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terça-feira, 31 de março de 2020

O Diário de Auguste Borget: Península e Largo do Senado

Macau, 10 de Janeiro de 1839

A Península de Macau faz parte da grande Ilha do mesmo nome, à qual se liga por um istmo de trezentos a quatrocentos metros de largura, inteiramente atravessado por uma muralha pouco elevada, no meio da qual deixaram uma porta que nenhum europeu pode atravessar, porque do outro lado é um posto de mandarins. A certa distância desta barreira, do lado da península, fica um templo bastante bonito, no meio de um espaço murado. Em frente, e do lado do Porto Interior, entra-se num pátio cercado por uma bela balaustrada aberta em dois lados, de modo a deixar uma passagem, a qual é muito frequentada. Nunca consegui entrar no templo, apesar de vários esforços que fiz para tal, pois o mistério deste lugar tinha para mim forte atracção. Cada vez que atravesso o pátio ouço o ladrar de cães que não deixam nunca sair e que vejo através das grades. Este templo encosta-se à esquerda a uma colina guarnecida de alguns pinheiros e na qual há um outro templozinho, tão perfeitamente dissimulado sob as árvores magníficas que o rodeiam que, a primeira vez que vim desenhar ali muito perto, não suspeitei da sua existência. Chega-se lá por uma escada em mau estado; depois de entrar a porta, sobre a qual ainda se vêem distintamente as inscrições de que estava coberta outrora, apenas vi um telhado sustentado por quatro colunas de madeira, debaixo do qual não resta nem altar, nem ornamentos de qualquer espécie. Nunca encontrei, nesta ruína, senão chineses miseráveis, sem rabicho, o que me fez saber que era um lugar de asilo onde os culpados estão em segurança; isto explica a deterioração e o abandono do templo que nada mais conservou da antiga personalidade e serve agora de cozinha aos malfeitores que nele se vêm refugiar.
O Largo do Senado num mapa do final do século 19
Macau, 22 de Fevereiro de 1839
O Largo do Senado, que é o maior de Macau, separa a cidade chinesa da portuguesa e é aí onde os estrangeiros mais se misturam com os locais. O Senado ocupa uma das suas extremidades; na outra, e num recanto, encontra-se a Igreja de São Domingos, junto da qual desemboca uma rua chinesa. É precisamente aqui que venho de manhã para desenhar os grupos chineses, porque estou mais à vontade que no bazar onde há sempre multidão, o que me tira a possibilidade de trabalhar, enquanto que neste canto assisto ao espectáculo que quero pintar, e vejo os meus actores agitarem-se sem ser incomodado pelo seu movimento. Uns não mudam de lugar; são os serralheiros, os barbeiros, os sapateiros, os vendedores de comestíveis e os de comida feita; mas os fregueses vão e vêm sem cessar, aos encontrões e acotovelando-se; algumas senhoras portuguesas, cabeça embiocada num xaile de algodão colorido e seguidas de um moleque que transporta a sombrinha aberta, vêm diversificar esta multidão. 
Os serralheiros batem o ferro, enquanto o fogo é atiçado pelo fole cilíndrico, cujo êmbolo se move horizontalmente; ao lado faz-se bicha à volta do barbeiro que rejuvenesce todo o que lhe passa pelas mãos: nada mais curioso de ver que um chinês a quem se acaba de rapar a cabeça, se entrançou o rabicho cuidadosamente e se limpou tudo o que ele próprio negligencia; ainda todo húmido da completa ablução a que foi submetido, põe-se ao sol e estende-se aos seus raios ardentes com uma volúpia que nós não saberíamos compreender, nós europeus a quem tais delícias trariam uma terrível constipação ou mesmo uma congestão cerebral; mas têm o crânio para o sol que têm. Será mais espesso do que o nosso, ou o hábito ter-lhe-á tirado a susceptibilidade? Não saberei dizê-lo; mas decerto que a Providência nunca se descuida.
Ao lado, o sapateiro deixa o sapato que faz, para atender a um trabalho mais premente: calçado levemente avariado que pede reparação imediata; mas é à volta dos vendedores de comestíveis e sobretudo dos de comidas que há o maior movimento. É aqui que se deve estudar a fisionomia chinesa, observando os compradores e os vendedores, a vigiarem com atenção a balança romana que serve para pesar os artigos, uns para terem melhor peso, os outros para tentarem dar o menos possível, e todos discutindo os preços com vivacidade. Um pouco mais longe, uma figurinha bem alimentada, sentada à vontade, saboreia o cheiro das especialidades que o cozinheiro acaba de pôr na sua frente em pratinhos pequenos, enquanto o seu vizinho pobre calcula, antes de pedir o jantar, se lhe restará dinheiro para o dia seguinte; num canto, um outro homem disputa, e muitas vezes em vão, algumas folhas, alguns pedaços desdenhados, aos enormes porcos que formigam por toda a parte. Assim, sempre o antagonismo do pobre e do rico, e o triunfo das instituições que imprime em cada um o respeito da propriedade.(...)
Excertos dos diários de Auguste Borget, pinto francês que viveu em Macau em meados do século 19.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Antes e Depois: Santa Sancha vista da Penha

Cerca de 100 anos separam estas duas imagens do Palácio de Santa Sancha
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domingo, 29 de março de 2020

"Um cantinho português na China"

"Um Cantinho Português na china" é o título do artigo de página inteira da autoria de Lima Figueirêdo publicado na edição de 31 de Maio de 1941 da "Revista da Semana: publicação de arte, literatura e modas" (Brasil). O autor esteve no território e escreve em português do Brasil.

Depois de desvendarem terras e mais terras, cujos mistérios deixaram de existir para a gente branca, os portugueses se viram, de um momento para outro, despojados de quase tudo que haviam conquistado com energia e valor. Ingleses e bátavos sempre é alheta dos descobridores, procuravam inverter, em favor dos seus pavilhões, as regiões ferazes que iam topando pelo mundo fora. E, como sucedeu no Brasil, lutas heróicas foram travadas na defensão do chão em que Vasco da Gama, Cabral, Afonso de Albuquerque, Rafael Perestrelo, Fernão Peres de Andrade e muitos outros cravaram a bandeira lusitana. 
À força das armas quase nada conseguiram, porém com o tempo, galgando com mais facilidade o aclive do progresso, conseguiram tudo, ou melhor quase tudo, que vinham há séculos desejando. Portugal sentiu seu império minguar sem ter forças para defendê-lo, como outrora fizeram seus impávidos avoengos. 
E hoje? O perigo se acentua. Moçambique e Angola na África, Macau, Timor, Timorlau e Goa na Ásia continuam, pela fraqueza da metrópole, a desafiar cobiças dos povos fortes que querem a hegemonia do mundo, ou das raças prolíficas e de notável engenho empreendedor, as quais procuram novas terras sob o argumento da necessidade de um lugar ao sol.

