. O enorme candeeiro de cristal que está ao centro foi importado da Europa. Junto às escadas colocámos uma estrutura em ferro com painéis coloridos feitos com fibra de vidro.”
Borboa e a mulher em Macau: 1974 |
Por volta de 1974 Borboa seria novamente chamado por Stanley Ho mas agora para executar o mural de 40 metros da fachada lateral do hotel Sintra. “O mural em mosaicos - feitos em Hong Kong - foi feito por mim mas o desenho é da autoria de um artista indiano chamado FM.” As iniciais do nome podem ver-se na parte inferior direita da fachada enquanto ao meio surge a assinatura de Borboa. “Tive de fazer uma interpretação do desenho”.
Desses tempos Pancho recorda ainda nomes como o padre Sequeira ou o colega de profissão, Óseo Acconci.
Francisco Borboa voltará a Macau mais de vinte anos. Já em meados da década de 1990. “Em 1996, eu a minha mulher, Ana Liag, passámos a residir em Macau onde ficámos até 1999. Fomos a convite do padre Ruiz”. Luiz Ruiz (1913-2011), sacerdote jesuíta espanhol, chegou a Macau em 1951 e viveu no território mais de meio século anos. Fundou o Centro Social Mateus Ricci e a Caritas Macau e dedicou a sua vida aos mais necessitados, em especial aos leprosos. “Enquanto a Ana trabalhava como secretária e intérprete do padre eu dediquei-me ao meu trabalho de pintor e muralista.”
É assim que surgem novas obras: um mural de cinco metros em madeira com pintura acrílica no Seminário de S. José intitulado “Jesus blessing Macau and China”; um mural na escola Estrela do Mar“; outro “numa escola jesuíta perto das ruínas de S. Paulo” e na capela mortuária instalou um mural em mosaico a que deu o nome “Ressurreição.”
Na Taipa, onde Borboa e a mulher moravam - “num dos edifícios mais altos da ilha” - Borboa fez um mural “no asilo dos órfãos de S. Luís Gonzaga com a ajuda dos rapazes que lá viviam que fizeram um excelente trabalho”.
De Macau, Pancho e a mulher partiram rumo a Taiwan onde residem actualmente. Dos anos vividos no território ficaram boas recordações. “A grande torre estava ainda a meio da construção e já se notava que muito em breve a cidade se tornaria na Las Vegas do Oriente. Gostámos muito de Macau e do seu sabor português… em especial do vinho do Porto Lágrima de Cristo e do chouriço. A comida portuguesa é excelente.”
Em 2012 Francisco “Pancho” Borboa, com 89 anos, recebeu o prémio Ohtli, o reconhecimento do Estado mexicano pelo trabalho desenvolvido na promoção da cultura e imagem do país no estrangeiro. Na ocasião a responsável pela entrega da medalha de prata e diploma, Munoz Ledo, justificou assim a distinção. “Pancho tem sido durante muitos anos um silencioso embaixador cultural do México na região da Ásia-Pacífico. Com a sua obra, atraente, colorida, bela e evangelizadora, há muitos anos que vem construindo um estilo com forte raiz mexicana.”
Actualmente com 94 anos “Pancho” continua a trabalhar no seu estúdio em Taiwan sempre com a mulher ao lado. Abdicou do sacerdócio mas nunca perdeu a fé. Aliás, a maioria dos seus trabalhos tem motivos religiosos. Um dos mais recentes (2015) é um mural de 12 metros de altura colocado no centro pastoral de Taipé. Intitula-se “Jesus e seus discípulos”.
Em meados de 2016 foi publicado o livro “los Caminos del Viento: la vida de un misionero jesuíta”, uma biografia de Borboa escrita por Ruben Aguillar a partir de 2013 através de uma troca de e-mails, tal como aconteceu com o autor desta reportagem.
Texto de João Botas em mais um exclusivo do blogue Macau Antigo
quarta-feira, 20 de setembro de 2017
Macau na Festa do Livro em Belém
A Livraria do Turismo de Macau marca presença na segunda edição da Festa do Livro em Belém, uma iniciativa da Presidência da República em colaboração com a APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), que decorre nos Jardins do Palácio de Belém, entre quinta-feira e domingo - 21 a 24 de Setembro.
Cerca de 50 editores e livreiros estarão presentes neste certame que ao longo de 4 dias apresentará um programa diversificado de actividades, desde lançamento de livros, sessões de autógrafos e debates, passando por sessões de cinema, poesia, música e teatro. Macau estará representado com obras de diversas temáticas, de ficção e não ficção.
A Festa do Livro em Belém irá oferecer várias zonas de leitura com uma ligação aberta ao Jardim Botânico Tropical, bem como uma área de restauração.
