Páginas

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Aterros da Praia Grande e Porto Exterior: década de 1930

A primeira grande transformação da baía da Praia Grande começou com os primeiros aterros no início do século XX. Até então a orla costeira era contornada pela actual Av. da Praia Grande e ia desde a Calçada do Bom Jesus até à zona onde hoje está o Clube Militar, início da Estrada de s. Francisco. Esses aterros estenderam-se até à zona do Porto Exterior (imagem abaixo).
Em meados da década de 1930 - imagem abaixo - ainda decorriam os trabalhos. Do lado direito da imagem fica o local onde em Junho de 1940 foi colocada a estátua de Ferreira do Amaral e do lado esquerdo, no mesma altura, a estátua de Jorge Álvares. 
As primeiras construções só foram possíveis já na década de 1950 quando os aterros foram considerados consolidados. (clicar na imagem para ver tamanho maior)
Álvaro de Melo Machado descreveu assim a baía por volta de 1910:
"Está-se na avenida da praia grande, a curva naturalmente graciosa como poucas, que a bordo se avistou. A rua é larga; de um lado contornada por uma muralha contínua, onde as ondas vêm bater salpicando as árvores desenvolvidas e frondosas que a acompanham, e do outro por uma longa fila de casario onde se destacam a residência do Governador, o edifício das repartições públicas e algumas casas de arquitectura chinesa.(...) A cidade tem aqui um aspecto muito diferente. Acabou a aglomeração de gente e desapareceram as lojas e os toldos sujos; apenas alguns peões passam descuidadamente, um ou outro vendedor circula procurando atrair as atenções dos moradores ocultos e os jerinkshas particulares, puxados a dois culis em trajos coloridos, rodam silenciosamente e ligeiros no leito macio da avenida plana."

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Fu Tak Yam Biography

Escrita por Adrian Fu, está disponível desde Janeiro a biografia de Fu Tak Iam (avô de Adrian), em inglês e chinês.
Adrian Fu published a biography of his grandfather, Fu Tak Iam, whose company held the gambling franchise in Macao between 1937 and 1961, and who laid the foundation for his family’s business empire today.
The story of Fu Tak Iam’s rise from rags to riches is the stuff of Hollywood films. Born in 1895 to a poor farming family in a village in Nanhai county, Foshan in Guangdong province, Fu had little formal schooling. He was eight years old when drought forced his father to leave the village for Hong Kong where he worked in a metal shop. Fu himself began working at an early age, first collecting and selling firewood to help support his family.
He made the journey to Hong Kong in 1908, just 14 years old, to help his father in the shop. Three years later, he took a job as a stoker in the boiler room of a British vessel, working a route between Hong Kong, Macao, Guangzhou, and ports in the Pearl River Delta.He often spent his spare time wandering the streets and gambling when he could. One day, Fu was gambling in Central (Hong Kong) and got arrested after getting into a fight.
Sentenced to 10 months in prison, Fu made best use of the time in jail and learned much about gambling from the other inmates.
After leaving prison, Fu moved to cities in Guangdong and Guangxi and went into business: opium, gambling and firearms, all profitable sectors. He returned to Hong Kong flush with cash from his many ventures. While horse racing was the only legal form of gambling there, local governments in China turned a blind eye.
Fu met Huo Zhi-ting, president of the Guangdong Bank and founder of the Hong Nin Savings Bank of Hong Kong, in the early 1930s. Despite Fu losing out on his bid for the gambling franchise in Macao to Huo’s consortium, the two became friends. Huo admired Fu’s management of gambling and agreed to fund a large casino in Shenzhen aimed at punters from Hong Kong. Huo had the support of Chen Jitang, a warlord powerful in Guangdong.
There Fu built the largest casino in China, involving an investment of 10 million yuan. It attracted many gamblers from Hong Kong, just as intended, and badly affected the casinos of Macao. But in 1937, after Japan launched its all-out war on China, the Nationalist government banned gambling on the mainland. The Shenzhen casino was forced to close, resulting in heavy losses for its investors.
Fu returned to Macao just in time to make a second attempt at the franchise in the city. He partnered with Kou Ho-neng, who had made a fortune from a chain of pawnshops, to form the Tai Heng company. Their bid of 1.8 million patacas a year won in 1937; they promised three casinos, the largest in the newly renamed Hotel Central in downtown Macao.
Tai Heng would hold the gambling monopoly for the next 24 years. Their bid turned out to be an excellent investment, especially during World War II, when Macao was the only city in East Asia not under Japanese military occupation.
Thousands of wealthy people from Hong Kong, the mainland, and overseas took refuge there to escape the war. Japanese business people, officials, and military officers were also frequent visitors to the Hotel Central , patronising its bars and restaurants and the other casinos. There was little alternative entertainment. Fu used the profits to invest in passenger ships, the Number 16 pier, and trading.
Despite being one of the wealthiest men in Macao, Fu did not fear for his safety and usually had only one bodyguard. On 10 February 1948, he went into the Kun Iam Temple, leaving his driver outside. A group of armed men burst in and kidnapped him. They demanded a ransom of nine million Hong Kong dollars. The family turned to Ho Yin, a highly influential Chinese and colleague of Fu’s, to mediate negotiations for his release. With his help, the two sides agreed to a much-reduced ransom of 900,000 Hong Kong dollars, but when one of Fu’s children brought in the police, the deal fell apart.
Enraged, the kidnappers cut off the top of Fu’s right ear and sent it to his family as a warning. They also reverted to their original ransom demand, prompting the family to reach out to another mediator: the famous Cantonese opera star, Tang Wing Cheung. He got the ransom back down to 900,000 Hong Kong dollars; the family paid and Fu was released. Police eventually arrested a renegade Kuomintang soldier believed to be the ringleader; he was sentenced to 18 years in prison. After World War II, Fu diversified his investments in Hong Kong, moving into property, shipping, construction, cinemas, and trading. He decided that the next generation should not follow him in the casino business.
Fu was a workaholic, with little time for his four wives and 15 children, and little interest in socialising. He spoke little; his main method of communication was letters, which he wrote each week, to his children and employees, mostly with instructions on what to do.
Those in Macao interested in learning more about Fu Tak Iam can visit his former home, located at 28-34 Avenida da Republica and owned by the Fu Tak Yung Foundation, and read two marble tablets about his life housed in two pavilions on the property. Or they might pop over to the pavilion in Chong San Memorial Park on Guia Hill to read the tablet there. For those looking to dive deeper into the biography of the gambling mogul, they can read the The Fu Tak Iam Story (踧德蔭頦), published by his namesake Foundation.

