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sexta-feira, 31 de maio de 2019

Macau no nº 16 da Avenida Ressano Garcia

Já por aqui me referi às múltiplas 'marcas' de Macau que existem em Portugal, nomeadamente em Lisboa e na toponímia. Para o post de hoje escolhi o prédio nº 16 da Avenida Ressano Garcia, nas chamadas Avenidas Novas que foi mandado construir por José Maria Nolasco da Silva, tendo sido inaugurado em 1935.

José Maria Nolasco da Silva nasceu em Macau a 22.01.1878 e morreu em Lisboa, Benfica, a 11.02.1960. Era filho de Pedro Nolasco da Silva (1842-1912) e de Edith Maria Engier (n. 1850). Desenvolveu a sua vida profissional como funcionário das alfândegas marítimas chinesas (Chinese Maritime Customs) cuja liderança e quadros superiores era assegurada por ocidentais, principalmente ingleses.

Aos 51 anos, em 1929, quando decidiu terminar a vida profissional mudou-se para Lisboa com a família e investiu em dois prédios de rendimento no Bairro Azul indo viver para uma moradia que adquiriu em Benfica.
O projecto do prédio da Avenida Ressano Garcia 16 é da autoria do arquitecto Norte Júnior, de quem José Maria se tornou amigo, vindo também a projectar a casa de férias em São Martinho do Porto.
Ao longo dos mais de 50 anos que viveu em Macau José Maria ficou profundamente marcado pela cultura oriental, nomeadamente a chinesa e a japonesa, esta última fruto da estadia prolongada que por lá teve pouco antes de se mudar para Portugal.
Como era habitual na época trouxe consigo várias peças de mobiliário chinês mas consta que foi em Portugal que mandou fazer um serviço de jantar ilustrado com com o caractere chinês 諾 que correspondente ao seu nome e que se pronuncia "Nô", de Nolasco. Consta também que entre os hábitos orientais que adquiriu em Macau, José Maria Nolasco da Silva tinha por hábito lacrar os envelopes com um sinete com o seu nome em chinês.
Essas influências orientais ficariam para sempre marcadas no prédio que mandou fazer de raiz. A começar pela estrutura da porta de entrada inspirada num torii japonês, o pórtico de entrada dos templos xintoístas. De cada lado porta destacam-se dois dragões em baixo relevo. Na cultura chinesa o dragão é um símbolo de força, poder e boa sorte.
Ainda na fachada principal, mas por cima da porta, estão representadas três moedas chinesas redondas, com um orifício quadrado no centro, que em Macau eram designadas por sapecas.
Estas moedas eram habitualmente cunhadas com quatro caracteres chineses que identificam a época da sua criação. Quando caíram em desuso as sapecas tornaram-se símbolo de fortuna e José Maria Nolasco da Silva inscreveu na maior das três, ao centro, quatro caracteres 諾 樂 師 古 cujo som a pronunciarem-se remetem para o apelido Nolasco: Nô, Le, Si, Cu.
O arquiteco Manuel Joaquim Norte Júnior (1878-1962) estudou em Lisboa e Paris e fez ainda viagens de estudo a Espanha, França e Bélgica. A sua primeira obra foi a Casa Malhoa em 1905, actual Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, valeu-lhe o Prémio Valmor, o primeiro dos sete que iria arrecadar, além de duas menções honrosas.
"Detentor de uma estética eclética, oscilante entre o geometrismo, o luxo e elementos decorativos ostensivos e orgânicos, inspirados na Arte Nova", Norte Júnior projectou dezenas de edifícios pela cidade, entre os quais moradias na Avenida da República, o Café Nicola, no Rossio, o Royal Cine, na Graça, e a Pensão Tivoli, na Avenida da Liberdade.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

A "Carpa" junto ao Palácio do Governo


Na Travessa do Paiva, junto ao Palácio do Governo, está a escultura de uma carpa. Remonta ao final da década de 1980 do século XX quando era governador Carlos Melancia (1987-1990). 

"O Governador de Hong Kong, que era um tipo que tinha 18 anos de experiência, telefonou-me a dar as boas vindas no dia a seguir a ter chegado. E disse-me que eu tinha um programa grande, que lhes ia bater o pé. Perguntou-me quem era o meu homem do Fung Soi para que me assegurasse que o aeroporto iria ser um êxito. 
Disse-me que tinha três mestres de Fung Soi, e eu perguntei se ele me queria ceder um. Nos bastidores, em Portugal, disseram-me logo que era uma subserviência, mas eu sempre disse que no sítio com uma civilização diferente o que temos de fazer é adaptar-nos às circunstâncias.
O mestre disse-me que a Taipa era o sítio certo para o aeroporto, mas alertou-me: “O senhor vai ter de acompanhar a evolução das obras do aeroporto de dia e de noite”. E disse para eu por à porta do palácio uma carpa em pedra que iria vigiar as obras. E a carpa continua lá e ninguém sabe porquê. É a prova em como as pessoas têm de se adaptar a condições excepcionais, mas diziam-me que era bruxedo."
Carlos Melancia, ex-governador de Macau, excerto de entrevista ao jornal Hoje Macau 27.5.2019

A carpa é um peixe com uma ligação muito forte à cultura chinesa. É usado sobretudo como um peixe ornamental em lagos e aquários. É um sinal de boa sorte, virilidade, sabedoria e resistência.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Resultados do Passatempo Qual o motivo desta fotografia?


A terceira edição do Grande Prémio de Macau disputou-se entre os dias 5 e 7 de Novembro de 1956. Sob chuva intensa o piloto britânico Douglas Steane (correu pelas cores de Hong Kong) foi o mais rápido nas 77 voltas ao Circuito da Guia ao volante do Mercedes-Benz 190 SL.
Esta fotografia foi captada na zona da meta, vendo-se ao fundo o Clube/Centro Náutico da Mocidade Portuguesa, a curva do circuito corresponde ao local onde actualmente está o hotel Grand Lapa (Ex-Mandarim Oriental). Na época denominava-se Av. Oliveira Salazar. Depois do 25 de Abril de 1974 passou a chamar-se Avenida da Amizade.
Vencedores do Passatempo:
Fernando Gomes; Nelson Olim; Santa Maria; Anjos Mendes; Carlos Lemos; Guerra da Mata; Álvaro Valverde; Joana Montalvão; Jaime Ramos, João Paulo Aires.


