Montalto de Jesus, em Historic Macao, 1926, ps. 37-40, sustenta que, nos primeiros tempos da existência de Macau, mantínhamos jurisdição sobre todo o distrito do Heung-Shán (Montes Odoríferos)--termo aportuguesado para Anção»--, que principiámos a cultivar, atraindo assim para ele a população e as autoridades chinesas. De facto, há mapas antigos com a designação «Ilha de Macao» aplicada a todo esse distrito (B. Videira Pires, S.J., O IV Centenário dos Jesuítas em Macau, 1964, p. 35, n.º 22); e a construção da «Porta do Cerco ou do Limite» em 1573 visou não só controlar o fornecimento de víveres e evitar a fuga de escravos negros para a China, mas principalmente fixar a fronteira terrestre. Além da Porta, num espaço cercado por uma paliçada, fazia-se uma feira, de início cada 5 dias e mais tarde cada 15, e terminadas as transacções, fechava-se a Porta e selava-se com 6 papéis. Sobre ela, lia-se, em carácteres chineses: «Temei a nossa grandeza e respeitai a nossa virtude». Junto da Porta, estacionavam tropas chinesas, que, várias vezes, embaraçavam o negócio, tendo, uma vez, o capitão-de-terra de prender 40 soldados chineses e admoestá-los em Macau. A bula de erecção do Bispado de Macau escreve «Ilha de Macau».
Pelo P.e Benjamim Videira Pires, S. J.
As versões oficiais portuguesas, que chegaram até nós, sobre a concessão de Macau e territórios anexos a Portugal, são mais de dois séculos posteriores ao próprio facto e ao ano do nosso estabelecimento definitivo nesse rincão do sul da China, geralmente admitido como o de 1557. Numa dessas versões oficiais, conservada no códice n.º 13, fls. 168v e ss., do mais velho Núcleo Documental do Leal Senado da Câmara de Macau, assegura-se-nos que o porto de Macau foi dado à nossa Pátria, «perpétuamente» e «sem penção,foro, ou tributo (,) além de muitos privilégios, graças e izençoens».«Naturalmente, a perda desses privilégios- comenta Sonnerat-,
As versões oficiais portuguesas, que chegaram até nós, sobre a concessão de Macau e territórios anexos a Portugal, são mais de dois séculos posteriores ao próprio facto e ao ano do nosso estabelecimento definitivo nesse rincão do sul da China, geralmente admitido como o de 1557. Numa dessas versões oficiais, conservada no códice n.º 13, fls. 168v e ss., do mais velho Núcleo Documental do Leal Senado da Câmara de Macau, assegura-se-nos que o porto de Macau foi dado à nossa Pátria, «perpétuamente» e «sem penção,foro, ou tributo (,) além de muitos privilégios, graças e izençoens».«Naturalmente, a perda desses privilégios- comenta Sonnerat-,
que foram substituídos por exacções cada vez maiores dos chineses, incluindo o foro do chão, colocaram Macau numa posição que parecia fundamentar as alegações dos cronistas chineses sobre a origem da província».
Os portugueses principiaram a residir estàvelmente em Macau, durante a dinastia Ming. No intuito de procurar a estabilidade interna da nação, evitar a pirataria sobretudo dos Wakos (que irrompera no início do século XIV e atingiu o auge em meados do século XVI) e transformar o comércio com o estrangeiro em monopólio do Estado, a corte Ming, em 1371, proibira o comércio ultramarino aos particulares chineses e organizara o sistema do comércio tributário. Evidentemente, a economia das províncias costeiras (sobretudo Kuangtung, Fukien e Che-kiang), que tanto progredira com o comércio marítimo nas dinastias Sung e Yuan, sofreu graves prejuízos. Por isso, os seus habitantes violavam frequentemente a proibição e uniam-se aos portugueses para se manterem em comunicação com a China, forneciam-lhes guias e auxiliares e conduziam-nos aos melhores ancoradouros dessas províncias, onde os nossos subornavam os mandarins locais. Apenas surgiam rixas de interesses díspares, as culpas naturalmente eram imputadas aos «diabos estrangeiros». Levadas ao conhecimento da corte, esta exigia a expulsão dos portugueses. Assim se explica, em parte, segundo Frei Gaspar da Cruz, a vida precária dos primeiros contactos comerciais portugueses de Chin Hae (Ningpó), Chinchéu e outros, nas costas do sul e sudeste da China, até que, pelo «assentamento» de Leonel de Sousa, nos obrigámos a pagar os direitos que eram impostos a todos os navios que entravam nos portos do Celeste Império. Distinguiram-se, neste período de isolacionismo, como intermediários comerciais entre o Sueste Asiático e a China (para a importação sobretudo de pimenta, que o Império do Meio Termo conhecia desde o século IV) os Léquios e entre a China e o Japão (para a importação da prata e a exportação da seda) os portugueses de Macau.
Os portugueses principiaram a residir estàvelmente em Macau, durante a dinastia Ming. No intuito de procurar a estabilidade interna da nação, evitar a pirataria sobretudo dos Wakos (que irrompera no início do século XIV e atingiu o auge em meados do século XVI) e transformar o comércio com o estrangeiro em monopólio do Estado, a corte Ming, em 1371, proibira o comércio ultramarino aos particulares chineses e organizara o sistema do comércio tributário. Evidentemente, a economia das províncias costeiras (sobretudo Kuangtung, Fukien e Che-kiang), que tanto progredira com o comércio marítimo nas dinastias Sung e Yuan, sofreu graves prejuízos. Por isso, os seus habitantes violavam frequentemente a proibição e uniam-se aos portugueses para se manterem em comunicação com a China, forneciam-lhes guias e auxiliares e conduziam-nos aos melhores ancoradouros dessas províncias, onde os nossos subornavam os mandarins locais. Apenas surgiam rixas de interesses díspares, as culpas naturalmente eram imputadas aos «diabos estrangeiros». Levadas ao conhecimento da corte, esta exigia a expulsão dos portugueses. Assim se explica, em parte, segundo Frei Gaspar da Cruz, a vida precária dos primeiros contactos comerciais portugueses de Chin Hae (Ningpó), Chinchéu e outros, nas costas do sul e sudeste da China, até que, pelo «assentamento» de Leonel de Sousa, nos obrigámos a pagar os direitos que eram impostos a todos os navios que entravam nos portos do Celeste Império. Distinguiram-se, neste período de isolacionismo, como intermediários comerciais entre o Sueste Asiático e a China (para a importação sobretudo de pimenta, que o Império do Meio Termo conhecia desde o século IV) os Léquios e entre a China e o Japão (para a importação da prata e a exportação da seda) os portugueses de Macau.
