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sábado, 30 de abril de 2022

Casa da família Senna Fernandes na Av. da República

Bernardino de Senna Fernandes (1892-1971) foi o terceiro Conde de Senna Fernandes. É da 5ª geração desta família macaense, sendo o filho mais velho do Conde Bernardino de Senna Fernandes Jr.
Fez o curso de caminhos de ferro eléctricos pela 'Internacional Correspondence School', tinha noções de arquitectura, foi sub-gerente da 'Macao Electric Lighting Co. Ltd.' (MELCO) e foi cônsul da Tailândia em Macau.
Frequentou durante dois anos a 'Shanghai Musical Academy', sendo professor particular de violino e piano, professor de canto coral do Liceu de Macau e director musical do Grupo de Amadores de Teatro e Música fundado em 1924. Teve como hobby a pintura. No final década de 1920 concebeu de raiz uma moradia para a família numa das zonas mais nobres da cidade com vista privilegiada para a baía da Praia Grande.
A moradia, do estilo-art-déco, embora ainda com alguns elementos neo-clássicos, estava localizada no nº 64 da Avenida da República junto à chamada "Meia Laranja", o efeito geométrico dum pequeno miradouro sobre a baía da Praia Grande.

O projecto é de Abril de 1929 e teve a autoria do próprio Bernardino de Senna Fernandes, que também era arquitecto. Teve como prazo de construção seis meses.
Na planta do rés-do-chão pode ver-se como estava organizado o espaço das diferentes divisões: vestíbulos, sala de música, sala de jantar, gabinete de trabalho, cozinha, copa, balcão, lavabos e espaços para os "criados". No primeiro piso ficavam os quartos, terraço e varandas.
Chegou a ser construído em Itália um brasão da família - em mármore - para ser colocado no primeiro piso mas o excesso de peso inviabilizaram a solução, acabando por ficar no piso térreo. Actualmente faz parte do espólio do Museu de Macau.
Brasão de Bernardino de Senna Fernandes
com águia andante no timbre e águia bifronte estendida no escudo

O edifício era constituído por dois pisos e quatro fachadas. Embora ficasse conhecido pela cor rosa - quando era hotel - no original era de cor branca. Edifício residencial desde que foi construído, seria vendido na década de 1950 passando ali a funcionar o hotel Caravela, situação que durou até praticamente a 1979 ano em que foi demolido.
Para se ter uma ideia da dimensão do edifício refira-se que quando passou a funcionar como hotel tinha 8 quartos duplos e 10 singulares.
Uma estátua do Barão, Visconde e Conde Bernardino de Senna Fernandes (1815-1893) que actualmente pode ser vista na Casa Garden chegou a estar no jardim desta vivenda. Importante homem de negócios e também político, em 1871, um grupo de influentes comerciantes chineses, decidiu mandar construir uma estátua de corpo inteiro. Nessa altura ficou instalada num terreno ajardinado muito perto do Monumento da Vitória, com uma legenda em letras de bronze: «Esta Estátua foi mandada erigir por / Lu-Cheo-Chi, Cham-Hau-in, Ho-Liu-Vong / e outros Negociantes Chineses de Macau/ Em Testemunho de Amizade e Gratidão».
Décadas mais tarde, quando a vivenda Caravela foi construída a estátua foi colocada no jardim fronteiro à casa mas seria dali retirada quando a casa foi vendida e ali foi instalado um hotel. Nessa altura a estátua foi oferecida ao Governo de Macau que a mandou colocar no jardim do Museu Luís de Camões, hoje sede da Fundação Oriente em Macau.
Num artigo de 1985 publicado na Revista Nam Van, o arquitecto Carlos Marreiros considerou o mercado, enquanto edifício de carácter público como "o melhor embaixador do período do Art-Deco ou Tropical-Deco em Macau dos anos trinta."
Curiosidade:
Já com profundas marcas da arquitectura art-déco, Bernardino de Senna Fernades viria a estar envolvido no projecto do Mercado Municipal Almirante Lacerda, mais conhecido por Mercado Vermelho e inaugurado em 1936 na Avenida Almirante Lacerda, no Porto Interior.
O projecto de arquitectura esteve a cargo do arquitecto macaense Júlio Alberto Basto, o cálculo da estrutura de Bernardino e o desenho foi feito por Wong Lam e Tse Shing. Outro arquitecto local da época foi Canavarro Nolasco que, curiosamente, viria a ser responsável por algumas alterações na vivenda Caravela anos depois da construção.
O edifício do Mercado Vermelho foi classificado como “edifício de interesse arquitectónico” em 1992.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

"Casa de Seguro Mercantil"

Já num post anterior referi que em 1810 foi permitido, por carta régia, o estabelecimento duma casa de seguro mercantil em Macau e o Leal Senado autorizado a empregar, em acções, os fundos de que pudesse dispor.
Por iniciativa do Barão de S. José do Porto Alegre, Januário Agostinho de Almeida* (1759-1825), comerciante de ópio e proprietário de embarcações, fundou-se em Macau a 29 de Novembro de 1817, a Casa de Seguro Mercantil com o capital de 430 mil patacas e um total de 86 accionistas. 
Entre estes estava o já referido Agostinho de Almeida (um dos mais ricos da cidade), como presidente, Manuel Pereira e o Leal Senado. A instituição seguiu o modelos das já existentes nas cidades de Lisboa, Baía e Rio de Janeiro. A Casa de Seguro Mercantil macaense viria a declarar falência em 1826.

quinta-feira, 28 de abril de 2022

400 anos da construção da Igreja de S. Paulo

Postal Máximo - inclui selo com valor facial de uma pataca - emitido em 2002 quando se assinalaram os 400 anos da construção da Igreja de S. Paulo
Postal máximo é uma peça filatélica constituída por três elementos, em que todos eles se referem ao motivo do selo aposto no cartão: cartão-postal, selo e carimbo.
A imagem acima é uma perspectiva obtida da Fortaleza do Monte na década 1960.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Obras do Portos: mapa de 1925

É de 1925 este mapa da "Península de Macau e Ilha da Taipa contendo a planta das obras dos portos mostrando não só o que está feito e se vae fazer no Porto exterior mas também um schema de possiveis desenvolvimentos do Porto."
O engenheiro Hugo de Carvalho de Lacerda foi o autor.

terça-feira, 26 de abril de 2022

Arco comemorativo no Porto Interior e mural publicitário


A fotografia acima é de 1959 e foi tirada no Porto Interior junto à ponte-cais nº 11. 
Ao fundo vê-se o Grand Hotel Kuok Chai e outros arcos comemorativos que assinalam o décimo aniversário da República Popular da China (1949-1959). 
No mural publicitário à direita pode ler-se de forma parcial a mensagem publicitária em português da Bubble Up, uma marca de refrigerante (sabor lima e limão) criada em 1919 pela Sweet Valley Products Co. de Sandusky, Ohio (EUA), embora só tenha iniciado a actividade no final da década de 1930.