Horário do stand da Livraria do Turismo de Macau nos Jardins do Palácio de Belém:
quinta, entre as 18h e as 22h, sexta e sábado das 11h às 22h e domingo das 11h às 20h.
quinta, entre as 18h e as 22h, sexta e sábado das 11h às 22h e domingo das 11h às 20h.
terça-feira, 19 de setembro de 2017
Antes e Depois: Escola Pui Tou
clicar na imagem para ver em tamanho maior
No nº 107 da Rua da Praia Grande está ainda hoje um edifício que pertence à escola Pui Tou, actualmente um dos vários que a instituição de ensino tem no território. De estilo neoclássico, o edifício de 3 andares data da primeira década do século XX (ver a primeira imagem) sendo na década de 1960 acrescentado um quarto piso (imagem a cores na actualidade).
domingo, 17 de setembro de 2017
Recordando Charles Ralph Boxer
Charles Ralph Boxer (1904-2000) foi doutor "honoris causa" pelas mais prestigiadas universidades do mundo e o historiador estrangeiro que mais escreveu sobre os Descobrimentos, expansão e colonização portugueses.
Era de facto um homem muito activo. Costumava dizer: "I like action - moral courage is much less common than intelligence."
Sem título académico só começou a carreira de investigador aos 43 anos, depois de deixar o exército com o posto de major. Deixou de escrever em 1984 ao fim de mais de 350 livros e artigos publicados... Muitos deles - ilustram este post - são sobre a presença portuguese no Oriente e, naturalmente, sobre a história de Macau onde esteve na década de 1930/40. Mas já lá vamos...
C. R. Boxer nasceu a 8 de Março de 1904, na ilha de Wight, no Sul da Inglaterra. Em 1923 entrou para o regimento de Lincolnshire com o posto de tenente. Ficaria na Irlanda do Norte durante os 24 anos seguintes, seguindo depois para o Japão onde foi oficial intérprete entre 1930 e 1933. Em 1936 é transferido para Hong Kong onde fica estacionado em Hong Kong, como membro dos serviços secretos britânicos.
C. R. Boxer nasceu a 8 de Março de 1904, na ilha de Wight, no Sul da Inglaterra. Em 1923 entrou para o regimento de Lincolnshire com o posto de tenente. Ficaria na Irlanda do Norte durante os 24 anos seguintes, seguindo depois para o Japão onde foi oficial intérprete entre 1930 e 1933. Em 1936 é transferido para Hong Kong onde fica estacionado em Hong Kong, como membro dos serviços secretos britânicos.
Nessa altura faz várias viagens pela região e teve acesso a vários livros e documentos antigos. Numa dessas viagens vai a Macau tendo conhececido o padre Manuel Teixeira de quem se tornou amigo. "Um dia, - recorda o padre - perguntei-lhe qual era a sua religião. Ele respondeu-me: 'Do pescoço para cima sou episcopaliano, mas do pescoço para baixo sou mórmon!'"
Tinha grande facilidade para aprender línguas. Para além do inglês, sabia fluentemente o japonês, o português, o holandês, o espanhol, o alemão e o italiano. Quando os japoneses invadem a colónia britânica em Dezembro de 1941 Boxer foi gravemente ferido em combate e feito prisioneiro de guerra. Seria condenado a 35 anos de prisão, passa os três anos seguintes, até à derrota japonesa, em regime de "solitária", em Guangzhou (Cantão). Segundo monsenhor Manuel Teixeira os japoneses "fuzilaram todos os oficiais, excepto Boxer; a ele, torturaram-lhe a mão esquerda, que ficou inutilizada para toda a vida, mas deixaram-lhe a direita para poder continuar a escrever a História, o que ele fez". E é desses anos que resultam inúmeros artigos/livros sobre Macau.
Depois da guerra Boxer volta a Inglaterra por pouco tempo regressando ao Japão como membro da delegação britânica na comissão aliada. Durante esse volta a publicar uma série de trabalhos sobre a história do Extremo Oriente, passando a ser, desde então, uma figura conhecida e respeitada na comunidade académica.
Já com mais de 40 anos ingressa na vida universitária como professor de Português, depois professor de História do Extremo Oriente e, mais tarde, professor de História da Expansão Europeia no Ultramar.
Em 1947, Boxer demitiu-se do exército para aceitar o convite para reger a cátedra de Camões, no King's College de Londres, lugar que ocupou até se reformar, em 1967. Seguiu depois para a Universidade de Indiana, em Bloomington, ao mesmo tempo que exercia o cargo de consultor da biblioteca Lilly Library. Entre 1969 e 1972 regeu a cadeira de História da Expansão da Europa no Ultramar na Universidade de Yale. Termina a docência e seguem-se as conferências e as investigações, a maior parte sobre Portugal.
Boxer é membro das academias portuguesas das Ciências e de História e foi condecorado com a Ordem de Santiago da Espada e com a Grande Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique, pelos seus estudos de história portuguesa ultramarina. "The Portuguese Seaborn Empire, 1415-1825" e "The Christian Century in Japan" estão entre as suas obras mais conceituadas.
Em 1963, no eclodir dos movimentos nacionalistas contra o domínio colonial português, Boxer publicou "Relações Raciais no Império Colonial Português 1415-1825" onde contraria a ideologia subjacente à política ultramarina portuguesa. No livro Boxer não inclui Macau. Conclui-se portanto que Boxer considera peculiar o processo histórico macaense, foram do contexto colonial mais abrangente. Boxer morreu em 2000 com 96 anos.
