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sábado, 31 de dezembro de 2022

Nota de câmbio do ano de 1842

Pestonjee Marvanjee & Co, Nota/letra de câmbio no valor de 1449 rúpias emitida em Macau a 24 de Novembro de 1842; nº de série 73; Iniciais timbradas à esquerda, em nome de Vatesay Modaal Esq. e assinado por Pestonjee Marvanjee. Estamos perante, muito provavelmente, um documento relacionado com o comércio de ópio.
Pestonjee Marvanjee & Co, a bill of Exchange for 1449 rupees signed in Macao, 24th November 1842; serial number 73; initials at left, payable to Vatesay Modaal Esq. and signed by Pestonjee Marvanjee. This is, must probably, a document concerning the opium traffic.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Manuel da Silva Mendes morreu há 91 anos

Manuel da Silva Mendes morreu às 11 da manhã de 30 de Dezembro de 1931 com uma cardite na sequência do reumatismo crónico. Tinha 64 anos. Foi sepultado no cemitério de S. Miguel Arcanjo em Macau. Na sua lápide há uma inscrição: “Nascer não é começar. Morrer não é acabar”.

A Voz de Macau 31.12.1931

Na edição 3 de Janeiro de 1932 o jornal "A Voz de Macau" faz manchete com a notícia de "O funeral do Dr. Silva Mendes" que se realizou no cemitério de S. Miguel. O artigo ocupa toda a mancha da primeira página e termina na página quatro. O director do jornal era Henrique Nolasco da Silva e o proprietário e redactor principal D. G. da Rosa Duque. A reprodução que se segue respeita no essencial a grafia original.
"Morreu o Dr. Silva Mendes. Esta notícia tão inesperada colheu-nos com a mais dolorosa surpresa. É que se sente, profundamente o abalar inesperado de um amigo bom, um colaborador dos mais distintos de A Voz de Macau cujas páginas abrilhantou com a sua colaboração distinta, um camarada ilustre cuja convivência nos honraria pela lanhes de trato e amizade desinteressada com que nos distinguia. Os seus conhecimentos vastos e profundos, quer como advogado distintíssimo, quer como escritor de raro mérito, nunca desentendidos na vasto e douta obra que legou à posteridade, impõe-se à nossa consideração e respeito, como expoente de uma inteligência invulgar ao serviço de uma proficiência e probidade profissionais verdadeiramente raras. As facetas variadas do seu saber, manifestam-se irradiando o fulgor da sua erudição profunda, no conhecimento e manejo hábil da língua difícil de Camões; na vastidão dos seus escritos nos jornais de Macau, nos arquivos dos tribunais da comarca, em documentos de subido valor, pela profundesa de argumentação, pela perfeição da disserção, pela claresa da linguagem, pela elevação e singelesa de conceitos e belesa da forma. 
Vindo novo ainda em Macau, em Fevereiro de 1901, em Maio desse ano tomava posse do seu lugar de professor do Liceu de Macau onde, no ensino, das letras pátrias e da língua latina, demonstrou durante 25 anos do magistério secundário, profundo e solido conhecimento na regência das disciplinas que lhe foram entregues. Assim o declararam os seus inúmeros alunos que hoje lamentam a perda de tão ilustre ornamento do corpo docente do Liceu de Macau. Durante os seus 30 anos de residência em Macau, foram-lhe confiados, em diversos períodos da sua vida, elevados cargos de responsabilidade da administração pública, como substituto do Juiz de Direito e do Delegado do Procurador da República, tendo por várias vezes entrada no exercício dessas funções; como Presidente do Leal Senado, Administrador do Concelho, membro de várias comissões públicas nomeado pelo governo, tendo em todos estes cargos revelado uma inteligência lúcida, uma cultura e ponderação invulgares e um saber profundo que nas mais insignificantes circunstâncias se revelavam e impunham ao respeito de todos os que o ouviam. No exercício da advocacia mostrou-se sempre pronto a acolher todos os que recorriam ao seu saber profissional, jamais se preocupando em distinguir pobres de ricos, a todos tratando com o maior desvelo e o mesmo carinho.
Quantas vezes e quantas, ele, na bondade do seu coração dispensava os honorários em causas justas - que só destas ele tratava - a cujos autores escasseassem os meios de o fazer. Ainda nos últimos anos da sua vida, os seus colegas recorriam ao seu saber para decifrar uma dúvida, para solicitar um conselho, e por vezes, a solicitar uma orientação esclarecida, nas pugnas difíceis do foro. Além destes, os seus grandes amigos - os chineses - nele encontravam sempre o amparo, o carinho, o auxílio moral e material que, sem ostentação, sem alarde, lhes dispensava e lhes captava a gratidão. A sua alma de artista acha-se dispersa pelas preciosidades que ornamentavam a sua residência onde as raridades chinesas atestam o espirito crítico, artístico e estético que nele se achavam desenvolvidos em elevado grau. O Dr. Silva Mendes morreu. É Macau todo que sofre, lamentando a sua falta. Ele não que amarrado ao grilhão feroz da doença pertinaz que o vitimou, se livrou do sofrimento atroz que, com uma submissão evangelica e com a heroicidade de santo suportou até aos últimos momentos da sua existência.
O seu funeral foi uma homenagem sentida e sincera, em que compareceram além de S. Exa. O Encarregado do Governo e o seu chefe de gabinete, as individualidades de maior destaque na administração pública, funcionários civis e militares de todas as classes, o Presidente do Leal Senado, representantes do corpo docente e discente do Liceu de Macau, alunos e banda do Orfanato Salesiano, o representante deste jornal e muitos chineses de todas as classes da população da Colónia, dentre os quais destacamos os seus particulares amigos, Srs. Chan Chec-yu, ex-governador civil de Cantão, Dr. Lao Ioc-lon ex-ministro do governo chinês em Londres e Ma Pon-san, superior do mosteiro budista de Cheoc Lam. Durante o cortejo fúnebre dirigido pelo nosso amigo do saudoso extinto, sr. dr. Américo Pacheco Jorge, organizaram-se os seguintes turnos: Exmos. Srs. 1º Dr. Pereira de Magalhães, Dr. Brito e Nascimento, Dr. Gonçalves Cerejeira, Eng. Schiappa Monteiro, Henrique Nolasco da Silva, José Sales da Silva. 