terça-feira, 28 de maio de 2019

Macau visto de Portugal em meados do século 19: 2ª parte

(Continuação)
A Portaria de 16 de Julho de 1833 inhibindo o Juiz de Direito de exercer outras attribuições que não fossem as daquelle cargo originou graves embaraços e contestações entre as Authoridades. O Juiz de Direito deixou logo de servir de Relator da Junta de Justiça e de Administrador d'Alfandega abandonando até a Provedoria dos defunctos e ausentes protestando contra semelhante medida e inconvenientes que de sua execução se seguiriam. O Governo de Sua Magestade querendo pôr um prompto termo ás desintelligencias a que deu logar a disposição daquella Portaria e sanar todos os inconvenientes resolveu que o Juiz de Direito em conformidade da Lei de 7 de Dezembro de 1836 continuasse a exercer todas as attribuições dos antigos Ouvidores e por Decreto de 14 de Maio ultimo declarou tambem que deveria receber o mesmo ordenado e emolumentos que competiam ao Ouvidor.
O Juiz de Direito remetteu os trabalhos de duas Commissões Juridicas creadas em Macáo e que muito convém se terminem. Expoem a necessidade de um Juiz de Direito Substituto e Delegado do Procurador da Corôa e Fazenda esta ultima já foi attendida pelo Governo Superior da India o indispensavel augmento de ordenado aos empregados dos subalternos de Justiça melhor arranjo orphanologico e Tribunal de Policia Correccional.
Em quanto á eleição dos Juizes de Paz sobre que houve diversas reclamações já o Governo de Sua Magestade ordenou em 22 de Maio que se procedesse a ella na occasião da eleição do Senado nos termos dos artigos 37 e 38 da primeira parte da Reforma Judiciaria.
Em cumprimento da Portaria de 2 de Setembro de 1838 mandando executar a nova Pauta das Alfandegas propondo-se as indispensaveis alterações, o Governador e Senado commetteram este trabalho a uma Commissão de pessoas inteligentes. Apesar dos esforços do Juiz de Direito e Governador ainda não foi possivel resolver o Senado a fazer executar a Portaria do 1 de Setembro de 1838 que ordena a execução da Lei do Sello não oferecendo razão plausivel que a isso possa obstar.
O Governo de Sua Magestade trata de fazer cumprir aquella Lei de cuja exacta execução póde de alguma fórma resultar algum augmento da Fazenda Publica. Com o fim de evitar o contrabando e promover assim o augmento das rendas publicas publicou o Governador um Regulamento para a Policia da Cidade e Porto de Macáo talvez seja necessario fazer-lhe algumas alterações principalmente pelo que respeita á residencia dos estrangeiros para sanar as desintelligencias com as Authoridades Chinezas.
Porta do Cerco: imagem de um postal colorido.
O Hospital Militar carecia tambem d'uma reforma o Governador apressou-se a dar lhe um Regulamento que foi mandado examinar pelo Conselho de Saude Naval. O Governador representou contra a obstinação com que a Casa da Misericordia tem deixado de apresentar as suas contas como foi ordenado por Portaria de 17 de Setembro de 1834 e da mesma fórma o Juiz de Direito se queixa da pouca consideração que tem dado ás suas Instrucções Já se ordenou á Mesa daquelle estabelecimento tratasse de satisfazer ao que se lhe exigia como cumpre. Tanto o Governador como o Leal Senado expendem largamente o prejuizo que sofre a Caixa da Fazenda Publica desta Administração com as enormes sommas com que a titulo de emprestimo tem sido obrigada a remetter para o estabelecimento de Timor e Solor Feitoria e Consulado de Sião sem que até hoje se tenha tirado o menor proveito reclamando por isso serem aliviados desta despeza.
O Governo de Sua Magestade não tem ainda tomado alguma sobre este objecto por ser indispensavel receber informações de quaes são os recursos daquelles e saber se poderão deixar de ser soccorridos os referidos meios.
Sendo Macáo de todos os pontos da Monarchia o mais distante da Metropole não tendo Estaleiros para navios nem madeiras nem Mestres habeis para o fabrico depende por isso só dos Estaleiros de Damão unicos na India Portugueza que lhe ficam a milhares de legoas não devia por isso julgar se sujeito á Lei geral 16 de Janeiro de 1837 que prohibe conceder-se a Bandeira Portugueza a navios construidos em Estaleiros estrangeiros por serem muitos os inconvenientes que redundariam em prejuizo do pequeno commercio que ainda entretem esta cidade para sua manutenção e existencia mas a Portaria de 17 de Maio de 1837 veio fazer lhe dar exacto cumprimento.
Considerando os negociantes e o Senado a inevitavel ruina que se seguia ao commercio da China de se lhe não permittir a acquisição de pequenas Escunas até 99 toneladas que nunca podem ser empregadas no commercio dos Escravos Africanos, fim principal que teve em vista aquella Lei, assentou o Senado em 15 de Setembro de 1838 permittir que tomassem a Bandeira Portugueza todas as Escunas que se conheça ser propriedade de Portuguezes ainda que não sejam construidas em Estaleiros Nacionaes com tanto que seu porte não exceda o de 99 toneladas pagando uma certa quantia a titulo de indemnisação por não serem fabricadas nos ditos Estaleiros assignando os Proprietarios Termo de as não fazer navegar além da Ilha da China sujeitando-se a serem lhes confiscadas as que se reconheça não serem efectivamente de propriedade Portugueza e terem adquirido licença para se embandeirarem por contrato fraudulento.
O Governador Superior da India em 26 de Abril de 1839 mandou pôr em execução aquelle assento considerando-se inexequivel em Macáo o artigo 2 da Lei de 16 de Janeiro de 1837. No Diario do Governo nº169 de 1839 se acha transcripta toda a correspondencia que houve a este respeito. O Governo de Sua Magestade já apresentou ás Côrtes uma Proposta para alterar a disposição daquella Lei para facilitar a navegação por Barcos de Vapôr e ainda terá de vos submetter outras modificações sobre embandeiramento dos navios de vela navios de vela para remediar de alguma maneira os prejuizos que se têm seguido ao commercio com sua publicação.
O estado da Instrucção Pública neste pequeno estabelecimento é assás lisonjeiro. Além de aula de primeiras letras com 33 alumnos havia no de 1839 uma escola de Navegação com 12 alunos, 80 no Collegio das Missões, sendo destes 8 de Theologia 13 de Grammatica Sinico Latina e Mandarina, 22 de Grammatica Latina, 25 de Grammatica Portugueza, 8 de Francez e Inglez e 4 de Musica. O Governador creou tambem uma aula de Mathematica attenta sua utilidade e precisão. Sobre esta creação se mandou proceder ás precisas informações tanto sobre a sua vantagem como do Regulamento que lhe foi dado.
O estabelecimento tem mantido igualmente 4 Periodicos Portuguezes e 2 estrangeiros o que prova o estado de illustração em que se acha. 
Diversas Representações de natureza mui séria têm chegado á presença do Governo de Sua Magestade contra diferentes medidas e actos do Governador mas o Governo de Sua Magestade considerando quanto seria prejudicial qualquer procedimento contra um empregado contra o qual tantas queixas se fazem e que aliàs tem prestado relevantes e assignalados serviços na conservação á Monarchia do estabelecimento que lhe fôra confiado na difficil crise por que tem passado, antes de qualquer outra medida tem mandado proceder ás mais sérias e exactas averiguações sobre cada um dos referidos artigos para com conhecimento de causa poder resolver como fôr justo e conveniente.
Não terminarei sem vos informar do estado dos Negocios Ecclesiasticos tanto de Macáo como das Missões no interior da China. Tem-se dado a conveniente applicação aos extinctos Conventos em Macáo. O de Santo Agostinho serve de quartel ao Batalhão de guarnição e acha-se em perfeito estado e arranjo com o concerto que se lhe fez ultimamente e importou em quasi tres mil Patacas. No de S. Domingos existe o Cabido e a Sé porque a antiga Cathedral estava quasi caindo e já se ordenou que fosse inteiramente demolida; o de S Francisco serve de quartel a alguns oficiaes e á pouco se determinou que o passasse tambem a ser do Governador transferindo-se o Juiz de Direito para a casa em que elle residia e economizando-se assim a renda que a Fazenda da pagava pela casa do dito Magistrado; finalmente no S. José existem os Padres e Collegio das Missões.
As Igrejas dos Conventos estão todas debaixo d'administração de Sacerdotes nomeados pelo Vigario Capitular.
Do inventario das pratas e alfaias arrecadadas na Caixa da Fazenda Publica constam os objectos que ficaram pertencendo à Fazenda e que pouco excedem a 1203000 réis. Os Predios urbanos acham-se todos aforados e pela maior parte em poder dos Chinas e ha de ser mui difficil restaura-los; os fóros sobem apenas a 1973 Taeis sendo quasi metade mui difficil de se cobrar pelo privilegio que gozam os Chinas foreiros por suas Leis de não poderem ser obrigados a despejar os terrenos que ocupam.
O ultimo navio chegado de Macáo trouxe noticia oficial da morte do Bispo de Nankim, D. Caetano Pires Pereira que teve logar na Côrte de Pekim em 2 de Novembro de 1833. Havia mais de 40 annos que a Christandade de Nankim não via o seu Bisbo porque estando empregado no Tribunal de Mathematica na Capital nunca lhe foi possivel ir residir no meio de suas ovelhas. Por sua morte passou o Governo do Bispado a Damazo José Henriques que ha annos era seu Vigario Geral e que por isso deve ter conhecimento daquelle rebanho e experiencia do Paiz. No Bispado de Pekim existe tambem na Provincia de Han Tum um Portuguez Europeu legalmente nomeado Vigario Geral e que existindo já ha 11 annos na China tem mostrado grande zêlo pelo bem da Religião e Padroado Portuguez.
Esta circumstancia e a da prática das Missões tendo dado provas do seu zêlo e desejo de se applicar a ellas é a que ha de dirigir mais o Governo de Sua Magestade na nomeação de Pastores para aquellas Dioceses onde têm de viver occultos e disfarçados como qualquer simples Missionario e que além do idioma Chinez tenham forças para sofrer os grandes incómmodos e trabalhos inherentes á estada e vivenda clandestina no interior de um Imperio onde esta se castiga nos Europeus com pena de morte.
Devo por esta occasião declarar que o Governo julga importante este objecto que apesar de graves embaraços que assim mesmo tenha ultimamente entrado para dentro da China um outro Missionario. Entre tanto o numero de Padres actualmente existentes no Collegio de S. José em Macao e a maior parte delles impossibilitados seus annos e molestias de entrarem para as Missões faz recear que dentro de poucos anos, a não se tomarem algumas providencias, façam com que ellas se percam para o Padroado tanto mais que a Sé Apostolica não é possivel que deixe em abandono 50 a 60.000 Christãos das Missões Portuguezas tendo talvez já por essa razão nomeado um novo Vigario Apostolico para Kiamey e Ki Kiam, provincias pertencentes ao Bispado de Pekim.
Cumpre tambem advertir que os Francezes tendo extinguido todas as Corporações Religiosas só deixaram o Seminario das Missões estrangeiras e os Lazaretos ou Congregações das Missões tanto no Levante como na China continuando cada um nos seus Vicariatos.
Por todas estas razões convém que quanto antes se restabeleça uma corporação que tenha a seu cargo as Missões para evitar a perda do Padroado Portuguez no Indostão Malabar Bengala Malaca China e resto da Asia Parece tambem que a mais conveniente é a Congregação da Missão que outrora existiu em Rilhafolles que por experiencia se demonstrou ser a mais util e que tanta gloria deu ao Nome Portuguez.
Resta me por ultimo chamar a vossa attenção sobre uma Proposta de Lei apresentada á Camara dos Srs Deputados pelo meu antecessor em 18 de Julho de 1839 concedendo uma pensão de 6003000 rs annuaes ao Reverendo Bispo de Pekim Verissimo Monteiro da Serra isto em attenção a ter elle entrado na China em 1804 ter sido logo feito Mandarim e Membro do Tribunal de Mathematica, haver sido eleito Bispo em 1818 e ter salvado o capital de 66 contos de réis que entregou ao Procurador Geral das Missões em Macáo em consequencia de cujos serviços reconhecidos até pelo Governo da usurpação lhe foi concedida a prestação mencionada que deixou de perceber por este motivo e a que tem um indispensavel juz.