Macau, outrora conhecida por Amagau e chamada Ngaomen pelos chins, foi por estes cedida em 1557, mercê dos auxílios recebidos dos portugueses, para pôr um paradeiro nas ações ousadas dos piratas que infestavam aquelas ínvias paragens. Há quem afirme que o nome Amagau veio de Ma Kok Miu ou "Templo da Deusa Ama", sob a proteção da qual ficaram os lusos com aquele cantinho o guisa de entreposto de compra e venda. Dia a dia Macau crescia de importância pelo montante das transações que nela eram levadas a efeito. O britânico, entretanto, não gosta de ficar longe de any part onde esteja jorrando ouro, e por fas ou por nefas conseguiu dos chins - Hong Kong, com um porto profundo, capaz de relegar como relegou o porto luso a uma secundária importância. 
Ultimamente Macau cresceu de vulto aos olhos daqueles que visitam o longínquo oriente, por haver Portugal permitido que a linha aérea transpacífica americana tivesse em suas terras seu ponto final. 
A colônia portuguesa é uma aglomeração chinesa, na qual em 160.000 almas quiçá-se contem apenas 4.000 peninsulares. Os nomes das ruas e demais vias publicas são lusos todavia nas fachadas das casas comerciais só se vêem berrantes letreiros em caracteres chineses. A não ser uma ou outra nuance portuguesa que se lobriga de longe em longe o restante é completamente chinês. A língua normal é o cantonês, porém entre gente culta fala-se o inglês que é - pode-se dizer - o idioma oficial. Os macauistas, isto é, gente de sangue híbrido, falam com certa perfeição o português e têm prazer em dizer que são portugueses, se bem que não possam, negar, pelo amendoado dos olhos, a parcela asiática. Como os nossos mamelucos não toleram o chim e miram o ocidental, maximé o britânico, através de um mixto de ódio e inveja. 
Informaram-me que em Macau é obrigatório o ensino da língua de Camões Não sei atá que ponto irá a verdade deste fato, contudo posso afirmar que na montra de uma livraria avistei livros didáticos em nosso idioma.
Ao contemplar aquela vitrine mal arrumada lembro-me que esbocei um sorriso de satisfação - lá estava uma obra de autor brasileiro - O Príncipe de Nassau, de Paulo Setúbal. Dos nossos jornais, somente "A Noite" consegue chegar até lá uma vez ou outra. Seu representante foi solicito em proporcionar-me sobejas amabilidades.
Em todo o Extremo-Oriente não encontrei um negro. Já estava mesmo com vontade de 
ver um creoulo. Tive meu desejo satisfeito. O português não pode viver longe da gente de Chan - leva-la para onde quer que esteja, é o seu lema. E lá estão as com panhias de negros de Moçambique: altos, fortes, de basta carapinha e beiçolas caídas, fardados de caqui, com calças curtas, meias de foot-ball e casquete de fuzileiros navais. 
Que tipo saírá da fusão do negro com o amarelo? A maior parte da população entrega-se à pesca que produz a principal fonte de renda, avaliada em quase cinco milhões de escudos por ano. Os biscoutos de Macau também são famosos e largamente conhecidos, constituindo-se em excelente fonte de receita. Pelo gracioso e atraente das suas embalagens, graças à proverbial habilidade dos chinas, compradores, o chá, o tabaco, o fubá de arrôz e o ópio adquirem bem importante número de compradores.
Nos tempos nunca olvidados de paz no Extremo-Oriente, muitos estrangeiros endinheirados procuravam aquele recanto, de Outubro a Março, para gozar o "bon air" do seu clima mediterrâneo. O Hotel Riviera enchia-se de novos Cresos e a pequenina e bombeante cidade ficava faceira, quando lhe davam o título de "Monte Carlo do Oriente".

Entre as curiosidades de Macau está a pedra de engomar - pesa cerca de meia tonelada e e manejada pelos pés de dois operadores. Qual cabeça teria produzido tal invento?
Visitando-se a colônia, não merecem ser esquecidos três logradouros públicos: a gruta de Camões, a estátua de Vasco da Gama e as ruínas da igreja de São Paulo. A gruta fica no meio de garrido vergel. Nela, segundo dizem, o formidável vate compôs parte do seu imortal poema. A estátua do Senhor Vasco da Gama - consoante o linguajar local - não tem a imponência que o grande vulto merece. A frontaria da igreja de S. Paulo é de fato uma maravilha. Fui informado de que fora construída pelos católicos japoneses fugitivos de Nagasaki, quando da perseguição religiosa no Japão.
Um dos edifícios mais importantes é o Leal Senado, onde se acha a sede do Governo* e o Museu de Camões, no qual foi reunido tudo que rememorasse a ação dos primeiros tempos da colônia - inscrições rupestres, alfaias, vestes sacerdotais e mil outras cousas. Orgulhavam-se os portugueses de não terem arriado o vexilo nacional durante os sessenta anos do domínio espanhol e por isso uma inscrição foi feita no alto da escadaria da entrada principal: «Cidade do Santo Nome de Deus de Macau não há nenhuma mais leal. Em nome do rei Nosso Senhor, Dom João IV, o Governador e Capitão General João de Souza Pereira, mandou que se fizesse esta inscrição ao  testemunho da extrema lealdade de seus habitantes, 1654».