Excertos de um artigo de Mark O' Neill publicado na Macao Magazine, Jan. 2019

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

"Acção Colonial": 1934


No número comemorativo do Acção Colonial: Jornal de Informação e Propaganda das Colónias publicado em 1934, o governador de Macau, António José Bernardes de Miranda, assina um artigo na página 7 intitulado "Macau e o seu futuro da economia da Nação".
Em resumo, neste artigo, o governador apresenta o contexto das dificuldades económicas de Macau em termos de comércio face a Hong Kong e apresenta como solução para o incremento do comércio do território, fazer de Macau uma porta de entrada para a China do restante "império colonial". 

A 1.ª Exposição Colonial (inspirada na Exposição Colonial de Paris, 1931) decorreu no Palácio de Cristal (Porto). Abriu ao público a 16 de Junho de 1934, após ter sido inaugurada, com pompa e circunstância, na noite anterior, numa sessão solene no Palácio da Bolsa do Porto em que esteve presente o Presidente da República, general Óscar Carmona. Entre os monumentos de que foram feitas réplicas estava o Farol da Guia (imagem abaixo).

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Selos ca. 1885

 Selos ca. 1885
A explicação para estes selos está no ofício enviado pelo governador de Macau ao director da Casa da Moeda em Portugal a 2 de Maio de 1884:
Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que entendo que é urgente a necessidade de estabelecer um regular serviço do correio n’esta província e não podendo ser posto em execução em todas as suas partes o regulamento que por este governo se mandou proceder por conter várias disposições que dependem da aprovação de V.Exª e de prévio acordo com administrações postais de diversos países, determinei pela minha P.P nº 11, tendo sido ouvido o Conselho do Governo e a Junta da Fazenda de que, a contar do 1º de Março p.f. se poem em circulação os selos de franquia portugueses que por esse Ministério foram enviados a esta província e de que o serviço do Correio se regule provisoriamente pela instruções anexas á referida P.P, que numa próxima mala enviarei a V.Exª.
O estado actual do serviço do correio não podia por forma alguma continuar. Macau, como colónia portuguesa paz parte da «União Postal Universal» e o governo de Sua Magestade mandou já há alguns anos os selos de franquia necessários para que o correio desta cidade começasse a funcionar, e apesar de tudo isso são passados 5 anos depois da Convençaõ de Paris, e já quase outro tanto que os selos existem na Junta da Fazenda e o serviço postal continua a ser feito por uma succursal do correio de Hong Kong e a correspondência a ser franqueada com estampilhas inglesas acrecendo o vexame de terem os expedidores de pagar uma % de 8 avos por carta ao indivíduo encarregado de receber e expedir a correspondência.
Nestas circunstâncias espero que V.Exª aprovará as medidas provisórias que tomei para regularisar d’alguma forma este serviço até que seja criada a repartição competente e devidamente aprovado o regulamento que muito em breve enviarei a V. Exª.
Concluindo cumpre-me dizer a V.Exª. que não existindo na Junta da Fazenda selos de valor de 80 réis e sendo justo e conveniente que o porte de uma carta que d’aqui for expedida seja igual ao que vem da metrópole, resolvi também aproveitar as estampilhas de 100 réis, habilitando-as para 80 réis por meio de um carimbo aplicado no Thesouro da Junta.
Palácio do Governo de Macau, 5 de Fevereiro de 1884
O governador  Tomás de Sousa Rosa.



sábado, 23 de fevereiro de 2019

Vapores a pás "White Cloud" e "Kin Shan"

Em cima uma fotografia de 1863 com a legenda "Steamer 'White Cloud' at Canton (Guangzhou) running between Hongkong & Macao".
Na foto surge também a designação "Dutton & Michaels". Trata-se do estúdio de fotografia  propriedade de Sylvester Dutton, um norte-americano, e muito provavelmente Vince Michaels, que existia em Cantão (Guangdong) na época.
Por volta de 1860 a empresa "Hong Kong, Canton and Macao Steamboat Company" começou a operar com embarcações a vapor nas ligações marítimas entre Macau, Hong Kong e Cantão. Entre as primeiras embarcações contavam-se o Kin Shan, o White Cloud e o Fire Dart, embarcações a vapor movidas a rodas de pás.
Em baixo uma outra fotografia também do estúdio de Dutton mas do vapor Kin Shan.
No "The Directory & Chronicle for China, Japan, Corea, Indo-China, Straits..." relativo ao ano de 1888 pode ler-se que o White Cloud, comandado pelo capitão W. J. Risby, assegurava a ligação marítima entre Macau e Cantão.
  Anúncio da empresa na referida publicação em 1888. Repare-se que os horários não são totalmente exactos; escreve-se "partidas a partir das..." já que as mesmas estavam muitas das vezes dependentes dos horários das marés.