Em 1567, a corte Ming principia a abandonar a política do comércio tributário. Foi o fim dos Léquios como intermediários.
É tradição constante, na história portuguesa de Macau, a concessão duma «chapa de ouro» pelo imperador da China, Ka Cheng (嘉靖), ao comandante da frota lusitana que derrotou os piratas de Cham Si-lao, cerca de 1557. Este documento, basilar para a existência de simples propriedades estrangeiras dentro da China, como a nossa feitoria de Cantão e a primeira residência missionária católica de Shiu-hing, respectivamente em 1651 e 1583, deve ter existido, de facto, como escreveu o governador de Macau, José Gregório Pegado, em 23.2.1846, ao Visconde de Santarém, mas perdeu-se, com outros documentos complementares, provàvelmente nos alvores do século XIX. Essas «chapas» seriam a ratificação e ampliação do referido «assentamento», levado a termo em 1553 ou 1554, pelo capitão-mor Leonel de Sousa.
É tradição constante, na história portuguesa de Macau, a concessão duma «chapa de ouro» pelo imperador da China, Ka Cheng (嘉靖), ao comandante da frota lusitana que derrotou os piratas de Cham Si-lao, cerca de 1557. Este documento, basilar para a existência de simples propriedades estrangeiras dentro da China, como a nossa feitoria de Cantão e a primeira residência missionária católica de Shiu-hing, respectivamente em 1651 e 1583, deve ter existido, de facto, como escreveu o governador de Macau, José Gregório Pegado, em 23.2.1846, ao Visconde de Santarém, mas perdeu-se, com outros documentos complementares, provàvelmente nos alvores do século XIX. Essas «chapas» seriam a ratificação e ampliação do referido «assentamento», levado a termo em 1553 ou 1554, pelo capitão-mor Leonel de Sousa.
O códice n.º 74 do Leal Senado, a fls. 120-121v, narra-nos que o P.e Estêvão Lopes, S. J., traduziu «todas» as «chapas» chinesas de pedra emadeira, guardadas então no Senado, por ordem do vice-rei da India, Marquês de Alorna, em 1749. Essas traduções, que levaram várias semanas a completar, foram enviadas para Goa, na monção de 1750, pelo desembargador e procurador extraordinário do Senado, António Pereira da Silva. Aos 12.10.1752, o Pe. José Montanha, S. J., Provincial do Japão (1749-1752), transmitia ao Senado uma ordem do vice-rei, Marquês de Távora, de 23 de Março do mesmo ano, para serem traduzidas por um sinólogo jesuíta, o Pe. Jacobo Fillipe Simonelli, as «chapas» sínicas existentes no Arquivo da Câmara. Trata-se, ao que parece, ou de outros documentos diferentes das chapas traduzidas pelo Pé. Estêvão Lopes, S. J., ou dos mesmos mas endereçados a outro destino oficial.
Sir George Stauton, no seu livro «Accounts of Lord Macartney's Embassy to China, volume II, página 588, escreve: «In the senate-house (of Macau), which is built of granite and two storeis high, are several columns of the same material, with Chinese characters cut into them signifying a solemn cession of the place from the emperor of China». Staunton esteve na Cidade do Nome de Deus, em 1793.
Existiam, de facto, portanto, documentos imperiais relativos à concessão de Macau aos portugueses, ainda nos fins do século XVIII.
Ora sabemos, nomeadamente pelas cartas dos primeiros missionários jesuítas, que, pràticamente desde o início do nosso estabelecimento em Amagao, existiu o suborno às venais autoridades da província e distritos vizinhos do Kuangtung, que forjavam leis a seu belo-prazer e interpretavam as do imperador, demasiado distante, conforme as suas conveniências de momento. Um desses subornos, até 1572, pagava-se ao Comandante da Defesa Marítima ou «Aitão» (海道) e chamava-se, por isso, a «peita do Aitão». Expressão que mostra não se tratar dum tributo legal ou obrigatório, derivado de tratado público, mas duma exacção abusiva duma autoridade inferior. Desde 1572 ou, segundo a monografia histórica «OU-MUN KEI-LEOK», desde 1573, o quantitativo desse suborno principiou a pagar-se ao imperador da China e a apelidar-se «foro do chão» ou do sítio de Macau. O incidente que deu origem à continuidade desta exacção e à sua nova nomenclatura foi o seguinte: Indo os portugueses à feira (semestral) de Cantão e saindo os mandarins, como costumavam, à porta grande, vestidos de vermelho, para receber os direitos que levavam os portugueses, depois, em sinal de respeito, conforme a sua usança de os mandarins lhes darem um boião de vinho e alguns bolos,..., disse um Pedro Gonçalves, que servia de jurubaça e era mestiço, falando com o «Aitão»: -- «... como também aqui trazemos os quinhentos taéis (de prata) que paga a cidade de foro». O «Aitão», como se disse aquilo diante dos outros mandarins, vendo que corria perigo seu estado, acudiu logo que esses (500 taéis) entregasse ao Leencei, porque são para o tesouro de El-Rei, por serem do foro, que a cidade (de Macau) paga». Acrescenta o manuscrito da Biblioteca da Ajuda, que vamos seguindo: Claro está que esta quantia é «foro do sítio» e a cidade de Macau é «tão senhora dele como os chinas que (no interior) pagam foro do sítio e terras que possuem. E se alguém duvidar desta história(,) pergunte a verdade delaa António Garcês que se achou presente e está vivo», nesta data de 1581 ou 1582 em que isto escrevo.