Excerto do Relatório do Ministério do Ultramar apresentado às Camaras na Sessão extraaordinaria de 1840.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Macau visto de Portugal em meados do século 19 - 1ª parte

Governo de Macáo
Os acontecimentos extraordinarios que têm tido logar na China por causa do commercio do Opio ou Anfião são hoje já demasiado conhecidos pelo que pertence aos estrangeiros para que seja necessario fazer-vos menção delles mas pelo que respeita ao estabelecimento de Macáo cumpre dar vos noticia ainda que succinta das exigencias dos Mandarins daquelle Imperio e providencias adoptadas para evitar todo o motivo de desintelligencia.
O Governador Adrião Accacio da Silveira Pinto e Senado de Macáo vendo a maneira rigorosa por que as authoridades Chinezas davam execução ás medidas decretadas pelo Imperador contra a introducção do Anfião e risco a que se exporia o estabelecimento se não concordasse com ellas, trataram logo com grande prudencia de fazer sahir todo o que alli existia e prohibir a sua introdução, e em consequencia de requisição dos Mandarins, publicaram tambem que se não désse asylo a China algum malfeitor ou de má conducta. Mas nem assim o Alto Commissario Imperial Lin o Suntó, Vice Rei de Cantão e outros Mandarins, incumbidos de acabarem aquelle trafico deixaram de reclamar a entrega do Opio que diziam existir em Macáo. Uma grande e interessante correspondencia se seguiu chegando a ponto de exigirem que se fizesse a entrega dentro de tres dias e bem assim d'alguns transgressores das ordens publicadas ameaçando tirar os servidores fechar o porto de Macáo e outras medidas fortes seguindo se outras que talvez fizessem com que os Portuguezes não podessem alli habitar por mais tempo.
Publicaram-se então novos editaes excitando a necessidade de pôr termo ao trafico do Opio e reuniu se ao Senado uma Commissão Consultiva por interessar neste objecto todo o estabelecimento para tratarem de responder com prudencia aos Mandarins procurando sustentar boa harmonia em quanto fosse compativel a chegada do Alto Commissario a Cantão e Boca Tigre a entrega pelos Inglezes de mais de vinte mil caixas de Opio aos Chinezes e depois a prohibição de commerciarem com o Imperio poz Macáo numa situação muito critica especialmente depois que os Inglezes alli se acolheram solicitando protecção contra a violencia dos Chinas e oferecendo todos os meios pecuniarios e mesmo forças navaes para esse fim oferta generosa que o Governador agradeceu mas não acceitou emquanto o Delegado Imperial não pozesse em prática a respeito de Macáo os ameaços que parecia dirigir lhe desejando mantêr a mais stricta e sevéra neutralidade esperando que a aggressão começasse primeiro da parte dos Chinas reservando só para então aproveitar se dos meios que se lhe ofereciam para a sustentação dos Direitos de Sua Magestade e conservação do estabelecimento cujo Governo lhe fôra confiado.
Com a morte de um China por alguns marinheiros Inglezes em Hong Kong não sendo entregue o matador como exigiam as authoridades Chinezas recresceram as difficuldades pela ordem que deram para se retirarem os servidores e comestiveis a todos os subditos daquella nação que se achavam em socego em Macáo. Depois instaram com o Governador para que exigisse do Superintendente do commercio Britannico Carlos Elliot a entrega do matador fazendo para isso toda a qualidade de exigencia ameaçando até metterem Tropas na Cidade e Meirinhos para prenderem os Inglezes a que tudo se respondeu com dignidade.
O Capitão Elliot vendo o estado em que se achava já o estabelecimento falto de tudo e que a força precisa para a sua defensa era insuficiente apesar da segurança do Governador de lhe dar a mesma protecção que aos Portuguezes retirou-se para Hong Kong com alguns dos seus compatriotas mas tendo ficado muitos redobraram as exigencias dos Mandarins com mais vigor e de tal sorte que todos se resolveram a sair como efectivamente o fizeram em 26 de Agosto de 1839.
Conservaram-se as cousas em sofrivel estado até ao 1 de Setembro em que com a chegada de uma Curveta Ingleza julgou o Superintendente dever propôr o seu regresso e dos mais Inglezes a Macáo oferecendo uma força para defensa da Cidade declarando desejarem faze-lo assim em consequencia do insultante memorial dirigido pelas authoridades Chinezas ás Portuguezas louvando-as e agradecendo lhes por contribuirem para deitarem fóra o povo Britannico. O Governador repetiu lhe que não podia deixar de mantêr a mais stricta neutralidade entre as duas grandes nações a Ingleza com quem a sua ha tantos tempos se acha tão intimament ligada ea Chineza pelos motivos bem conhecidos de todos Agradeceu novamente a sua franca e generosa cooperação de que se não podia aproveitar pelas razões mencionadas. Declarou lhe que tendo se os subditos Britannicos retirado espontaneamente de Macáo com o fim de não comprometterem o estabelecimento com este passo se colocaram na necessidade dalli não voltarem em quanto se não aplanassem as difficuldades que ainda existem e que contava vêr satisfactoriamente terminadas não lhe sendo permittido alterar cousa alguma para mantêr a neutralidade em quanto não recebesse ordens expressas do seu Governo a este respeito. Que finalmente tinha respondido terminantemente ao Alto Commissario fazendo lhe vêr que os Inglezes se retiraram espontaneamente e que assim julgava ficarem igualmente satisfeitos elle ea dignidade do Governo Portuguez renovando o sentimento que tivera quando os viu partir e que eles reconheceram lhes fôra dada toda a possivel protecção. A attitude forte que tomou o Governador conservando sempre em estado respeitavel às fortalezas ea prudencia com que se houve eo Leal Senado foram talvez as circumstancias a que se deveu que Macáo passasse em tão delicada crise com simples ameaças.
Quando o Delegado Imperial se desenganou que de Macáo não obteria uma só libra de Opio o que não custou pouco a conseguir mudou de rumo e começou a exigir seguranças de que não commerciariamos mais para o futuro naquella droga querendo que se lhe dessem essas seguranças á moda Chineza mas isso tambem o não conseguiu por quanto desde o principio se sustentou que as Leis que regulam o estabelecimento são as Portuguezas e que não se admittiam outras como tambem houve firmeza nisto foram cedendo ea final se contentaram com um attestado do procurador da Cidade quasi igual ao que por obrigação e em cumprimento de antigas convenções era obrigado a passar á chegada de qualquer navio.
Quizeram tambem obrigar a povoação a uma mutua responsabilidade de familias á Chineza e tambem o não conseguiram porque apenas se lhe deu uma estimativa da população Portugueza. Deste modo o Governador ajudado pelo Leal Senado e de uma Commissão Consultiva nomeada ad hoc e que se reúne no Senado quando ha negocios de grande importancia pôde chegar a um estado de cousas que parecia avisinhar-se muito do fim desejado a não serem os novos acontecimentos occorridos com os inglezes em Hong Kong, bahia onde se achavam reunidos todos os seus navios estando novamente a ponto de se abrir o commercio que desde principios de Março permanecia fechado. As perseguições do Alto Commissario começaram logo com mais violencia e nós ainda que nenhuma parte tivessemos no motivo das ultimas divergencias sofremos seus efeitos porque continuou a estagnação (...)
Foi nestas circumstancias que em 3 de Setembro entraram em Macáo o Alto Commissario Imperial Lin encarregado de exterminar o trafico do Opio o Suntó das Provincias de Quantong e Quangsi e outros Mandarins vindos de Pekim que sendo recebidos com as formalidades do estilo não acceitando as casas que lhes estavam preparadas depois de visitarem o Pagode da Barra se retiraram no mesmo dia. No dia 5 do referido mez foi tambem a Macáo o grande Hopú Administrador Geral das Alfandegas que é parente do Imperador e todos mostraram as melhores disposições a favor dos Portuguezes O Superintendente Britannico depois de annunciar o bloqueio de Cantão que levantou logo depois em 16 daquelle mez requereu de novo permissão para os negociantes da sua nação se abrigarem e suas familias em Macáo e bem assim as cargas de commercio licito.