Mapa da época da zona do delta do Rio das Pérolas - tb conhecido por Si Kiang ou West River - onde estão estão assinaladas as cidades portuária de Macau, Hong Kong e Cantão. Em linha recta Macau dista de Cantão cerca de 100 quilómetros.
Numa publicação do ano de 1900 surge a informação:
"Three lines of steamers, conveying both passengers and cargo, ply daily between Hongkong and Canton, a distance of about 95 miles; a daily service is maintained between Macao and Canton; and there is regular connection with Wuchow and West River ports, and with Shanghai, Newchwang, and Kwangchu Wan".
Ou seja...
"Três linhas de vapores, que transportam passageiros e carga, ligam diariamente Hong Kong a Cantão, a uma distância de cerca de 95 milhas; um serviço diário é mantido entre Macau e Cantão; e há conexão regular entre Wuchow e os portos do Rio Oeste (Rio das Pérolas), e com Shanghai, Newchwang e Kwangchu Wan."
Curiosidade: Um dos vapores desta empresa teve como comandante o homem que será responsável pela criação do Hotel Boa Vista.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A estreia mundial do filme "Macao"


A estreia mundial do filme "Macao" nos EUA ocorreu a 30 de Abril de 1952. Na imagem um cartaz da época numa rua de Los Angeles. Em Macau o filme chegaria aos cinemas no final desse ano e em Hong Kong a estreia ocorreu no dia 18 de Dezembro.
 Imagem do trailer original (em cima) e do genérico do filme (em baixo)
As diversas vicissitudes pelas quais o filme passou fizeram, por exemplo, com que tenha subsistido até hoje um trailer promocional que não corresponde à versão final.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Voyages et missions du Père Alexandre de Rhodes...

Alexandre de Rhodes (1591-1660), S.J. foi um missionário jesuíta de Avignon, cuja vida e obra se destacou sobretudo no Vietname. É dele a obra "Dictionarium Annamiticum Lusitanum et Latinum", considerada o primeiro dicionário trilingue vietnamita-português-latim, publicado em Roma pela primeira vez em 1651. Nas suas deambulações pela Ásia esteve em Macau - partiu de Lisboa primeiro rumo a Goa - e é sobre esse período que escrevo neste post recorrendo a um outro livro de Rhodes, publicado em 1653: "Divers voyages et missions du P. Alexandre de Rhodes en la Chine et autres royaumes de l’Orient, avec son retour en Europe par la Perse et l’Arménie".
Numa primeira fase Rhodes esteve apenas um ano em Macau  - chegou a 29 de Maio de 1623 - e é disso que fala no pequeno capítulo sobre o território, embora ao todo tivesse vivido em Macau mais de 10 anos.
Em 1624 partiu em missão para o Vietname e regressou a Macau em 1626. Dali seguiu para Tonquim onde esteve até 1629. Regressa novamente a Macau onde ficará dez anos a ensinar no Colégio de São Paulo. Voltaria ao Vietname em 1640 onde esteve até 1643 quando fruto das perseguições aos católicos voltou a Macau. Em Janeiro de 1644 o jesuíta francês já estava novamente no Vietname onde foi preso e condenado pelo que regressaria mais uma vez a Macau de onde saiu definitivamente em 1645. Só chegou a Roma quatro anos depois. 
Do capítulo XV (páginas 71 a 73) publico apenas uma parte em francês mas em português apresento o texto na íntegra de um dos primeiros testemunhos da história do território cujo 'assentamento' remonta a ca. 1555.

"Mon séjour d'un an dans Macao, ville de la Chine, tenue par les Portugais.
Étant arrivé en ce beau royaume, mon premier séjour fut à Macao, où l'on me retint un an, pendant lequel je m'employai de tout mon pouvoir à me rendre familière la langue du Japon, où je prétendais d'aller au plus tôt. Macao est un port et une ville dans la Chine, que les Portugais y ont bâtie et fortifiée avec la permission du roi de la Chine, auquel ils paient tous les ans vingt-deux mille écus de tribut. Il y a cent ans ou environ que cette permission leur fut donnée. L'un des principaux fondateurs fut le brave Pierre Yeillo, qui mérita par sa charité que saint François Xavier lui promît qu'il saurait le jour de sa mort. C'était une langue de terre proche de la mer, 'où certains pirates s'étaient retirés et faisaient plusieurs courses dans la province de Canton, qui est le plus proche de la mer. (...)