O slogan publicitário mais relevante da marca foi "A Kiss of Lemon A Kiss of Lime" e ao que tudo indica é essa expressão que está no mural em português: "Um Beijo de Limão Um Beijo de Lima".
Na época também a 7Up, Coca-Cola e a Pepsi-Cola eram comercializadas no território. 

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Revista Stag: Abril 1954

A Stag era a chamada "Men's Adventure magazine in the pulp tradition". Na edição de Abril de 1954 pode ver-se numa  das chamadas de capa o título "Layover in Macao".
O artigo é da autoria de Angelo Dolei.

A fotografia já era muito utilizada na imprensa, mas neste tipo de revistas, a década de 1950 irá ficar marcada pelas capas com ilustrações... ou em inglês, "cover paintings"

domingo, 24 de abril de 2022

Aniversário do "príncipe herdeiro": 1838

A pompa e circunstância referida nesta "Ordem ao Batalham e Fortalezas" publicada no "Boletim Official do Governo de Macao" a 19.9.1838 deveu-se ao facto de se assinalar o "primeiro aniversário natalício de Sua Alteza Real o Príncipe Herdeiro da Coroa Portugueza". Trata-se de D. Pedro V, o primeiro príncipe a nascer em Portugal depois do longo exílio da família real no Brasil.
A ordem era para o toque de alvorada ser feito pelos músicos do Batalhão do Príncipe Regente e para todas as fortalezas terem "embandeiramento geral" acrescentando-se em algumas - Fortaleza do Monte. S. Francisco e S. Pedro - a exigência de uma "salva real de 21 tiros" ao meio-dia.
Relatos da época confirmam que todas as embarcações junto a Macau também se embandeiraram "prova do regozijo que tiveram" pela celebração da data.
O príncipe herdeiro referido era Pedro V (Lisboa, 16 Setembro 1837 – Lisboa, 11 Novembro 1861), apelidado "o Santo", "o Esperançoso" e "o Muito Amado".
Era o filho mais velho da rainha D. Maria II e do rei D. Fernando II. Ascendeu ao trono com apenas 16 anos de idade, após a morte da mãe, tendo o pai exercido as funções de Regente do Reino até à sua maioridade. Seria o Rei de Portugal e dos Algarves (casou com a Rainha D. Estefânia) até à morte em 1861. Ou seja, morreu com apenas 24 anos. Sucedeu-lhe o irmão D. Fernando.
Curiosidade: existe em Lisboa o Jardim do Príncipe Real.

sábado, 23 de abril de 2022

Rough Notes of Journeys: 2ª parte

The principal revenue of Macao is drawn from licenses to houses of ill fame, gambling houses, opium smoking saloons, butchers shops - the Chinese are great consumers of pork - and also from the coolie trade, this last is indeed probably the principal source of their revenue as it undoubtedly is the source from which three fourths of the population of Macao derive a living.
Macao is built on a long neck of land the town extending across it having a port on both sides such as they are.
As the steamer approaches from Hong Kong she passes close to the Praya Grande around which with a broad drive between it and the beach is a semicircle of European houses two or three storeys high built after the fashion of houses in Lisbon. The Governor's and many other houses are handsome buildings and indeed the whole semicircle presents what might be called an imposing façade for in its rear is the remainder of the town extending all across to the harbour on the opposide side of the strip of land. The steamer proceeds past Praya Grande rounds the point and enters the western port where she goes alongside the wharf. In this port we found a Portuguese corvette a schooner (...) many junks large and small vessels  (...)
The houses on Praya Grande are for the most part built of stone and brick stuccoed and painted fanciful colours the jalousies and window shutters being always green with the hinges and other fastenings always black Many of the shutters are mere lattice work with the interstices filled up with thin pieces of mother of pearl shell which being translucent admits a certain amount of light into the apartments at least. I suppose this to be the meaning of the mother of pearl. The Government buildings are all painted fleshcolour (...). Ten little children came into the hotel to visit the landlord just after I had arrived and an uglier set I have seldom seen. They were merry little things nevertheless all of them, down to the youngest, a year old, insisted on shaking hands with me.
The Government of Macao is purely military and is in no way identified with the commercial or the Macao Portuguese population not one of which ever fills a Government situation all Government places being filled by Portuguese from Lisbon. This is much complained of for it is admitted I believe that the young fellows of Macao are generally well behaved and clever all speaking two or three languages. (...) They tell me there are some 5000 Portuguese in Macao and some 50,000 Chinese. My first visit to this place was in 1844 when I was attacked in the street at mid day and robbed of a gold watch and strange to say by offering a good reward for it. I got it back after it had been in the hands of the Chinese for a whole twelvemonth. The military here consists of about 500 troops. (...)
Pintura do século 19. Baía da Praia Grande. Autor anónimo.