O Governador respondendo em 14 repetiu a maneira por que os Inglezes se haviam retirado com o fim de não comprometterem o estabelecimento ponderou que as difficuldades tinham augmentado muito com as hostilidades entre elles e os Chinas e que sendo seu dever mantêr o estabelecimento no Dominio de Sua Magestade Fidellissima era para recear o caracter altivo e desconfiado do Governo Chinez e modo despotico por que elle sabe fazer executar as suas determinações podendo com uma só chapa de qualquer Mandarim retirar os mantimentos e mais soccorros a todos os habitantes Portuguezes e estrangeiros de Macáo que por esta maneira ficariam reduzidos áquellas terriveis circumstancias de que fôram libertados pela saida dos Inglezes. Em quanto á proposta da introducção das fazendas em Macáo fez lhe igualmente saber que elle eo Senado se occupariam desse arranjo se podesse levar se a eteito attendendo as Instrucções do Governo de Sua Magestade de e convenções celebradas com o do Imperador não podendo comtudo introduzir se hoje sem outros precedentes por isso que a ruina do commercio Portuguez que já bastante tem sofrido seria infallivel e os Subditos Britannicos tambem nada aproveitariam com especialidade depois das ultimas medidas adoptadas em nome de Sua Magestade Britannica.
Desejoso porém o Governador de restabelecer a harmonia entre os Inglezes e os Chinezes por meio de um arranjo que obstasse a uma guerra e á estagnação commercial que existia começou a procurar servir de medianeiro para com os Mandarins dando para isso sérios passos e segundo alguns dos ultimos oficios que delle se receberam datados de 29 de Setembro de 1839 havia toda a esperança de que as divergencias que entre elles tem havido se arranjariam ao menos provisoriamente tendo se em 26 daquelle mez aberto o commercio dos Chinas com Macáo reputando se por isso terminada a grande questão que tanto nos tem afectado Infelizmente porém por noticias posteriores não oficiaes consta que novas e sérias hostilidades têm tido logar e que as forças navaes das duas nações se têm batido já por vezes e que finalmente a guerra foi declarada preparando os Inglezes na India uma grande expedição contra a China.
Um edicto de 6 de Dezembro declarou vedada a estada de todo e qualquer Subdito Britannico em Macáo e um outro de 5 de Janeiro deste anno os declarou fóra da Lei. Dos Periodicos da Asia recentemente recebidos consta que em cumprimento das ultimas disposições fôra imcumbido um General Chinez de se dirigir a Macáo com tropas como efectuou e prender o Capitão Elliot e outros Inglezes que alli voltaram. Consta mais que era portador de um edital do Alto Commissario que ordenava que todos os Chinas se retirassem da Cidade dentro de 5 dias suspendendo-se o commercio e usando se de força contra os Inglezes mas que attendendo ao peditorio dos Mandarins prorogára a sua publicação por mais 5 dias para dar tempo aos Portuguezes para deliberarem o modo de fazer retirar os seus amigos Inglezes e findo aquelle praso cumpriria as ordens superiores. O Capitão Smith, Commandante das forças navaes de Sua Magestade Britannica na China, sabedor do edicto promulgado pelas Authoridades Chinezas contra os Subditos da sua nação residentes em Macáo, aos quaes causára grande anciedade e susto, fez mover no dia 4 de Fevereiro uma Curveta para dentro do Porto daquella Cidade com o fim, segundo referiu, de lhe dar protecção sem comtudo ter vistas algumas hostís.
Immediatamente se seguiu uma activa correspondencia entre o Capitão e o Governador que exigindo a prompta saida daquelle vaso lhe declarou considerar a sua entrada dentro do Porto como uma decidida hostilidade contra o Governo de Sua Magestade Fidellissima por ser prohibida pelas Leis do Porto e tractados com a China, não ousando mesmo pratica-lo a esquadra do Almirante Drury em 1808 e protestando a final e o Leal Senado contra aquelle procedimento e todos os resultados que elle acarretaria sobre o estabelecimento já pela falta de viveres e commercio com manifesto prejuizo dos nacionaes e estrangeiros já mesmo pelo nenhum beneficio que disso tirariam os Inglezes, procedimento que até não podia ser acolhido debaixo do titulo de protecção.
O Capitão fez então sair a Curveta dizendo que sentia os sofrimentos do estabelecimento insultos dos Chinas e oferecendo de novo seus serviços. O Governador agradecendo este comportamento lhe fez saber que em consequencia das reclamações das Authoridades Portuguezas as tropas Chinezas que se achavam em marcha e outras junto do Pagode da Barra aquellas não progrediam e estas se retiravam.
Baía da Praia Grande. Imagem não incluída no documento.
Taes são os principaes acontecimentos que têm tido logar até 25 de Fevereiro ultimo em Macáo estabelecimento fundado em 1557 e que por causa da descomedida cobiça de alguns commerciantes tem sido abalado pelos fundamentos. Anciosos esperamos receber noticias do Governador e mais Authoridades que nos possam esclarecer a respeito do que se tem seguido nesta delicada crise e com es logo que chegue áquelles mares a expedição britannica o que necessariamente deverá augmentar muito as difficuldades da sua situação.
Tenho vos dado conta dos negocios que mais têm afectado o estabelecimento em relação á sua politica externa. Toca agora dar vos conhecimento dos internos que igualmente demandam séria atenção. Por Decreto de 11 de Abril de 1839 foi exonerado do Governo de Macáo o Tenente Coronel Adrião Accacio da Silveira Tinto e nomeado Commandante da força armada de Gôa sendo substituido pelo Coronel José Antonio Vieira da Fonseca que servia de Governador Geral da India. O Governo de Sua Magestade em vista dos extraordinarios acontecimentos da China considerando quanto era melindrosa uma tal mudança naquellas circumstancias ordenou que o referido Tenente Coronel continuasse no governo e em attenção aos bons serviços que tem prestado na conservação do estabelecimento revogou por Decreto de 12 de Maio ultimo a medida que adoptára em 11 de Abril do anno precedente e agraciou aquelle oficial com o titulo do seu Conselho.
O Governador Juiz de Direito e Senado têm por vezes feito conhecer que o diminuto ordenado que se acha marcado para o Governador não é suficiente para sua decente sustentação mantendo o devido decóro num Paiz tao caro e em consequencia o Governo de Sua Magestade vos submette a Proposta junta que espera approvareis pelos solidos fundamentos em que é baseada.
Um dos objectos que mais perturbação ía causando no estabelecimento foi a medida tomada pelo Governador Geral interino da India de fazer restituir ao Batalhão de Macáo alguns oficiaes que delle fôram tirados pelo seu antecessor Barão de Sabrôzo por proposta do actual Governador e bem assim a nomeação de um Major de Cavallaria de Portugal para Commandante do mesmo corpo e a nomeação de uma Commissão para conhecer das divergencias havidas entre as Authoridades e as Camaras Municipaes.
O Governador não dando execução áquellas providencias do Governo Superior da India fundando se nas inevitaveis e desagradaveis consequencias que do contrario se poderiam seguir participou logo este acontecimento ao Governo de Sua Magestade o qual em 18 de Novembro do anno proximo passado e 18 de Março proximo passado em vista das razões ponderadas approvou a dita deliberação.
Desde que ha Representação Nacional não foi ainda possivel serem representados em Côrtes os estabelecimentos de Macáo Timor e Solor. A Lei eleitoral de 9 de Abril de 1838 designa o numero de 1 Senador e 2 Deputados por este circulo aggregando-se os votos daquellas Ilhas aos de Macáo quando seja possível, mas o Governador e Senado desta Cidade entenderam que convinha mais demorar a eleição do que deixar de se aggregarem os votos daquellas Ilhas.
As communicações são difficeis e perigosas e por isso tarde poderá haver Representantes pelo dito circulo. Além das difficuldades mencionadas accrescem ainda outras taes como Macáo ter apenas uns cinco mil habitantes Portuguezes e Timor e Solor um mais diminuto numero de Eleitores além dos empregados publicos e não haver Juntas de Parochia para fazerem o recenseamento. À vista do expendido entende o Governo que se deve adoptar a Proposta que vos apresenta dividindo aquelle circulo em dois podendo Macáo dar 1 Senador e 1 Deputado e Timor e Solor outro Deputado ficando authorisado para fazer proceder ao recenseamento e tomar as mais providencias precisas a este respeito.
A Administração deste longinquo estabelecimento ha muito carece ser fixada. Para esse efeito já o Governo de Sua Magestade tem enviado por vezes ás Côrtes não só algumas Propostas como tambem os trabalhos de uma Commissão creada ad hoc eo voto e parecer de pessoas algumas das quaes reunem ao conhecimento local do Paiz e suas relações e usos da China a intelligencia e saber de que são dotados. Se aquellas providencias eram então necessarias hoje se tornam muito pela delicada situação do estabelecimento como se evidencia dos oficios das diferentes Authoridades recebidos pelo ultimo navio dalli chegado. (continua)