O símbolo da Companhia de Jesus

A minha estada de um ano em Macau, cidade da China, detida pelos Portugueses. 
Tendo chegado a este belo reino, a minha primeira estada foi em Macau onde me retiveram um ano, durante o qual me empreguei de todo o meu poder a tornar-me familiar com a língua do Japão onde pretendia ir o mais cedo possível. Macau é um porto e cidade na China que os Portugueses construíram e fortificaram com a autorização do rei da China ao qual pagam todos os anos vinte e dois mil escudos de tributo. Há mais ou menos cem anos que lhes foi dada esta permissão. 
Um dos principais fundadores foi o bravo Pedro Velho merecedor pela sua caridade que S. Francisco Xavier lhe tenha prometido que viria a conhecer o dia da sua morte. Macau era uma língua de terra próxima do mar em que certos piratas se tinham abrigado e faziam várias razias na província de Cantão que é a mais próxima do mar. Os chineses para se livrarem destes bandidos solicitaram o socorro dos portugueses permitindo-lhes ocupar este posto se conseguissem livrar-se destes maus vizinhos. 
Os portugueses que não desejavam outra coisa que não fosse pôr um pé na China perseguiram à mão armada essa trupe de assaltantes, expulsaram-nos facilmente, começando a construir a cidade como os Chineses lhes tinham permitido, mas sem a fortificar porque no tratado que fizeram isto era expressamente interdito. Daí a algum tempo, os holandeses atacaram a cidade e teriam sido infalivelmente bem sucedidos se Deus não tivesse combatido pelos portugueses, logo enviando um certo terror pânico contra os holandeses através de um tiro de canhão enviado à sorte e em último desespero para salvar a praça, obrigando à fuga dos invasores. Os portugueses perseguiram-nos imediatamente, retalhando-os em pedaços, depois servindo-se desta ocasião para fortificar a cidade, argumentando que sem isso não podiam manter-se em estado de não temer os seus inimigos. Receberam a autorização e edificaram uma bem forte praça que foi guarnecida com duzentas peças de canhão, assim passando a viver em segurança. 
A cidade não é grande, mas é bonita e construída ao gosto europeu, muito melhor edificada do que na China onde as casas têm apenas um único andar. O comércio de Macau chegou a ser muito abundante e os portugueses tornaram-se depressa bastante ricos. No entanto, depois das perseguições no Japão e a ruptura com os espanhóis que dominam as Filipinas, os portugueses ficaram a seco porque eram essas duas ilhas que lhes davam os melhores rendimentos.
A nossa Companhia tem em Macau um forte e grande Colégio que pode ser comparado aos mais belos da Europa. A igreja, pelo menos, é uma das mais magníficas que eu já alguma vez vi, mesmo em Itália, exceptuando São Pedro, em Roma. No Colégio aprendem-se todas as ciências que nós ensinamos em todas as nossas academias. É aí que se formam os grandes operários que enchem o Oriente com as luzes do Evangelho. Daí saíram tantos dos mártires que coroam a nossa província que eu chamo bem-aventurada porque tem essa glória: só no Japão ela conta com 97 gloriosos confessores do santo nome de Jesus Cristo que selaram com o seu sangue a fidelidade que tinham prometido ao seu Mestre.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

"Discrepâncias" em 1899

 Na página 2 da edição de 16 de Outubro de 1899 o jornal O Imparcial (Portugal) publicava uma 'breve" onde se escrevia: "É certo a exoneração do governador de Macau, sr. coronel Galhardo. O motivo é a discrepância do mesmo governador com o sr. Villaça, sobre várias questões importantes de administração colonial".
Villaça, era o Ministro da Marinha e Ultramar, em Portugal. De seu nome completo António Eduardo Villaça. O governador, nomeado em 1897, manter-se-ia no cargo até 23 de Março de 1900.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Primeira emissão de notas: 1906

As notas da primeira emissão do BNU de Macau foram feitas em Londres e entraram em circulação a 19 de Janeiro de 1906, com os valores faciais de 1, 5, 10, 20, 50 e 100 patacas. Na história das emissões do banco ficou conhecida como "Emissão Antiga Simples".
Tudo começou a 30 de Novembro de 1901 data em que foi assinado um acordo entre o governo português e o Banco Nacional Ultramarino que originou a criação da filial do banco em Macau e que seria inaugurada a 8 de Agosto de 1902. O BNU foi o primeiro e durante 71 anos o único banco europeu no território.
Não obstante a presença portuguesa em Macau remontar a meados do século 16, durante mais de 300 anos o Governo de Macau nunca emitiu moeda oficial. As trocas comerciais internas e externas realizavam-se com recurso às chamadas notas Pangtans e às moedas de prata e cobre, chinesas e estrangeiras.
Assim, com o objectivo de criar uma base fiduciária sólida, através do decreto de 20.2.1902 o Governo de Macau autorizou o BNU a emitir notas de curso legal, denominadas em Patacas, designação que se terá ido buscar à Pataca Mexicana, muito popular no Extremo Oriente.
Emissão de 10 patacas: frente e verso
Os modelos de notas criados para Macau seguiram a experiência de Hong Kong, nomeadamente as notas de 1, 2 e 5 dólares de Hong Kong, emissões do Hong Kong & Shangai Banking Corporation (HSCB), aceites em todo o sul da China, incluindo Macau.
As notas da primeira emissão do BNU de Macau foram feitas na empresa impressora londrina “Barclay & Fry, Ltd”. Entraram em circulação em 19 de Janeiro de 1906 e tinham os valores de 1, 5, 10, 20, 50 e 100 patacas. Entre as características pontuavam as assinaturas impressas do Governador e Vice-Governador do BNU e manuscritas do Gerente da Filial de Macau. O papel utilizado era de fraca qualidade e só as de 100 patacas apresentavam marca de água. Feita a emissão e distribuída por Macau não seria bem aceite e seriam precisas várias décadas para que a situação se alterasse.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

O naufrágio do "Correio da Ázia"