Fracas são as extensões de terra da colónia. A pequenina península de Macau mede 4km200 metros por 1 km200 metros. As ilhas de Taipa e Coluane também não são grandes. A ilha da Lapa, muito próxima, está nas mãos dos chineses, se bem que tudo façam os lusos para provar que têm direito a ela. Lá está um leprosário que me fez lembrar uma pagina de Wenceslau de Morais, em seu magnífico "Paisagens da China e do Japão", constituído de crônicas escritas ao dealbar do nosso século. O titulo é sugestivo - Amores... O cenário formado pelas águas escuras e soturnas que banham as ilhas sino lusitanas. Entrecho horripilante: O sexo dos leprosos em revolta. Reuniam-se aqueles párias para vencer a tortura que os devorava - a posse da mulher. Em barcos repelentes, nas horas solitárias da noite, agrupavam-se magotes de infelizes. Alapardavam-se como podiam para surpreender as mulheres que, nos seus tankas, transportavam de um lugar a outro os retardatários. 
"Quando era chegado o bom momento, então - ó delírio supremo! - num ímpeto de remadas e desejos, o barco voava, dava a abordagem, os milhafres caiam sobre as vítimas indefesas. Hábeis no ataque, com as mãos sem dedos sufocavam os gritos das mulheres, e murros, ou premindo num relance pelo faro distinguiam das velhas as moças afastavam dos ossos duros a carne fofa e tenra, e com fome de hienas, as bocas pestilentas comiam, devoravam beijos as pobres raparigas que em vão se debatiam na luta tremenda duns instantes.... Após, o barco dos leprosos seguiam serenamente à margem chinesa, e eles dispersavam, mudos, quase felizes, indiferentes por momentos ao prurido das chagas, e semanas depois reuniam-se novamente. No tanka, as moças ficavam-se chorando, arrepelando-se de horror, de desespero, de vergonha por sua mofina sorte; e tanto mais mofina que é assim, por um beijo, segundo a voz do povo, que a lepra se propaga, se multiplica de corpo a corpo."
* Imprecisão do autor; não há registo de que a sede do governo tenha alguma vez sido no edifício do Senado, que era um órgão executivo municipal.

sábado, 28 de março de 2020

Prato de porcelana "Palácio do Governo de Macau"

Durante o reinado de D. Luís I, foram encomendados vários serviços de porcelana chinesa para uso nos palácios dos Governos da Índia, de Timor e de Macau. No caso de Macau admite-se que uma das encomendas tenha sido feita por volta de 1880.
Prato de louça com 24 cm de diâmetro com as armas reais portuguesas e a legenda "Palácio do Governo de Macau" do período da Dinastia Qing e do reinado do imperador Guangxu (1875-1908).
As armas reais têm o escudo do tipo designado por francês, com cinco escudetes postos em cruz, e cada escudete carregado de cinco besantes. A bordadura tem sete castelos. 
Peça do espólio do Metropolitan Museum of Art (Nova Iorque, EUA).

sexta-feira, 27 de março de 2020

"Macao is worth seeing"

Macao is worth seeing on many accounts although fallen from the position it once held Its churches and public buildings are numerous and handsome its streets well paved and cleanly, and the Praya Grande, a crescent of goodly well constructed houses facing the sea, to be coveted as a place of residence in this monsoon. Its trade has much declined since our merchants removed their business to Hong Kong and the finishing blow was given by the late Governor Amaral who, in turning out the Hoppo or head Chinese Custom house official, put a stop to the most lucrative portion of the junk trade.
Formerly numbers of junks arrived annually with cargoes from Singapore and the Straits for transhipment to other ports on the coast and on the rivers, in the interior, now they are obliged to go elsewhere to get the necessary chop or permission to unload Amoy.
I was told was reaping much benefit from this change and unless the Hoppo be reestablished Macao may never recover the commerce thus injudiciously driven away.
In common with all Portuguese colonies and possessions the church has the lion share of the good things here and the lady in scarlet revels in her abominations.
The people, if a few miserable, half castes from Goa and other places can be dignified with the appellation are priest ridden and superstitious; no heretical place of worship is permitted to pollute by its presence the abode of the faithful and it seems almost incredible that although the English for so many years ruled paramount here as regards wealth and intelligence and that Macao might be considered in the light of a suburban villa residence attached to to the factory at Canton; no Protestant church or chapel has ever been erected nor to my knowledge has any provision been made for the spiritual requirements of our countrymen in this remote region.
Vista final séc. 19 (imagem não incluída na obra referida)
There is however a very pretty spot consecrated as a cemetery in which many gallant heroes belonging to our noble service are taking their rest among them Sir Humphrey Senhouse and Lord John Churchill. This burial ground adjoins the gardens of Senhor Marques which are liberally thrown open to the public by the proprietor here is shown the cave sacred to the memory of the great Lusitanian poet Camoens a pretty spot embosomed in the shade of some magnificent lychee trees here in cool grot the bard passed much of his time and on a tablet erected to his memory two verses of his immortal poem the Lusiad are inscribed.
In its military position Macao resembles Gibraltar a narrow sandy isthmus about two miles in length connects it with the mainland or what may be considered the main in the centre of this neutral ground stood the barrier a stout stone wall extending across the strip the arch thrown over the road is all that now remains of this Chinese post the rest is a heap of ruins. The spot where poor Amaral was assassinated is about two hundred yards on the Macao side of this barrier.
Since his death the Portuguese have claimed that portion of the neutral ground as part of their territory have constructed forts to command it and the amis of Portugal are deeply engraved on a large stone forming part of the boundary of the building where formerly the Mandarin nominally master of Macao had his official residence. The garrison is very small consisting of about five hundred every one included a large proportion being officers Many of the men are military delinquents answering to the description of those unhappy beings who composed our African corps at Sierra Leone in former days with few exceptions they seem a wretched lot.
There was a ghost of a military band which played for a few minutes at morning parade in front of the windows of the hotel at which I was staying the Albion on the Praya Grande. The harbour of Macao is reported to be fast filling up and is little used except by junks and lorchas two men of war brigs were however in it apparently unseaworthy.
The Typa, a snug anchorage, is the rendezvous for vessels drawing more than 12 feet but ships must lighten to 15 feet to get in even at springs. The Donna Maria frigate and US corvette Marion were moored there and the place is seldom left without an American man of war this being now the head quarters of their navy the Mahon of the east.
The holding ground in the outer roads is good but a ship might as well and better be at sea as in the outer roads of Macao in blowing weather a heavy ground swell sets in and all communication with the shore is cut off.
The Amazon was at anchor here full six miles out she sailed on the 27th for Manila and I returned to Hong Kong in the Canton, a fine iron steamer of 160 horse power belonging to the Peninsular and Oriental Company; the distance is forty two miles which she did in a minute or two over four hours. 
I must not forget to mention a visit I paid to the studio of Chinnery the artist whose reputation is famous throughout the East indeed it may be said to be still almost European although so many years have elapsed since he left his native land Mr C cannot now be far short of eighty years of age he left England for Madras in 1801 and has been settled at Macao since the year 1825. (...)
Praia Grande ca. 1850. Pintura anónima do período China Trade.
Excerto do artigo "Notes on a Voyage to China in her Majesty's late Screw Steamer Reynard, P. Cracroft Commander" publicado na The Nautical Magazine and Naval Chronicle, Londres, Janeiro 1853. 
A passagem por Macau deu-se em 1852. Entre as várias curiosidades deste testemunho destaco a visita ao estúdio do pintor George Chinnery, o hotel Albion, na Praia Grande e ainda a banda.