Sugestão de leitura: "Charles R. Boxer: an uncommon life: soldier, historian, teacher, collector, traveller". Edição F.O. Autores: Dauril Alden, James Cummins e Michael Cooper. A year after the death of what is considered the greatest historian of the Portuguese expansion abroad, the F.O. published "Charles R. Boxer - An Uncommon Life." Prof. Dauril Alden unveils the unusual personality of the historian, soldier, teacher, collector, and traveler who has built since the 30s to the 80s of the 20 century, a unique work: 355 books and articles, a library of rare books (printed and manuscripts) and hundreds of letters, the result of correspondence with researchers from around the world. Committed to making known the whole work of Boxer, the Orient Foundation in 1989 began publishing them in Portuguese. The 5 volumes published until 1993 were added in 2001, three more of a total of 15 designated Opera Minora and bringing together the scattered work of the historian.
Em 2015, no 110.º aniversário do nascimento de Charles Ralph Boxer, a Revista de Cultura - Edição Internacional dedicou a edição nº 47 à vida e obra do historiador britânico.
sexta-feira, 15 de setembro de 2017
História de Macau
“Não é raro que venham a Macau homens de ciência, geralmente comissionados por associações literárias ou científicas, no intuito de colher aqui elementos para estudos históricos ou de crítica. Os japoneses, os ingleses, os franceses, os americanos principalmente são os que se interessam mais por esses estudos.
É natural que Macau, que foi por muitos anos o único porto na China aberto aos estrangeiros, seja considerado como uma excelente fonte de informações para a história dos tempos mais antigos dos europeus no Extremo Oriente. Era por Macau que penetravam na China os embaixadores, os missionários, os negociantes, os exploradores. Em Macau foram impressos grande número de livros sobre a língua e a literatura chinesas, sobre os trabalhos das missões religiosas e políticas, sobre o movimento comercial, etc.
A igreja de S. Paulo ou o que resta dela, os conventos de Santa Clara e S. Francisco, as muralhas, as fortalezas, a Horta da Companhia e tantos outros edifícios religiosos, ou de importância militar, comercial e social no Extremo Oriente. Tudo o que eram relações de europeus ou americanos com a China, com o Japão, com as Filipinas, com Timor, com Sião e ainda em parte com a península de Malaca e com a Índia, partia de Macau ou aqui vinha ter.
Deve-se afigurar, pois, a todos os estudiosos de coisas antigas, Macau como uma mina em que os materiais desejados sejam porventura de extracção difícil, mas abundantes e ricos. É aqui terra de conventos, de frades e de freiras, terra de muitos homens e poucas mulheres, terra de aventureiros e de piratas, que inexaurível mina para romancistas! Pois, meus senhores, podia Dante ter escrito à entrada de Macau o ‘voi che entrate, lasciate ogni speranza’ – porque do muito, do muitíssimo que podia e devia haver, não há quase nada! Desapareceu quase tudo, e o que resta, está para aí abandonado.
Documentos escritos houve inúmeros; mas nunca se coligiram, nunca se seleccionaram, nunca se imprimiram, nunca se catalogaram, nunca se fez o devido caso deles. Andaram de armário para armário, de repartição para repartição, de mão para mão como coisas velhas, bolorentas, inúteis. Outros, o maior número, foram queimados ou comeram-nos os vermes ou levaram-nos os tufões. E hoje, se se quiser fazer a história de Macau em face dos documentos, é isso impossível, porque não existem.
Parece incrível, mas é verdade; uma colónia como Macau não tem história escrita – uma história completa. O Sr. Montalto de Jesus publicou há anos um volume em inglês que intitulou Historic Macao; esta obra, porém, conquanto útil e de merecimento, está longe de poder ser considerada como uma história desta colónia.
É natural que Macau, que foi por muitos anos o único porto na China aberto aos estrangeiros, seja considerado como uma excelente fonte de informações para a história dos tempos mais antigos dos europeus no Extremo Oriente. Era por Macau que penetravam na China os embaixadores, os missionários, os negociantes, os exploradores. Em Macau foram impressos grande número de livros sobre a língua e a literatura chinesas, sobre os trabalhos das missões religiosas e políticas, sobre o movimento comercial, etc.
A igreja de S. Paulo ou o que resta dela, os conventos de Santa Clara e S. Francisco, as muralhas, as fortalezas, a Horta da Companhia e tantos outros edifícios religiosos, ou de importância militar, comercial e social no Extremo Oriente. Tudo o que eram relações de europeus ou americanos com a China, com o Japão, com as Filipinas, com Timor, com Sião e ainda em parte com a península de Malaca e com a Índia, partia de Macau ou aqui vinha ter.