Em Maio de 2004 o Museu Marítimo da Austrália Ocidental (Western Australia Museum)anunciou ter encontrado um mês antes o navio português "Correio da Ásia", afundado em 1816 ao largo daquele país quando fazia a ligação Lisboa-Macau. Juntamente com o navio (semelhante ao da imagem abaixo) foram encontradas cerca de mil moedas de prata, dois canhões, âncoras, lemes, um grande lastro e um sino de bronze.
Neste post vou contar a história do naufrágio, do dono da galera, José Nunes da Silveira, negociante de grosso trato e capitão de longo curso, e dos 188 anos que passaram entre o acidente e a descoberta dos destroços a apenas 3 metros de profundidade que contou a com preciosa colaboração do arqueólogo português Paulo Alexandre Monteiro.
“Pataca”ou moeda espanhola de 8 reales, em prata,
recuperada do local do naufrágio do Correio da Ásia
A 25 de Novembro de 1816 a galera Correio D'Àzia, propriedade de José Nunes da Silveira, proveniente de Lisboa para Macau naufragou nas costa da Nova holanda (actual Austrália). Nesse dia o Correio da Ásia já contava com mais de cem dias no mar desde que saiu de Lisboa. Seguindo a rota com destino a Macau, manteve-se na latitude de 40º S após ultrapassar o cabo da Boa Esperança em direcção à Nova Holanda.
Cai a noite quando a bitácula da bússola arde durante 15 minutos, privando a tripulação do precioso instrumento de navegação. Aos comandos da embarcação está o comandante João Joaquim de Freitas prestes a cair numa armadilha fatal. O casco da acaba por embater numa barreira de cora e a galera adorna para bombordo.
Os 32 tripulantes depressa iniciam a evacuação e entram na lancha de serviço permanecendo atracados aos mastros do navio até à alvorada. Ainda conseguem recuperar três barris de bolacha, uma pequena quantidade de água e cerca de seis mil das 106.500 moedas de prata que transportavam a bordo. Já se temia o pior quando são avistados pelo Caledonia, um navio norte-americano que os recolhe e leva até Macau.
No território português tratam do chamado 'protesto de naufrágio', documento essencial para apurar as circunstâncias e responsabilidades do acidente, assinado pelo capitão João Joaquim de Freitas em Janeiro de 1817:

"Em Nome de Deos Amen Saibão quantos este Instrumento de traslado em publica forma virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos dezessete aos vinte e cinco dias do mez de Janeiro do anno nesta Cidade do Nome de Deos de Macao na China por João Joaquim de Freitas foy entregue a mim Joze Gabriel Mendez, Tabelião publico de Notas por Sua Magestade Fedelisma, que Deos Guarde hum
 Protesto requerendo me traslade em publica forma o que por mim lhe foy satisfeito. (...)"


Com cerca de três toneladas de prata a bordo equaciona-se tentar a recuperação da carga. A missão era arriscada e sem lucro garantido mas seria concretizada em Março, com a partida do brigue Emília, financiado com as moedas recuperadas pelos náufragos por ordem do ouvidor Arriaga a 17 de Fevereiro de 1817. Na sua missão o Emília nada encontrou na zona do recife de Ningaloo mas a esta viagem viria a ser fundamental para a redescoberta dos destroços quase 200 anos depois.
Esta foi a história que se conheceu durante vários séculos. Até que em 1987 o relato detalhado do piloto Luís Beltrão (a bordo do Emilia) foi comprado num leilão na Índia. Investigado o documento estavam criadas as condições para tentar encontrar o Correio da Ázia, o que veio a acontecer em Abril de 2004 quando uma escavação comprovou a posição do navio e identificou parte importante do lastro de ferro, bem como algumas centenas de moedas de prata (ver imagem).
Sabe-se hoje que já existiam na época cartas náuticas rigorosas que poderiam ter evitado o naufrágio... Mas os tempos eram outros e a distribuição das cartas mais actualizadas era difícil demorando por vezes décadas. Aliás, foram vários os naufrágios ocorridos quer nesta zona.
Zona do naufrágio

José Nunes da Silveira (Madalena do Pico, Açores  24 Junho 1754 - Lisboa, 16 Junho 1833) foi um negociante de grosso trata, armador e político que se destacou como membro da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino saída da Revolução Liberal do Porto de 24 de Agosto de 1820. Foi marinheiro, piloto e em seguida capitão e co-proprietário, com o mariense José Inácio de Andrade, de navios da carreira entre Lisboa e Macau.
Com este comércio fez uma fortuna notável, tendo-se estabelecido como comerciante de grosso trato na cidade de Lisboa. No período de 1786 a 1832 Silveira chegou a ter uma frota de 20 navios (brigues, galeras e escunas), treze deles afectos a viagens ao Oriente entre eles o Temerário e o Correio d’Azia.
Jozé, como era escrito na época, chegou a Macau pela primeira vez em 1780. Voltou a Lisboa como capitão do navio «Santa Cruz» em 1785. Volta a Macau em 1786 (o filho, Joaquim Nunes da Silveira, nasceu em Macau nesse ano).
Em 1818 comprou os navios Delfim e Golfinho S. Filipe de Nery para comércio de escravatura (África – Brasil), mas viria a desistir porque um tratado com a Inglaterra proibiu tal negócio.
Na revolução liberal do Porto de 24 de Agosto de 1820, integrou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Foi ainda Governador do Reino e fez parte da Junta Preparatória das Cortes, mas não foi eleito deputado, muito provavelmente devido a um ataque apoplético que o deixou meio paralítico. Morreu em Junho de 1754.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Plano Hydrografico e em parte Topografico da Cidade de Macao (1808)

Este "Plano Hydrografico e em parte Topografico da Cidade de Macao levantado por ordem superior por Joaquim Bento da Fonseca em 1808 acompanhado por Plantas exteriores de Fortificações" é um dos raros registos cartográficos de origem portuguesa do primeiro quartel do século 19.

Nas referências deste "plano" ficamos a saber que foi "Copiado do Autographo", feito em papel com as dimensões 756 x 553 mm. A escala gráf. é de 300 braças = 143 mm.
A legenda apresenta 34 referências e são ainda incluídos os elementos da posição geográfica: latitude, longitude e variação.