As principais receitas de Macau são provenientes de licenças para casas de má fama, casas de jogo, casas para fumar ópio, talhos - os chineses são grandes consumidores de carne de porco - e também do comércio de cules, este último é provavelmente a principal fonte das suas receitas, como sem dúvida é a fonte da qual três quartos da população de Macau vivem.
Macau está construído numa longa faixa de terra em que a cidade se estende e tem um porto de ambos os lados. 
À medida que o vapor de Hong Kong se aproxima, passa perto da Praia Grande em torno da qual, com um amplo caminho entre ela e a praia, há um semicírculo de casas europeias de dois ou três andares construídas à moda das casas de Lisboa. As casas do Governador e muitas outras são belas construções e, de facto, todo o semicírculo apresenta o que pode ser chamado de fachada imponente, pois nas traseiras está o restante da cidade que se estende até o porto do lado oposto da faixa de terra. O vapor passa pela Praia Grande, contorna a ponta e entra no porto interior onde acosta num cais. Neste porto encontramos uma corveta portuguesa, uma escuna, (...) muitos juncos grandes e pequenos navios. (...)
As casas da Praia Grande são maioritariamente construídas em pedra e tijolo, estucadas e pintadas de cores fantasiosas, com persianas verdes e as dobradiças e outros fechos sempre pretos. Muitas das persianas são meras treliças com os interstícios preenchidos com pedaços finos de concha de madrepérola que, sendo translúcidos, permitem pelo menos uma certa quantidade de luz nos apartamentos. Suponho que este seja o significado da madrepérola. Os edifícios governamentais são todos pintados da cor da carne (...). Dez criancinhas entraram no hotel para visitar o senhorio logo depois que eu cheguei e um conjunto mais feio que raramente vi. Eram pequenas coisas alegres, mas todos eles, até o mais novo, um ano de idade, insistiam em me apertar a mão.
O Governo de Macau é puramente militar e não se identifica com a população local e todos os lugares do Governo são preenchidos por portugueses de Lisboa. Isto é motivo habitual de queixa, pois creio que os jovens de Macau são geralmente bem comportados e inteligentes, todos falando duas ou três línguas. (...) Dizem-me que há cerca de 5.000 portugueses de em Macau e cerca de 50.000 chineses. A minha primeira visita a este lugar foi em 1844 quando fui atacado na rua, ao meio-dia, e roubaram-me um relógio de ouro. Ofereci uma recompensa para o reaver e acabei por o conseguir depois de ter estado nas mãos dos chineses durante doze meses. Os militares aqui consistem em cerca de 500 soldados. (...)                           Fim

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Rough Notes of Journeys: 1ª parte

"Rough notes of journeys made in the years 1868, '69, '70, '71, '72, & '73, in Syria, down the Tigris, India, Kashmir, Ceylon, Japan, Mongolia, Siberia, the United States, the Sandwich Islands, and Australasia"
Publicado em Londres em 1875 este livro compila relatos de viagens feitas entre os anos de 1868 e 1873. No caso que seleccionei para este post a viagem começou em Londres em 1868 e a passagem por Macau deu-se já no início da década de 1870. 
O relato sobre o território - onde o autor já tinha estado em 1844 - é bastante minucioso,  nomeadamente sobre o tráfico de cules, o jogo, a baía da Praia Grande e a Gruta de Camões. 
Nota: As imagens deste post não fazem parte do livro. Inclui também uma tradução/adaptação dos excertos de texto em inglês.
Pintura do século 19. Porto Interior. Autor desconhecido

A day in Macao 
Yesterday I got into a steamer at Hong Kong at 2 pm and at 5.30 pm I found myself in the Royal Hotel* on the Praya Grande at Macao. I soon made the acquaintance of M de Graca my landlord a little Jame Macao Portuguese quite as pompous as he could have been had he spent half his life about the court at Lisbon. Five minutes conversation with him and you would have believed his hotel to be a most flourishing establishment but alas when I sat down at the table d hôteI found that mine host and myself had the whole table to ourselves. (...) 
After breakfast this morning I took with me a young Chinese who spoke English remarkably well and was otherwise intelligent and sallied out to see the wonders of Macao. Our first visit was to the Government barracoon a large rambling building into which coolies for exportation lodged on being brought from the interior by men called brokers. The Portuguese officials behaved very courteously and readily accompanied me all over the building explaining as we proceeded the measures adopted by the Government to secure to the coolies a right to go or to remain and to secure the proper fittings for their comfort on board ship regulating the numbers to be carried and seeing that a proper quantity of good provisions was provided for them this last consisting of rice fish and pork. (...)
From the barracoon I visited a church and a theatre both them poor places about upon a par in appearance and probably in their acting also. The college was the next place to which I directed my steps a large old rambling building in which I was told there were a couple of hundred students In garden attached to it are two of the finest pagoda trees I have ever met with one of them I judged to be fifteen feet in diameter. From this college I went to see the tomb Camoens. It is a plain stone pillar six feet high with a bronze bust of the poet placed on the top. It stands in a garden situated in the middle of the city a very old garden containing a great variety of pine trees. A sonnet in Portuguese is engraved on a tablet by the side of the tomb with a translation by Sir J. Bowring who was a great admirer of the poems of Camoens I next paid a visit to a small josshouse. At the very entrance one on each side were two fortune tellers (...)
I now proceeded to a gambling house where I saw some dozen or two anxious faces staking their chance of winning money against great odds for were it otherwise the men who hold the exclusive right to open gambling houses in Macao could never afford to pay the Government 170,000 dollars a year for it. Until a few years ago the gambling license of Macao yielded to the home Government only 10,000 dollars a year; it was then given to a Portuguese who sublet it to a Chinaman. The Portuguese has been thrust aside and the license is given to a Chinaman who pays for it 170,000 dollars a year. In all I am told there are seventeen of these gambling houses in Macao. (...)