2º Dr. Ferreira de Castro, Dr. Vila Franca, Dr. Pedro Lobato, Dr. Duarte Vasconcelos, Dr. José Maria Pereira, f. Garcia (representando a Academia do Liceu Central). 3º Dr. Carlos de Melo Leitão, Dr. Adolfo Jorge, Dr. Pais Laranjeira, Damião Rodrigues, Jacques Gracia, Henrique Machado. 4º Dr. Caetano Soares, Viseu Pinheiro, Cap. Quinhones de Silveira, Chan Chec-yu, Lao Ioc lon, Ma Pou-san. À beira da sepultura o Dr. Abílio do Brito e Nascimento, Juiz de Direito dos tribunais do Cível e do Crime desta Comarca, pronunciou com visível comoção a seguinte peça oratória que, com permissão de S. Exa. Passamos a reproduzir na íntegra como homenagem sentida e sincera prestada, nos últimos momentos, aquele que passou a vida praticando o bem, com modéstia e desinteresse que brilhou pela sua rara inteligência e profundo saber, que conquistou os corações pela franquesa e simplicidade do seu trato, que deixou amigos que jamais esquecerão as horas de amável convívio que a sua amabilidade lhes dispensou:
"Determinaram circunstâncias eventuais que fosse eu quem se encontrasse à testa dos tribunais da comarca na hora lutuosa do passamento dum dos seus mais ilustres advogados, o Dr. Silva Mendes, decano dos advogados nestes auditórios. O elogio das suas qualidades eminentes de profissional, da sua nunca desmentida lealdade e camaradagem, do seu elevado grau de saber e da sua arguta inteligência, fa-lo-iam com mais propriedade e mais brilho, os seus colegas no fôro. Em nome do pessoal judicial dos tribunais da Comarca de Macau rendo sentidamente a minha homenagem de profundo respeito ao advogado extinto. E, desobrigado desta dolorosa missão, que um dever social me impôs, que, a sós com ele, ter a palestra que lhe prometi, na resposta à carta que ainda há dias me escreveu. Querido e saudoso amigo, o homem não vai todo à sepultura, disse-o um dos nossos escritores do século passado. Nesta hora solene em que uma alma milenária dentro de mim se confrange e apavora, com o medo metafísico da Morte, o meu espírito ergue-se acima da transcendência do fenómeno para seguramente te afirmar que o homem, não vai à sepultura. Que importa a forma transitória e caduca; o agregado momentâneo e instável, se o que tu foste, e sempre será para nós - é o teu pensamento lúcido; os teus ensinamentos proveitosos; o teu lindo exemplo de estoica submissão a essa inutilidade incompreensível e malfazeja da doença que te torturou os últimos tempos da vida?!
Que importa a forma transitória e caduca, se o que tu foste, e sempre serás para nós, é esse complexo, tão difícil de denominar, que continuará a viver, mesmo depois de nenhum de nós se lembrar sequer da tua imagem?! Não. O homem não vai à sepultura. O homem é o momento efémero de uma coisa eterna! Ante a visível extensão limitado do que de ti resta para a minha percepção finita, sinto que a verdade não está na trágica aparência instável da matéria. Para além dos restos mortais que numa romagem piedosa viemos acompanhar, e que dentro em pouco, se confundirão com o pó, alguma coisa perdurará que eu não sei nomear, mas em que o tempo não tem poder. Esse «alguma coisa» é o que houve em ti de verdade eterna! E essa, não baixa à sepultura. É a emoção da Beleza plástica de muitos dos teus versos, de linhas rijamente clássicas. É a tua grande intuição filosófica que elevou a tua inteligência à concepção da harmonia unitária do Universo, na qual só são abominações e erros, as lutas fratricidas em que nos degladiamos uns aos outros; na qual só há de mesquinho as nossas ambições e cobiças; na qual, só são monstruosos os ódios negros que nos profligam o coração e desvairam a mente.
Harmonia unitária cuja lei é esse ideal de Bondade que formulaste como Evangelho da moral perfeita, que tu aspirarias que fosse regra de conduta entre os homens: «Aos bons faz sempre o bem. Aos não-bons fá-lo também.» Foram os teus entusiasmos, só acessíveis a uma alma de artista, que te exaltaram o efémero momento da vida, acima da existência vã e comum, e dele fizeste exemplo vivo de que só um ideal nos nobilita e torna verdadeiramente a vida digna de ser vivida. E é justamente essa porção de ideal, com que iluminaste a tua precária existência, o que há-de sobreviver e o que nós comemoramos aqui.
É a capacidade de amor que o teu coração comportou, como ainda há pouco manifestaste na dedicatória aos teus discípulos no livro que compuseste, e que nos viu revelar que do professorado fizeste um sacerdócio, e lhe deste não só os primores da tua inteligência, mas a ternura do teu coração. É o que te fez, não a entesourar ouro vil, que te faria morrer menos pobre; mas a dispendê-lo largamente em seleccionar as raridades do teu museu, que está aí a lembrar à administração da colónia a indesculpável incúria de o não ter feito o mesmo, em quatro séculos de governo. Acima da saudade que me deixa o teu convívio, onde encarou refúgio e carinho o meu espírito tresvariado por tanta interrogação inquietante, nas muitas palestras que tivemos, plana a emoção da formidável grandeza desta hora final da tua glorificação - que tanto é dizer a hora suprema em que os vivos julgam os mortos, na liquidação sumária de todo o acervo dos seus pensamentos e medos, formulando em esboço, os severos quesitos da história: Que fizeram da vida? Que património nos legaram de exemplos a seguir? Em que concorreram para a nossa perfeição moral? Que fizeram para estreitar os laços da solidariedade humana, ensinando-os com a palavra ou induzindo com o exemplo? Respondem por ti as tuas próprias palavras, que melhores as não tenho eu, e que vou buscar à dedicatória do livro em que te falei. E, é a paráfrase do pensamento nelas contido, que ao deixarmo-nos de ver para sempre, inscrevo no frontão do monumento que, aos teus merecimentos invulgares, eleva a minha humildade e a minha admiração. Aqui foi sepultado o corpo de um homem que compreendeu e sentiu que a única felicidade humana reside apenas «no trabalho e na virtude».” "A Voz de Macau" apresenta à Exa. enlutada família os seus sentidos pêsames".

