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segunda-feira, 20 de maio de 2019

João Fernandes: 1937-2019

Morreu vítima de doença prolongada João Fernandes, antigo director do Jornal de Macau, fundado em Macau em 1982.
Em 1998 o Jornal de Macau fundiu-se com a Tribuna de Macau dando origem ao Jornal Tribuna de Macau.
João Fernandes frequentou o ensino secundário em Lisboa. Esteve em Paris (1959-1960), onde fez um curso de Civilização Francesa na Sorbonne. De regresso a Lisboa, fez traduções literárias e publicou, sob pseudónimo, um livro policial e outro de ficção científica. Ao mesmo tempo colaborou, de uma forma dispersa, em páginas literárias. Em 1974 fixa-se em Angola, onde, depois de alguns meses como redactor de O Comércio de Luanda, transita para a revista Notícia, de que será, sucessivamente, redactor, chefe de redacção, director-adjunto e director.
Abandona Luanda em 1975, rumo ao Brasil, onde permaneceu até 1976, prestando colaboração como redactor do Estado de São Paulo. De novo em Lisboa, vai para chefe de redacção do jornal O Dia e mantém uma coluna no jornal O Diabo. Foi adjunto de um ministro do Governo Sá Carneiro por um período curto de meia dúzia de meses. Em 1982, João Fernandes instala-se em Macau onde funde e dirige o diário Jornal de Macau. A partir de 1990 passa a ser vogal do Conselho Consultivo do Governo de Macau. Em 1996 publica um livro intitulado Macau aos Quadradinhos, uma compilação dos textos de sua autoria que se publicam como editorial do jornal que dirige.
De seguida um artigo do JTM que recorda o nascimento do Jornal de Macau e a história de João Fernandes em Macau.
Veio para dar um parecer técnico e acabou por fundar o “Jornal de Macau”
Carlos Assumpção é a figura por detrás do nascimento do “Jornal de Macau”. O presidente da AL, líder da Associação de Defesa dos Interesses de Macau, pretendia relançar o “Notícias” e contactou João Fernandes para vir a Macau elaborar um relatório sobre as condições existentes, a nível económico. O parecer não foi favorável mas o jornalista dava uma solução. E acabou por ser ele o convidado a fundar um novo jornal
A ideia de criar um diário em Macau partiu de Carlos Assumpção, que constituiu uma sociedade que fundou o “Jornal de Macau”. João Fernandes foi o homem que Assumpção escolheu para director. Mas, inicialmente, o jornalista que então estava n’ ”O Dia”, foi convidado a vir a Macau apenas para estudar o terreno e verificar se “havia condições a nível económico para lançar um jornal”, que se pretendia que fosse o “Notícias”, e que havia sido extinto em 1975.
“Disse no parecer técnico que não havia condições, mas aconselhava a que, se quisessem mesmo assim avançar, comprassem uma tipografia de modo a poder rentabilizar o negócio com a impressão de outros materiais”, explica João Fernandes, actualmente com 75 anos. Tinha sido Carlos Assumpção, na altura já presidente da Assembleia Legislativa, depois de aconselhado por Pedro Lobo, a ir a Lisboa falar com o jornalista. João Fernandes já tinha passado alguns dias em Macau, a primeira vez em 1969, pelo Notícias de Angola.
A ideia de comprar uma tipografia “agradou ao Carlos d’Assumpção que depois me fez o convite para vir lançar o jornal. Ofereceu-me casa e carro e eu disse que quando tivesse a tipografia me contactasse, e assim foi”. Coincidindo com um período em que tinha vontade de sair de Lisboa, aceitou. Chegou em Julho 1982, “ano do Macaco”, recorda com humor, acompanhado por um jovem jornalista, Bueno de Matos, que regressou a Portugal quando se faziam os números “zero”, de teste, por causa de problemas de saúde da mulher, que lá tinha ficado.
Por ocasião dos 20 anos do Jornal Tribuna de Macau recordou num texto os primeiros meses que “foram dedicados a preparar as novas instalações na Calçada do Tronco Velho”. Mas ao mesmo tempo, o jornalista procurava “adquirir conhecimentos sobre Macau, para os quais Carlos d’Assumpção se mostrou precioso e de uma enorme paciência”. “Passei horas a ouvi-lo na sua vivenda ‘skyline’ até às cinco da manhã e iniciei com ele uma amizade e admiração que se prolongou enquanto foi vivo”, recordou.