Um dia em Macau
Ontem entrei num vapor em Hong Kong às 14h00 e às 17h30 estava no Hotel Royal na Praia Grande em Macau. Logo conheci o Sr. Graça, meu senhorio, um pequeno português de Macau tão pomposo como poderia ter sido se tivesse passado metade da sua vida na corte de Lisboa. Cinco minutos de conversa com ele e você teria acreditado que seu hotel era um estabelecimento muito próspero, mas, infelizmente, quando me sentei à mesa, descobri que meu anfitrião e eu tínhamos a mesa inteira para nós. (...)
Depois do café da manhã levei comigo um jovem chinês que falava inglês muito bem e era inteligente para ver as maravilhas de Macau. A nossa primeira visita foi ao barracão do Governo, um grande prédio desordenado no qual cules para exportação se alojavam ao serem trazidos do interior por homens chamados corretores. Os oficiais portugueses portaram-se com muita cortesia e prontamente acompanharam-me por todo o edifício, explicando como se procedeu às medidas adoptadas pelo Governo para assegurar aos cules o direito de ir ou permanecer e de assegurar o conforto adequado a bordo dos navios, regulando de forma a que uma quantidade adequada de provisões lhes fosse fornecida, consistindo de arroz, peixe e carne de porco. (...)
Do barracão, fui visitar uma igreja e um teatro, ambos lugares pobres em pé de igualdade na aparência e provavelmente também na atuação. O colégio foi o próximo lugar para onde eu me dirigi. Um grande edifício antigo e irregular no qual me disseram que havia algumas centenas de alunos. No jardim anexo estão duas das melhores árvores de pagode que já encontrei com uma delas, a ter, julgo, quinze pés de diâmetro. Deste colégio fui ver o túmulo  (gruta) de Camões. É um pilar de pedra simples de seis pés de altura com um busto de bronze do poeta colocado ao centro. Fica num jardim situado no meio da cidade. Um jardim muito antigo com uma grande variedade de pinheiros. Um soneto em português está gravado numa lápide, uma tradução de Sir J Bowring, grande admirador dos poemas de Camões. 
Em seguida, visitei um pequeno templo. Bem na entrada, um de cada lado, estavam dois adivinhos (...)
Dirigi-me depois a uma casa de jogo onde vi uma ou duas dezenas de rostos ansiosos a apostarem a sua oportunidade de ganhar dinheiro com poucas probabilidades, pois, caso contrário, os homens que detêm o direito exclusivo de abrir casas de jogo em Macau nunca poderiam pagar ao Governo 170.000 dólares por ano para isso. Até há alguns anos, a licença de jogo de Macau rendia ao Governo de origem apenas 10.000 dólares por ano; foi então dado a um português que o trespassou a um chinês. O português foi afastado e a licença é dada a um chinês que paga 170 mil dólares por ano. Ao todo, dizem-me que existem dezassete destas casas de jogo em Macau.  (...)
* em breve publicarei um post sobre este hotel                                                          continua...   

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Lotarias da SCM: Macau (1863 e 1933) e Portugal (2020)

"Plano de Loteria" da SCM Macau: Outubro de 1863

Bilhete de 1933 SCM Macau


 Extração de 3.2.2020 "Portugal no Mundo - Igreja de S. Paulo, Macau", SCM Portugal

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Johan August Sachtler

Johan August Sachtler (1839-1873) foi um fotógrafo alemão que fez parte da expedição da Prússia à China e ao Japão sendo em 1861 assinado o primeiro acordo sino-alemão.
Haveria de estabelecer-se em Singapura por volta de 1863 onde, juntamente com outro fotógrafo, o dinamarquês Kristen Fielberg (1839-1919), criaram o estúdio de fotografia Sachtler & Co., mais tarde redenominado Sachtler & Feilberg. 
Os dois abririam ainda em 1864 uma sucursal em Penang (Malásia), tido como o primeiro estúdio fotográfico no país. Em 1865 estavam no Reino do Sião (Tailândia).
Menos conhecido que outros fotógrafos estrangeiros na altura estabelecidos no extremo oriente*, Sachtler especializou-se nos retratos. O da imagem abaixo é um dos raros exemplos feitos em Macau.

* Entre os vários fotógrafos estrangeiros que exerceram actividade no extremo-oriente durante alguns anos na segunda metade do século 19, destaco por exemplo, os nomes de William Thomas Saunders (1832–1892), que criou o primeiro estúdio de fotografia em Xangai no ano de 1862, sendo autor das primeiras fotos da China coloridas à mão; Richard Shannon (c.1829-1871) que em 1863 abriu um estúdio em Xangai; o ítalo-britânico Felice Beato (1832-1909), que esteve em Pequim em 1860 e no Japão entre 1863 e 1877; John Thomson (1837-1921), Jules Itier (1802-1877), entre outros...

terça-feira, 19 de abril de 2022

Hotel Internacional

Inaugurado em Outubro de 1902, o Hotel Internacional estava localizado na baía da Praia Grande ao lado do "Palácio do Governo". De acordo com um anúncio da época, publicado na imprensa de Hong Kong, era o "hotel mais barato" da cidade.
"Hotel Internacional - The cheapest hotel in Macao. Beutifully situated in Praya Grande, next to Governement House"

Propriedade ou sob gestão de J. F. Silva, o hotel Internacional surge referido na edição de 1904 do "The Directory & Chronicle for China, Japan, Corea, Indo-China, Straits..." com este anúncio:
"Hotel Internacional - The most economical hotel in Macao. Beautifully situated on Praya Grande nº 15 (next to Government House). Good food, Excellent Attendance and Strictest Cleanliness. Under European Management. Telegraphic Address: "Internacional".
"O hotel mais económico de Macau. Muito bem situado no nº 15 da Praia Grande (junto ao Palácio do Governo). Boa comida, excelente atendimento e limpeza rigorosa. Sob gestão europeia. Endereço Telegráfico: "Internacional".
PS: Na época existiam mais dois hotéis do tipo ocidental, o Boa Vista e o Macao Hotel.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Chine, Et Indes Avec Les Isles: 1766

Coloured map from 1766 of Southeastern Asia, including the region from New Guinea to India and North to include China made by Louis Brion de la Tour (ca. 1743-1803), a french geographer and demographer and one of the most prolific cartographic publishers of the mid 18th Century. Besides the decorative border, the map has plenty of detailed information, including islands, towns, rivers, mountains, etc. and a context text of the region.
Mapa colorido datado de 1766 com representação do Sudeste Asiático, incluindo a região da Nova Guiné à Índia e do Norte para incluir a China, feito por Louis Brion de la Tour (ca. 1743-1803), um geógrafo e demógrafo francês e um dos mais prolíficos editores cartográficos de meados do século XVIII. 
Além da borda decorativa, o mapa tem muitas informações detalhadas, incluindo ilhas, cidades, rios, montanhas, etc. e um texto de contexto da região. Em cima o detalhe da localização de "Macao". 
Existem diversas versões deste mapa - surgiu em vários Atlas - como se pode verificar abaixo, de 1786.