Deve-se afigurar, pois, a todos os estudiosos de coisas antigas, Macau como uma mina em que os materiais desejados sejam porventura de extracção difícil, mas abundantes e ricos. É aqui terra de conventos, de frades e de freiras, terra de muitos homens e poucas mulheres, terra de aventureiros e de piratas, que inexaurível mina para romancistas! Pois, meus senhores, podia Dante ter escrito à entrada de Macau o ‘voi che entrate, lasciate ogni speranza’ – porque do muito, do muitíssimo que podia e devia haver, não há quase nada! Desapareceu quase tudo, e o que resta, está para aí abandonado.
Documentos escritos houve inúmeros; mas nunca se coligiram, nunca se seleccionaram, nunca se imprimiram, nunca se catalogaram, nunca se fez o devido caso deles. Andaram de armário para armário, de repartição para repartição, de mão para mão como coisas velhas, bolorentas, inúteis. Outros, o maior número, foram queimados ou comeram-nos os vermes ou levaram-nos os tufões. E hoje, se se quiser fazer a história de Macau em face dos documentos, é isso impossível, porque não existem.
Parece incrível, mas é verdade; uma colónia como Macau não tem história escrita – uma história completa. O Sr. Montalto de Jesus publicou há anos um volume em inglês que intitulou Historic Macao; esta obra, porém, conquanto útil e de merecimento, está longe de poder ser considerada como uma história desta colónia.
O Leal Senado de Macau, instituição quase tão antiga como a colónia, e que tem sempre exercido um papel preponderante na vida local, nunca se lembrou de a mandar escrever. O facto não se justifica por falta de dinheiro, porque o Leal Senado tem-no tido bastante para isso. Não há muitos anos dispendeu alguns milhares de patacas para ocupar os lazeres de dois oficiais do exército sob o pretexto de levantarem uma (levantada) carta de Macau…
A Santa Casa da Misericórdia, outra instituição com séculos de existência, também não tem história escrita. Existem no seu cartório uns livros velhos de quase nenhuma importância; os que tinham valor desapareceram. Não consta, de resto, que alguma vez tentasse pôr em letra redonda o que tem sido e o que tem feito durante a sua longa existência esta instituição.
O Seminário, outra velha instituição, e o Bispado, não menos antigo, estão nas mesmas condições. Alguns documentos existem, velhos, poeirentos, meio comidos, por gavetas e armários; e é tudo. É uma pena; a desorganização entrou connosco e não vemos sinais de ressurgimento. E é ao mesmo tempo uma vergonha que estrangeiros venham aqui frequentemente em viagem de estudo e tenham de partir desapontados. Ainda há poucos dias isso aconteceu com um americano que aqui veio comissionado por uma associação científica de Washington.
Ainda se poderia fazer alguma coisa. Restam dos muitos que houve, vários maços de documentos no Leal Senado, na Santa Casa da Misericórdia, no Seminário, na Sé e em algumas repartições do Estado, que deveriam ser estudados, seleccionados, catalogados e imprimidos. Porque se não faz ao menos isso?
Dever-se-ia ir muito mais longe. Além desses manuscritos, há livros, opúsculos, revistas e outras publicações com notas interessantes para a história de Macau. Dever-se-iam coligir e, ao mesmo tempo, dever-se-ia organizar um índice desenvolvido com referência a tudo quanto a colecção contivesse sobre o assunto e merecesse interesse ou importância.
Era assim que um dia, juntos que fossem todos estes elementos, alguém poderia abalançar-se a escrever a história de Macau. Não é de esperar que a iniciativa particular se lance em semelhante empresa; tudo isso exige muito tempo, muito estudo, muito trabalho, muitas despesas. Deverá o Estado, sendo como é o assunto de interesse público, empreendê-lo, incumbindo pessoa ou pessoas competentes de o levar a termo; e só assim julgamos que é possível dar-lhe boa solução.”
A Santa Casa da Misericórdia, outra instituição com séculos de existência, também não tem história escrita. Existem no seu cartório uns livros velhos de quase nenhuma importância; os que tinham valor desapareceram. Não consta, de resto, que alguma vez tentasse pôr em letra redonda o que tem sido e o que tem feito durante a sua longa existência esta instituição.
O Seminário, outra velha instituição, e o Bispado, não menos antigo, estão nas mesmas condições. Alguns documentos existem, velhos, poeirentos, meio comidos, por gavetas e armários; e é tudo. É uma pena; a desorganização entrou connosco e não vemos sinais de ressurgimento. E é ao mesmo tempo uma vergonha que estrangeiros venham aqui frequentemente em viagem de estudo e tenham de partir desapontados. Ainda há poucos dias isso aconteceu com um americano que aqui veio comissionado por uma associação científica de Washington.
Ainda se poderia fazer alguma coisa. Restam dos muitos que houve, vários maços de documentos no Leal Senado, na Santa Casa da Misericórdia, no Seminário, na Sé e em algumas repartições do Estado, que deveriam ser estudados, seleccionados, catalogados e imprimidos. Porque se não faz ao menos isso?