O Professor Padre António da Silva Rego, depois de analisar este manuscrito, conclui que o pagamento do «foro do chão» de Macau devia representar para a mentalidade chinesa (que tinha todos os países conhecidos como seus tributários e só considerava como fronteiras da China os limites onde chegava de facto a sua força militar e política) o pagamento dum «tributo» por parte duma nação amiga. Com efeito, na bandeira da embaixada de Manuel Saldanha, em 1667, não ia escrita a expressão tsin kong (進貢) ou «levar tributo» -- facto inaudito nos dois mil anos anteriores da história da China. Já a carta de D. Manuel, que Tomé Pires entregou ao imperador Wu-tsung em 1522, era de igual para igual e, nas 3 galés que conduziram a embaixada pelo Grande Canal acima, ia arvorada, fora de toda a etiqueta precedente, a bandeira de Portugal. Em 1726 e 1753, também os dois embaixadores portugueses, respectivamente, Dr. Alexandre Metelo de Sousa e Meneses e o desembargador Francisco Xavier de Assis Pacheco e Sampaio, conseguiram que se corrigisse o termo tsin kong pelo de ge-ho (致賀) ou «missão congratulatória». Não obtiveram os embaixadores da Holanda e da Inglaterra o mesmo tratamento que Portugal. Lord Macartney, em 1793, teve de sujeitar-se a levar o dístico ignominioso que o Sião e os outros países tributários da China se viam forçados a levar, à frente do seu cortejo: «Embaixador, levando tributo da Inglaterra». O mesmo aconteceu à embaixada inglesa de 1816.
Para a mentalidade europeia e, de jure et de facto, no caso do dito «foro do chão» de Macau, tratava-se apenas dum foro, em virtude duma enfiteuse, ou melhor do título cobrado dum suborno ou dum presente. Os portugueses teriam assim o domínio útil de Macau, perpétuamente, e o imperador do Celeste Império o seu super-domínio. Na verdade, os Ta-Tsing Hwui-tien ou «Do-cumentos da Corte» não incluem Macau ou Portugal no número dos países que enviavam, anualmente, embaixadas à China a pagar tributo. Os anais chineses, citados por Parker, no seu livro «China's Intercourse with Europe», página 5, declaram: «Os Portugueses nunca enviaram tributo a Pequim, durante a dinastia Ming».
Em resposta de 21.4.1862 ao governador Isidoro F. Guimarães, o presidente do Leal Senado de Macau, Francisco de Assis Guimarães, historia a origem do foro como compatível com a perfeita soberania de Portugal sobre a nossa província do Extremo Oriente. A passagem é um pouco extensa, mas vale a pena transcrevê-la:
«... o Senado de Macáo (foi) elleito, pela primeira vez, em Abril de 1583, sob a denominação -- Municipalidade --, pelos Habitantes, que poucos annos antes tinhão adquirido este territorio á Coroa de Portugal, reunidos em Afsemblea de baixo da prezidencia do Govern. (ôr) do Bispado, D. Melchior Carneiro (S. J.), afsumiu desde logo ou os Elleitores lhe outorgarão nesta Afsemblea as atribuiçoens Politicas -- Economicas -- Municipaes, sem faltar de Judiciaes, que exercia por Juizes Ordinarios, Vogaes do mesmo Sei nado, as quaes atribuiçoens foram confirmadas pelo (sic) Nofsos Soberanos, e ultimam.te pelo Senhor D. João 5.º, como consta do Foral, que contem 28 Cartas, e núma dellas denominada = Acto Constitucional = ou Carta de Declaração, datada de 6 de Janeiro de 1712, estão diffinidas (sic) as referidas atribuiçoens, sendo a mais principal- as Municipaes - em cuja virtude a Municipalidade ou Senado tem sempre, desde a sua criação até o prezente, concedido terrenos baldios aos Moradores, mesmo depois das = Providencias = que derão nova forma àquelle Corpo» (administrativo).
«Ainda depois da separação das suas atribuiçoens Políticas e Económicas, feita (sob o governo de Soares Andrea) pelo Decreto de 20 de Stbro. de 1844, continuarão os Senados subsequentes a fazer concefsoens de baldios a varios Moradores, por ex. (a)o Dr. João Damasceno Coelho dos Santos, Delegado do Procurador da Coroa e Vogal da Junta de Fazenda, e (a) Miguel Pereira Simões, Escrivão da Câmara.
A lei de 5.6.1822, n.º 8, diz que os Baldios são dos Povos e a sua administração pertence à Camara Municipal.
O pagamento do foro, imprópriamente afsim denominado em lugar de feudo ou tributo (no sentido oriental), não teve lugar desde a origem desta Colonia, senão muito posteriormente; nem houve algum Tratado ou outra especie de convenção a tal respeito, se não foi devido a estorçoens dos Mandarins, a que cederão os Moradores, como se declara no art. 38 das Instruçoens que da Secretaria do Governo de Portugal forão remettidas ao Governo do Estado da India em que diz = A terceira vantagem que tinhamos, era a de não pagarmos Feudo ou Tributo algum ao Imperador (da China), e afsim nos conservámos por muitos annos. A mesma fraqueza porem, e abatimento do Governo daquelle Dominio, que nos reduzião á triste situação, que fica acima referida: Contribuio tbm, para que nos sugeitafsemos a pagar um Feudo ao Imperador de seis centos Taeis ou seis centos mil reis por annos como actualmente = (posteriormente reduzido a 500 Ts.)
O território desta Colónia não he aforado pela Fazenda ao Governo Chinez, como parece se supoem (sic) no Officio de V. Ex.ª quando do pagamento do Foro pertence (sic) a Administração da Fazenda deduzir a seo favor direito e propriedade de terreno; o que a admitir(-se), seguir-se-há que a Coroa de Portugal não tem soberania sobre o territorio desta Colonia, por que (sic) o afforamento não confere direito de Soberania, mas he inegavel que a Coroa de Portugal a tem (sobre Macau), segundo consta de varios Documentos e do art. 33.º de Providencias e das Instruçoens acima citadas.
O pagamento do feudo ou tributo (mesmo à moda ocidental) não importa aforamento. As terras de Macau pertencem ao Leal Senado (art. 92.º,§ 3.º do Código Administrativo em vigor). O mesmo Senado recebe os foros da Povoação de S. Lázaro, que os principiou a pagar apenas se formou, em 1846».
Sir George Stauton, no seu livro «Accounts of Lord Macartney's Embassy to China, volume II, página 588, escreve: «In the senate-house (of Macau), which is built of granite and two storeis high, are several columns of the same material, with Chinese characters cut into them signifying a solemn cession of the place from the emperor of China». Staunton esteve na Cidade do Nome de Deus, em 1793.
Existiam, de facto, portanto, documentos imperiais relativos à concessão de Macau aos portugueses, ainda nos fins do século XVIII.