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

1955: Oriente Comercial, Pousada Inn e Tai Loy

Três anúncios dee Macau na edição de 25.11.1955 do jornal de Hong Kong, The China Mail. 
O primeiro anúncio é da "Oriente Comercial" localizada na Av. Almeida Ribeiro. O segundo anúncio - "When in Macau Stay at the Pousada Inn, Praia Grande" - diz respeito à Pousada (Macau) Inn na Praia Grande, ao lado do Palácio do Governo. O terceiro e maior anúncio é da empresa Tak Kee Shipping & Trading Co. Ltd, proprietária do  M. V. Tai Loy (MV significa navio a motor de combustão). Mandado construir por Fu Tak Iam 傅德蔭 (1895-1960), que teve a concessão em exclusivo dos jogos de fortuna e azar em Macau de 1933 a 1961, o Tai Loy foi lançado à água a 20 de Outubro de 1949 e assegurou as ligações marítimas entre Macau e Hong Kong até 1968. 


quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

"Retratista Lamqua"

Na edição de 2 de Março de 1837 do jornal O Macaista Imparcial surge esta pequena notícia: "Acha-se em Macao o china retratista Lamqua. Qualquer Senhor ou Senhora que quizer aproveitar-se do seu préstimo dirija-se à Loja do mesmo a Santo Agostinho, em cuja porta se acha inscripto o seu nome".
Lamqua (1801-1860), também conhecido por Lin Gua ou Guan Qiao Chang terá sido um dos pupilos de George Chinnery (1774-1852) - embora este o negue* - durante vários anos em Macau até se ter afastado do mestre e montado negócios por conta própria em Cantão onde instalou um atelier na 13ª rua da feitoria.
Entre 1836 a 1855 Lam Qua fez uma série de retratos de pacientes chineses a receber tratamento do médico missionário dos EUA, Peter Parker (1804-1888). Foram essas pinturas que o tornaram o primeiro chinês a ter obras expostas no ocidente.
* vários autores o referem e até notícias de jornais de Cantão, por exemplo, em 1835...
Peter Parker retratado num quadro de Lam Qua 

Peter Parker chegou a Cantão em 1834 para levar a cabo a sua missão missionária na China e onde fundou um hospital de oftalmologia. Também em Macau o médico Parker estabeleceu um hospital entre Julho e Outubro de 1838 tratando muitos pacientes chineses com cataratas e tumores. Com o início da primeira guerra do ópio e a expulsão dos estrangeiros de Cantão o hospital de Cantão foi encerrado e Parker regressou aos Estados Unidos. Tratou cerca de 9 mil pacientes segundo relatos da época.
Antes de Parker, um outro médico do ocidente, Thomas R. Colledge (1797-1879) fizera trabalho semelhante. Em 1827 fundou em Macau um hospital oftalmológico que funcionou até por volta de 1832. Colledge saiu de Macau em Maio de 1838 rumo a Inglaterra. Desta sua experiência em Macau existem vários quadros pintados por... George chinnery.

Conhecem-se dois auto-retratos de Lam Qua; o primeiro data de meados da década de 1840  (acima); o segundo (abaixo) tem no verso uma inscrição em inglês onde se lê "Lamqua, aos 52 anos, por ele próprio, Cantão, 1853". E ainda uma inscrição em chinês com a data de 1854.

No livro Illustrations of China and its people publicado em Inglaterra em 1873/4, o fotógrafo John Thomson, que andou pela pela China, Macau e Hong Kong entre 1862 e 1872, inclui uma fotografia de Lamqua, na altura com atelier em Hong Kong.

Lamqua no atelier em Hong Kong fotografado por Thomson em 1871

Nesse livro Thomson afirma que "Lamqua foi um aluno chinês de Chinnery, notável artista estrangeiro falecido em Macau em 1852. Lamqua produziu um bom número de excelentes trabalhos a óleo, ainda hoje copiados pelos pintores de Hong-Kong e Cantão. Tivesse ele acaso vivido em outro país, e seria o criador de uma escola de pintura. Na China, seus seguidores não lograram captar o espírito de sua arte. Limitam-se a fabricar imitações servis, copiando obras de Lamqua ou de Chinnery, ou de outro qualquer, ou seja o que for, só porque tais imitações têm de ser concluídas e pagas num prazo determinado, a tanto por pé quadrado.
Há em Hong-Kong um número de pintores estabelecidos, mas fazem todos o mesmo tipo de trabalho com a mesma tabela de preços que variam de acordo com as dimensões da tela. 
Ocupam-se essencialmente da cópia para tela de fotografias. Cada atelier tem um autor de esboços que começa por cativar clientes como os marinheiros estrangeiros. Tais marinheiros encomendam o retrato de Mary ou de Susan, tão grande e tão barato quanto possível, e que deve estar pronto, emoldurado e embalado para seguir viagem em 24 horas. Os vários pintores do atelier dividem as tarefas do seguinte modo: um aprendiz dedica-se a pintar corpos e mãos, enquanto o mestre executa a fisionomia. Assim o trabalho é feito com inacreditável rapidez."

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Diário Náutico da Barca Maria Carlota