Dever-se-ia ir muito mais longe. Além desses manuscritos, há livros, opúsculos, revistas e outras publicações com notas interessantes para a história de Macau. Dever-se-iam coligir e, ao mesmo tempo, dever-se-ia organizar um índice desenvolvido com referência a tudo quanto a colecção contivesse sobre o assunto e merecesse interesse ou importância.
Era assim que um dia, juntos que fossem todos estes elementos, alguém poderia abalançar-se a escrever a história de Macau. Não é de esperar que a iniciativa particular se lance em semelhante empresa; tudo isso exige muito tempo, muito estudo, muito trabalho, muitas despesas. Deverá o Estado, sendo como é o assunto de interesse público, empreendê-lo, incumbindo pessoa ou pessoas competentes de o levar a termo; e só assim julgamos que é possível dar-lhe boa solução.”
Artigo da autoria de Manuel da Silva Mendes publicado no jornal O Progresso 6.6.1915
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
Portuguese Enclave
A 16 de Maio de 1971 a agência noticiosa APN disponiblizou esta fotografia com a seguinte legenda: "Macao, a 6 mile square outpost of Portugal, exists in the shadow of its giant neighbor, Communist China. It survives because at present for economic reasons China has more to gain than lose by allowing continued Portuguese of the small peninsula and its two nearby islands, Taipa and Coloane. Macao is a quiet backwater with na estimated population of 300,000, 98 per cent of whom are Chinese. Perhaps only 2,000 are pure Portuguese, but the Portuguese in Macao remain proud of their traditions and their past."
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
domingo, 10 de setembro de 2017
As expropriações em Macau
Há mais de vinte anos se anda a expropriar a cidade de Macau e do muito que já foi expropriado, muito pouco, quase nada, se fez que possa ver-se. O Bairro de S. Lázaro e a Avenida de Almeida Ribeiro são as únicas cousas que se vêem modernas na cidade. O resto é velho, medieval.
O que é que tem resultado de tão grande número de expropriações que têm sido feitas? O Boletim Oficial anda sempre, todos os anos, a anunciar expropriações. Todos os anos são demolidos muitos prédios. A Fazenda tem pago nos últimos anos centenas de milhares de patacas. Para quê que proveito tem tirado a cidade de tanto dinheiro gasto?
A única cousa que em tanto deitar abaixo ficou boa, foi o Bairro de S. Lázaro. Esta parte da cidade, sim, é nova, é moderna, ruas alinhadas, limpas, de suficiente largura, tudo obedecendo a um plano. Mas este Bairro foi feito há uns 20 anos. Ora, depois disso, o que é que se tem feito? Em que se tem despendido centenas de milhares de patacas?
Depois do Bairro de S. Lázaro a segunda expropriação grande que se fez foi a de um quarteirão de prédios a norte do Largo de S. Domingos, no sítio em que se acha o Mercado Municipal e o renque de casas que limita pelo norte esse mesmo largo.
Ora o Mercado Municipal custou cerca de oitenta mil patacas e ficou aquela vergonha arquitectónica, que pouca gente conhece bem, porque o nojo impede que lá se entre – se bem que é dali que toda a cidade se alimenta, ou senão toda dali, de outros antros ainda mais nojosos! A Câmara devia ter mandado deitar aquilo abaixo há muito tempo; mas já que o não faz, ponha ao menos na entrada, em lugar alto e bem visível, o busto do técnico, pendurado de uma forca...
O que é que tem resultado de tão grande número de expropriações que têm sido feitas? O Boletim Oficial anda sempre, todos os anos, a anunciar expropriações. Todos os anos são demolidos muitos prédios. A Fazenda tem pago nos últimos anos centenas de milhares de patacas. Para quê que proveito tem tirado a cidade de tanto dinheiro gasto?
A única cousa que em tanto deitar abaixo ficou boa, foi o Bairro de S. Lázaro. Esta parte da cidade, sim, é nova, é moderna, ruas alinhadas, limpas, de suficiente largura, tudo obedecendo a um plano. Mas este Bairro foi feito há uns 20 anos. Ora, depois disso, o que é que se tem feito? Em que se tem despendido centenas de milhares de patacas?
Depois do Bairro de S. Lázaro a segunda expropriação grande que se fez foi a de um quarteirão de prédios a norte do Largo de S. Domingos, no sítio em que se acha o Mercado Municipal e o renque de casas que limita pelo norte esse mesmo largo.
Ora o Mercado Municipal custou cerca de oitenta mil patacas e ficou aquela vergonha arquitectónica, que pouca gente conhece bem, porque o nojo impede que lá se entre – se bem que é dali que toda a cidade se alimenta, ou senão toda dali, de outros antros ainda mais nojosos! A Câmara devia ter mandado deitar aquilo abaixo há muito tempo; mas já que o não faz, ponha ao menos na entrada, em lugar alto e bem visível, o busto do técnico, pendurado de uma forca...