Ora sabemos, nomeadamente pelas cartas dos primeiros missionários jesuítas, que, pràticamente desde o início do nosso estabelecimento em Amagao, existiu o suborno às venais autoridades da província e distritos vizinhos do Kuangtung, que forjavam leis a seu belo-prazer e interpretavam as do imperador, demasiado distante, conforme as suas conveniências de momento. Um desses subornos, até 1572, pagava-se ao Comandante da Defesa Marítima ou «Aitão» (海道) e chamava-se, por isso, a «peita do Aitão». Expressão que mostra não se tratar dum tributo legal ou obrigatório, derivado de tratado público, mas duma exacção abusiva duma autoridade inferior. Desde 1572 ou, segundo a monografia histórica «OU-MUN KEI-LEOK», desde 1573, o quantitativo desse suborno principiou a pagar-se ao imperador da China e a apelidar-se «foro do chão» ou do sítio de Macau. O incidente que deu origem à continuidade desta exacção e à sua nova nomenclatura foi o seguinte: Indo os portugueses à feira (semestral) de Cantão e saindo os mandarins, como costumavam, à porta grande, vestidos de vermelho, para receber os direitos que levavam os portugueses, depois, em sinal de respeito, conforme a sua usança de os mandarins lhes darem um boião de vinho e alguns bolos,..., disse um Pedro Gonçalves, que servia de jurubaça e era mestiço, falando com o «Aitão»: -- «... como também aqui trazemos os quinhentos taéis (de prata) que paga a cidade de foro». O «Aitão», como se disse aquilo diante dos outros mandarins, vendo que corria perigo seu estado, acudiu logo que esses (500 taéis) entregasse ao Leencei, porque são para o tesouro de El-Rei, por serem do foro, que a cidade (de Macau) paga». Acrescenta o manuscrito da Biblioteca da Ajuda, que vamos seguindo: Claro está que esta quantia é «foro do sítio» e a cidade de Macau é «tão senhora dele como os chinas que (no interior) pagam foro do sítio e terras que possuem. E se alguém duvidar desta história(,) pergunte a verdade delaa António Garcês que se achou presente e está vivo», nesta data de 1581 ou 1582 em que isto escrevo.
O Professor Padre António da Silva Rego, depois de analisar este manuscrito, conclui que o pagamento do «foro do chão» de Macau devia representar para a mentalidade chinesa (que tinha todos os países conhecidos como seus tributários e só considerava como fronteiras da China os limites onde chegava de facto a sua força militar e política) o pagamento dum «tributo» por parte duma nação amiga. Com efeito, na bandeira da embaixada de Manuel Saldanha, em 1667, não ia escrita a expressão tsin kong (進貢) ou «levar tributo» -- facto inaudito nos dois mil anos anteriores da história da China. Já a carta de D. Manuel, que Tomé Pires entregou ao imperador Wu-tsung em 1522, era de igual para igual e, nas 3 galés que conduziram a embaixada pelo Grande Canal acima, ia arvorada, fora de toda a etiqueta precedente, a bandeira de Portugal. Em 1726 e 1753, também os dois embaixadores portugueses, respectivamente, Dr. Alexandre Metelo de Sousa e Meneses e o desembargador Francisco Xavier de Assis Pacheco e Sampaio, conseguiram que se corrigisse o termo tsin kong pelo de ge-ho (致賀) ou «missão congratulatória». Não obtiveram os embaixadores da Holanda e da Inglaterra o mesmo tratamento que Portugal. Lord Macartney, em 1793, teve de sujeitar-se a levar o dístico ignominioso que o Sião e os outros países tributários da China se viam forçados a levar, à frente do seu cortejo: «Embaixador, levando tributo da Inglaterra». O mesmo aconteceu à embaixada inglesa de 1816.
Para a mentalidade europeia e, de jure et de facto, no caso do dito «foro do chão» de Macau, tratava-se apenas dum foro, em virtude duma enfiteuse, ou melhor do título cobrado dum suborno ou dum presente. Os portugueses teriam assim o domínio útil de Macau, perpétuamente, e o imperador do Celeste Império o seu super-domínio. Na verdade, os Ta-Tsing Hwui-tien ou «Do-cumentos da Corte» não incluem Macau ou Portugal no número dos países que enviavam, anualmente, embaixadas à China a pagar tributo. Os anais chineses, citados por Parker, no seu livro «China's Intercourse with Europe», página 5, declaram: «Os Portugueses nunca enviaram tributo a Pequim, durante a dinastia Ming».
Em resposta de 21.4.1862 ao governador Isidoro F. Guimarães, o presidente do Leal Senado de Macau, Francisco de Assis Guimarães, historia a origem do foro como compatível com a perfeita soberania de Portugal sobre a nossa província do Extremo Oriente. A passagem é um pouco extensa, mas vale a pena transcrevê-la:
«... o Senado de Macáo (foi) elleito, pela primeira vez, em Abril de 1583, sob a denominação -- Municipalidade --, pelos Habitantes, que poucos annos antes tinhão adquirido este territorio á Coroa de Portugal, reunidos em Afsemblea de baixo da prezidencia do Govern. (ôr) do Bispado, D. Melchior Carneiro (S. J.), afsumiu desde logo ou os Elleitores lhe outorgarão nesta Afsemblea as atribuiçoens Politicas -- Economicas -- Municipaes, sem faltar de Judiciaes, que exercia por Juizes Ordinarios, Vogaes do mesmo Sei nado, as quaes atribuiçoens foram confirmadas pelo (sic) Nofsos Soberanos, e ultimam.te pelo Senhor D. João 5.º, como consta do Foral, que contem 28 Cartas, e núma dellas denominada = Acto Constitucional = ou Carta de Declaração, datada de 6 de Janeiro de 1712, estão diffinidas (sic) as referidas atribuiçoens, sendo a mais principal- as Municipaes - em cuja virtude a Municipalidade ou Senado tem sempre, desde a sua criação até o prezente, concedido terrenos baldios aos Moradores, mesmo depois das = Providencias = que derão nova forma àquelle Corpo» (administrativo).
«Ainda depois da separação das suas atribuiçoens Políticas e Económicas, feita (sob o governo de Soares Andrea) pelo Decreto de 20 de Stbro. de 1844, continuarão os Senados subsequentes a fazer concefsoens de baldios a varios Moradores, por ex. (a)o Dr. João Damasceno Coelho dos Santos, Delegado do Procurador da Coroa e Vogal da Junta de Fazenda, e (a) Miguel Pereira Simões, Escrivão da Câmara.