As imagens são do Diário Náutico da Barca Maria Carlota que fez durante muitos anos, a partir de 1855,  a rota entre Macau e Singapura. Em cerca de 200 páginas são relatadas essas viagens da Barca Maria Carlota, entre Macau Singapura.
Em baixo transcrevo um texto onde o auto refere detalhes sobre a barca construída em Portugal, nomeadamente sobre o dia em que foi lançada à agua no ano de 1854.
A marinha portugueza sempre foi distincta, quer pelos seus feitos militares desde D. Fuas Roupinho, no começo da monarchia, até aos commandantes do Belizario e lorcha Leão no mar da China em nossos dias, quer pela excellencia dos seus navios e aperfeiçoamento das suas construcções sendo ella a primeira que lhe introduzio o uso das varandas nas poppas e o forro de madeira e gála gála sobre o costado trazido da mesma China por Fernão Lopes em 1516, e quer finalmente pela habilidade dos seus officiaes que primeiro navegaram mares incognitos accusando aos seculos futuros o nome de Magalhães as suas aventurosas e longiquas descobertas.
Nem a inveja mais ignobil nem o orgulho mais insolente podem escurecer a ousadia daquelles portuguezes que em novembro de 1497 dobraram o Cabo da Boa Esperança ou no anno de 1519 circumdaram o globo pelo sul da America.
E posto que muitos detractores do que hé nacional procurem deprimir quanto ha de grandioso e optimo neste paiz, nem comtudo poderão negar que só em 1838 o almirantado de Inglaterra estabeleceo exames para habilitar os officiaes da sua marinha mercante quando em Portugal já estes eram por lei obrigados a faze los desde o reinado da senhora D Maria I.
Daqui resulta que tanto os navios como os mesmos officiaes têm sido em todos os tempos considerados como os melhores de todas as marinhas do mundo. Mas quando por qualquer respeito houvesse incredulos da preeminencia destes ultimos que precisam demonstrar a sua superioridade por factos mais ou menos notorios e susceptiveis de varia interpretação nem por isso a podem contestar aos navios que nesse Téjo e nos portos nacionaes e estrangeiros se não excedem aquelles rivalisam com quanto apresentam de melhor os construidos na India ingleza, na propria Inglaterra, America ou França.
Com effeito quem vio o Grão Careta, o Grão Canoa, o S Thiago, o S Domingos Enéas, o Principe, o Vasco da Gama, o Oceano, os Tres Reinos Unidos, o Duque de Cadaval e outros grandes navios de oitocentas a mil e duzentas toneladas, pertencentes as praças de Lisboa e Macau, não deixará de sustentar a sua primazia e hoje mesmo que tudo quanto hé portuguez está tão mal conceituado que nenhum maritimo ousará comparar o melhor navio estrangeiro ás galeras D Affonso e Adamastor, aos patachos Alfredo e Arrogante, aos brigues Zaire e Novo Viajante, e á escuna Magrico.
Enthusiastas pois do que havemos sido e somos máo grado de quem o nega e desconhece tivemos a curiosidade de ir a Porto Brandão examinar a barca Maria Carlota que o sr Joaquim Maria Osorio encommendou á illustrada intelligencia do engenheiro o sr Silva e confessamos sem receio de hum desmentido que este bello navio ha de honrar a sciencia dos constructores navaes portuguezes.
Hé bem lançado tem bonitas sahidas de agua, muita capacidade em relação ao seu pontal e quilha, e quanta solidez póde comportar hum vaso mercante susceptivel até de montar bôcas de fogo.
Dizemo lo assim não só por nos julgarmos hum pouco competentes na materia senão porque tivemos a boa fortuna de ouvirmos fazer igual juizo das qualidades nauticas do vaso aos srs conselheiros, inspector do arsenal e commandante da curveta Porto, commandante do vapor Terceira, lentes da escola naval e, mais que tudo, aos srs engenheiros constructores militares, Moraes e Sampaio, que emittiram a mesma opinião diante dos srs ministros do reino e da justiça, os quaes ali concorreram para honrar o merito do referido constructor e applaudir os bons desejos e esforços commerciaes que o sr Joaquim Osorio e o corpo do commercio portuguez que elle representava nessa occasião, manifestam e empregam com vantagem do seu paiz procurando lhe novos mercados e offerecendo lhe transportes de huma solidez e acabamento que pouco mais deixam a desejar.
Aquelle senhor e os seus amigos que esperavam a honra da visita de ss ex as e do escolhido acompanhamento de officiaes da armada e pessoas distinctas que os seguiam depois de largo espaço gasto no exame da linda barca Maria Carlota, offereceram lhes hum esplendido lunche de quasi quarenta talheres servido com huma profusão delicadeza e aceio dignos de todo o reparo.
Durante a comida fizeram se brindes adequados ao assumpto época e pessoas; o primeiro á prosperidade do corpo commercial portuguez e particularmente ao sr Joaquim Maria Osorio e seus amigos ali reunidos que o representavam, o segundo ao digno engenheiro constructor o sr Silva que tantas provas de merito exhibia sendo a ultima a factura deste decimo quarto navio que as coroava; terceiro, aos officiaes da marinha mercante portugueza mais habilitados do que o geral dos da sua classe nos outros paizes representados todos pelo sr capitão daquella barca; quarto, aos officiaes da marinha de guerra nacional representados igualmente pelos srs commandantes presentes, inspector, constructores e lentes da escola naval; e por ultimo, á honra, gloria e prosperidade do povo portuguez representado pelos ministros que tantas sympathias vão adquirindo pelos desejos que patenteiam de fomentar a industria do paiz concorrendo para o maior goso de liberdade e bem estar dos cidadãos.
O sr ministro do reino n hum pathetico e brilhante improviso deixou os circumstantes extasiados e deu lhes as mais esperançosas rançosas seguranças de que o governo se não conseguisse preencher aquelle desejado sim pelo menos contava aplanar difficuldades que a isso se oppunham.
O sr Osorio com grande effusão do coração teve a habilidade de resumir em poucas palavras os sentimentos que todos queriam manifestar no que foi muito applaudido e o sr Sampaio a quem se dirigiram merecidos louvores como representante da imprensa portugueza explicou, em nome da mesma, a sua maneira de proceder e quanto toda ella agrupada a qualquer systema politico se empenhava em honrar a patria e prestar lhe serviços.
O dia 18 de outubro de 1854 estava lindo como lindo debaixo deste céo de Portugal hum dia de outono vendo se a cinco leguas de distancia as penhas de Cintra, sem huma nuvem, o mar de leite, muitos navios relaxados da quarentena de panno largo, impellidos apenas pela maré de cheio, o rio coberto de embarcações, o escaler dos ministros abicado å praia com os seus vinte e quatro remeiros de uniforme e bem vestidos, outro escaler do arsenal com doze homens, igualmente uniformisados, as bellas canôas do inspector dos commandantes Silva, e Sette embandeiradas formavam hum espectaculo delicioso e como que promettendo á nova barca proxima a fender as vagas os mais gratos e fagueiros destinos.
Assim a Providencia o permitta para proveito dos emprezarios a quem ella pertence e deste reino em geral que fantos inimigos calumniam.
in Folhetins Marítimos, Joaquim Pedro Celestino Soares, Lisboa, 1861

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

No tempo do cinema "mudo"

A propósito do post sobre o Cinematógrafo Victoria, vários leitores contactaram-me solicitando mais informações sobre o cinema em Macau nos primeiros anos do século 20. Recorro a algumas imagens e a um excerto de um texto da autoria de Henrique de Senna Fernandes para satisfazer a curiosidade.
"Em 1919, o «Vitória» achava-se sob a gerência de Filipe Hung, figura popular e simpática de empresário que deu grande dinamismo ao cinematógrafo. Empenhava-se em satisfazer a sua freguesia, auscultava o gosto da cidade, escolhia os melhores filmes e ia a Hong Kong discutir com as companhias distribuidoras para trazer magníficas produções que, por vezes, eram exibidas antes mesmo que na colónia vizinha. Generoso e profundamente católico, dedicava com frequência o produto das sessões cinematográficas dum dia para beneficência ou para ajudar irmandades ou agremiações desportivas.
Deste espírito de empresário, que já não vemos hoje, faz-se eco «O Macaense» de 5 de Outubro de 1919: «Animatógrafo Vitória» «Fomos informados de que o rendimento líquido dos espectáculos cinematográficos, realizados na noite de 1 do corrente, foi de $ 240 (importância algo vultuosa para a época), quantia que, por gentileza da nova empresa exploradora do Animatógrafo Victoria, vai ser entregue à Mesa da Confraria de Nossa Senhora do Rosário para as despesas das obras a realizarem-se na igreja de S. Domingos. «Houve duas sessões cinematográficas e à segunda, a que assistimos, esteve o salão literalmente cheio de espectadores. Tocou a Banda Municipal que, pela execução precisa sob a magistral direcção do sr. Alessio Benis, mereceu dos espectadores calorosos aplausos». Filipe Hung, de quem nos lembramos ainda passeando pela cidade no seu conhecido «side-car», desligou-se do «Vitória», em fins de 1921, abrindo, em 3 de Fevereiro do ano seguinte, o «Animatógrafo Macau», no mesmo edifício em que anos atrás estivera o«New Macao Theatre». E anunciava o facto no jornais, da seguinte maneira: «Após as obras a que se se procedeu, ficou sendo este Animatógrafo a melhor casa de espectáculos da Colónia. «Sempre em exibição as melhores e modernas fitas das afamadas casas Universal, Paramount, etc... «Mudança de programa quatro vezes por se-mana, às 2as., 4as., 6as. e Sábados. «Vinde ao mais popular Animatógrafo de Macau». Com a saída de Filipe Hung, não fechou, porém, o «Vitória». 
Em 3 de Março de 1922, uma nova empresa inaugura a sua exploração com um programa especial de vaudeville, pantomima, danças e canções, terminando com uma exibição cinematográfica."