A expropriação dos prédios contíguos fez-se ao mesmo tempo ou pouco depois da do terreno do mercado. Dever-se-ia ter feito um plano a que as reconstruções obedecessem; mas não; ou não se fez, ou se se fez permitiu-se que cada qual reconstruísse como quisesse, com o desastrado resultado de ficar o largo cheio de cotovelos, todo desalinhado, fazendo funil para o lado de S. Domingos, assombrando o mercado e tirando-lhe o pouco ar que tinha. E ainda a Câmara Municipal não pôs ali, bem alto também, o busto do técnico enforcado!...
Depois disso tem-se deitado abaixo muita cousa em muitas partes da cidade; mas não é fácil dizer onde, pois que anda a gente pela cidade toda e tudo parece velho. Ainda recentemente o disse um turista norueguês num jornal da sua terra: que Macau é uma cidade pitoresca, de bom clima, mas medieval. Também ele não viu sinais de que nós portugueses andássemos há mais de 20 anos a remodelar a cidade. Não viu nem podia ver, porque, de facto, quanto mais se tem expropriado mais isto tem ficado sempre a mesma cousa.
Os chineses têm a especialidade de fazer as cousas de modo que fiquem logo velhas. Olha a gente, por exemplo, para as embarcações chinesas, algumas ou muitas das quais vimos construir, e parecem-nos arcas de Noé. Entra a gente num estabelecimento para comprar bordados, louças, lacas, bronzes, pinturas, e logo o negociante nos jura que é tudo do tempo dos Mings. Ora não é nada Ming, mas, no aspecto, chega a parecer que o é.
Nós temos também muito desta especialidade chinesa; somos bastante Mings. Não roubam o dinheiro os encarregados das obras e obras se fazem continuamente; mas fica tudo sempre no mesmo Ming. Fazemos em terra, como os chineses na água, arcas de Noé. Se uma rua é estreita porque tem só três metros e meio, expropria-se e faz-se outra com três metros e três quartos. E assim fazendo é que se tem despendido milhares e milhares de patacas em pura perda.
Depois disso tem-se deitado abaixo muita cousa em muitas partes da cidade; mas não é fácil dizer onde, pois que anda a gente pela cidade toda e tudo parece velho. Ainda recentemente o disse um turista norueguês num jornal da sua terra: que Macau é uma cidade pitoresca, de bom clima, mas medieval. Também ele não viu sinais de que nós portugueses andássemos há mais de 20 anos a remodelar a cidade. Não viu nem podia ver, porque, de facto, quanto mais se tem expropriado mais isto tem ficado sempre a mesma cousa.
Os chineses têm a especialidade de fazer as cousas de modo que fiquem logo velhas. Olha a gente, por exemplo, para as embarcações chinesas, algumas ou muitas das quais vimos construir, e parecem-nos arcas de Noé. Entra a gente num estabelecimento para comprar bordados, louças, lacas, bronzes, pinturas, e logo o negociante nos jura que é tudo do tempo dos Mings. Ora não é nada Ming, mas, no aspecto, chega a parecer que o é.
Nós temos também muito desta especialidade chinesa; somos bastante Mings. Não roubam o dinheiro os encarregados das obras e obras se fazem continuamente; mas fica tudo sempre no mesmo Ming. Fazemos em terra, como os chineses na água, arcas de Noé. Se uma rua é estreita porque tem só três metros e meio, expropria-se e faz-se outra com três metros e três quartos. E assim fazendo é que se tem despendido milhares e milhares de patacas em pura perda.
Das grandes expropriações a mais recente é a da Avenida Almeida Ribeiro. Lembramo-nos de que quando se tratou desta expropriação (que teve as honras de um decreto especial), houve técnico ou técnicos que quis ou quiseram convencer o público de que no caso andava agora, então, olhar alto, vista larga – a qual vista larga ou ver longe era a expropriação por um processo novo, um processo que em Paris tinha produzido maravilhas, a expropriar por zonas.
Ora os técnicos, já se vê, são os que sabem; e, em falando deles toda a gente deve ficar calada e podendo ser... embasbacada. Foi o que nos aconteceu a nós; para que ficassem satisfeitos, quando os ouvíamos falar nas vistas largas, amavelmente nos embasbacávamos... Ah! E presenciamos que embasbacou também o elemento oficial não-técnico, que a eles estava agregado, nas deliberações a tomar, dizendo delicadamente a tudo amen.
Fez-se, pois, pela cabeça dos técnicos a Avenida de Almeida Ribeiro e saiu a bota que lá está: em vez de Avenida, uma rua de insuficiente largura para o trânsito. Deveria ser a principal artéria da cidade, com largura para peões, para rickchás, para automóveis, para eléctricos, etc. Afinal, se quiser que seja isso, terá de se expropriar outra vez, de se deitar tudo abaixo...
A especialidade desta expropriação consistia em se tomar uma zona de terreno de cada lado, que dividida em talhões e vendida para construção de prédios, pagasse ou quase pagasse as despesas. Ora nisto se enganaram os técnicos também redondamente. A zona expropriada, viu-se depois, não tinha profundidade para dar cabimento a prédios, e, portanto, rendeu muito menos do que se esperava.