quinta-feira, 26 de março de 2020

Romagem à Gruta de Camões: Josef Lehnert

O austríaco Josef Lehnert fez parte da viagem à volta do mundo levado a cabo pela corveta imperial do Arquiduque Frederico na primeira metade da década de 1870. Nesse périplo passou por Cantão, Hong Kong e Macau. Na deslocação ao território português visitou a gruta de Camões, o que classificou como uma peregrinação. 
O excerto que se segue é a tradução da obra de Josef Lehnert intitulada "Um die Erde. Reiseskizzen von der Erdumseglung mit S.M. Corvette Erzherzog Friedrich in den Jahren 1874, 1875 und 1876 II.", publicada em Viena de Áustria em 1878.


"Foi apenas interesse histórico que nos levou a realizar uma excursão a Macau, na verdade poder-se-ia falar de uma peregrinação, uma vez que era o de visitar uma cidade cujo bairro europeu apenas podia apresentar ruas vazias de população e muitos edifícios e casas caídas ou arruinadas.
(...) por todo o lado via-se destruições feitas pelo último tufão* - montes de dejetos e ruínas - que não foram retirados, pois os habitantes encontram-se empobrecidos e, como nos disseram, são lânguidos. (...) De tempos melhores data o manifesto orgulho, que, perante as condições deprimentes, necessariamente causa impressão trágico-cômica no estrangeiro. A aparência dos colonizadores portugueses, em geral, não é simpática; os vultos secos e enfraquecidos com a cor de pele amarela combinam bem com a cidade desertificada.
A única lembrança sorridente da época florescente de Macau é certamente o monumento a Camões num jardim situado no término leste da cidade. Caminhos cobertos de musgo cortam uma mata romântica que cobre a descida de uma colina; já há muito esse parque sente falta da mão de um jardineiro. Um ou outro visitante que, imerso em pensamento nos magníficos poemas do imortal Camões, tomou a gosmenta picada para a gruta e ali se encontrou estarrecido, viu-se, despertado de suas contemplações, de repente caído no sujo chão. Tais surpresas poderiam ser evitadas com poucos recursos, de outra forma a peregrinação ao monumento do poeta tornar-se-á perigosa demais.
No ponto mais elevado do jardim encontra-se a assim-chamada gruta, uma pequena cavidade numa rocha saliente. Ali se encontra sobre um pedestal de pedra o busto de Camões. Alguns versos do Lusíadas encontram-se gravados nas superfícies laterais do pedestal.
A vista da cidade e do mar que a envolve, cheio de vida com os seus numerosos juncos, é encantadora. Também se pode ver uma grande parte do labirinto de ilhas que se estende à frente e na desembocadura do rio Pérola. Sem querer pensa-se no canto de Camões."
Pintura de G. Chinnery em meados do século 19
Curiosidade: No capítulo intitulado "Cantão e Macau" surge uma ilustração com a legenda "Uma casa de apostas em Macau", tema que ficará para um próximo post.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Manuais de "língua sínica"

Lições progressivas para o estudo da lingua Sinica fallada e escripta: vertidas em portuguez para uso dos alumnos da Escola Central de Macau.
Typographia Mercantil de N. T. Fernandes e Filhos, 1890 
Trata-se de uma tradução - de Pedro Nolasco da Silva - de uma obra original em francês.

Edição de 1895
Pedro Nolasco da Silva (1842-1912) é o responsável da maior parte dos manuais escolares de língua chinesa publicados em Macau no final do século 19 e início do século 20. Foi ele o chefe da Repartição Técnica do Expediente Sínico entre 1885 e 1892.
Os manuais tinham essencialmente três objectivos: dotar as repartições públicas locais de meios para se poderem relacionar com a população chinesa; ajudar o trabalho dos intérpretes/tradutores da língua chinesa, nomeadamente os que trabalhavam nos consulados portugueses de Pequim, Cantão e Xangai; suscitar nos mais jovens o interesse para se tornarem intérpretes/tradutores da língua chinesa (sínica).
Obras de Pedro Nolasco da Silva:
1884 - Círculo de Conhecimentos em Português e China; Fábulas; Phrases Usuaes dos Dialectos de Cantão e Peking; 
1886 - Grammatica Pratica da Lingua Chinesa;
1889 - Vocabulário e Phrases dos Dialectos de Cantão e Peking para uso dos Alumnos da Escola Central de Macau; 
1894 - Compilação de Phrases Usuaes e de Diálogos nos Dialectos de Peking e de Cantão para uso dos Alumnos da Escola Central de Macau; 
1895 - Os Rudimentos da Lingua Chinesa para uso dos Alumnos da Escola Central do Sexo Masculino; 
1901 - Manual de Lingua Sinica Escripta e Fallada: 2.a Parte Lingua Sinica Fallada. Vocabulário; 
1902 - Manual de Lingua Sinica Escripta e Fallada: 1.a parte. Língua Sinica Escripta. Noções Preliminares e Lições progressivas; 
1903 - Lingua Sinica Escripta. Tradução da Amplificação do Santo Decreto; Manual de Língua Sinica Escripta e Follada: 2.a Parte. Língua Sinica Fallada. Phrases Usuaes. Diálogos e Formas de Conversação; 
1911 - Bussula do Dialecto Cantonense; 
1912 - Bussula do Dialecto Cantonense adptado para as Escolas Portuguesas de Macau; Livro para o Ensino da Literatura Nacional - Kuok Man Kau Fo Shu.
Edição de 1902

terça-feira, 24 de março de 2020

"Batalhão de Artilheria de primeira linha": 2ª parte

Resumindo o post anterior...