domingo, 17 de abril de 2022

Domingo de Ramos em 1959

"Decorria o ano de 1959. Início da Semana Santa em Macau. Meu Pai tinha vindo para Portugal, com o meu irmão, para frequentar o Curso de Oficiais do Quadro Permanente de Exército. Por isso, eu, a minha Mãe e a minha irmã vivíamos com os meus avós maternos, na Rua Francisco Xavier Pereira Nº3-A (uma mansão que já não existe), à espera de embarque no paquete Timor para nos juntarmos a eles. 
Todos os anos Avô-Pa colhia uma braçada de palmas do seu jardim para, no Domingo de Ramos, Avó-Ma levar à missa a fim de serem benzidas e depois distribuídas pelos filhos que ainda viviam em Macau. Na nossa casa eram colocadas atrás de duas molduras com gravuras religiosas, onde ficavam o ano todo, até serem substituídas.
Naquele ano, não sei qual a razão, fui eu o encarregado de levar o ramo para a benção. Também não me lembro a razão, atrasei-me. Quando entrei na Igreja de Santo António, com um ramalhão nos braços, atado com um belo laçarote, já o Padre Basaloco tinha iniciado a missa. Uma madre disse-me baixinho “Os ramos já foram benzidos”. À minha frente, lá estavam os ramos, alinhados frente ao altar-mor, ainda brilhantes da água-benta. Mas também não me atrapalhei. Se a água-benta benzia os outros também benzia o meu. Com toda a calma coloquei o meu ramo em cima. Avó-Ma nunca chegou a saber que, naquele ano, o ramo foi “benzido por contato”..."
Testemunho de Reinaldo Amarante a quem agradeço ter aceite o meu desafio.
Nota: O Domingo de Ramos marca o início da Semana Santa, celebrando a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Cristo. Do ritual das celebrações fazem parte a Missa da Ceia do Senhor, a Celebração da Paixão do Senhor, Procissão do Senhor Morto, Vigília Pascal e, no Domingo de Páscoa, a missa solene da Ressurreição do Senhor.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

A Rua Central

A 15 de Julho de 2005, em Durban, a candidatura de Macau foi reconhecida por unanimidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Centro Histórico de Macau foi classificado como Património Mundial da Humanidade.
Na justificação pode ler-se: "(...) a mais antiga, completa e rica herança europeia que permanece actualmente intacta no território chinês, consequência de um fluxo cultural e de assimilação Sino-Ocidental num período de cerca de 400 anos (...). Estes monumentos também são testemunhas da longa história das missões cristãs no Extremo Oriente e, o mais importante, elas são o símbolo da pacífica e harmoniosa coexistência social e do pluralismo e diversidade cultural”.
O referido centro histórico de Macau corresponde de uma forma geral ao núcleo da antiga cidade cristã designada por “Cidade do Nome de Deus de Macau”. Ou seja, na cidade intramuros que era dividida praticamente a meio pela Rua Central, uma via paralela aos dois portos, o interior e o exterior, e que fazia a ligação entre as igrejas de S. Lourenço e da Sé. 
Antes da abertura da Av. de Almeida Ribeiro/San Ma Lou em 1918, a Rua Central era o centro da vida social e comercial da cidade CristãDá acesso à igreja s. Lourenço, Seminário S. José, ao teatro D. Pedro V, igreja Santo Agostinho, etc...
Em chinês denomina-se Rua Direita do Cume do Dragão. O topónimo remonta pelo menos ao século 19. Actualmente vai da zona da igreja de S. Lourenço até à Av. de Almeida Ribeiro.
Em 1994 João Guedes publicou um artigo na Revista Macau onde pode ler-se:
"(...) esta artéria era nos inícios do século o pólo da vida macaense. Ali faziam negócio as principais casas comerciais, com destaque para os armazens indianos. Ali se situavam, os locais da moda e se erguiam também as moradias da mais fina sociedade do princípio do século. Mas, para os chineses, a azáfama comercial pouco contava, já que a via correspondia à Rua Direita do Cume do Dragão, quintissência da importância de qualquer cidade. É que, para além de ser tortuosa como todas as chamadas ruas direitas de Portugal, a via acompanhava nas suas curvas suaves as circunvoluções lombares do dragão. Se todas as cidades portuguesas (ou pelo menos, quase todas) possuem uma rua direita, não se sabe porque capricho, em Macau foi dado chamar-se em português rua Central à via que mais se assemelhava às tais. Neste caso, os chineses souberam com inteligência chamar pelo nome certo a rua principal de Macau".

quinta-feira, 14 de abril de 2022

"Hong Kong Confidential - O Mistério Revelado": 1967

"Hong Kong Confidential - O Mistério Revelado", livro da autoria de Jeff Thomas editado no Brasil em 1967.
Sendo jornalista foi o maior colunista social do Brasil nas décadas de 1960 e 1970 sendo conhecido nos quatro cantos do mundo.
Seguem-se uns excertos:
"Macau – Estou na província ultramarina (como dizem os portugueses ) de Macau , passando o " week-end ” em companhia de Sir Roy. É domingo. Cheguei ontem vindo de Hong Kong, of course, depois de uma panorâmica e bela viagem, num pequeno navio, que durou três horas. (...)
Muitas ruas e vielas de Macau lembram Lisboa, nas subidas e nas descidas. Nas ruas centrais ouve-se os portuguêses dizendo para as chinesas frases como esta: “como é, vai querer, ou não vai querer? (...) Jantamos no mesmo restaurante onde havíamos almoçado comida excelente e vinhos verdes."