Excerto do Relatório do Ministério do Ultramar apresentado às Camaras na Sessão extraordinaria de 1840.


domingo, 26 de maio de 2019

Banda de Música do Batalhão de Macao: Verão de 1863

Actuações da Banda de Música do "Batalhão de Macao" nos dias 13 e 16 de Agosto de 1863 no Campo de S. Francisco. Ainda não existia nem jardim nem coreto apenas um espaço amplo ao ar livre (campo).

sábado, 25 de maio de 2019

Boletim Oficial de Maio de 1877

Maio de 1877: relação de nomes e tratamento das principais autoridades da província. Inclui designação em português e chinês (incluindo a tradução fonética).
Nota: clicar sobre a imagem para ver em tamanho maior.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Passatempo: Qual o motivo desta fotografia?

Mais um passatempo por ocasião do 10º aniversário do blogue Macau Antigo. Qual o motivo desta fotografia? - clicar na imagem para ver em tamanho maior
Os primeiros 10 a responderem acertadamente vão receber um livro. Nota: envios apenas para Portugal.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

A linha de comboio que não chegou a existir


On 11 December 1904, Portugal and China signed a convention for the construction of a railway between Guangzhou and Macao. It was not implemented, but let's recall this subject and some of the copnvention articles... It stated that the Portuguese would operate it for 50 years and then hand it over to the Chinese side.
“In the event of war, rebellion or famine, the Chinese government will have a preferential right to send troops, arms, ammunition and provisions at half the usual rates,” states article 26. “In the event of war, the (railway) company will not render help to the enemies of China.” Because the Qing dynasty was overthrown seven years later, the line was never built. It was only in 2011 – 107 years later – that the first railway linking Guangzhou to cities on the western side of the Pearl River was completed; the terminus is in Zhuhai, from where passengers can walk to the border with Macao. 
The convention is one of 50 documents relating to Macao that are stored in the National Palace Museum (NPM) in Taipei.

Contexto:
Em Novembro de 1901 em Enviado Extraordinário chegou de Portugal à China com a missão de acertar com o governo chinês uma delimitação da fronteira de Macau. A linha de demarcação apresentada pelo enviado incluía certas ilhas que o governo chinês se recusava a reconhecer como parte da então colónia portuguesa.  
De acordo com o Tratado de 1887, os governos da China e Portugal nomearam Comissários para negociar a delimitação das fronteiras de Macau e suas dependências, mas a China não aceitou cerca de metade do território reivindicado pela parte portuguesa. O assunto seguiu para o Tribunal de Arbitragem da Haia...
A missão não teve sucesso mas o Enviado conseguiu uma concessão para a ligação ferroviária entre Macau e Cantão. A dita Convenção precisava ainda da aprovação das Cortes (em Lisboa) e o Enviado, senhor Branco rumou ao Oriente novamente em 1904. Em Novembro desse ano, um novo acordo foi celebrado com o governo chinês, mas o governo de Lisboa não aceitou os termos e recusou a ratificação. Foi anunciado na imprensa local que um sindicato de capitalistas chineses e portugueses havia reunido um capital de quatro milhões de dólares para a construção da ferrovia que nunca chegou a ser começada. Talvez pela forte concorrência da ligação fluvial entre as duas cidades. A linha ferroviária teria 50 milhas de comprimento. 