A lei de 5.6.1822, n.º 8, diz que os Baldios são dos Povos e a sua administração pertence à Camara Municipal.
O pagamento do foro, imprópriamente afsim denominado em lugar de feudo ou tributo (no sentido oriental), não teve lugar desde a origem desta Colonia, senão muito posteriormente; nem houve algum Tratado ou outra especie de convenção a tal respeito, se não foi devido a estorçoens dos Mandarins, a que cederão os Moradores, como se declara no art. 38 das Instruçoens que da Secretaria do Governo de Portugal forão remettidas ao Governo do Estado da India em que diz = A terceira vantagem que tinhamos, era a de não pagarmos Feudo ou Tributo algum ao Imperador (da China), e afsim nos conservámos por muitos annos. A mesma fraqueza porem, e abatimento do Governo daquelle Dominio, que nos reduzião á triste situação, que fica acima referida: Contribuio tbm, para que nos sugeitafsemos a pagar um Feudo ao Imperador de seis centos Taeis ou seis centos mil reis por annos como actualmente = (posteriormente reduzido a 500 Ts.)
O território desta Colónia não he aforado pela Fazenda ao Governo Chinez, como parece se supoem (sic) no Officio de V. Ex.ª quando do pagamento do Foro pertence (sic) a Administração da Fazenda deduzir a seo favor direito e propriedade de terreno; o que a admitir(-se), seguir-se-há que a Coroa de Portugal não tem soberania sobre o territorio desta Colonia, por que (sic) o afforamento não confere direito de Soberania, mas he inegavel que a Coroa de Portugal a tem (sobre Macau), segundo consta de varios Documentos e do art. 33.º de Providencias e das Instruçoens acima citadas.
O pagamento do feudo ou tributo (mesmo à moda ocidental) não importa aforamento. As terras de Macau pertencem ao Leal Senado (art. 92.º,§ 3.º do Código Administrativo em vigor). O mesmo Senado recebe os foros da Povoação de S. Lázaro, que os principiou a pagar apenas se formou, em 1846».
Até aqui, a exposição do presidente da Câmara de Macau, de 1862.
De facto, desde 1639 sobretudo, data da «quebra do comércio» com o Japão, Macau tinha caído na extrema penúria económica e consequentemente na maior dependência política. Os navios portugueses foram proibidos de subir até Cantão em 1640 e este porto foi declarado franco, em 1685. Três anos depois, os mandarins de Heung-Shán e Chin-Shán quiseram fazer o mesmo de Macau e obrigaram os Vereadores Municipais, sob a ameaça duma esquadra chinesa surta nas águas do porto, a deixar entrar no Porto Interior, salvando embora ao forte da Barra, um navio holandês.
Em 1688, estabelecia-se o ho-pu (户部) ou alfândega chinesa, em frente da igreja «Nossa Senhora do Amparo», sob pretexto de que convinha aos barcos grandes evitarem navegar até Cantão. A alfândega recebia dos chineses direitos de carregamentos para ou de Cantão; e taxas de tonelagem dos barcos estrangeiros. Pela tarifa de 1699, a carga em Macau classificava-se sob três espécies ou items e sujeitava-se aos mesmos direitos dos portos chineses das províncias vizinhas, Fokiem e Che-kiang.
O «foro do chão» era nominalmente de 500 taéis por ano, mas a habilidade chinesa, com os vários adicionais [diferenças na balança, conversão da prata corrente em prata fina (sai-si), recibo de quitação, frete para Cantão e frete para Pequim] elevava a soma a 673 taéis.
Dispensados desse foro em 1650, por diligências dos Adjuntos da Câmara da Cidade do Nome de Deus junto das autoridades de Cantão, os portugueses daquela nossa província foram obrigados a pagá-lo, de novo, em 1653, segundo informam Frei José de Jesus Maria e Montalto de Jesus.
O Livro II do Velho Núcleo Documental do Senado de Macau abre-nos perspectivas inexploradas sobre a existência e o pagamento do «foro do chão». Assim, um documento de 24.1.1688, conta-nos que esse «tributo» fora ainda perdoado, nos anos de 1685, 1686 e 1687. No ano seguinte, porém, já se trata da sua satisfação como despesa ordinária da cidade. O termo de 10.1.1689 relata-nos que, no Conselho Geral reunido nessa data, o Governador do Bispado, Padre António de Morais Sarmento, apresentou algumas propostas neste teor: Macau tem-se conservado nas mãos dos portugueses, tendo os chinas por amigos, e isto apenas se tem conseguido com dinheiro. Quando os moradores eram ricos, o dinheiro para subornar os chineses obtinha-se com facilidade; «porém, agora q. (a cidade) tem chegado quazi à ultima estrema mizeria, se conhece q. só a Divina Providencia poderá livrar-nos da perdição, q. contamos já por certa. Contudo, emq.to Deos Nosso Senhor não acode com a melhora, devem os principaes Membros desta Republica com boa união ajudalla». O Leal «Senado, como principal Cabeça do Governo Político», «tres Annos effectivos trabalhou... p.ª livrar a este Povo de pagar o Foro do Chão ao Imperador da China, sobre q. está fundada esta cid.e, ou ao menos q. não fossem os quinhentos taeis p.r em cheio cada anno, como antigam.te se pagava». A Vereação de 1688 tratara com o arrecadador do Foro o mandarim do distrito limítrofe de Heung-Sán ou «Ansão» --«que se contentasse com 900 taeis pela paga de tres annos vencidos». O escrivão chinês, todavia, portou-se aleivosamente, não entregando o recibo dessa quantia ou não o escrevendo ou escrevendo-o falsamente. Assim, o mandarim roubou esses 900 taeis e, ainda por cima, exigiu a paga de quatro anos vencidos e juntamente do corrente (1689), afirmando, a pés juntos, que «é ordem expressa em Corte de Pequim».
Elucida-nos aqui este termo do Conselho Geral que «esse Foro pagavam os antigos (portugueses de Macau» das Cazas de sua vi-venda, de seus Chales Boticas (ou lojas de comércio); e como depois acharam outro meio mais suave, fizeram o sobred.º pagam.to em outra forma, até o tempo q. o Commercio (com o Japão) se fechou (, em 1639,) em que estivemos livres desta contribuição. Agora, ... parece a este Senado... acertado, q. nesta satisfação se siga o estilo dos mais antigos habitadores, como fica dito». O Conselho, porém, resolverá o que for melhor ao bem comum. No caso de o Foro se lançar sobre as casas de habitação, ruas e comércios, «deve(m) também nomear-se quatro Pessoas, q. livres de respeito e com limpas consciencias alvidrem o q. cada um deve pagar, e conforme a d.ª alvidração q. fizerem, correrá por conta deste Senado a arrecadação» do dinheiro. Aviso importante: Nas «chapas» que sobre o assunto se trocarem com os mandarins, não se mencione o roubo de 900 taéis, com medo das suas represálias.