Com o batalhão foi criada uma Escola de Instrução Primária, regida pelo capelão, tendo por ajudante um Oficial Inferior, e uma aula elementar de matemática, para instrução dos Oficiais Inferiores e mais Praças do Corpo, regida por um oficial subalterno do Batalhão.
Estas escolas eras públicas e gratuitas para os “meninos e mancebos macaenses” que pretendessem frequentar.
Havia ainda uma Escola Prática para exercícios de artilharia sob a direcção dos oficiais, que para tal função eram nomeados pelo Comandante do Corpo.
O Comandante do Batalhão exercia, sob as ordens do Governador de Macau, as funções de Inspector de todo o material de artilharia, munições e mais apetrechos de guerra, tendo a seu cargo a visita das fortalezas; era igualmente Inspector das Obras Públicas Militares.
Toda a pólvora para consumo das fortalezas e das tropas da guarnição era exclusivamente remetida pela Fábrica Nacional de Goa.
A Cidadela do Monte, ou seja, a Fortaleza do Monte, passou a ser o Quartel do Batalhão, sendo comandado pelo responsável do Batalhão. 
Existiam ainda a Fortaleza da Barra, os Fortes de S. Francisco, do Bom Parto (ou Bom Porto) e Guia que ficaram sem comando efectivo. Segundo o Decreto, em cada uma destes estruturas haveria um militar com as funções de Fiel encarregado do material de artilharia, sob as ordens do Comandante do Batalhão Inspector da Artilharia.
Com este decreto o Hospital Regimental de Macau foi extinto criando-se no Hospital da Misericórdia uma enfermaria militar.
O armamento, correame e demais equipamento do batalhão era fornecido pelo Arsenal do Exército de Lisboa e pago pelo governo de Macau. 
Vejamos agora os salários e uniformes previsto no decreto da Secretaria d Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar de treze de Novembro de 1845.

1. Os Soldados artifices vencerão além do respectivo pret a gratificação de cento e vinte reis diarios somente nos dias em que trabalharem no exercicio do seu oficio. 
2. Cada uma das praças de pret vencerá diariamente quarenta réis para pão e vinte réis para a massa do fardamento. 
3. Todos os vencimentos serão em moeda da Provincia. 
4. Fica abolida a gratificação para o aluguel de casas que até agora se pagava aos Oficiaes os quaes serão alojados em Edificios Nacionaes dos que existem disponiveis fazendo se lhes para esse fim os arranjos necessarios os que não quizerem acceitar esse alojamento pagarão casas á sua custa.
Localização do Forte de S. Francisco numa pintura anónima d emeados do séc. 19
Tabella nº 2
Grande uniforme para os Oficiaes
1. Farda de panno azul ferrete abotoada com oito pares de botoes abas compridas gola encarnada com uma granada bordada de  ouro em cada extremo carcella virados das abas e vivos côr da gola botão amarello com as Armas Reaes. 
2. Calça de panno igual ao da farda ou branca conforme a estação a de panno com uma lista côr da gola na costura exterior de cada perna. 
3. Barretina de pelo com tampo de prato envernizado palla preta redonda tambem envernizada pennacho de pennas encarnadas tendo um palmo de comprido oliva e rozeta dourada com o laço nacional chapas e escamas tambem douradas como as da Artilheria do Exercito de Portugal e no centro da chapa a letra M em relevo de prata. 
4. Luvas brancas em toda a estação. 
5. Espada talim banda dragonas e mais distinctivos correspondentes a cada Patente tudo como no Exercito de Portugal usam os Oficiaes de Artilheria.
As pastas dos Oficiaes montados terão a letra M dourada na face exterior.
Capitão em "grande uniforme" e soldado
Pequeno uniforme para os Oficiaes 
1. Sobrecazaca de panno côr da farda abotoada com oito pares de botões gola direita de panno encarnado com uma granada bordada de ouro em cada extremo. 
2. Calça como a do grande uniforme. 
3. Barretina preta de oleado como se usa na Artilheria e Infanteria do Exercito de Portugal. 
4. Charlateiras de panno côr da farda avivadas de encarnado e guarnecidas de galão de ouro com meias luas de metal dourado e os distinctivos correspondentes a cada patente. 
Chapa da barretina
Grande uniforme para as praças de pret 
O grande uniforme para os inferiores e mais praças de pret será regulado pelo fardamento estabelecido para os Oficiaes no que corresponder a cada praça seguindo se geralmente o que se acha determinado para os corpos do Exercito de Portugal.
Pequeno uniforme para as praças de pret 
1. Fardeta de panno cór da farda abotoada com uma só ordem de botões gola encarnada com granadas de panno azul ferrete cm cada extremo canhão carcella como na farda. 
2. Calça de cor correspondente á farda ou branca na estação competente. 
3. O Bonet de panno azul ferrete sem palla com uma risca de panno encarnado e na frente um DI de latão e coberto com capa de oleado preto no tempo das chuvas.