Context:
In November 1901 an Envoy Extraordinary arrived from Portugal his mission being to arrange with the Chinese Government for a delimitation of the boundary of the Colony.
The line of demarcation submitted by the Envoy included certain islands which the Chinese Government refused to acknowledge as being part of the Portuguese colony and the Envoy while not successful in gaining this point secured a concession for a from Macao to Canton.
The convention however did not meet with the approval of the Cortes at Lisbon and Senhor Branco came to the East again in 1904.
In November a new agreement was arranged with the Chinese Government but the Government at Lisbon regarded the terms as far from satisfactory and refused ratification It was announced in the local Press that a syndicate of Chinese and Portuguese capitalists had subscribed a capital of four million dollars for the construction of the railway but there are no indications at present of a commencement being made with the work and it is generally doubted whether a railway through a district so well provided with waterways would prove remunerative.
A railway 50 miles in length is however being constructed under Chinese direction in the Sunning district and this will doubtless beneficially affect trade and commerce in the neighbourhood of Macao. A New Commercial Treaty was arranged with China in November 1904. In accordance with the Treaty of 1887 the Governments of China and Portugal in 1909 appointed Commissioners to delimitate the boundaries of Macao and its Dependencies but China would not admit Portugal's title to half the territory claimed and the Portuguese Commissioner interrupted the negotiations after they had been in nearly four months and reference to the dispute to The Hague Arbitration Tribunal China has definitively refused to agree to this.

O projecto ferroviário foi uma ideia do governo de Macau que pretendia ligar o território a Cantão (Guangzhou), uma das cidades comerciais mais importantes da China, e diversificar a economia do território. O acordo estabelecia que uma empresa conjunta luso-chinesa construiria a ferrovia, com participações iguais, abertas a empresários privados. As negociações foram conduzidas por Pedro Nolasco da Silva e Lam Tac Iun. Num dos artigos pode ler-se: 
“Como esta linha férrea é construída por empresários portugueses e chineses, o governo português não pode, sob qualquer pretexto de interferir com os assuntos relacionados com esta empresa”.
Os engenheiros inspeccionariam as terras entre Macau e Guangzhou por onde deveria passar a linha férrea, elaboravam a rota e submetiam-na ao Comissário Imperial, Director-Geral das Ferrovias, para aprovação. 
O acordo estabelecia regras para a aquisição de terras e o pagamento de indemnizações: “Se a terra estiver ocupada por cemitérios deve ser feito um desvio. Mas, no caso de sepulturas isoladas e se nenhum desvio for possível, a empresa pagará as despesas da remoção das sepulturas, além do preço da terra. 
No texto do acordo fica patente o objectivo da empreitada: aumentar o comércio e a prosperidade. "Todos devem manter a ordem, abster-se de criar distúrbios e cumprir seu próprio dever, sob a pena de uma punição severa". 
A empresa teria ainda de construir uma alfândega em Macau, onde os funcionários aduaneiros podiam examinar todos os bens transportados. Pelo acordo, o governo concedia à empresa o direito de construir um sanatório e um resort de verão no distrito de Heongshan e de construir escolas para treinar meninos chineses como intérpretes e com habilidades técnicas necessárias para a ferrovia. “Os engenheiros e outras pessoas empregadas pela empresa ferroviária, seja em qualquer capacidade técnica ou especial, podem ser estrangeiros, mas os restantes teriam de ser locais. “Se a empresa entrar em falência ou estiver em dificuldades financeiras, os dois governos, português e chinês, não incorrerão em responsabilidade e não pagarão indemnização”. Pedro Nolasco da Silva (n. 1842) foi um dos mais proeminentes macaenses da sua geração, serviu de intérprete para o governo português nestas negociações com a dinastia Qing.

The railway project was an idea from the Portuguese side. The Portuguese wanted to link Macao with Guangzhou, one of China’s most important commercial cities, and diversify the economy of their colony.
The agreement states that a joint Portuguese-Chinese company would build the railway, with shares held equally by the two sides, led by Pedro Nolasco da Silva and Lam Tac Iun respectively. The Chinese side would provide half the capital and the Portuguese side the other half, including Chinese merchants who lived in Macao or had foreign nationality.
“As this railway is constructed by Portuguese and Chinese merchants, the Portuguese government can under no pretext interfere with the affairs in connection with this company,” the agreement says.
Engineers would survey the land between Macao and Guangzhou, draw up the route and submit it to the Imperial Commissioner, Director-General of Railways, for approval.
The agreement sets out rules for acquiring land and paying compensation to those living on it. “If the land should be occupied by cemeteries, a detour must be made. But, in the case of isolated graves and if no detour is possible, the company will liberally pay the expenses of the removal of the graves in addition to the price of the land.”
The local authorities would explain to people that the railway was designed to increase trade and prosperity. “Everyone must keep order, abstain from creating disturbances and do his own duty, under the penalty of a severe punishment.”
The company had to build a customs house in Macao, where customs officials could examine all the goods being carried on the railway and collect the necessary duties.
Under the agreement, the government granted the company the right to build a sanatorium and summer resort in the Heongshan district and to build schools to train Chinese boys as interpreters and with technical skills needed for the railway.
“The engineers and other persons employed by the railway company, either in any technical or special capacity, may be foreigners, but the labourers of all kinds will be natives.
“If the company becomes bankrupt or is in financial difficulties, the two governments, Portuguese and Chinese, will incur no responsibility and will pay no indemnity.”
Pedro Nolasco da Silva (n. 1842) was one of the most prominent Macanese of his generation, acted as interpreter for the Portuguese government in its negotiations with the Qing dynasty.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Emigration of Chinese Coolies from Macao

Macau começou a colaborar com os ingleses no recrutamento e transporte de emigrantes chineses para os domínios britânicos na Ásia no final do século 18. Mais tarde, além dos ingleses, também os portugueses, em Macau, recrutaram e transportaram emigrantes chineses para as colónias portuguesas, nomeadamente Brasil e Timor, entre outras, através de Macau.
Parte da lista de 500 cules chineses transportados no navio norte-americano Forest Eagle. Inclui nomes, idades e profissões. Data: 1864

O tráfico de cules chineses em Macau decorreu entre 1851-1874. De acordo com os dados recolhidos por Arnold J. Meagher, nesse período, entre 200 a 250 mil cules chineses emigraram através de Macau para destinos como Cuba, Peru, Guiana Britânica, Suriname, Costa Rica, Ásia do Sudeste, Moçambique, Califórnia e Austrália.

This British Government paper (above) consists of 18 items of correspondence (17pp) written between 9th May 1869 and 16th August 1871 dealing with the Chinese emigration from Macao. It was printed in 1871.
Documento do governo britânico com 17 páginas impresso em 1871 com correspondência oficial sobre o tráfico de cules.
The "coolie trade" refers to the importation of Chinese contract labourers under force or deception during the 19th century. This “trade” emerged during the gradual abolition of slavery in the early 19th century and coolies were exploited as substitutes for slave labour.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Casa das Duas Filhas - Home of Two Daughters

Está patente na Galeria At Light, Pátio do Padre Narciso nº1 (Macau), a exposição "Home of Two Daughters/Casa das Duas Filhas: Photos os José Vicente Jorge's Family/Fotos da Família de José Vicente Jorge.

Na imagem do cartaz da exposição estão Henriqueta e Maria, a mãe de Graça Pacheco Jorge e a mãe de Pedro Barreiros... as filhas mais novas de José Vicente Jorge. A mostra reúne imagens e testemunhos de uma influente família macaense, atravessando várias gerações e contribuindo para melhor entender o território ao longo das épocas, desde meados do século XIX até meados do século XX.
Curiosamente, o Pátio do Padre Narciso fica nas traseiras do Palácio do Governo, não muito longe da casa da família, já demolida, na Rua da Penha.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

