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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

O naufrágio do "Correio da Ázia"

Em Maio de 2004 o Museu Marítimo da Austrália Ocidental (Western Australia Museum)anunciou ter encontrado um mês antes o navio português "Correio da Ásia", afundado em 1816 ao largo daquele país quando fazia a ligação Lisboa-Macau. Juntamente com o navio (semelhante ao da imagem abaixo) foram encontradas cerca de mil moedas de prata, dois canhões, âncoras, lemes, um grande lastro e um sino de bronze.
Neste post vou contar a história do naufrágio, do dono da galera, José Nunes da Silveira, negociante de grosso trato e capitão de longo curso, e dos 188 anos que passaram entre o acidente e a descoberta dos destroços a apenas 3 metros de profundidade que contou a com preciosa colaboração do arqueólogo português Paulo Alexandre Monteiro.
“Pataca”ou moeda espanhola de 8 reales, em prata,
recuperada do local do naufrágio do Correio da Ásia
A 25 de Novembro de 1816 a galera Correio D'Àzia, propriedade de José Nunes da Silveira, proveniente de Lisboa para Macau naufragou nas costa da Nova holanda (actual Austrália). Nesse dia o Correio da Ásia já contava com mais de cem dias no mar desde que saiu de Lisboa. Seguindo a rota com destino a Macau, manteve-se na latitude de 40º S após ultrapassar o cabo da Boa Esperança em direcção à Nova Holanda.
Cai a noite quando a bitácula da bússola arde durante 15 minutos, privando a tripulação do precioso instrumento de navegação. Aos comandos da embarcação está o comandante João Joaquim de Freitas prestes a cair numa armadilha fatal. O casco da acaba por embater numa barreira de cora e a galera adorna para bombordo.
Os 32 tripulantes depressa iniciam a evacuação e entram na lancha de serviço permanecendo atracados aos mastros do navio até à alvorada. Ainda conseguem recuperar três barris de bolacha, uma pequena quantidade de água e cerca de seis mil das 106.500 moedas de prata que transportavam a bordo. Já se temia o pior quando são avistados pelo Caledonia, um navio norte-americano que os recolhe e leva até Macau.
No território português tratam do chamado 'protesto de naufrágio', documento essencial para apurar as circunstâncias e responsabilidades do acidente, assinado pelo capitão João Joaquim de Freitas em Janeiro de 1817:

"Em Nome de Deos Amen Saibão quantos este Instrumento de traslado em publica forma virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos dezessete aos vinte e cinco dias do mez de Janeiro do anno nesta Cidade do Nome de Deos de Macao na China por João Joaquim de Freitas foy entregue a mim Joze Gabriel Mendez, Tabelião publico de Notas por Sua Magestade Fedelisma, que Deos Guarde hum
 Protesto requerendo me traslade em publica forma o que por mim lhe foy satisfeito. (...)"


Com cerca de três toneladas de prata a bordo equaciona-se tentar a recuperação da carga. A missão era arriscada e sem lucro garantido mas seria concretizada em Março, com a partida do brigue Emília, financiado com as moedas recuperadas pelos náufragos por ordem do ouvidor Arriaga a 17 de Fevereiro de 1817. Na sua missão o Emília nada encontrou na zona do recife de Ningaloo mas a esta viagem viria a ser fundamental para a redescoberta dos destroços quase 200 anos depois.
Esta foi a história que se conheceu durante vários séculos. Até que em 1987 o relato detalhado do piloto Luís Beltrão (a bordo do Emilia) foi comprado num leilão na Índia. Investigado o documento estavam criadas as condições para tentar encontrar o Correio da Ázia, o que veio a acontecer em Abril de 2004 quando uma escavação comprovou a posição do navio e identificou parte importante do lastro de ferro, bem como algumas centenas de moedas de prata (ver imagem).
Sabe-se hoje que já existiam na época cartas náuticas rigorosas que poderiam ter evitado o naufrágio... Mas os tempos eram outros e a distribuição das cartas mais actualizadas era difícil demorando por vezes décadas. Aliás, foram vários os naufrágios ocorridos quer nesta zona.
Zona do naufrágio

José Nunes da Silveira (Madalena do Pico, Açores  24 Junho 1754 - Lisboa, 16 Junho 1833) foi um negociante de grosso trata, armador e político que se destacou como membro da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino saída da Revolução Liberal do Porto de 24 de Agosto de 1820. Foi marinheiro, piloto e em seguida capitão e co-proprietário, com o mariense José Inácio de Andrade, de navios da carreira entre Lisboa e Macau.
Com este comércio fez uma fortuna notável, tendo-se estabelecido como comerciante de grosso trato na cidade de Lisboa. No período de 1786 a 1832 Silveira chegou a ter uma frota de 20 navios (brigues, galeras e escunas), treze deles afectos a viagens ao Oriente entre eles o Temerário e o Correio d’Azia.
Jozé, como era escrito na época, chegou a Macau pela primeira vez em 1780. Voltou a Lisboa como capitão do navio «Santa Cruz» em 1785. Volta a Macau em 1786 (o filho, Joaquim Nunes da Silveira, nasceu em Macau nesse ano).
Em 1818 comprou os navios Delfim e Golfinho S. Filipe de Nery para comércio de escravatura (África – Brasil), mas viria a desistir porque um tratado com a Inglaterra proibiu tal negócio.
Na revolução liberal do Porto de 24 de Agosto de 1820, integrou a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Foi ainda Governador do Reino e fez parte da Junta Preparatória das Cortes, mas não foi eleito deputado, muito provavelmente devido a um ataque apoplético que o deixou meio paralítico. Morreu em Junho de 1754.

1 comentário:

  1. Bom dia João,
    realmente há muitas vidas esquecidas que merecem ser recordadas e não ser esquecidas como acontece na maioria das vezes com os comerciantes portugueses dessas terras longínquas
    abraço
    Angela

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