jornal A Colónia 4 Maio 1918

Fachada da Av. Almeida Ribeiro/ San Ma Lou

Anúncio de 1921


No Anuário de Macau relativo a 1922 Filipe Hung surge como gerente do Animatógrafo Macau localizado na Avenida do Coronel Mesquita. Esta indicação já estava desactualizada na época. O troço de estrada entre a Praia Grande e o Largo do Senado já foram completado, dando por finalizada a ligação entre o Porto Interior e a baía da Praia Grande sendo que a avenida passou a chamar-se Almeida Ribeiro.
Refira-se que o cinema foi muito bem acolhido pela população. Na Feira Industrial de 1926 teve mesmo direito a um pavilhão autónomo - Pavilhão do Cinematógrafo - explorado pela Empresa Cinematográfica Macaense de Mário Borges & Ca.
Esta companhia fez vários filmes/documentários em Macau na década de 1920. Onde estarão?

domingo, 25 de dezembro de 2022

Christmas and the New Year in Macao

Excerto de "Kathay: A Cruise in the China Seas", livro da autoria de W. Hastings Macaulay,  publicado em Nova Iorque no ano de 1852. 

Christmas was passed by me a valetudinarian at Macào, the ship having left me there, in hospital, on her passage from Hong Kong to Whampoa. On Christmas eve I visited the different churches, all Roman Catholic, of course. They were brilliantly illuminated and filled principally with females who knelt upon the bare floors whilst services suitable for the occasion were performed. All the churches were opened and in that of San Augustinho heard some pretty good singing by boys. The old year was allowed to pass out and the new year come in without much eclât at Macào, indeed they are a dull set - the Macanese, and if the Chinese had any courage they could soon dislodge them.
Upon the 2d of January the removal of the remains of ex Governor Da Cunha*, from the government house to the church of San Francisco, took place. The corpse was accompanied by the troops and clergy, and the dead Governor vacated in favor of a living one, soon expected from Lisbon.
In my walks outside of the town along the beach I noticed some Chinamen fishing; their net was very extensive and staked down on the beach to its sides were attached. (...)
Witnessed an inspection drill of the Macào Militia. They were out in considerable numbers and were clothed in a neat dark green uniform, but did not appear very perfect in the manual. (...)
Strolling about one afternoon, I came upon an old graveyard on the top of a barren hill, off from the Governor's road, about two miles from the Campo gate. (...)
After three days hard work the ship was got out of the Typa and on the 29th of January (the anniversary of our departure from the United States**) got under way with the intention of steering for Manilla, but adverse winds and strong tides forced us to put into Hong Kong where we found it convenient to lay in additional stores.
Before we left Macào, the Portuguese corvette Don Joao Primero, had landed the new Governor Cordoza**. On the morning of the 1st of February got under way and stood out of the harbor of Hong Kong destination Manilla. (...)


* Pedro Alexandrino da Cunha, foi governador apenas 37 dias, entre 30 de Maio  (chegou no dia 25) e 6 de Julho de 1850, quando morreu de cólera.
** Partiram de Massachusetts a 29 de Janeiro de 1850.
*** Francisco António Gonçalves Cardoso, foi governador entre 3 de Fevereiro de 1851 e 19 de Novembro de 1851.
A Praia Grande vista de Norte para Sul numa pintura
cuja autoria é atribuída ao pintor chinês Tingqua.
Imagem não incluída no livro referido.
Tradução
Natal e Novo Novo em Macau
O Natal foi passado por mim como valetudinário em Macau, tendo-me lá deixado o navio, no hospital, na sua passagem de Hong Kong para Whampoa. Na véspera de Natal visitei as diversas igrejas, todas católicas romanas, claro. Estavam brilhantemente iluminadas e repletas principalmente de mulheres que se ajoelhavam no chão nu enquanto os serviços adequados para a ocasião eram executados. Todas as igrejas estavam abertas e na de Santo Agostinho ouviu-se uma bela cantoria dos meninos. O ano velho passou e o ano novo entrou sem muito brilho em Macau, na verdade eles são muito monótonos - os macaenses, e se os chineses tivessem alguma coragem poderiam em breve desalojá-los.
No dia 2 de janeiro ocorreu a remoção dos restos mortais do ex Governador Da Cunha*, da casa do governo para a igreja de São Francisco. O cadáver foi acompanhado pelas tropas e pelo clero, e o governador morto desocupado em favor de um vivo, que deverá vir de Lisboa.
Nas minhas caminhadas fora da cidade, ao longo da praia, reparei nalguns chineses  à pesca; a rede era muito extensa e estacada na praia, preso por vários lados. (...)
Assisti a um exercício de inspecção dos militares de Macau. Estavam em número considerável e vestidos com um uniforme verde-escuro elegante, mas não pareciam muito perfeitos no manual. (...)
Passeando por volta da uma tarde, cheguei a um velho cemitério no topo de uma colina estéril, fora da estrada do Governador, a cerca de duas milhas da porta do Campo. (...)
Depois de três dias de trabalho árduo, o navio saiu da rada da Taipa e no dia 29 de Janeiro (aniversário da nossa saída dos Estados Unidos**) partiu com a intenção de navegar para Manila, mas ventos adversos e fortes marés obrigaram-nos a ficar primeiro por Hong Kong.
Antes de partirmos de Macau, a corveta portuguesa D. João I, desembarcou o novo Governador Cardoso***. Na manhã do dia 1º de fevereiro partimos de Hong Kong com destino a Manilla. (...)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Presentes do Ano Novo e de Natal em 1931

Nesta quadra convido-vos a viajar até Macau em Dezembro de 1931. Da imprensa local seleccionei dois anúncios - Casa O.C. Moosa e Agência Mercantil Económica, ambas na Avenida Almeida Ribeiro - alusivos a presentes para o Ano Novo e para o Natal.
A Voz de Macau 

Eco Macaense

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Postal "S. Pauls Ruins Macau": 23 Dezembro 1904

Na imagem um postal ilustrado da "S. Pauls Ruins Macau" - ruínas de S. Paulo - enviado de Macau a 23 de Dezembro de 1904 - há 118 anos - tendo manuscrita uma mensagem de boas festas.
"Warm greetings and very good wish for the new year. 2, Boa Vista, Macao. 23/12/04"

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Há de tudo como na Farmácia

Não é preciso recuar ao século 19 para ver exemplos sobre a origem da expressão "há de tudo como na farmácia". Da primeira metade do século 20 seleccionei três anúncios da "Pharmácia Popular" (fundada em 1895). Da década de 1910 para a de 1920 passou a usar-se a palavra Farmácia.
Anúncio de 1910: vinho, cerveja, whisky, detergente...