João Fernandes: 1937-2019

Morreu vítima de doença prolongada João Fernandes, antigo director do Jornal de Macau, fundado em Macau em 1982.
Em 1998 o Jornal de Macau fundiu-se com a Tribuna de Macau dando origem ao Jornal Tribuna de Macau.
João Fernandes frequentou o ensino secundário em Lisboa. Esteve em Paris (1959-1960), onde fez um curso de Civilização Francesa na Sorbonne. De regresso a Lisboa, fez traduções literárias e publicou, sob pseudónimo, um livro policial e outro de ficção científica. Ao mesmo tempo colaborou, de uma forma dispersa, em páginas literárias. Em 1974 fixa-se em Angola, onde, depois de alguns meses como redactor de O Comércio de Luanda, transita para a revista Notícia, de que será, sucessivamente, redactor, chefe de redacção, director-adjunto e director.
Abandona Luanda em 1975, rumo ao Brasil, onde permaneceu até 1976, prestando colaboração como redactor do Estado de São Paulo. De novo em Lisboa, vai para chefe de redacção do jornal O Dia e mantém uma coluna no jornal O Diabo. Foi adjunto de um ministro do Governo Sá Carneiro por um período curto de meia dúzia de meses. Em 1982, João Fernandes instala-se em Macau onde funde e dirige o diário Jornal de Macau. A partir de 1990 passa a ser vogal do Conselho Consultivo do Governo de Macau. Em 1996 publica um livro intitulado Macau aos Quadradinhos, uma compilação dos textos de sua autoria que se publicam como editorial do jornal que dirige.
De seguida um artigo do JTM que recorda o nascimento do Jornal de Macau e a história de João Fernandes em Macau.
Veio para dar um parecer técnico e acabou por fundar o “Jornal de Macau”
Carlos Assumpção é a figura por detrás do nascimento do “Jornal de Macau”. O presidente da AL, líder da Associação de Defesa dos Interesses de Macau, pretendia relançar o “Notícias” e contactou João Fernandes para vir a Macau elaborar um relatório sobre as condições existentes, a nível económico. O parecer não foi favorável mas o jornalista dava uma solução. E acabou por ser ele o convidado a fundar um novo jornal
A ideia de criar um diário em Macau partiu de Carlos Assumpção, que constituiu uma sociedade que fundou o “Jornal de Macau”. João Fernandes foi o homem que Assumpção escolheu para director. Mas, inicialmente, o jornalista que então estava n’ ”O Dia”, foi convidado a vir a Macau apenas para estudar o terreno e verificar se “havia condições a nível económico para lançar um jornal”, que se pretendia que fosse o “Notícias”, e que havia sido extinto em 1975.
“Disse no parecer técnico que não havia condições, mas aconselhava a que, se quisessem mesmo assim avançar, comprassem uma tipografia de modo a poder rentabilizar o negócio com a impressão de outros materiais”, explica João Fernandes, actualmente com 75 anos. Tinha sido Carlos Assumpção, na altura já presidente da Assembleia Legislativa, depois de aconselhado por Pedro Lobo, a ir a Lisboa falar com o jornalista. João Fernandes já tinha passado alguns dias em Macau, a primeira vez em 1969, pelo Notícias de Angola.
A ideia de comprar uma tipografia “agradou ao Carlos d’Assumpção que depois me fez o convite para vir lançar o jornal. Ofereceu-me casa e carro e eu disse que quando tivesse a tipografia me contactasse, e assim foi”. Coincidindo com um período em que tinha vontade de sair de Lisboa, aceitou. Chegou em Julho 1982, “ano do Macaco”, recorda com humor, acompanhado por um jovem jornalista, Bueno de Matos, que regressou a Portugal quando se faziam os números “zero”, de teste, por causa de problemas de saúde da mulher, que lá tinha ficado.
Por ocasião dos 20 anos do Jornal Tribuna de Macau recordou num texto os primeiros meses que “foram dedicados a preparar as novas instalações na Calçada do Tronco Velho”. Mas ao mesmo tempo, o jornalista procurava “adquirir conhecimentos sobre Macau, para os quais Carlos d’Assumpção se mostrou precioso e de uma enorme paciência”. “Passei horas a ouvi-lo na sua vivenda ‘skyline’ até às cinco da manhã e iniciei com ele uma amizade e admiração que se prolongou enquanto foi vivo”, recordou.
Depois de várias tentativas nos números “zero”, muitas falhadas, em que tentava mostrar ser possível produzir um jornal de manhã para estar pronto nesse mesmo dia à tarde, disse a Carlos d’Assumpção que estava preparado. A data, conta agora, de saída do jornal foi 28 de Outubro e tem uma razão de peso: “consultaram um mestre em feng shui que disse que 28 era um dia forte para o jornal sair”, conta João Fernandes.
No texto dos 20 anos do JTM refere essa primeira edição: “E saiu. Ligeiramente atrasado (passavam uns minutos das 17 horas...) mas saiu. E saiu durante mais 16 anos. Acho que nesse tempo nem sequer me cheguei a aperceber que também se editara, quase simultaneamente, o semanário “Tribuna” (...). Não tinha nem tempo para me coçar”.
Entretanto, para o jornal foi buscar um jornalista que já conhecia de Angola e que estava no “Expresso”, César Camacho e que ficou durante quatro anos.
O médico Alfredo Ritchie fez parte da sociedade fundadora do “Jornal de Macau” e recorda como foram esses tempos, em que num momento, de “uma pequena folha de couve, passou a haver jornais profissionais”.
“Foi constituída uma sociedade com cerca de 20 pessoas e em que os sócios maioritários eram o Dr. Carlos Assumpção e o seu irmão José, depois havia o Pedro Lobo, Henrique de Senna Fernandes, Morais Alves, Arnaldo Couto, o Coronel Mesquita Borges, José Chan, o meu pai, Lourenço Ritchie, o “Jozico” (ou Herculano Rocha), o José Manuel Rodrigues e Manuel Santos, entre outros”, recorda.
Numa altura em que não havia canais de televisão, sem contar com o sinal de Hong Kong, e com a “Gazeta Macaense” e “O Clarim”, o “Jornal de Macau” veio trazer sobretudo novidades de Portugal. “Estávamos um bocadinho afastados das notícias de Portugal e naquela altura queríamos seguir com mais atenção o que se passava...”.
Sobre João Fernandes, lembra uma marca: “o célebre quadradinho”. “Ele tinha uma particularidade: uma grande capacidade de síntese, em menos de 100 palavras, no canto superior direito do jornal, na primeira, em jeito de editorial, dava a sua ideia marcante”, recorda o médico.
Os diferendos com o Governador Almeida e Costa “marcaram muito o jornal”. Segundo recorda Alfredo Ritchie, “até aquela altura havia uns resquícios da revolução de Abril”, com dois polos opostos, a ADIM (Associação de Defesa dos Interesses de Macau), mais à direita, e liderada por Carlos Assumpção, e o CDM (Centro Democrático de Macau), de Jorge Neto Valente, e que acabaram por se aproximar porque “o adversário passou a ser o mesmo, o Governador”. Foi nessa altura que “o Dr. Assumpção e Jorge Neto Valente fizeram uma ‘cimeira’ no Hotel Royal em que esteve presente o João Fernandes, o Rocha Dinis, Morais Alves, entre outros e se fizeram também as pazes”, pormenoriza o médico.
Já a fusão dos jornais, mais tarde, “tem muito que ver com a morte do Dr. Assumpção”. De acordo com o antigo sócio, “o jornal tinha algum prejuízo, salvo erro, e a sociedade que até então estava para suportar o jornal começou a dissolver-se, muitas pessoas desinteressaram-se”.
Por outro lado, a consciência de que se estava a chegar ao final de um período, com a transição, também pesou na decisão de juntar os títulos.
Em 1999, João Fernandes, que estava então na administração do JTM, decide regressar. “Já tinha 62 anos e pensei que já era tempo de desistir. Acordei com o Rocha Dinis que viria por uns períodos de tempo, para ele ir para Portugal. Eu fui o primeiro mas acabei por não regressar porque tive um AVC”.
Agora, é com “orgulho” que João Fernandes vê o jornal que ajudou a fundar alcançar os 30 anos. Também o período passado em Macau “foi óptimo”. “Guardo momentos muito bons, fomos muito bem acolhidos, as coisas correram-nos bem e viajei muito”, sintetiza o jornalista.
Artigo de Hélder Almeida, in JTM, 1.11.2012