Nota: Ilustrações de Rui Belo inseridas no livro "400 anos de Organização e Uniformes Militares de Macau" (1999), da autoria de Manuel A. Ribeiro Rodrigues.

segunda-feira, 23 de março de 2020

"Batalhão de Artilheria de primeira linha": 1ª parte

Sendo de grande urgencia organisar a força militar da Cidade de Macau de um modo tal que sem desattender á necessaria defensão d quella importante Praça se efectuem comtudo as possiveis economias n este ramo de serviço publico e ao mesmo tempo se constitua aquella força mais em harmonia com a actual Legislação Militar d este Reino e com o serviço a que é destinada Hei por bem Decretar o seguinte:

Artigo 1. Para o serviço militar da Cidade do Santo Nome de Deos de Macau se organisará naquella cidade um Batalhão de Artilheria de primeira linha o qual será igualmente instruido nos exercicios de Infanteria.
Art 2. Este Batalhão que terá a força de trezentas e dezesete praças e se denominará Batalhão de Artilheria de Macau será composto de quatro Baterias de posição e do seu competente Estado maior e menor pela maneira seguinte:


Art 3. Os Oficiaes do actual Batalhão Principe Regente que desde já fica extincto e os da Bateria de Artilheria ainda existentes em Macau que possuirem os estudos da Arma de Artilheria ficarão desde logo fazendo parte do Batalhão d Artilheria de Macau e aquelles que os não tiverem se considerarão addidos até se lhes dar o destino conveniente. 
Unico 
Para as vagaturas que forem havendo se irão fazendo as promoções necessarias dos Oficiaes do Batalhão que possuirem as habilitações scientificas e na falta d elles dos do Exercito do Estado da India ou de Portugal que tiverem as ditas habilitações para a arma d Artilheria.
Art 4. Todas as praças de pret pertencentes ao extincto Batalhão Principe Regentee ao extincta Bateria de Artilheria que actualmente se acharem em Macau e não tiverem completado o tempo de serviço ficarão desde logo pertencendo ao Batalhão de Artilheria de Macau
1. Das que tiverem completado o tempo de serviço como voluntarias se dará logo baixa pedindo a ea passagem de regresso seguindo se a ordem da antiguidade a todas aquellas que excederem a força que vae marcada no quadro do artigo segundo d este Decreto.
2. As restantes se irão concedendo as baixas que pedirem á proporção que as suas vagaturas podérem ser preenchidas com soldados enviados de Portugal ou recrutas de Goa Timor ou ainda em Macau que tenham a idade e robustez convenientes o tempo de serviço será de seis annos no fim dos quaes poderão continuar a servir se voluntariamente o requererem.
Art 5. O vencimento de cada praça é o que vae marcado na Tabella junta N 1.
Art 6. O fardamento e mais distinctivos militares do Batalhão serão regulados pela Tabella junta N 2.
Art 7. O armamento correame e equipamento será em tudo proporcionado á arma de Artilheria e acommodado tambem aos exercicios de Infanteria Unico Estes objectos serão exclusivamente fornecidos pelo Arsenal do Exercito de Lisboa por conta do cofre da Fazenda Publica de Macau.
Art 8. Todas as massas e com especialidade a do fardamento das praças de pret serão administradas pelo Conselho administrativo do corpo organisado da maneira disposta no Art 1 o das Instrucções da Fazenda militar publicadas na Ordem do Exercito de Portugal n 56 de 28 de Dezembro de 1844 as quaes Instrucções se deverão seguir á risca em tudo quanto for applicavel áquelle corpo e áquella localidade. 
Unico 
Os pannos para o fardamento das praças de pret serão exclusivamente das Fabricas nacionaes de Portugal e seus dominios donde serão enviados com a antecedencia necessaria por conta do cofre da Fazenda Publica de Macau.
Art 9. Haverá no Batalhão de Artilheria de Macau uma Escóla d Instrucção Primaria regida pelo Capellão do corpo tendo por Ajundante um Oficial inferior da sua escolha e uma aula elementar de Mathematica para instrucção dos Oficiaes inferiores e mais praças do corpo regida por um Oficial subalterno do Batalhão para esse fim dispensado de outro qualquer serviço. 
Unico 
Uma e outra destas Escólas serão publicas e gratuitas para os meninos e mancebos macaenses que d ellas se quizerem aproveitar.
Art 10. Haverá tambem uma Escóla pratica de exercicios de Artilheria sob a direcção dos Oficiaes que para isso forem nomeados pelo Commandante do corpo e todos os annos se farão exercicios de experiencia para que todas as praças adquiram perfeita instrucção do serviço de Artilheria tanto de muralha como de campanha.
Art 11. O Commandante do Batalhão de Artilheria será sob as ordens do Governador da Provincia Inspector de todo o material da arma munições e mais apetrechos de guerra existentes em Macau terá a seu cargo para esse fim a visita das Fortalezas e dirigir por via do Governador as requisições motivadas de todos os objectos necessarios com a antecipação conveniente para que os armazens e casas de arrecadação estejam sempre bem bastecidos O mesmo Commandante será tambem Inspector das obras publicas militares e terá para este fim sob as suas ordens um Oficial Cazerneiro.
Art 12. Toda a polvora para o consumo das Fortalezas e das tropas da guarnição será exclusivamente remettida da Fabrica Nacional de Gôa por conta do cofre da Fazenda Publica de Macau.
Art 13. A disciplina e regulamento do Batalhão de Artilheria de Macau ficam em tudo sujeitas ás Leis e mais ordens militares que regem a primeira linha do Exercito de Portugal.
Art 14. A Cidadella do Monte será d ora em diante o Quartel do Batalhão de Artilheria de Macau eo Commandante deste o será tambem d ella.
Art 15. A Fortaleza da Barra será commandada por um Official superior ou Capitão de qualquer arma sem accesso.
Art 16. Os Fortes de S Francisco e Bom Parto ou Bom Porto e Guia não terão Commandantes efectivos e tanto estes como a Fortaleza da Barra serão guarnecidos com destacamentos d inferior.
Art 17. As praças de pret que hoje se acham addidas ás ditas Fortalezas e Fortes entrarão no quadro do Batalhão.
Art 18. Em cada uma das Fortalezas e Fortes haverá um inferior ou cabo como fiel encarregado do material da Artilheria sob as ordens do Commandante do Batalhão Inspector da Artilheria este serviço será destinado aos inferiores e cabos de bom comportamento e encanecidos no serviço.
Art 19. Fica extincto o Hospital Regimental de Macau e para o substituir se creará no Hospital da Misericordia uma Enfermaria Militar na qual serão curados os doentes militares revertendo a favor do dito Hospital os descontos dos seus vencimentos na conformidade da Lei tudo mediante um Regulamento mandado confeccionar pelo Governador da Província ouvido o Cirurgião Mór da mesma o Commandante do Batalhão e a Mesa da Santa Casa da Misericordia o qual Regulamento poderá ser mandado executar provisoriamente pelo Governador ficando porém sujeito á Minha Real approvação. 
Art 20. Fica revogada toda a Legislação em contrario
O Conselheiro d Estado Extraordinario, Joaquim José Falcão, Ministro e Secretario d Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, o tenha assim entendido e faça executar.
Paço de Belem em treze de Novembro de mil oitocentos quarenta e cinco 
Rainha