O Conselho decidiu o seguinte: Exceptuar da contribuição sòmente «o Chão sobre q. estão fundadas as Igrejas». O Senado nomeie as pessoas que hajam «de alvidrar e distribuir este d.º pagamento (do Foro)» e faça por recuperar os 900 taéis roubados ou que sejam descontados, mas nas conversações orais. Aos 12 de Janeiro de 1689, o Senado passou uma portaria, mandando «p.ª serem alistadas todas as Cazas, Chales e Boticas, P.ª dellas se tirar o Foro do Chão». Encarregaram-se desse trabalho o alcaide, Diogo Lopes, e o Escrivão das Execuções (Fiscais), António Paulo de Noronha. Sob pena de prisão, fizeram, no prazo de 8 dias, o registo de todas as casas e boticas, térreas e sobradadas, dos ministros, eclesiásticos, gentios e mouros, com todo o escrúpulo, «declarando os Chales e o número de suas Cazas» e «que cazas ou Boticas se levantam nos Chales ou fora delles». Esta relação arquivou-se no «Livro dos Registos, q. serve no Archivo desta Cid.e», o qual infelizmente se perdeu.
Um termo do mesmo mês e ano conservou-nos os alvidradores nomeados, que foram: o referido Governador do Bispado, Pero Vaz de Sequeira, Luís de Araújo de Barros e o Vereador Francisco Nunes de Carvalho.
Os mandarins distritais e provinciais, contudo, longe das vistas do imperador, continuam a obstruir a solução do problema, no intento de extorquir mais dinheiro de suborno. Com efeito, um assento de 15 de Março notifica-nos que o magistrado do distrito chinês, vizinho de Macau, pede que a Cidade pague à sua custa os gastos que se hão-de fazer com ir entregar o Foro a Cantão, «às mãos do Puchansi» (佈政司) ou Director da Fazenda. Para isso, queria dez por cento do quantitativo do Foro e que se acrescentasse este em dez por cento: Uma soma total de 600 taéis, em vez dos quinhentos habituais. Acordou-se que não se desse mais que o Foro do Chão, na Porta do Cerco ou do Limite, como se fez sempre, não o conduzindo nós com risco até à capital da província. No dia seguinte, porém, o mandarim instou nos primeiros 10% e o Conselho Geral cedeu.
O cerimonial da entrega do Foro do Chão era simplicíssimo: Na Porta do Cerco» construída em 1573 ou 1574, passava o procurador do Senado aos mandarins o saco de prata, mediante recibo, e estes ofereciam ao procurador um boião de vinho chinês e alguns bolos.
Aos 14 de Maio de 1689, os alvidradores atrás indicados apresentaram, em Conselho, cinco cadernos do Registo dos que haviam-de pagar o Foro, a saber: «hum caderno em q. está con distinção o que deve pagar o Collegio (da Madre de Deus) da Comp.ª de Jesus e a Relligião de S.m Domingos e a de Santo Agostinho e as Madres de Santa Clara, o qual caderno consta de quatorze folhas de papel da China, rubricadas e numeradas pelo Juiz Ordinr.º João Correa de Liger». O segundo caderno contém os Padres seculares, compõe-se de 12 folhas e tem as demais características do anterior. No terceiro caderno, aparecem os moradores do Bairro da Sé, que consta de 22 folhas. O quarto caderno destina-se aos habitantes do Bairro de S. Lourenço e tem 26 folhas, sendo o quinto de S. António com 14 folhas. Os quatro alvidradores assinaram, no fim de cada caderno o «termo de rubricas».
O assento de 4 de Fevereiro de 1690 diz: «o Foro do Chão deste prez.te anno está pago, p.ª o q. se tomou o dinheiro emprestado ao Feitor de Sua Mag.e
De facto, desde 1639 sobretudo, data da «quebra do comércio» com o Japão, Macau tinha caído na extrema penúria económica e consequentemente na maior dependência política. Os navios portugueses foram proibidos de subir até Cantão em 1640 e este porto foi declarado franco, em 1685. Três anos depois, os mandarins de Heung-Shán e Chin-Shán quiseram fazer o mesmo de Macau e obrigaram os Vereadores Municipais, sob a ameaça duma esquadra chinesa surta nas águas do porto, a deixar entrar no Porto Interior, salvando embora ao forte da Barra, um navio holandês.
Em 1688, estabelecia-se o ho-pu (户部) ou alfândega chinesa, em frente da igreja «Nossa Senhora do Amparo», sob pretexto de que convinha aos barcos grandes evitarem navegar até Cantão. A alfândega recebia dos chineses direitos de carregamentos para ou de Cantão; e taxas de tonelagem dos barcos estrangeiros. Pela tarifa de 1699, a carga em Macau classificava-se sob três espécies ou items e sujeitava-se aos mesmos direitos dos portos chineses das províncias vizinhas, Fokiem e Che-kiang.
O «foro do chão» era nominalmente de 500 taéis por ano, mas a habilidade chinesa, com os vários adicionais [diferenças na balança, conversão da prata corrente em prata fina (sai-si), recibo de quitação, frete para Cantão e frete para Pequim] elevava a soma a 673 taéis.
Dispensados desse foro em 1650, por diligências dos Adjuntos da Câmara da Cidade do Nome de Deus junto das autoridades de Cantão, os portugueses daquela nossa província foram obrigados a pagá-lo, de novo, em 1653, segundo informam Frei José de Jesus Maria e Montalto de Jesus.