Depois de várias tentativas nos números “zero”, muitas falhadas, em que tentava mostrar ser possível produzir um jornal de manhã para estar pronto nesse mesmo dia à tarde, disse a Carlos d’Assumpção que estava preparado. A data, conta agora, de saída do jornal foi 28 de Outubro e tem uma razão de peso: “consultaram um mestre em feng shui que disse que 28 era um dia forte para o jornal sair”, conta João Fernandes.
No texto dos 20 anos do JTM refere essa primeira edição: “E saiu. Ligeiramente atrasado (passavam uns minutos das 17 horas...) mas saiu. E saiu durante mais 16 anos. Acho que nesse tempo nem sequer me cheguei a aperceber que também se editara, quase simultaneamente, o semanário “Tribuna” (...). Não tinha nem tempo para me coçar”.
Entretanto, para o jornal foi buscar um jornalista que já conhecia de Angola e que estava no “Expresso”, César Camacho e que ficou durante quatro anos.
O médico Alfredo Ritchie fez parte da sociedade fundadora do “Jornal de Macau” e recorda como foram esses tempos, em que num momento, de “uma pequena folha de couve, passou a haver jornais profissionais”.
“Foi constituída uma sociedade com cerca de 20 pessoas e em que os sócios maioritários eram o Dr. Carlos Assumpção e o seu irmão José, depois havia o Pedro Lobo, Henrique de Senna Fernandes, Morais Alves, Arnaldo Couto, o Coronel Mesquita Borges, José Chan, o meu pai, Lourenço Ritchie, o “Jozico” (ou Herculano Rocha), o José Manuel Rodrigues e Manuel Santos, entre outros”, recorda.
Numa altura em que não havia canais de televisão, sem contar com o sinal de Hong Kong, e com a “Gazeta Macaense” e “O Clarim”, o “Jornal de Macau” veio trazer sobretudo novidades de Portugal. “Estávamos um bocadinho afastados das notícias de Portugal e naquela altura queríamos seguir com mais atenção o que se passava...”.
Sobre João Fernandes, lembra uma marca: “o célebre quadradinho”. “Ele tinha uma particularidade: uma grande capacidade de síntese, em menos de 100 palavras, no canto superior direito do jornal, na primeira, em jeito de editorial, dava a sua ideia marcante”, recorda o médico.
Os diferendos com o Governador Almeida e Costa “marcaram muito o jornal”. Segundo recorda Alfredo Ritchie, “até aquela altura havia uns resquícios da revolução de Abril”, com dois polos opostos, a ADIM (Associação de Defesa dos Interesses de Macau), mais à direita, e liderada por Carlos Assumpção, e o CDM (Centro Democrático de Macau), de Jorge Neto Valente, e que acabaram por se aproximar porque “o adversário passou a ser o mesmo, o Governador”. Foi nessa altura que “o Dr. Assumpção e Jorge Neto Valente fizeram uma ‘cimeira’ no Hotel Royal em que esteve presente o João Fernandes, o Rocha Dinis, Morais Alves, entre outros e se fizeram também as pazes”, pormenoriza o médico.
Já a fusão dos jornais, mais tarde, “tem muito que ver com a morte do Dr. Assumpção”. De acordo com o antigo sócio, “o jornal tinha algum prejuízo, salvo erro, e a sociedade que até então estava para suportar o jornal começou a dissolver-se, muitas pessoas desinteressaram-se”.
Por outro lado, a consciência de que se estava a chegar ao final de um período, com a transição, também pesou na decisão de juntar os títulos.
Em 1999, João Fernandes, que estava então na administração do JTM, decide regressar. “Já tinha 62 anos e pensei que já era tempo de desistir. Acordei com o Rocha Dinis que viria por uns períodos de tempo, para ele ir para Portugal. Eu fui o primeiro mas acabei por não regressar porque tive um AVC”.
Agora, é com “orgulho” que João Fernandes vê o jornal que ajudou a fundar alcançar os 30 anos. Também o período passado em Macau “foi óptimo”. “Guardo momentos muito bons, fomos muito bem acolhidos, as coisas correram-nos bem e viajei muito”, sintetiza o jornalista.
Artigo de Hélder Almeida, in JTM, 1.11.2012

1 comentário:

  1. O Jornalista João Fernandes morreu esta terça-feira aos 81 anos. Pelos sítios por onde tenho andado, e quando me falam de Jornalismo, conto como tudo isto me aconteceu. Tal como recordo algumas das grandes figuras do Jornalismo angolano que na altura, 1972/73, me serviam de referência, de exemplo, e que por isso “apadrinharam” o amor que – apesar de tudo – ainda tenho a esta, e por esta, profissão.

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