domingo, 22 de março de 2020

Jornal "O Lusitano": 1898

O editor d "O Lusitano" - primeiro número saiu a 28 de Agosto de 1898 - foi Elysio F. das Neves Tavares. A redacção, administração e tipografia ficavam no nº 2 da Calçada do Gamboa. 
Na prática era a continuação do extinto "O Independente". O mote era "pugnar pela pátria, pelos interesses da colónia e pelo bem geral". Concorria com o "Echo Macaense". Ao todo foram publicados 70 números até 24 de Dezembro de 1899, data em que terminou a publicação.
Algumas das notícias do primeiro número: 28 de Agosto de 1898

sábado, 21 de março de 2020

Convento ("Capucho") de S. Francisco

A criação do convento de S. Francisco em Macau deve-se ao Frei Pedro de Alfaro (espanhol) em 1580. Daí que ainda hoje o Jardim de S. Francisco, ao lado, seja conhecido como jardim dos castelhanos. A igreja era conhecida como de Nossa Senhora dos Anjos (ou da Porciúncula). e tinha também seminário. Ao lado fica um pequeno forte com o mesmo nome.

Fr Pedro de Alfaro e seus companheiros foram bem recebidos dos nossos portuguezes em Macau (em 1579) ou por novidade a que nossa nação é mui propensa ou por devoção de que sempre seus moradores foram bem acreditados em que muito me pudera alargar nesta escriptura se não temera que por nascido no mesmo paiz poderei parecer suspeito e o quero deixar á fama e á experiencia.
O bispo D Belchior não falte quem o chame patriarcha os quizera ter por hospedes em sua casa os reverendos padres da Companhia com sua costumada caridade e muitos cidadões com devota e politica emulação os convidavam elles ou por não serem molestos que a hospedagem não tem de existencia para os applausos mais que tres dias ou por não faltarem a humildes exercicios escolheram o hospital dos leprosos a quem com caridade acudiam com humildade concertavam as camas e varriam a casa e assistiam ao serviço dos mais necessitados sem pejo de suas asquerosas e nojentas chagas grangearam com acção tão religiosa applausos e afeição que uns edificados afeiçoados outros e todos desejosos de lograr sua companhia e santa conversação lhes pediam edificassem convento para o que davam sitio e despesas que fr Pedro aceitou por ser mui conforme a seus intentos e se deu principio no anno de 1579 no mez de novembro sobre um pequeno montè na parte do oriente em respeito da cidade no começo de uma formosa praia cujas ondas de continuo ferem os muros que a cercam ficando o convento com a vista para o mar ao leste norte e meio dia e das muitas ilhas que por essas partes lançou a natureza e tambem do principal da cidade que fica ao occidente.
Igreja e convento de S. Francisco em meados de 1800 por George Chinnery
O amor da pobreza foi o engenheiro d esta machina que em nada passou das calculações e linhas de sua geometria. O zelo das almas lhe acrescentou um seminario em que se criassem 20 meninos ou dos que convertessem do gentilismo ou dos já convertidos porque bem instruidos nos mysterios de nossa santa fé fossem prégadores dos seus naturaes que é certa grangearia a similhança ou identidade da natureza e propriedade da lingua.
Aqui prégaram com tanto zelo e fervor que inda os que ignoravam o idioma castelhano se moviam de suas acções a internos sentimentos particularmente fr João Baptista que com espirito imitado no nome gosava o dom deste ministerio seguindo as claras verdades do precursor. Faziam o divino oficio com solemnidade e devoção e tinham suas horas de oração com tão indispensavel exercicio como em convento de maior numero porque o espirito e não a quantidade notavel é quem faz a religião e sustenta a reformação e o tempo que lhes restava se consumia parte no ensino dos meninos parte na visita do hospital de que se não esqueciam obrigados do primeiro hospicio e grande tempo em aprender a lingua china com presupposto de tornar a Cantão alguns d elles." (...)
In Descripçao do Imperio da China, de Frei Jacinto de Deus*, Hong Kong, 1878.
* Nasceu em Macau em 1612 e morreu em Goa em 1681
Nota: O convento seria demolido em 1861 para ali se construir um quartel que viria a ter o mesmo nome.

sexta-feira, 20 de março de 2020

"Grand Performance at Campo Victoria"


O anúncio "Special Notice - Chiarini's grand circus, menagerie and congress of wonders" é de Setembro de 1887 e refere-se à exibição em Macau do circo Chiarini a 24 de Setembro desse ano no Campo Victoria. 
O preço dos bilhetes variava entre as 9 patacas (sala privada de 6 lugares) e os 30 avos (galerias de terceira classe). Para crianças com menos de dois anos e para os soldados (excepto oficiais) só cobravam metade do preço.
Giuseppe Chiarini (1823-1897) foi talvez o director circense mais influente do século XIX. Durante uma carreira profissional que durou cinquenta e oito anos, levou a cabo digressões um pouco por todo o mundo, da Europa à América do Norte e do Sul, à Índia e Ásia e até à Austrália. Em muitos desses lugares foi a primeira vez que foi visto um circo.
Registos da época indicam que a companhia de circo chegou a Macau em Maio de 1886, tendo nessa altura efectuado espectáculos nas filipinas, Hong Kong e Japão

O Campo Vitória começou por se chamar campo dos arrependidos, uma referência à invasão holandesa de 1622 e ao facto de estes perante a derrota terem batido em retirada, arrependendo-se da façanha... e depois Praça da Vitória.