"Selos postaes, industriaes e de imposto e papel sellado": 1910

Anúncio de 1921

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Soneto de Camilo Pessanha em 1926


Boletim Geral das Colónias, nº17, Novembro de 1926

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Postal "Rua Avenida Almeida Ribeiro"

Neste postal ilustrado dos primeiros anos do século 20 é apresentada uma perspectiva rara da Avenida Almeida Ribeiro, neste caso, junto ao Porto Interior. É uma edição de M. Sternberg. 

Legenda: "Rua Avenida Almeida Ribeiro, Macao". A referência "rua" é uma gralha. O nome "Almeida Ribeiro" para aquela avenida remonta a 1913. A avenida que ligou o Porto Interior à baía da Praia Grande foi feita em várias fases: começou em 1911 e só terminou em 1919.

domingo, 18 de dezembro de 2022

Cinematografo Victoria

Um notícia publicada no jornal A Verdade a 13 de Janeiro de 1910: "Inaugurou-se, na noite de domingo (8 de Janeiro), o novo teatro de cinematógrafo 'Vitória', construído sobre o terreno onde existia o edifício da Cadeia Pública. Agradecemos o convite que gentilmente nos foi feito para assistirmos à inauguração."
O referido cinematógrafo funcionou antes, em instalações provisórias num "barracão" na então denominada Rua da Cadeia, junto ao Largo do Senado.

Jornal A Verdade: 13.1.1910

A 20 de Junho de 1910 há registo do "trespasse do terreno onde se acha instalado o cinematógrafo Vitória, feito em nome de Bartolomeu Barreto a Ramon Ramos".
Ramon Ramos foi também o fundador de um cinematógrago em Hong Kong, primeiros em instalações provisórias e depois, em 1910, num edifício com o nome Victoria Theatre.
Nos primeiros anos eram projectados filmes mudos de curta duração. Veja-se por exemplo o programa dos dias 5 e 6 de Fevereiro de 1911 num total de 8 pequeno filmes, divididos por duas sessões com um intervalo de 10 minutos entre cada sessão: 
1ª sessão - Nick Carter e os ladrões; A loucura da Cristalina; Casaco animado; O amor mágico em jogo. 10 minutos de intervalo. 2ª sessão - As abelhas; A Rosa de Ouro; Os pacientes do Dr. Pudiente; O empregado perigoso.
Em 1915 a Illustração Portuguesa na edição de 20 de Dezembro publica uma fotografia do cinema - imagem acima - com a seguinte legenda: "O novo cinematografo 'Vitoria' na Avenida Almeida Ribeiro. Tem lugares para 1:200 espetadores". 
O edifício ficava numa esquina: A Avenida Almeida Ribeiro fica do lado esquerdo e do lado direito a Rua dos Mercadores. Em 1915 a referida avenida ainda não ligava totalmente o Porto interior à Praia Grande, havendo um troço do Largo Senado à Praia Grande que se denominava Av. do Coronel Mesquita.
Anúncio de 1921

Em cima um anúncio de 1921 publicado num jornal de Macau: "Cinematografo Victoria. A melhor casa de espectaculos do genero, em Macau. Mudança de programa quatro vezes por semana. Sempre em exibição as ultimas novidades sensacionais em filmes das melhores casas mundiais." 

sábado, 17 de dezembro de 2022

120º aniversário do BNU Macau

O BNU celebrou este ano - 20 de Setembro - 120 anos de actividade em Macau, sendo o banco português mais antigo e o primeiro emissor de moeda do território.
Anúncio de Janeiro de 1932 no jornal A Voz de Macau

Excerto do Boletim da Província de Macau e Timor de 3 de Abril de 1890:
"Tendo-se suscitado duvidas em algumas das províncias portuguesas do ultramar sobre a epocha exacta da expiração do praso de previlegios, concedidos ao Banco Nacional Ultramarino por carta de lei de 16 de Maio de 1864, e prorrogados por carta de lei de 27 de Janeiro de 1876, e solicitando também o dito Banco a definição oficial da referida epocha, Sua Magestade El-Rei, havendo presentes os preceitos das duas citadas leis, e dos decretos de 12 de Novembro de 1864, 13 de Setembro de 1865 e 22 de Abril de 1869, e conformando-se com o parecer do conselheiro procurador geral da corôa e fazenda, datado de 10 do corrente. 
Ha por bem mandar declarar aos governos e governos geraes das aludidas provinciais, e bem assim ao indicado Banco Nacional Ultramarino:
1º - Que no dia 13 de Setembro de 1890, cessarão para o Banco Nacional Ultramarino os privilégios da fundação e administração exclusivos de estabelecimentos bancários no ultramar e isenção do pagamento de contribuições e impostos, e a dispensa do serviço de cargos públicos e municipais para os seus empregados nas províncias ultramarinas.
2º - Que, em igual dia de 1900 cessará o exclusivo da emissão de notas nos domínios ultramarinos, Macau exceptuado, onde não existe.
O que tudo, pela secretaria d’estado dos negócios da marinha e ultramar, se communica ao governador da província de Macau e Timor, para seu conhecimento e devidos effeitos. - Paço, em 5 de Fevereiro de 1890 - a) João Marcelino Arroyo.”
100 patacas - 1919