O Livro II do Velho Núcleo Documental do Senado de Macau abre-nos perspectivas inexploradas sobre a existência e o pagamento do «foro do chão». Assim, um documento de 24.1.1688, conta-nos que esse «tributo» fora ainda perdoado, nos anos de 1685, 1686 e 1687. No ano seguinte, porém, já se trata da sua satisfação como despesa ordinária da cidade. O termo de 10.1.1689 relata-nos que, no Conselho Geral reunido nessa data, o Governador do Bispado, Padre António de Morais Sarmento, apresentou algumas propostas neste teor: Macau tem-se conservado nas mãos dos portugueses, tendo os chinas por amigos, e isto apenas se tem conseguido com dinheiro. Quando os moradores eram ricos, o dinheiro para subornar os chineses obtinha-se com facilidade; «porém, agora q. (a cidade) tem chegado quazi à ultima estrema mizeria, se conhece q. só a Divina Providencia poderá livrar-nos da perdição, q. contamos já por certa. Contudo, emq.to Deos Nosso Senhor não acode com a melhora, devem os principaes Membros desta Republica com boa união ajudalla». O Leal «Senado, como principal Cabeça do Governo Político», «tres Annos effectivos trabalhou... p.ª livrar a este Povo de pagar o Foro do Chão ao Imperador da China, sobre q. está fundada esta cid.e, ou ao menos q. não fossem os quinhentos taeis p.r em cheio cada anno, como antigam.te se pagava». A Vereação de 1688 tratara com o arrecadador do Foro o mandarim do distrito limítrofe de Heung-Sán ou «Ansão» --«que se contentasse com 900 taeis pela paga de tres annos vencidos». O escrivão chinês, todavia, portou-se aleivosamente, não entregando o recibo dessa quantia ou não o escrevendo ou escrevendo-o falsamente. Assim, o mandarim roubou esses 900 taeis e, ainda por cima, exigiu a paga de quatro anos vencidos e juntamente do corrente (1689), afirmando, a pés juntos, que «é ordem expressa em Corte de Pequim».
Elucida-nos aqui este termo do Conselho Geral que «esse Foro pagavam os antigos (portugueses de Macau» das Cazas de sua vi-venda, de seus Chales Boticas (ou lojas de comércio); e como depois acharam outro meio mais suave, fizeram o sobred.º pagam.to em outra forma, até o tempo q. o Commercio (com o Japão) se fechou (, em 1639,) em que estivemos livres desta contribuição. Agora, ... parece a este Senado... acertado, q. nesta satisfação se siga o estilo dos mais antigos habitadores, como fica dito». O Conselho, porém, resolverá o que for melhor ao bem comum. No caso de o Foro se lançar sobre as casas de habitação, ruas e comércios, «deve(m) também nomear-se quatro Pessoas, q. livres de respeito e com limpas consciencias alvidrem o q. cada um deve pagar, e conforme a d.ª alvidração q. fizerem, correrá por conta deste Senado a arrecadação» do dinheiro. Aviso importante: Nas «chapas» que sobre o assunto se trocarem com os mandarins, não se mencione o roubo de 900 taéis, com medo das suas represálias.
O Conselho decidiu o seguinte: Exceptuar da contribuição sòmente «o Chão sobre q. estão fundadas as Igrejas». O Senado nomeie as pessoas que hajam «de alvidrar e distribuir este d.º pagamento (do Foro)» e faça por recuperar os 900 taéis roubados ou que sejam descontados, mas nas conversações orais. Aos 12 de Janeiro de 1689, o Senado passou uma portaria, mandando «p.ª serem alistadas todas as Cazas, Chales e Boticas, P.ª dellas se tirar o Foro do Chão». Encarregaram-se desse trabalho o alcaide, Diogo Lopes, e o Escrivão das Execuções (Fiscais), António Paulo de Noronha. Sob pena de prisão, fizeram, no prazo de 8 dias, o registo de todas as casas e boticas, térreas e sobradadas, dos ministros, eclesiásticos, gentios e mouros, com todo o escrúpulo, «declarando os Chales e o número de suas Cazas» e «que cazas ou Boticas se levantam nos Chales ou fora delles». Esta relação arquivou-se no «Livro dos Registos, q. serve no Archivo desta Cid.e», o qual infelizmente se perdeu.
Um termo do mesmo mês e ano conservou-nos os alvidradores nomeados, que foram: o referido Governador do Bispado, Pero Vaz de Sequeira, Luís de Araújo de Barros e o Vereador Francisco Nunes de Carvalho.
Os mandarins distritais e provinciais, contudo, longe das vistas do imperador, continuam a obstruir a solução do problema, no intento de extorquir mais dinheiro de suborno. Com efeito, um assento de 15 de Março notifica-nos que o magistrado do distrito chinês, vizinho de Macau, pede que a Cidade pague à sua custa os gastos que se hão-de fazer com ir entregar o Foro a Cantão, «às mãos do Puchansi» (佈政司) ou Director da Fazenda. Para isso, queria dez por cento do quantitativo do Foro e que se acrescentasse este em dez por cento: Uma soma total de 600 taéis, em vez dos quinhentos habituais. Acordou-se que não se desse mais que o Foro do Chão, na Porta do Cerco ou do Limite, como se fez sempre, não o conduzindo nós com risco até à capital da província. No dia seguinte, porém, o mandarim instou nos primeiros 10% e o Conselho Geral cedeu.
O cerimonial da entrega do Foro do Chão era simplicíssimo: Na Porta do Cerco» construída em 1573 ou 1574, passava o procurador do Senado aos mandarins o saco de prata, mediante recibo, e estes ofereciam ao procurador um boião de vinho chinês e alguns bolos.
Aos 14 de Maio de 1689, os alvidradores atrás indicados apresentaram, em Conselho, cinco cadernos do Registo dos que haviam-de pagar o Foro, a saber: «hum caderno em q. está con distinção o que deve pagar o Collegio (da Madre de Deus) da Comp.ª de Jesus e a Relligião de S.m Domingos e a de Santo Agostinho e as Madres de Santa Clara, o qual caderno consta de quatorze folhas de papel da China, rubricadas e numeradas pelo Juiz Ordinr.º João Correa de Liger». O segundo caderno contém os Padres seculares, compõe-se de 12 folhas e tem as demais características do anterior. No terceiro caderno, aparecem os moradores do Bairro da Sé, que consta de 22 folhas. O quarto caderno destina-se aos habitantes do Bairro de S. Lourenço e tem 26 folhas, sendo o quinto de S. António com 14 folhas. Os quatro alvidradores assinaram, no fim de cada caderno o «termo de rubricas».
O assento de 4 de Fevereiro de 1690 diz: «o Foro do Chão deste prez.te anno está pago, p.ª o q. se tomou o dinheiro emprestado ao Feitor de Sua Mag.e
El-Rei de Portugal, pois com o pleito do jerubaça João Gomes foi «necessario gastar... m.to perto de quatro mil taeis».