O autor, Joaquim Bento da Fonseca nasceu em 1776. Foi Cavaleiro da Ordem de S. Bento de Avis, Capitão de Fragata da Armada Nacional, Governador das Ilhas de S. Tomé e Princípe e professor na Escola Real de Pilotos de Macau, em meados do século 19.
José Marugán y Martín num livro de 1833 "Descripcion geográfica politica estadistica literaria del Reino de Portugal e de los Algarbes" (Vol. 2) descreve assim o autor deste "plano":
"Joaquim Bento da Fonseca profesor y examinador que fue de hidrografia en la escuela Real de Macào. Es autor de un roteiro sobre a navegagdo do mar da China en el cual ha rectificado sobre los mejores mapas modernos muchas faltas que han causado bastantes naufragios en este mar Tambien ha añadido un apéndice muy interesante sobre el comercio entre la costa Nordeste de América y la de la China y ha publicado en RioJaneiro un cuadro sobre los sistemas del mundo donde ha desenvuelto ideas atrevidas"
Na qualidade de Governador de S. Tomé e Príncipe praticou extorsões e arbitrariedades sendo enviado como preso para Portugal. Foi julgado em 1822 pelo Supremo Conselho de Justiça Militar e condenado, além de outras penas, a prisão perpétua no presídio de S. José de Encoge. 
Escreveu, entre outras obras, estas:
- Roteiro sobre a navegação do mar da China. Rio de Janeiro: Imp. Regia, 1819.*
- Prospecto de um roteiro sobre a navegação do mar da China para servir de instrucção nas derrotas contra-monção, etc., Lisboa, 1822
Memoria Hydrographica, contendo reflexões sobre as Viagens dos mais célebres Navegadores, que tem feito o giro do Mundo. E a necessidade de huma nova viagem do mesmo género; com a declaração dos pontos mais notaveis na Hygrographia, que precisão de mais profundo exame, e hum appendice consernente ao resultado das observações, que tiverão lugar na viagem feita recentemente ao Polo Boreal. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1824.
* Abordarei este tema muito em breve.

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Um 'lapso' na Porta do Cerco

Na década de 1990 aquando de obras de restauro da Porta do Cerco 'saiu' esta frase "Honrai a pátria que a pátria vos contempla" em vez de... "A pátria honrai que a pátria vos contempla".


Esta é a versão correcta e é a divisa da Marinha Portuguesa desde 1863 ano em que por ofício real é mandada afixar em todos os navios da Marinha de Guerra. Ainda hoje se mantém. Tratou-se de um 'lapso' grave mas que entretanto foi corrigido.

Portaria de 31 de Março de 1863:
“Manda sua Magestade El-Rei declarar ao Conselheiro, inspector do Arsenal de Marinha, que sendo muito conveniente estimular por todos os modos os brios patrióticos e os nobres sentimentos, há por bem ordenar que imediatamente faça aprontar e assentar, nos navios  que tenham tombadilho no vau deste, e nos outros, no ponto mais visível da tolda, a seguinte inscrição em letras de metal  bem visíveis “A PATRIA HONRAI QUE A PATRIA VOS CONTEMPLA” o que, pela Secretaria  d`Estado dos negócios da Marinha e Ultramar, se comunica o citado inspector para sua inteligência  e devidos efeitos.
Paço, 20 de Março de 1863 - José da Silva Mendes Leal”.
A localização da Porta do Cerco num mapa de 1834
Em 1574 foi levantada a Porta do Cerco. Os chineses receavam que os portugueses saqueassem o seu território e resolveram defender-se. Era aberta duas vezes por mês para que se procedesse à entrada e saída de bens. Tinha na sua parte superior residências para os guardas chineses. Anos mais tarde ruiu e foi reconstruída em 1674 ficando as residências num edifício anexo.
É aqui, nesta fronteira, que Macau se liga à China - 'por um cordão umbilical' chamado istmo da península. Até à década de 1980 passava-se literalmente por baixo deste arco para passar a fronteira. Hoje já não. Ainda assim, o monumento ainda existe e é considerado Património Mundial da Unesco.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

"A Estética da Cidade" por MSM em 1915

“As obras públicas nesta colónia têm tido por objectivo principal o embelezamento da cidade. Nisto têm sido dispendidas nos últimos dez anos algumas centenas de milhares de patacas. De facto, a cidade, sob certos respeitos, está melhor do que antes do começo desse período. Todavia deve reconhecer-se que, sob o ponto de vista estético, nada se tem adiantado. Um passeio pelas ruas da cidade revela completa ausência de sentimento artístico tanto nas obras dos particulares como nas obras do Estado.
Dantes, ainda havia bom número de prédios, principalmente no estilo chinês, em que se podia notar, se não requinte de arte, pelo menos qualidades de bom gosto. Havia também alguns edifícios em estilo europeu que, embora não fossem grandiosos, eram de aparência decente, agradável. Havia mesmo alguns em que se via reproduzida, tão longe de Portugal, a feição das antigas casas portuguesas: pátio, escadaria externa de granito, salão e ao lado o quarto.
Tudo ou quase tudo isso foi abaixo; e o que em vez disso (que era alguma coisa de interessante e característico) se construiu, é uma fancaria que repugna ao mais elementar senso estético. Alguma coisa que ainda há de bom, alguma coisa decente que resta, foi o que escapou ao camartelo demolidor. 
Veio primeiramente, com ares de importância, um arremedo de estilo ‘renascença’ – a maior parte destas fachadas em arcaria, construídas com materiais impróprios e com um acabamento de barraca de feira. Tinham ainda assim as primeiras construções linhas correctas; pouco a pouco, porém, nem correcção de linhas, nem materiais adequados, nem sofrível acabamento: a mais banal fancaria.
O estilo chinês não degenerou menos. Para se darem ares de europeizados, os proprietários chineses foram abandonando pouco a pouco o seu antigo estilo, construindo habitações que nem são europeias nem chinesas. Há ainda quem se lembre da completa separação em que viviam dantes os europeus ou macaístas e os chineses. Podiam estes ter criado um novo estilo arquitectónico ou ter ao menos fundido harmoniosamente os elementos do estilo chinês com algum dos tipos ou estilos europeus. Não fizeram, porém, nada disso; fizeram o que aí se vê: construções sem arte, sem gosto, sem comodidades.  Não lhes era, de resto, fácil encontrar satisfatória solução. Dos europeus, que não sabiam construir nem manifestavam senso artístico no que construíam, não lhes podia vir exemplo nem educação. Por si, pouco ou nada podiam fazer, pois que na China nunca foi permitido alterar o tipo ancestral de construção e não tinham, por isso, em si os estímulos que sempre são necessários ao desenvolvimento artístico ou à criação de novas formas.
Este descalabro podia tê-lo evitado o Estado, dando o exemplo e ministrando a necessária instrução. Mas o Estado, que pela sua Direcção de Obras Públicas para si nunca conseguiu obter coisa que fosse digna de ver-se, nenhuma acção, a não ser negativa, exerceu sobre o espírito público. Edifícios do Estado, os de melhor construção e de melhor aparência, foram adquiridos de particulares.