"Hong Kong Confidential" é também o título de um filme (EUA) de 1958

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Crazy Paris Show: 2ª parte

"Behind that doomed hidalgo rears the lemon yellow hotel, crowned by a great globe studded with luminous spikes. The Lisboa, built in the 1960's, was the first of the modern hotels.* It presents Macao's most extravagant cabaret, modeled on the strip shows of the Crazy Horse Saloon in Paris. 
The showgirls are all Australian, American and European Caucasians with not an Asian among them, which says something about the extracurricular taste of the overwhelmingly Asian and male audiences.
The center of the Lisboa is the two-story casino, one of the six authorized in Macao. In addition to the eight ways to lose money in casinos, including one-armed bandits, here called ''hungry tigers,'' there is jai alai, greyhound racing, horse racing and, once a year, the Macao Grand Prix, which attracts drivers and bettors from all over Asia."

Segue-se a tradução deste excerto de um artigo do jornal The New York Times de Setembro de 1990.

"Atrás daquele fidalgo condenado ergue-se o hotel amarelo-limão, coroado por um grande globo cravejado de pontas luminosas. O Lisboa, construído na década de 1960*, foi o primeiro dos hotéis modernos. Apresenta o cabaré mais extravagante de Macau, inspirado nos espectáculos de strip do Crazy Horse Saloon em Paris. As dançarinas são todas australianas, americanas e europeias, sem nenhum elemento asiático entre elas, o que diz algo sobre o gosto extracurricular do público predominantemente asiático e masculino. 
O ponto nevrálgico do hotel Lisboa é o casino de dois andares, um dos seis autorizados em Macau. Para além das oito formas de perder dinheiro em casinos, incluindo bandidos de um braço só, aqui chamados de ''tigres famintos'', há jai alai (pelota basca), corridas de galgos, corridas de cavalos e, uma vez por ano, o Grande Prémio de Macau, que atrai pilotos e apostadores de toda a Ásia."
* foi construído no final década de 1960 e inaugurado em Fevereiro de 1970
O que começou por ser um espectáculo pensado para apenas dois meses transformou o clássico Teatro D. Pedro V - paredes meias com a igreja de Sto. Agostinho e o Seminário de S. José - na sala de visitas da noite 'erótica' em Macau à boa maneira ocidental e a imitar as congéneres parisienses. 
O Crazy Paris Show foi ali exibido entre 1979 e 1986 ano em que o espectáculo erótico – com as mais belas dançarinas europeias – passou para a sala Mona Lisa do Hotel Lisboa.
Como se pode ler no anúncio abaixo (de 1994) "the best artistic show in the world" estava na altura no quinto ano de gloriosas exibições diárias nocturnas ("in it's 5th glorious year nightly at the Dom Pedro V Theatre".)
Anúncio publicado na imprensa de Hong Kong em 1984. 
Nesta época havia dois espectáculos nocturnos aos dias de semana e três ao sábado

A pensar especialmente nos turistas de Hong Kong a Agência de Viagens Sintra Tours, também da STDM, proporcionava um pacote que incluía bilhete para o espectáculo, viagem de jetfoil (regresso a Hong Kong nesse dia antes da meia noite e jantar chinês; opcionalmente o viajante podia pernoitar em Macau no hotel Sintra (tb da STDM) com pequeno-almoço incluído.
Em 1986 o espectáculo erótico - com as mais belas dançarinas europeias - passou a realizar-se no Hotel Lisboa. Na década de 1990 funcionava na sala Mona Lisa do Hotel Lisboa. Em 1999 bilhete custava 120 patacas.
Anúncio na imprensa: 1989