Em 19.7.1690, apresenta o procurador do Senado em sessão o problema urgente da paga do «foro das Estâncias de António de Mesquita Pimentel, Catharina de Vargas e (d)os Padres de Santo Agostinho», que estavam «citas» (sic) na outra banda», isto é na Ilha da Lapa. O mesmo assento dá a entender que Bernardo da Silva possuía lá também uma estância, maior que as anteriores, e tratou, pessoalmente, com o mandarim de Heung-Sán, do pagamento do foro dela, no valor de «quinhentos e tantos taeis». Mandou-se o jerubaça Morais a tratar do negócio das três primeiras estâncias com aquele magistrado. Como elas eram só para recreio, o foro foi apenas de 50 taéis por cada uma naquele ano e mais nada daí por diante. Exibiram-se na reunião as «chapas» comprobativas da autoridade chinesa. O Senado adiantou a soma de 100 taéis por António Pimentel e pelos Agostinhos, tendo sómente Catarina de Vargas pagado logo por si.
Num termo de 1 de Maio de 1698, fala-se doutra quinta estância ou vila de Francisco Loureiro (de Carvalho), na Lapa. Pagou de direitos por ela 200 taéis para o mandarim e 40 para os seus dois escrivães. O Senado avisa «aos mais Donos das outras Estâncias» que liquidem sem demora o pagamento do seu foro, para evitar moléstias à cidade de Macau.
Começa o ano de 1691 com a má notícia «sobre o accressentimento do Foro do Chão» da península de Macau, em mais 100 taéis, «alem dos quinhentos q. sempre se pagarão». Imperava na China o manchú Kang-hsi. Consultado sobre este aumento o ex-visitador dos Jesuítas, Padre Francisco Xavier Filipucci, respondeu que não havia que replicar, por ser ordem do soberano. Um termo de 30.1.1694, esclarece que «do Cofre dos Órfãos se fazia o pagamento do Foro do Chão». Este e outros cofres da cidade guardavam-se na Procuratura da Província Jesuítica do Japão, o edifício melhor, depois da igreja da Assunção (ou S. Paulo), dentro do conjunto do Colégio da Madre de Deus.
Aos 12 de Fevereiro de 1703, na Junta de Homens bons e dos Vereadores, propos o Vereador do meio, Jerónimo de Vasconcelos, o assunto da «paga do Foro do Chão, q. se custuma (sic) pagar em cada Anno ao Imperador da China». A fim de juntar o seu quantitativo, tire-se «hum mez de cada anno de todos os rendim.tos, assim de Boticas, como de Cazas de aluguel». Se a quantia não chegar, «se rateará a falta pelas Cazas e Boticas, q. estão de vago, e Cazas de moradores; e isto se fará sem excessão (sic) de pessoa alguma e estado». Segue-se a este «Outro assento sobre o mesmo assunto». «Não obstante o termo acima, se assentou em que se alvidrassem todas as Cazas e Boticas, p.ª dellas se tirar o pr. cento athé a q.tia do Foro do Chão; das Boticas, se lhes fizesse alvidração, conforme o seu rendimento, sem excessão alguma de Pessoa. Ao 1.º de Março de 1703».
Aos 21 do mesmo mês e ano, encontramos uma Mesa «sobre a alvidração das Cazas dos tres Bairros». De facto, «alvidraram-se Cazas e Boticas pelos allugueis dellas, p.ª se tirar o Foro do Chão, sem excessão de pessoa alguma».
No dia 13.1.1705, reune-se a Vereação para tratar do «pagamento do Foro do Chão», determinando-se que «no Depozito (da Procuratura do Japão) de Sm. Paulo, há dinheiro bastante para remediar esta falta, que se deve satisfazer sem demora». Por isso, pediu-se ao capitão-geral para se tirarem do referido Depósito, para esse efeito, mil taéis, obrigando-se o Senado a repo-los, após a vinda dos barcos. Foi o Vereador do meio, João Garcia de Luares, quem fez a proposta, que todos aprovaram. Portanto, o foro subiu a 1.000 taéis, nos princípios do século XVIII. Em termos de 3.2.1706, de 17.1.1707, de 29.12.1716 e de 9.12.1733, percute-se sempre a mesma nota do pagamento do «Foro do Chão» de Macau, recorrendo-se, muitas vezes, a empréstimos para o efectuar.
Em 1733 e 1734, não há dúvida nenhuma de que o foro ascendera, de facto, a 1.000 taéis ou patacas.
Aqui terminam as preciosas achegas que para o estudo deste ponto importantíssimo da história de Macau nos fornece sobretudo o Livro II do velho núcleo documental do Leal Senado daquela cidade.
Em diversas ocasiões se pediu ao imperador a abolição do «Foro do Chão» definitivamente, mas ele recusou sempre. A tentativa do Ministro do Ultramar, Martinho de Melo e Castro, em 1787, de restaurar por completo a nossa soberania em Macau, expulsando da península o tso-tang, que se instalara abusivamente em Mong-Há (extra-muros) em 1774, e os aldeões chineses de Patane e Mong-Há bem como os residentes intra-muros, teve um resultado efémero de dois anos. A China de Kíen-lung atingira talvez o maior poderio da sua história e Macau estava no grau ínfimo da sua fraqueza! Antes da destruição da formidável esquadra de Kam-Pau-Sai, o Vice-Rei dos dois Kuangs comprometeu-se, por escrito, no artigo 6.º, a restituir a Macau os seus antigos privilégios. Depois da nossa vitória, porém, faltou, aleivosa e ingratamente, ao estipulado.
Foi só após a humilhação chinesa da guerra do ópio, que o heróico governador de Macau, em 1849, João Maria Ferreira do Amaral, acabou, de facto, com o «Foro do Chão» e com as alfândegas chinesas, dentro da Cidade do Nome de Deus, e construiu fortalezas, fortes e padrões de soberania por toda a península, incluindo a Porta do Cerco, e nas Ilhas de Taipa e Coloane. Foi, porém, apenas graças ao Tratado de Outubro de 1862 (Convenção de Pequim, cláusula adicional), que Macau foi isento, oficialmente e «de direito», pelo imperador do Celeste Império,' Tung Che ( 同治 ), de pagar o «Foro». O ministro plenipotenciário do lado de Portugal foi o próprio governador da província, Isidoro F. Guimarães.
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