Apesar da data de aniversário - 20 de Setembro de 1902, data da abertura da agência ao público - a 8 de Agosto de 1902 foi registada uma transferência bancária telegráfica de Londres, feita pelo primeiro gerente do BNU Macau, Félix Duarte Costa, no valor de 600 libras, através do Hong Kong and Shangai Bank.
A 30 de Novembro de 1901, o BNU assinou em Lisboa um contrato com o Estado onde se obrigava a estabelecer, no prazo máximo de noventa dias, caixas filiais em Luanda, Benguela, Nova Goa, S. Tomé, S. Tiago de Cabo Verde, Moçâmedes e Moçambique, e, no prazo máximo de seis meses, agências na Ilha do Príncipe, Bolama, Cabinda, Inhambane, Quelimane e Macau.
Mas voltemos a 1902...
Em 20 de Setembro desse ano a agência abriu portas no nº 9 da Rua da Praia Grande com um capital de 25.119,85 patacas, através de créditos obtidos pela sede, em nome do gerente Félix Costa, no Hong Kong and Shangai Banking Corporation. 
Foi Félix Costa quem contratou para trabalhar no banco  um guarda livros, 2 escriturários e um servente. Os vencimentos mensais do pessoal oscilavam entre as 509 patacas (para o gerente) e as 5 patacas (do servente). 
Ainda durante o mandato de Félix Costa foram emitidas as primeiras notas próprias de Macau - começaram a circular em Janeiro de 1906 - e foi transferida a agência para o antigo Palácio das Repartições (onde está hoje o antigo Tribunal, frente à estátua de Jorge Álvares, onde se manteve até à inauguração do edifício-sede do BNU Macau em 1926.
Com Félix Costa foi ainda nomeada a primeira representação do banco em Hong Kong, a firma Rozário & Cia. 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Novo botequim "Portugal"

Botequim foi um termo usado durante o século 19 e até à primeira metade do século 20 para designar um estabelecimento comercial onde se serviam bebidas alcoólicas, refrigerantes, cafés, comidas leves e os chamados produtos de mercearia.
in jornal Vida Nova, 27.2.1920

Na primeira metade do século 20, a Rua do Campo, onde ficava este "Botequim Portugal", tinha vários espaços comerciais do género. João José Pedro, o proprietário, destacava no anúncio o "chouriço de carne e sangue, preparado pela forma de Castello de Vide com o maior asseio".

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Carta para a I. M. Customs em 1911

Esta carta com carimbo da Direcção dos Correios de Macau (9.9.1911) é dirigida a F. R. Graça da Cruz que trabalhava na I. M. Customs (Imperial Maritime Customs Service, criado em 1854 e extinto apenas em 1949), os serviços alfandegários chineses, em Swatow (Shantow), um porto da província de Cantão localizado a cerca de 200 kms de Hong Kong.
Swatow era apenas um dos vários postos alfandegários chineses existentes. Embora da responsabilidade das autoridades chinesas, no terreno, este serviço que cobrava taxas aduaneiras sobre as cargas transportadas pelos navios, era chefiado por estrangeiros, sobretudo britânicos. Porquê?
Tudo começa com o Tratado de Nanquim (1842), no final da primeira guerra do ópio, ganha por Inglaterra à China. No final os ingleses 'ganharam' Hong Kong e obrigaram a China a acabar com o monopólio do comércio abrindo um total de cinco cidades ao comércio com o exterior: 
Cantão, Xiamen, Fuzhou, Ningbo e Xangai. Vão chamar-se as cidades portuárias do tratado.
Ao longo dos tempos mais cidades chinesas irão receber este mesmo estatuto.
Voltando à I. M. Customs, o estrangeiro que mais tempo esteve como responsável máximo foi o irlandês Robert Hart, de 1863 a 1911. Nessa qualidade tentou por pelo menos duas vezes fazer com que Macau passasse a ter o mesmo estatuto. As duas tentativas ocorrerem em 1868 e em 1891, mas ambas falharam já que Portugal recusou a oferta financeira. A 26 de Junho de 1891, o ministro português dos Negócios Estrangeiros respondeu que Portugal considerava Macau como "a jóia mais brilhante da coroa".

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

O estúdio de Floyd em Macau

William Pryor Floyd (1834 - c.1900) nasceu em Cornwall, Inglaterra, e é considerado um dos fotógrafos ocidentais de maior sucesso estabelecido no Sul da China entre 1863 e 1874.
Por volta de 1863, com 31 anos, Floyd trabalhou como assistente no estúdio fotográfico de R. Shannon & Co., em Xangai. Daqui mudou-se para para Macau onde instalou um estúdio na zona sul da Praia Grande, dedicando-se sobretudo aos retratos mas sempre fotografando as várias cidades costeiras da China, bem como Macau e Hong Kong. Em simultâneo passou a colaborar no conceituado estúdio de fotografia de Hong Kong, o Silveira & Co.,  de que mais tarde, em 1867, viria a ser proprietário. Mas não se ficou por aí. Na então colónia britânica viria ainda a criar a 'Victoria Photographic Gallery'  (activa até 1872) da empresa com o seu nome, a Floyd & Co.
Em anúncios que publicou na imprensa no ano de 1868 informava possuir séries de fotografias das cidades de Hong Kong, Cantão, Macau, Amoy e Foochow.
No final de 1874 Floyd publicou um pequeno livro de 17 páginas intitulado "The Typhoon -  Hongkong, September, 1874". Alusivo aos efeitos do tufão que assolou o Sul da China em  Setembro de 1874. Nesse livro, T. Preston, do Hong Kong Times, assina o prefácio onde escreve "Macao, a small peninsula belonging to Portugal, - suffered worse even than Hong Kong; being left literally a colossal ruin." / "Macau, uma pequena península pertencente a Portugal, - sofreu ainda mais do que Hong Kong; ficando literalmente uma ruína colossal."
Em 1875 Floyd vendeu o negócio e mudou-se para as Filipinas. Morreu ca. 1900
Fotocomposição com 4 fotografias da Praia Grande da autoria de Floyd tiradas ca. 1870

Duas notícias publicadas no ano de 1866 no jornal The Hong Kong Daily Press provam a existência em Macau de um estúdio de fotografia do "Sr. Floyd". A primeira é de 25 de Janeiro de 1866 com o título "Fire at Macao / Incêndio em Macau" e dá conta de um incêndio que destruiu o estúdio localizado na zona sul da Praia Grande. A notícia é feita tendo por base declarações do próprio Floyd.

The Hong Kong Daily Press: 25 Janeiro 1866
Fire at Macao – We have received accounts from Macao of the destruction by fire of Mr. Floyd’s photographic establishment at that place. He says “on Friday last about 8.30 A.M. two Chinese came to my place and were conversing near the window of the waiting room on the west side of the building; shortly after one came and addressed me, the other remaining near the window as above mentioned, the former wishing to learn the business and to purchase apparatus &c. I invited him inside and had verbally agreed to prices &c. 
About 2.30 P.M. whilst taking a cup of coffee in the Hotel, fire broke out on the west side and near the window of the waiting room; in less than fifteen minutes the entire building was in flames from end to end. I ran into the burning building and saved a camera which had just caught fire a chair and a pedestal; these are all that I saved from the fire, with the exception of a few chemicals that were in the Hotel. I cannot overestimate my loss as the goods cannot be replaced in this country.”