A Direcção das Obras Públicas e um Conselho, por ironia denominado Técnico, tem exercido a atribuição de aprovar ou rejeitar os projectos de construções e de fiscalizar a execução de toda essa moderna fancaria predial que a cidade apresenta a quem a visita. Triste papel ambos têm feito!
Cadeirinhas na Praia Grande ca. 1900/1910
Em países adiantados não se procede assim. Ninguém é obrigado a fazer obras primas ou mesmo obras de arte; mas a ninguém é permitido levantar edificações que ofendam o senso estético do público. Exteriormente, nas fachadas que olham para as ruas, exige-se pelo menos correcção de linhas, emprego de materiais adequados ao tipo da construção e acabamento correspondente à importância da obra.
Interiormente, respeitados os preceitos da higiene, tolera-se que construa cada qual como pode ou como quer. Nesta parte governa somente o gosto, o interesse ou a conveniência do proprietário. Exteriormente, não; exteriormente o prédio é, até certo ponto, público e deve, por isso, ser construído de modo que não ofenda o senso estético comum.
Em todos os países civilizados as cidades são consideradas como valores sociais; e, assim, a sociedade tem o direito de, por intermédio de quem a representa, fiscalizar estes valores. Daí a existência de regulamentos para as construções ou edifícios dos particulares.
O regulamento de Macau é de recente data, mas, sob este ponto de vista, inteiramente deficiente. Poderiam até certo ponto completá-lo as entidades às quais a lei confere as atribuições de aprovar os planos das construções; nada têm feito, porém, a tal respeito. A composição do conselho técnico é tal, que não se ofenderia a maioria dos seus membros se, em vez de técnico, se lhe chamasse acrobático ou musical.
Por isso aí está a cidade desvalorizada, sem meia dúzia de edifícios que sejam dignos de ser vistos. Tem-se dito que entra nos planos da administração pública fazer de Macau uma cidade atraente de modo a ser procurada por turistas. Se assim é, não o parece; ou então conta-se que sejam pretos os turistas…

O mal que está feito, feito está. Daqui em diante, porém, poder-se-ia mudar de orientação. Há novas avenidas a abrir: que ao menos nessas se não tolere a construção de prédios que envergonhem a cidade; e quanto ao pouco de aceitável que resta ainda do muito que se tem demolido, que se não permitam alterações para pior. Bem sabemos que quase ninguém entre nós olha para estas coisas; mas olham os outros, os de fora, os mais civilizados; e não nos pode ser agradável que se diga e se escreva, como de facto se diz e se escreve, que Macau, como cidade, a não ser certas ruínas, nada vale.”
Artigo da autoria de Manuel da Silva Mendes publicado no jornal O Progresso 17.1.1915
Informação incluída num anuário de 1912 testemunho das múltiplas atividades de Manuel da Silva Mendes (1867-1931) em Macau: bacharel (advogado) com escritório no nº 25 da rua da Estrada da Flora; reitor interino do Liceu; professor do Liceu (português e latim); director do Curso Commercial anexado ao Liceu; membro do Conselho de Instrução Pública.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A sepultura de S. Francisco Xavier

"IHS. Aqui foi sepultado S. Francisco Xavier da Companhia de Jesus. Apóstolo do Oriente. Este padrão se levantou no anno 1639." "O padrão tem de altura 6 covados chinas pouco mais ou menos. De largura dois, de grossura 4 pontos." 
Foi mandado erguer pelo padre Gaspar de Amaral com "lettras sínicas e portuguezas" segundo explica o padre Francisco António Cardim no livro de 1894 "Batalhas da Companhia de Jesus", na ilha de Shangchuan (perto de Macau) à época conhecida por Sanchoam/Sanchoão.
Para se perceber a origem do nome é preciso recuar a 1557, quando António de Santa Fé, o catequista chinês que assistiu à morte de Xavier, chamou à ilha, pela primeira vez, Sanchoão. 
De facto trata-se de um pequeno arquipélago composto por três ilhas... Ora em chinês (cantonense) Sam significa três e Choa quer dizer ilhas.
S. Francisco Xavier morreu a 5 de Dezembro de 1552 sendo enterrado num caixão de madeira de acordo com as práticas chinesas. Dois meses e meio depois foi transportado para Malaca. Em Dezembro de 1553 foi transportado para Goa. Colocado no caixão de prata ficou o seu corpo exposto à veneração dos fiéis a partir de 1624 na capela de S. Francisco de Borja. Actualmente o túmulo está na igreja do Bom Jesus de Goa.
Foi beatificado, com o nome Francisco de Xavier pelo Papa Paulo V a 25 de Outubro de 1619 e canonizado pelo Papa Gregório XV a 12 de Março de 1622, em simultâneo com Inácio de Loyola. A 14 de Dezembro de 1927 o Papa Pio XI proclamou Francisco Xavier, juntamente com Santa Teresinha do Menino Jesus, padroeiro universal das missões. 
A veneração do seu túmulo começou logo após a morte. Testemunhos de 1556 garantem que o seu corpo - não obstante o corpo ter sido coberto de cal viva para acelerar o processo de decomposição logo após a morte - se apresentava incorrupto e de bom odor vertendo constantemente sangue e água fresca.