Imagem de um folheto da época mas referente a exibições no Japão
Nesta altura a Avenida Vasco da Gama ainda não tinha sido construída, pelo que era um amplo espaço onde já existia desde 1864 um obelisco que recordava essa vitória sobre os holandeses. O denominado Monumento da Vitória (sobre os holandeses) que ainda hoje existe - imagem abaixo - data de 1871.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Plan de la ville et port de Macao: 1699

Plan de la ville et port de Macao / Planta da cidade e do porto de Macau 
da autoria de François Froger, publicada em 1699.
A planta tem por base observações feitas in loco durante a primeira expedição francesa. A embarcação Amphitrite saiu de França a 6 de Março de 1698 e chegou à rada de Macau nos primeiros dias de Novembro desse ano. No mapa é assinalado com a letra K onde a embarcação estava ancorada (junto à ilha da Lapa).
Legenda:

A. Fortaleza do Monte 
B. Ermida e Fortaleza da Guia 
C. Ermida da Penha 
D. Forte do Bom Parto 
E. Fortaleza de S. Tiago (Barra) 
F. Templo de A-Ma 
G. Aldeia chinesa de Mong-Ha 
H. Porta do Cerco 
I. Ilha Verde 
K. localização da embarcação francesa

quarta-feira, 18 de março de 2020

"Novo forte em Mong-Ha"

Mong Há foi a última fortaleza militar a ser construída em Macau já no tempo do governador Ferreira do Amaral. Com 650 metros quadrados, comportava até 10 peças de artilharia e tinha por objectivo a defesa do sector norte de Macau, nomeadamente face a uma eventual invasão chinesa, nos anos que se seguiram à Primeira Guerra do Ópio entre a Grã-Bretanha e a China (1839-1842).

Boletim da Província, 21.9.1868

terça-feira, 17 de março de 2020

Brigue "Mondego" de S. M. F. Viagens: de Macáo a Siam... 1859

Brigue "Mondego" de S. M. F.* - Viagens de Macáo a Siam. de Siaõ a Singapore e de Singapore a Macáo.
De Janeiro a Maio, 1859.
(Por) Lúcio Albino Pereira Crespo, 2º Tenente da Armada.
O manuscrito abrange o período de 8/9 de Janeiro de 1859 a 13/14 Maio de 1859 e tem um total de 37 fólios com 19,5 x 12cm.
Trata-se do diário de bordo do brigue de guerra português «Mondego» que serviria para a edição posterior do livro "Relatório da Missão Extraordinária de Portugal a Siam". No jornal "Echo do Povo" este relatório também seria publicado.

Estamos perante, muito provavelmente, uma cópia do original do Livro de Bordo do navio (que tinham habitualmente dimensões muito maiores) feita na época, como forma de assinalar o fim da missão especial, ou Embaixada, enviada pelo Rei D. Pedro V ao Rei do Sião. 
* Sua Majestade Fidelíssima

A missão começou em Macau...
"No dia 8 de Janeiro de 1859 pelo meio dia Sua Excelência o Conselheiro Isidoro Francisco Guimarães, Ministro Plenipotenciário de S. M. F. na China e Siam, partio de Macao com destino a Bangkok a bordo do brigue Mondego do commando do 1º Tenente da Armada José Severo Tavares, para cumprir a Missão de que S. M. o havia encarregado de, segundo os desejos manifestados por S. M. Magnifíca El-Rei de Siam, fazer um Tratado de Amizade, Commercio e Navegação entre Portugal e este paiz. Acompanhavam Sua Exª. o Ministro o 2.º Tenente de Armada José Maria da Fonseca, na qualidade de Secretario de Missão, e o Alferes do Exercito Francisco de Mello Baracho, como Addido. 
No fim de seis dias de viagem com monção favoravel - na tarde de 14 de Janeiro - o brigue Mondego entrou nas agoas do golpho de Siam, e ao anoitecer do dia 20 fundiou no ancoradouro fora da barra de Bangkok entre vários navios mercantes de diversas nações, que alli se achavam ancorados."
As palavras são do governador de Macau, Isidoro Francisco Guimarães.
Refira-se que as relações entre Portugal e o Sião (actual Tailândia) remontam a 1511 sendo o primeiro tratado de comércio e amizade assinado em 1518. O tratado a que este post diz respeito seria assinado a 10 de Fevereiro de 1859.
Voltando ao manuscrito...
Trata-se de um documento histórico a todos os níveis, nomeadamente em termos de ciência náutica e dos dados sobre as relações entre os dois países incluindo o Relatório Oficial ao Reino de Sião para a conclusão do tratado de Amizade, Navegação e Comércio entre Portugal e o Sião. Em termos náuticos inclui dados sobre rumo, vento, latitude, longitude, variação de agulha, velocidade por hora, entre outros.
A viagem rumo ao Sião começou às 10 da manhã do dia 8 de Janeiro de 1859 sob comando do Primeiro Tenente da Armada, Severo Tavares. A bordo tinha de garantir a segurança da Carta Régia escrita pelo punho de Dom Pedro V e do seu representante, o Governador de Macau, Isidoro Francisco Guimarães.
O Mondego era um brigue de 20 peças de artilharia construído em 1844 no Arsenal da Marinha por Joaquim Jesuíno da Costa. Tinha sido custeado em 38.895.856 réis, e como brigue de tombadilho media 98 pés de comprimento sobre 28 pés de boca. A proa tinha 7 pés e meio contra os 8 pés a popa. O Mondego começou por estar em serviço na estação naval da costa ocidental de África para repressão do tráfico de escravos, depois em Timor para tratar dos limites da ilha com os holandeses e, a partir de 1855, na Estação Naval de Macau. Aqui tanto era usado para transportar o Governador de Macau a Hong Kong, como para combater piratas.
Brigue Mondego
Nesta viagem ao Sião o "Mondego" tinha uma guarnição de 112 homens: do Comandante, aos Tenentes da Armada e o Governador passando pelo tanoeiro, carpinteiro, calafate, escrivão, marinheiros e grumetes. O segundo tenente da armada Lúcio Albino Crespo era o responsável pela redacção do diário de bordo.
Considerada um sucesso, a "missão extraordinária" terminou a 15 de Maio de 1859 em Macau.
Excerto do diário de bordo:
"No dia 15 de Maio, tendo o pratico do rio a bordo, suspendemos e fizemos-nos de vela, demandandio a Fortaleza de S. Tiago da Barra de Macao, por onde passámos depois das 6 horas da manhã, com vento S.SSE regular - Seguimos pelo rio acima com o pano estuigado, e fundeámos defronte da Alfândega às 7 horas da manhã - fazendo-se a amarração a dois ferros - como de costume = Findando desta maneira a Commissão da Embaixada a Sião = e ficando-se preparando o navio, para outra igual Comissão para Pachely, e Japão. 1859/6/5."