"Recebemos relatos de Macau sobre a destruição por incêndio do estabelecimento fotográfico do Sr. Floyd naquele local. Diz ele que "na sexta-feira cerca das 8h30 da manhã dois chineses vieram ao meu estúdio e estavam à conversa perto da janela na sala de espera no lado oeste do edifício e logo depois, um dirigiu-se a mim, enquanto o outro permaneceu perto da janela como mencionado acima, o primeiro desejando aprender o negócio e comprar aparelhos etc. Convidei-o a entrar e acertamos preços. 
Por volta das 14h30, enquanto tomava um café no Hotel, o fogo começou na ala oeste e perto da janela da sala de espera; em menos de quinze minutos todo o prédio estava em chamas de ponta a ponta. Dirigi-me ao edifício e conseguiu salvar uma câmera que tinha acabado de pegar fogo a uma cadeira e um pedestal; isto é tudo o que salvei do incêndio, com excepção de alguns produtos químicos que estavam no Hotel. Não posso fazer uma estimativa do que perdi já que nada pode ser substituído neste país.”
Apesar do incêndio onde Floyd garante ter perdido praticamente tudo, um anúncio de 25 de Agosto de 1866, no mesmo jornal, informa que o negócio está activo, pelo que Floyd não terá perdido todos os negativos.
Fotografia. O abaixo-assinado implora para chamar a atenção dos Excursionistas que visitam Macau, para o seu conhecido estabelecimento de Insuperável Carteirinha de Retratos. Uma Visita confirmará esta afirmação. Os pedidos podem ser encaminhados para Hong Kong através de um Agente, para qualquer endereço, a serem pagos na entrega, ou seja, $ 4 para a primeira dúzia, ou $ 9 para 3 dúzias, incluindo o negativo, que serão encaminhados com as notas de encomenda.
W. P. FLOYD, Artista fotográfico. Praia Grande, Sul,
Macau, 6 de Agosto de 1866 
Photography
The Undersigned begs to call the attention of Excursionists visiting Macao, to his well-known establishment for Unsurpassed Card Portraiture.
A Visit will confirm this assertion. Orders can be forwarded to Hongkong through an Agent, to any address, to be paid for on delivery, viz., $4 for the first dozen, or $9 for 3 dozen, including the negative, which will be forwarded with the Orders.
W. P. FLOYD,
Photographic Artist.
Praya Grande, South, Macao, 6th August, 1866

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Foto-legenda: Hortas nos aterros do Porto Exterior

 

Informação adicional sobre hotel Matsuya aqui e sobre as hortas doPorto Exterior aqui

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Antes e Depois: Cruzamento San Ma Lou/Praia Grande

Década 1950: à esquerda o hotel Riviera e à direita o BNU no cruzamento da Av. Almeida Ribeiro/San Ma Lou com a Rua da Praia Grande (actual Avenida da Praia Grande)
Década 2010: à esq. sucursal do Banco da China e à direita edifício sede do BNU

domingo, 11 de dezembro de 2022

O nº 101 da Praia Grande em 1870


Circular
SENHORES SAYLE & Co de Hongkong tem a satisfação de informar aos habitantes desta cidade que elles estabelecerão nas casas nº 101 'Praia Grande' que estarão desde segunda-feira 4 de abril proximo, á venda um grande sortimento de varias fezendas consistindo em bonitas cambraia e chita franceza, granadines e alpaca lizos e floreados, seda preta liza e com flores, chapeos de cavalheiros e senhoras, gravatas de seda, collarinhos para camizas, meias compridas e curtas, sombreiros de seda e um grande sortimento de fazendas de varias qualidades e de moda.
Macau 26 de Março de 1870
Anúncio publicado no Boletim da Província de Macau e Timor

PS: Neste nº 101 da Rua da Praia Grande - rua desde 1863 - surgiria em 1878 o Hing Kee Hotel. Na época aquela que era considerada "a rua principal da cidade" tinha ali  as únicas duas boticas (farmácias), a Lisbonense e a de J. das Neves e Sousa.

sábado, 10 de dezembro de 2022

Felipe Canevaro e o comércio de cules

Entre 1847 e 1874 mais de 250.000 emigrantes chineses contratados (os cules ou 'coolies') saíram de Macau e de outros portos do Sul da China para a América Latina onde iam trabalhar em plantações, exploração de minas e construção de caminhos de ferro, em condições de semi-escravidão. Para responder à procura de mão-de-obra na América Latina, constituiu-se uma rede de recrutamento e de tráfico internacional com participação de capitais e de empresários de varias nações ocidentais, como a França, o Reino Unido, os Estados Unidos da América e a Espanha, entre outras. 
Entre esses empresários estava a família italiana Canevaro, de Génova. Felipe Canevaro foi agente de recrutamento de cules em Macau. 
Esta carta, com o carimbo pessoal de Felipe Canevaro, foi enviada de Macau para Cuba - via Marselha - a 30 de Março de 1867. Passou por Hong Kong (selos adesivo), chegou a Londres a 13 de Maio desse ano e ao destino final, Cuba, a 19 de Junho desse ano.

Em cima um contrato de Maio de 1868 firmado entre Felipe Canevaro e o cidadão chinês Lo Lee de 26 anos - "Contrata del chino Lo Lee con Felipe Canevaro y Cía" - para trabalhar no perú.
Particularidades deste contrato: havia uma versão em chinês; o cidadão chinês assinou com impressão digital do dedo; tem o carimbo do consulado do Perú em Macau; assinaturas do Procurador (do Expediente Sínico) António Marques Pereira, do representante da empresa, Felipe Canevaro, do cônsul do Perú em Macau, Felipe La Torre Bueno e do Superintendente da emigração, Bernardino de Senna Fernandes.
No Boletim da Província de Macau e Timor, 4.7.1868 surge referenciado o nome de Felipe Canevaro num relatório do responsável pela emigração chinesa, Bernardino de Sena Fernandes que já pedira a exoneração do cargo para o qual foi nomeado interinamente pelo governador José Maria da Ponte e Horta em Abril desse ano.
"(...) Apraz me muito significar a V Ex que os agentes Filipe Canevaro y Ca com quem estava contractado o refferido emigrante consentiram em restituilo a sua mae sem quererem receber a importancia de despezas feitas com o mesmo e nem as 18 que lhe foram abonadas tendo até recusado acceitar as 8 que esse emigrante recebeo directamente dos ditos agentes e que a mae d elle se offereceo a pagar lhes. Do mesmo modo se houve o capitão Nattini entregando á sua mae um emigrante que estava contractado com elle sem receber a compensação de despezas feitas com esse emigrante a que aliás tinha todo o direito acção tão generosa é muito digna de louvor e faz muita honra aos que a praticam. 
Deus guarde & V Exa.
Superintendencia da emigração chineza - Illmo e Exmo Sr José Maria da Ponte e Horta governador de Macau e Timor - B. S. Fernandes, Superintendente da emigração chineza
Macau, 27 de Junho de 1868"