A partir de Macau foram feitas várias romagens anuais à ilha. Na publicação "Archivo Pittoresco, semanario illustrado, Vol VIII, 8º ano, nº 24, 1865" pode ler-se:
 "Era pela meia noite do dia 19 de novembro de 1864, quando o vapor Hankow, levando a bordo cento e trinta romeiros, pouco mais ou menos, no meio dos signaes da mais expansiva alegria, sulcava as aguas da hahia de Macau, e dobrando a ponta de Ka-hó, se dirigia á desejada ilha de Sanchoão. (...) Ao desembarcar encontrámos um china, o qual, perguntado se sabia da sepultura de um santo europeo ahi enterrado, havia 300 annos, respondeu-nos que existia, a pouca distancia do logar onde estavamos, uma sepultura que tinha uma lapida com uma inscripção européa. Offereceu-se-lhe uma remuneração, se elle quizesse mostrar aquelle sitio, ao que promptamente annuiu. Depois de andar alguns minutos pela praia, chegamos ás faldas de um oiteiro sobranceiro ao mar, do lado de N. E., que fecha d'aquelle lado a bahia. Subimos pela encosta, e a uma altura de 40 a 50 metros acima da praia, parou o nosso guia, e indicou-nos um logar, a pequena distancia, onde se divisava, por entre pandóes (certas cannas ou plantas), uma lapida. Ahi corremos logo, e vimos que essa pedra era o padrão levantado em 1639, pelos jesuitas, em memoria de S. Francisco Xavier. Imaginem qual não seria a nossa alegria quando tivemos a certeza de ter encontrado a sepultura do santo!... O padrão estava quasi em posição vertical. Na parte dianteira, por ser mais exposta á intemperie do tempo, apenas podémos decifrar a data em china, emquanto que, no reverso do padrão, a inscripção em portuguez era perfeitamente legivel. (...)
Há ainda registo de uma lápide em mármore mandada fazer pelo padre Rondina em 1864.
Na ilha de Shangchuan foi construída uma pequena capela no local onde S. Francisco Xavier morreu - desenhada por Achille-Antoine Hermitte em 1869. Também foi construída uma estátua. Nesse ano, foi ali colocada a chamada Cruz dos Macaenses com a seguinte inscrição:“Em cima, verticalmente, dois caracteres chineses (?) ilegíveis, com a ideia talvez de “dedicaram”. Frontalmente: “S. P. Francisco Xaverio” e, na vertical mais longua, de alto para baixo: “macaenses die 3 de anno 1869”.
Capela de S. Francisco Xavier e casa do sacristão, na ilha de Shangchuan.
Década 1930. Espólio Monsenhor Manuel Teixeira

Imagem do século XX

Sugestão de leitura: “Xavier em Sanchoão. A Ilha de Sanchoão ontem e hoje." 

Macau, 1994, de Benjamim Videira Pires.
São Francisco Xavier (1506-1552) foi um jesuíta que ficou conhecido como o “Apóstolo do Oriente” devido ao seu papel como missionário no Oriente.
Nasceu em Navarra a 7 de Abril de 1506 e na juventude conviveu com Santo Inácio de Loyola com quem viria a funda a Companhia de Jesus.
Frequentou a Universidade de Paris onde se tornou mestre em artes e posteriormente estudou teologia. Foi ordenado sacerdote em Veneza em 1537.
A pedido de D. João III que solicitara aos jesuítas o envio de missionários para o Oriente foi para Portugal onde chegou em 1540.
Parte para a Índia nesse ano chegando a Goa em 1542. Em 1547 está em Malaca quando se encontro com Fernão Mendes Pinto que regressava do Japão. Em 1549 parte para o Japão passando por Macau e Cantão.
Chegou à costa do Japão a 27 de Julho de 1549 sendo autorizado a desembarcar a 5 de Agosto em Kagoshima, um porto da ilha de Kyushu.
Em 1552, quando negociava com as autoridades chinesas uma entrada na China para acções de missionação foi atacado de febres e morreu.
Curiosidades:
- No Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, está uma efígie de S. Francisco Xavier.
- Na ilha de Coloane (Macau) existe uma capela dedicada a S. Francisco Xavier. Construída em 1928, é dedicado ao padroeiro dos missionários e um dos padroeiros da Diocese de Macau. No interior, encontra-se uma imagem do Santo e uma pintura que representa a versão chinesa da Virgem Maria com o Menino Jesus. Chegou a albergar relíquias de S. Francisco Xavier (um osso do úmero do braço direito num relicário de prata) e ossadas de mártires portugueses e japoneses mortos em Nagasáqui, durante as perseguições no ano de 1597, e de mártires vietnamitas do séc.XIX. Este osso destinava-se originalmente ao Japão mas as perseguições religiosas fizeram com que estivesse muitos anos guardado na igreja Mater Dei (vulgo S. Paulo) em Macau. Actualmente está na igreja de S. José (imagem abaixo) existindo ainda outros materiais no Museu de Arte-Sacra de Macau.