Resultado: nem espaço suficiente para a rua, nem espaço suficiente para prédios como deviam ser. Calculou-se que ali se estabeleceriam os maiores negociantes e também este cálculo falhou. Não há ali, tirante duas casa de câmbio, senão pequenas lojas de barbeiro, lojas de carpinteiro, casas de penhor e quejandas e alguns escritórios. É comercialmente uma rua insignificante.
De notar é também que cerca da quarta parte dos prédios desta soidisant avenida estão normalmente desocupados. Para moradia não servem, porque o maior número deles não tem lugar para poço nem para cozinha; e, por lhes faltar fundo, as escadas de quase todos são tão íngremes que mais parece para gatos do que para gente foram feitas. Dentro, os pavimentos são todos devassados; não há espaço para divisões.
E aqui está o que os técnicos arranjaram. Nós, é claro, não temos ódio nenhum aos técnicos. Não o temos aos que “de verdade” o são. Aos outros, aos técnicos-sapateiros, ódio figadal, também não; mas ódio administrativo confessamos que algum temos, porque podia a cidade ao tempo que se anda a expropriar e ao que com expropriações se tem gasto, estar um brinco e está o que está - medieval. Só disto nos vem o ódio aos sapateiros a que aludimos. De resto, para nós, são todos boas pessoas: somente, se governássemos, amavelmente, os mandaríamos... passear...
Artigo da autoria de Manuel da Silva Mendes publicado no jornal “O Macaense”, 19.10.1919
Ora os técnicos, já se vê, são os que sabem; e, em falando deles toda a gente deve ficar calada e podendo ser... embasbacada. Foi o que nos aconteceu a nós; para que ficassem satisfeitos, quando os ouvíamos falar nas vistas largas, amavelmente nos embasbacávamos... Ah! E presenciamos que embasbacou também o elemento oficial não-técnico, que a eles estava agregado, nas deliberações a tomar, dizendo delicadamente a tudo amen.
Fez-se, pois, pela cabeça dos técnicos a Avenida de Almeida Ribeiro e saiu a bota que lá está: em vez de Avenida, uma rua de insuficiente largura para o trânsito. Deveria ser a principal artéria da cidade, com largura para peões, para rickchás, para automóveis, para eléctricos, etc. Afinal, se quiser que seja isso, terá de se expropriar outra vez, de se deitar tudo abaixo...
A especialidade desta expropriação consistia em se tomar uma zona de terreno de cada lado, que dividida em talhões e vendida para construção de prédios, pagasse ou quase pagasse as despesas. Ora nisto se enganaram os técnicos também redondamente. A zona expropriada, viu-se depois, não tinha profundidade para dar cabimento a prédios, e, portanto, rendeu muito menos do que se esperava.
Resultado: nem espaço suficiente para a rua, nem espaço suficiente para prédios como deviam ser. Calculou-se que ali se estabeleceriam os maiores negociantes e também este cálculo falhou. Não há ali, tirante duas casa de câmbio, senão pequenas lojas de barbeiro, lojas de carpinteiro, casas de penhor e quejandas e alguns escritórios. É comercialmente uma rua insignificante.
De notar é também que cerca da quarta parte dos prédios desta soidisant avenida estão normalmente desocupados. Para moradia não servem, porque o maior número deles não tem lugar para poço nem para cozinha; e, por lhes faltar fundo, as escadas de quase todos são tão íngremes que mais parece para gatos do que para gente foram feitas. Dentro, os pavimentos são todos devassados; não há espaço para divisões.
E aqui está o que os técnicos arranjaram. Nós, é claro, não temos ódio nenhum aos técnicos. Não o temos aos que “de verdade” o são. Aos outros, aos técnicos-sapateiros, ódio figadal, também não; mas ódio administrativo confessamos que algum temos, porque podia a cidade ao tempo que se anda a expropriar e ao que com expropriações se tem gasto, estar um brinco e está o que está - medieval. Só disto nos vem o ódio aos sapateiros a que aludimos. De resto, para nós, são todos boas pessoas: somente, se governássemos, amavelmente, os mandaríamos... passear...
Artigo da autoria de Manuel da Silva Mendes publicado no jornal “O Macaense”, 19.10.1919
sexta-feira, 8 de setembro de 2017
Biografia de Manuel da Silva Mendes apresentada em Outubro em Macau
Está previsto para o final de Outubro a apresentação pública em Macau da Biografia de Manuel da Silva Mendes escrita pelo autor destas linhas e dada a conhecer em Portugal em Junho último durante mais uma edição da Feira do Livro de Lisboa.
Darei mais pormenores sobre este evento muito em breve. Aqui pelo blogue continuarei a evocação dos 150 anos do nascimento de Silva Mendes (1867-1931), reproduzindo ao longo dos próximos meses alguns das centenas de artigos escritos pelo punho de MSM e que foram publicados na imprensa macaense nas primeiras décadas do século XX.