terça-feira, 12 de abril de 2022

Crazy Paris Show: 1ª parte

Em cartaz há mais de 40 anos, o espectáculo "The Crazy Paris Show" realizou a sua última  apresentação pública no Grand Lisboa no início do corrente mês de Abril.
O espectáculo erótico "The Crazy Paris Show" revolucionou a oferta cultural de Macau no final da década de 1970 ainda hoje está activo. Tudo começou em 1979...
Nesse ano, reza a história, um empresário de Macau de passagem por Paris contacta o responsável do famoso Folies Bergère Music Hall em Paris onde está m cena um espectáculo denominado "Crazy Paris Show" - inspirado noutro também famoso de Paris, o Crazy Horse de Paris, criado em 1951 - com o intuito de levar para Macau um espectáculo de diversão.
Guy Lesquoy era então um jovem bailarino e viria a tomar uma decisão que mudou radicalmente a sua vida: “Eu concordei em trazer o show, mas disse a ele,‘ Eu sou muito caro ”e ele disse:‘ Preço não é um problema ’. Eu não sabia com quem estava falando! ".. explicou Guy recentemente numa entrevista no meio de risos. E não é para menos. Na verdade, ele estava a falar com Stanley Ho, fundador da STDM e proprietário do então recém-construído Hotel Lisboa. 
Pouco tempo depois Guy estava em Macau... tinha 20 anos e estava rodeado das mulheres mais bonitas do mundo (segundo ele).
Este show de strip erótico de dançarinas estrangeiras começou em Julho de 1979 no Teatro D Pedro V, uma sala  inaugurada em 1860 e a primeira do género na Ásia. Curiosamente, também este espectáculo foi pioneiro no género na Ásia.
Mas nem tudo foi rosas... Para uma sociedade ainda conservadora a nudez exibida criou algum choque inicial que foi sendo ultrapassado. Guy explica (revista Macau Closer, Agosto 2020):  “Fui muito rígido com as meninas porque em público elas não representavam apenas o show, mas também a França e nossa cultura. Sim, existia nu estético, mas de minissaias, o que permitiu ao povo de Macau aceitar mais facilmente e vê-lo de forma positiva ”.
O teatro ficava junto a uma igreja e a um seminário e ainda havia comissão de censura...
“Havia três freiras e um padre na comissão e o pessoal do Departamento de Turismo e do Governo, mas ficaram impressionados com o facto de que era um show de nus estéticos. O que estávamos fazendo era mostrar a beleza humana de uma forma extravagante, com iluminação, música e movimento. Era sugestivo, mas nada era mostrado de forma explícita"
Num guia turístico da época de 1970 pode ler-se: "Plenty of nudity is displayed at Crazy Paris strip shows in the Orient's oldest European-style theater."
Tal como no lema na Coca-cola, a sociedade macaense primeiro estranhou mas depois entranhou e depressa todos queriam ver o espectáculo de que todos falavam e que passou a ser um dos grandes atractivos do território, a par dos casinos, Grande Prémio e património cultural.
Num guia dedicado aos turistas publicado na década de 1980 o espectáculo era apresentado como "sofisticado": "A sophisticated strip show is offered at the charming and historic Dom Pedro V Theatre."
O programa inicial previa uma exibição ao longo de apenas dois meses mas o sucesso foi tal que foi exibido até 1986 - dois shows nocturnos diariamente - quando passou para o hotel Lisboa. Em 1988 o espectáculo já tinha sido levado à cena 4.700 vezes e vistos por mais de um milhão de espectadores.
Guy Lesquoy, que dirigiu o espectáculo de cabaret durante 12 anos (saiu em 1992), considerou que o mesmo tornou-se um legado cultural do território. Em declarações feitas em 2014 ao Ponto Final disse: "O que nós queríamos mostrar era a cultura francesa da época, tendo por base o Crazy Horse Show de Paris. Esforçámo-nos para que as pessoas em Macau percebessem que o nosso show era incomum, mas baseado no que eu apelidava de ‘nu estético’. Utilizávamos um jogo de luzes muito sugestivo, mas não havia nudez gratuita. Felizmente conseguimos passar essa mensagem – exemplo disso era o tipo de público que o espetáculo atraía. A determinada altura, quase metade da audiência – cerca de 45% – era composta por mulheres. As nossas bailarinas faziam o show à noite, mas durante o dia estavam envolvidas em várias atividades de cariz social, colaborando com diversas associações locais. Tudo isto foi importante para que o espetáculo fosse bem acolhido em Macau. (...)
No princípio, houve alguma desconfiança e muitas dúvidas sobre o tipo de espetáculo que estávamos a planear. Mas com o passar do tempo, e depois de assistirem ao espetáculo, as pessoas entenderam a natureza do show e as nossas intenções. Foi engraçado perceber como, passado algum tempo, estavam até orgulhosas pelo facto de este ser um espetáculo especial – este show era único na Ásia, com um nível de profissionalismo indiscutível. Era da mais alta qualidade que se podia encontrar a nível internacional, até mesmo em Paris. O show passou a ser uma paragem obrigatória em vários roteiros turísticos e até representantes em visitas oficiais a Macau eram levados ao Teatro D. Pedro V, que acolheu o espetáculo durante vários anos antes de ser transferido para o Hotel Lisboa. O espetáculo foi bem recebido na cidade e essa foi a razão para se ter mantido em palco cerca de 14 anos. Eu deixei de dirigir o espetáculo entre o final de 1993 e o início de 1994, após discordar com os proprietários, que pretendiam que as bailarinas exibissem mais o corpo. Na minha opinião, abandonar a natureza sugestiva do nu estético foi um erro."
Anúncio década 1990: o espectáculo faz parte das atracções turística do território a par dos casinos. 
No final da década de 1980 passou para a nova ala do Hotel Lisboa, no Mona Lisa Hall (imagem abaixo).
Nos anúncios em inglês da década de 1980 podia ler-se:
"The spectacular Crazy Paris Show in a small theatre inside Hotel Lisboa. Be sure that tickets are booked in advance because the show is normally jam-packed."
"Nude spectacle, inspired by the Crazy Horse Show"

segunda-feira, 11 de abril de 2022

O "Cheng Meng"