domingo, 19 de maio de 2019

A "parte velha da cidade" por Luís Gonzaga Gomes


Poucas são as pessoas que se dispõem a cirandar pela parte velha desta cidade, visto que nenhum interesse desperta no seu espírito indiferente as evocações daquelas transitadas épocas, em que o piso irregular das congostas e travessas era animado pela cadenciada marcha dos liteireiros, conduzindo em vistosas librés formosas damas toucadas de finíssimas saraças e empertigadamente recostadas em vistosos almadraques, finamente bordados com doirados canutilhos e espelhentas lantejoulas, dos seus luxuosos palanquins; quando as janelas das suas espaçosas habitações solarengas se escancaravam para nelas se assomarem os rostos assustadiços de sedutoras donzelas atraídas por algum desabrido estrupido de bem quarteado e fogoso corcel, galopado por donairoso cavaleiro; ou, quando, por estreitas vielas desfilavam os espalhafatosos cortejos de arrogantes mandarins. 
Passada a febril época de intensa actividade comercial e esgotadas as grandes fortunas de fácil aquisição, caíram as ruas desta cidade, num curto período de marasmo, para tornarem a animar-se sob o rodar de magnificentes carruagens dos seus abastados moradores, outra vez enriquecidos, no efémero período da fictícia prosperidade advinda. do tráfico de emigrantes.Vergastada, depois, novamente pela adversidade, e desta vez quão duramente, assistiu a cidade o desmoronar das suas falsas grandezas; e, então, as suas apalaçadas residências foram, uma a uma, caindo nas mãos de credores chineses, para que o produto de irremíveis hipotecas que as oneravam, pudessem continuar a manter o luxuoso viver dos seus arruinados proprietários, que não estavam acostumados a viver com parcimónia.
Entretanto, há cinco ou seis décadas se tanto, principou o camartelo do modernismo a derrubar e a destruir, já em nome da salubridade pública, já invocando regras de estética urbanística, grande parte da cidade medieval.
As enviesadas ruas da parte nobre da antiga cidade, por onde os caleches dificilmente transitavam sem que os tapadoiros das suas rodas esboroassem as paredes das casas, viram então, as grandes lastras de granito do seu pavimento, substituídas por um revestimento de alvo cimento; as betesgas, os pátios e os becos da parte pobre, um verdadeiro ludreiro em dias chuvosos, foram calcetados à portuguesa. E, por toda a cidade, os velhos solares e outras casas de habitação, foram cedendo lugar a novos edifícios, alguns com fachadas interessantes, mas todos desprovidos de conforto.
Nos amplos salões de algumas das velhas mansões que ainda se encontram de pé e onde outrora os seus sobrados rangeram com o peso de elegantes e formosos pares que se entretinham em animados cotilhões, turbulentas quadrilhas ou em mesurados minuetes, que constituíram as principais diversões dos serenins da. alta sociedade local, em diferentes épocas, vivem hoje, em sistema quase falansteriano, grupos de vinte ou trinta familias chinesas. As suas janelas tão rasgadas, mas tão adequadas a este clima, parecem que riem sardonicamente da imbecilidade de quantos passam actualmente por baixo delas, completamente indiferentes à sua passada opulência.
Mas, apesar da sanha destruidora, há no entanto, ainda alguns bairros na velha Macau, onde se pode disfrutar um pitoresco ciclorânico e que, por isso, vale a pena serem visitados, principalmente aqueles onde a vida gorgulha febril, mas miserável e funambulescamente, com trágicos recantos de fome e onde aparecem faces exageradamente acararnadas e lábios vivamente tingidos de vermelho, pois são neles que podem ser observados certos costumes, tradições e superstições do povo chinês, que ainda não perderam o intrigante atractivo do seu exotismo oriental.
Muito desses sítios, porém, já não são conhecidos pelos seus nomes primitivos, pois, desusaram-se com a transformação da sua fisionomia original, outros, não obstante as alterações impostas, por não se sabe quão voluntariosos edis, capricham em reter, pelo menos, em chinês, as designações por que primitivamente foram baptizados pelo vulgo.
Assim, há um trecho da cidade gue ainda é conhecido pelos chineses com o nome de Tcheok-Tchâi-Un, em local hoje dos mais populosos e sobrecarregado de casas encostadas umas às outras e separadas por uma apertada. rede de ruas. Entre nós, é este sitio conhecido por Horta da Mitra e abrangia todo o terreno que ia desde a antiga rua de Pák-T’âu-Sán-Kâi (Rua Nova dos Cabeças-Brancas, isto é, dos Parses), actualmente denominada de Rua Nova-à-Guia, até ao Ho-Lán-Un, (Jardim dos Holandeses), ou seja o bairro Uó-LÔng, sendo limitado ao norte pela Calçada do Gaio, na altura. por onde passava a muralha que noutros tempos cercava a antiga cidade. Todo este terreno foi outrora ocupado por uma extensa e densa mata e, como há trezentos anos, a cidade era ainda pouco povoada, no intuito de se fomentar o seu desenvolvimento populacional, foi permitido a um grupo de imigrantes chineses de apelidos Mâk, Tch’iu e Léong estabelecerem-se ali. Este minúsculo núcleo inicial conseguiu transformar, com o tempo, o local, numa aldeiazinha e os seus componentes viviam da venda da lenha que podavam na mata e cujas altas e frondosas árvores que a cercavam estavam sempre cobertas de pássaros que alegravam o basquete com a sua chilreada, dando ao sitio um aspecto de parque. Foi por este motivo que os chineses deram ao local o nome de Tchèok-Tchâi-Un que quere dizer “Jardim de Passarinhos”.
Outro local, cujo nome em chinês ainda perdura, é a área de Sá-Kóng, vacábulo este que significa “boião de areia” e assim fora chamado porque a sua configuração aparentava um enorme boião e porque toda aquela depressão formada na falda. do Kâm-Kôk-Sán, ou “Monte do Vale de Oiro”, no cume do qual se encontra hoje o forte de Móng-Há, era toda coberta. de areia. Era aqui que se enterravam os cultivadores indigentes da.s antigas aldeiolas de Móng-Há e de Lóng-T’in, quando vinham a falecer.
Quanto a ruas, dentre muitas, citamos a da I-On-Kái e a de Tái-Pôu-Lám cujas primitivas denominações, em chinês, ainda não deixaram de ser usadas.
A I-On-Kái deve o seu nome ao facto de ter sido fundado nesta rua o primeiro clube chinês denominado I-On-Kông-Si (Sociedade de Amizade e Bem-estar), tendo sido seus fundadores os mais ricos negociantes desta terra, dentre os quais figuravam os dos apelidos Lôu, Uóng e Hó. Era frequentado por chineses de alta categoria, tanto de Macau como das cidades convizinhas, que ali se reuniam para se divertirem em ceiatas ou ao jogo, bem como para tratarem dos seus negócios, que discutiam deitados nas duras camas de pau-preto, enquanto fumavam o seu ópio servidos pelas mais esbeltas p’ éi-pá-tchâi do bairro. Apesar do nome desta rua ter sido alterado para Fôk-Lông-Sân-Hóng (Travessa das Felicidades), os chineses continuam a designá-la pelo seu primitivo nome de I-On-Kái.
Quanto ao de Tái-Pôu-Lám, que é o troço da Rua de S. Domingos, que vai desde o ponto em que começa a Rua da Palha até ao Cinema Capitol, foi outrora uma via de prédios baixos. Por isso, era todo o dia batida por uma chapada de sol vivo que arrancava chispas de fogo do seu piso escaldante, sufocando, queimando e cegando com a sua reverberação quem por lá passasse. Para evitar que as plantas dos seus pés fossem mordidas pela causticante brasa daquele abominável pavimento, os chineses de pés descalços, viam-se obrigados a atravessá-lo de corrida. Dai o nome de Tái-Pôu-Lám como quem diz, “a largos passos” .
Vem a propósito dizer-se que a Rua de S. Domingos se chama em chinês, Pán-Tchéong-T’óng-Kái, isto é, a Rua do Templo de Tábuas; sendo a origem desta denominação causada pelo facto de o primitivo templo ter sido construído em madeira. Esta igreja é, porém, também conhecida entre os chineses, pelo nome de Mui-Kuâi-T’óng, o Templo das Rosas.
Luís Gonzaga Gomes em Curiosidades de Macau Antiga, 1952