Darei mais pormenores sobre este evento muito em breve. Aqui pelo blogue continuarei a evocação dos 150 anos do nascimento de Silva Mendes (1867-1931), reproduzindo ao longo dos próximos meses alguns das centenas de artigos escritos pelo punho de MSM e que foram publicados na imprensa macaense nas primeiras décadas do século XX.
Vista actual da casa de Silva Mendes construída na primeira década do século XX |
Para mais informações sobre a biografia fica o convite para visitarem a página criada para o efeito. Para além da plataforma da internet, em Portugal o livro está à venda na Livraria da Delegação do Turismo de Macau em Lisboa e na Livraria do Museu do Oriente. Em Macau os locais de venda serão anunciados brevemente.
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
Bilheteiras do "S.S. Macau" e do "Tai Loy"
Foto do jornal South China Morning Post (Hong Kong) em 1968 onde se podem ver as bilheteiras do "Tai Loy" (tradução Grande Onda) e do "S.S. Macau", duas das principais embarcações que asseguravam as ligações marítimas regulares entre Macau e Hong Kong.
O Tai Loy atracava no Porto Interior enquanto o S.S. Macau o fazia no Porto Exterior (em baixo fotos do início da década de 1970)
segunda-feira, 4 de setembro de 2017
Macau e o Jardim botânico Tropical
Classificado como Monumento Nacional, o Jardim Botânico Tropical situa-se em Lisboa, na zona de Belém, junto ao Mosteiro dos Jerónimos. Ocupa uma área de cerca de 7 hectares - com cerca de 600 espécies vegetais oriundas de todo o mundo - e foi criado em 1906 no âmbito da organização dos serviços agrícolas coloniais e do Ensino Agronómico Colonial no Instituto de Agronomia e de Veterinária, tendo-se denominado então Jardim Colonial. Não obstante estar aberto ao público e merecer de facto uma visita, o espaço já ostenta sinais claros de degradação.
A Exposição do Mundo Português (1940) ocupou grande parte do jardim com a Seção Colonial dando origem a estruturas como o edifício da Casa Colonial, com painéis de azulejos de temática colonial, o antigo Restaurante Colonial, o Pavilhão das Matérias-Primas e o Arco de Macau que dá entrada ao Jardim Oriental. Nesta zona, que faz lembrar o jardim Lou Lim ioc em Macau, encontra-se um pequeno pavilhão de estilo chinês e uma reprodução da gruta de Camões, muito parecida com a existente em Macau, incluindo um busto do poeta e a reprodução de cantos d'Os Lusíadas.
Da exposição de 1940 ficaram ainda no jardim 14 bustos africanos e asiáticos do escultor Manuel de Oliveira, dois painéis de madeira em baixo-relevo do escultor Alípio Brandão, expostos no átrio do Palácio da Calheta. Tudo a precisar de obras e conservação e restauro urgentes. A entrada custa dois euros. Em baixo uma planta do jardim estando assinalado no círculo vermelho o Jardim Oriental.
sábado, 2 de setembro de 2017
Atlas de Portugal continental insular e ultramarino
sexta-feira, 1 de setembro de 2017
Rua Madre Terezina
Num dos vários surtos de cólera que atingiram Macau no final do século XIX, distinguiram-se, entre outros, pela sua abnegada entrega, as madres canossianas Teresina (Maria Teresa Lucian) e Joana Biancardi. Ambas foram condecoradas pelo governo de Macau a 30 de Julho de 1897.
De nacionalidade italiana, Maria Teresa Lucian (1845 -1909) foi para Macau em 1869 onde fundou o convento das irmãs canossianas sendo nomeada em 1878 superiora da nova Casa de Beneficência, no Largo de Camões (demolida em 1981). Em 1896, foi eleita superiora da Comunidade Canossiana de Macau (quando esta se separou da de Hong Kong). De acordo com Monsenhor Manuel Teixeira ao receber a medalha de prata em 1907, a Madre Lucian teria comentado «Se em vez duma medalha, me dessem um hábito novo, ser-me-ia mais útil». Terá baptizado mais de 15 000 crianças.
A rua com seu nome em Macau começa na Av. Coronel Mesquita e termina na Estrada de Fernão Mendes Pinto, atravessando a Avenida Horta e Costa.
De nacionalidade italiana, Maria Teresa Lucian (1845 -1909) foi para Macau em 1869 onde fundou o convento das irmãs canossianas sendo nomeada em 1878 superiora da nova Casa de Beneficência, no Largo de Camões (demolida em 1981). Em 1896, foi eleita superiora da Comunidade Canossiana de Macau (quando esta se separou da de Hong Kong). De acordo com Monsenhor Manuel Teixeira ao receber a medalha de prata em 1907, a Madre Lucian teria comentado «Se em vez duma medalha, me dessem um hábito novo, ser-me-ia mais útil». Terá baptizado mais de 15 000 crianças.
A rua com seu nome em Macau começa na Av. Coronel Mesquita e termina na Estrada de Fernão Mendes Pinto, atravessando a Avenida Horta e Costa.
Edifícios demolidos em 2015 na Rua da Madre Terezina |
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