"Os rituais de veneração dos antepassados em datas bem determinadas pelo Calendário luni-solar, para além do culto doméstico indispensável em todas as festividades processam-se na 3. ª e na 4. ª Luas. São conhecidas, respectivamente, por Cheng Meng, ou Pura Claridade, no dia 4 ou 5 da 3. ª Lua, e Aprovisionamento do Princípio Masculino no dia 9 da 9. ª Lua. A primeira destas datas é, sem dúvida, a mais importante. (...)
O Cheng Meng (淸明), ou Festividade da Pura Claridade, em tradução literal, é um dia que a tradição consagrou à veneração dos Antepassados e, daí, à visita obrigatória aos cemitérios, com todo um cortejo de cerimónias, que vêm dos antigos tempos. Cada estação do ano comporta seis períodos distintos. O Cheng Meng recai, precisamente, no 5. º período da Primavera, recaindo no dia 4 ou 5 de Abril do Calendário Gregoriano (dia 4 ou 5 da 3. ª Lua do Calendário lunisolar).
Antes da dinastia T'ang (618 - 907 d. C. ), os chineses visitavam os sepulcros dos seus antepassados, frequentemente nas colinas, para lhes oferecerem incenso, dinheiro, vestuário e papel, além de alimentos cozinhados, no dia conhecido por Dia da Comida Fria, isto é, cerca de 48 horas antes do actual Cheng Meng e 105 dias depois do solstício de Inverno do ano anterior. Durante este dia, só se podiam ingerir alimentos frios, pois era defeso acender-se o lume.
Este costume vinha da alta Antiguidade e parece relacionar-se com a velha Cosmogonia, segundo a qual, nos fins da Primavera, surgiam no Céu duas estrelas correspondentes aos princípios elementares madeira e fogo. Temendo-se que o princípio fogo dessa estrela se tomasse mais "forte" e queimasse toda a madeira, provocando o desequilíbrio cósmico, adoptou-se a prática de não se acender fogo na terra. O primeiro fogo era aceso, ritualmente, no dia de Cheng Meng. Daí o nome de Pura Claridade dado a este dia.
Nalguns pontos da China, foi uso, durante muito tempo, lançarem-se durante o Cheng Meng, cascas de ovos cozidos sobre as campas, comendo-se, então, os ovos, com igual sentido de renovação. Estes ovos eram, dantes, decorados com pinturas feitas com sucos vegetais de Rubia e Garanza que ficavam manchadas nas claras, endurecidas por anterior cozedura.
Daí o aparecimento, nos mercados, de cascas de ovos pintadas, que passaram a constituir, já na China Maoísta, elementos de artesanato, de baixo preço, para os turistas. O ovo significa simbolicamente que o velho abriu o caminho ao novo, isto é a ideia de renovação.
Em 1935, era ainda muito popular na China a visita aos cemitérios, costume ao qual o Governo republicano deu o nome de varrer os túmulos, para o paralelizar com o Dia de Finados do Ocidente, embora este viesse já da dinastia T'ang.
Na dinastia T'ang, no dia de Cheng Meng ou dia do reacender do fogo, os imperadores ofereciam tochas de ulmeiro, ou de salgueiro, aos seus funcionários favoritos, para acenderem, de novo, o fogo nas suas casas.
Na dinastia Sung, estas tochas vegetais foram substituídas por tochas de sebo. Nesta data, com a qual, no Sul da China, se relacionam várias lendas, todos, desde o Imperador aos mais modestos camponeses, apostavam nas lutas de galos. Era um dia de liberdade relativa também para as mulheres, que podiam sair da sua reclusão para venerarem os seus antepassados.
Entre estas práticas, podem estabelecer-se várias relações importantes: por um lado, o ritual do fogo e o vestígio do seu culto, ao aproximar-se o solstício de Verão; o culto da terra na altura da maturação das sementes; e por outro, o culto das localidades e das suas divindades tutelares, bem como dos antepassados mortos e inumados na terra, práticas, aliás, comuns a todos os teísmos agrários.
Curioso é de notar, também, a relação do galo e dos seus combatentes, com a chegada do Verão e com o simbolismo que o galo teve no Ocidente, na Roma antiga e nos cultos paleo-cristãos relacionados com a ressurreição e com a derrota da Morte.
O Cheng Meng anuncia igualmente o início do Verão, o que vem em apoio da nossa hipótese de que ele seja o vestígio de rituais muito antigos, relacionados com o culto do fogo e com a celebração do solstício de Verão, tal como o é entre nós o costume lúdico de saltar fogueiras pelos Santos Populares. Um vestígio também do culto do Sol que amadurece as colheitas e do culto da terra onde a semente, que mantém a vida, germina. O Sol, fonte de vida, aparece-nos, assim, relacionado com o culto dos mortos, tal como nos cultos paleo-cristãos do Ocidente, subjacente à ideia de imortalidade, de contínuo renovar da luz e das trevas.
A segunda das festividades em que se veneram os antepassados é, como se disse, conhecida por Aprovisionamento do Princípio Positivo ou Masculino, o qual, dentro do conceito de Dualidade Cósmica, corresponde também ao Sol, e parece ser o que resta de um velho culto relacionado com o final do ano agrícola e com o anúncio do Inverno, tal como o Cheng Meng parece corresponder ao anúncio de Verão.
Nesta data, era costume lançarem-se no ar papagaios de seda e de papel, à maneira de bodes expiatórios. Admite-se que o principal objectivo desta festividade fosse reter, pela via dos rituais, a energia solar declinante, para se poder atravessar a estação morta e renovar-se a Natureza, na Primavera seguinte, altura marcada pela festividade do Ano Novo lunisolar.
Estas duas festividades em que se cultivam os Antepassados corresponde, pois, como se pode facilmente deduzir, à alternância anual e cíclica da vida e da morte da Natureza.
Estas práticas antigas foram caindo gradualmente em desuso, logrando, no entanto, maior sobrevivência nas províncias do Sul (Cantão e Fuquien), depois da implantação da República. É em Macau e noutros territórios fora da China, onde as comunidades chinesas mantêm mais fortes os seus elos de etnicidade, que as práticas dos velhos rituais continuaram a observar-se, pelo menos, até aos anos 79/80.
A veneração dos Antepassados deve ser feita pelos filhos ou netos varões, o que está de acordo com o carácter patriarcal da sociedade chinesa. Os varões seguem a linhagem familiar e a eles cabe a responsabilidade de perdurar o clã.
Quando estas cerimónias se não realizam, (tanto aquelas a que deve proceder-se durante os funerais, como as que são dedicadas, durante o ano, aos antepassados de cada família), os espíritos que vivem no Além, uma vez abandonados pelos seus familiares, perdem a paz. Deixam de ter vestuário, dinheiro e alimentos, que ninguém lhes oferece transformados no fumo dos papéis votivos incinerados, que acompanha o incenso queimado até ao seu destino, e tomam-se mendigos.
Estes são os kwai, tão temidos em Macau, os espíritos errantes ou fantasmas vingativos, que regressam ao mundo dos vivos, sedentos de vingança pelos seus sofrimentos.
É por isso que a maioria dos espíritos erradios é de mulheres solteiras, ou casadas em momento de parto. Uma mulher que morra solteira, não pode ser incluída na tabuleta da sua própria família, ao passo que a mulher casada pode ser venerada pelos filhos das concubinas do seu marido, ou pelos sobrinhos deste (filhos do irmão), que também podem prestar-lhe culto no Além. Em casos extremos (favoráveis principalmente às mulheres), para que possam ser veneradas pela família dos maridos, uma vez que são excluídas das suas próprias, devido ao carácter patriarcal e patrilocal próprio da família chinesa, recorre-se a casamentos póstumos. Pode, assim, casar-se uma rapariga falecida, registada na respectiva sua tabuleta, com um homem vivo ou com um homem falecido, também solteiro.
Se há quem atribua a estas práticas um carácter supersticioso, a verdade é que elas são o testemunho iniludível da crença na Imortalidade e na vida no Além. (...)
in Rituais da Morte e da Vida na Antiga China, de Ana Maria Amaro.

domingo, 10 de abril de 2022

2º Raid Macau -Lisboa em BD

Ainda este ano deverá fica pronta a edição de uma banda desenhada, em português e chinês, com a história do 2º Raid Macau-Lisboa, uma viagem feita de jipe em 1990
Tendo por base a história contada por Joaquim Correia, coube a Marco Fraga da Silva elaborar o guião da banda desenhada. As ilustrações são da autoria de Fil e Sofia Pereira.
"Foi uma viagem épica que permitiu a ligação entre Macau e Portugal por terra, atravessando vários países como a China e a antiga URSS e diversos países da Europa, mostrando que a união entre os povos é possível e desejável", contou recentemente Joaquim Correia ao jornal Hoje Macau.
O álbum deverá ter uma apresentação no Festival Internacional de Banda Desenhada, o Amadora BD que se realiza em Outubro e Novembro.