Páginas

sexta-feira, 30 de abril de 2021

A visita de Vicente Blasco Ibanez: 2ª parte

continuação do post anterior...

Viagem de Hong Kong a Macau:
“Às primeiras horas da manhã, embarcamos para Macau. Vemos diante do navio numerosos grupos de chineses. Uma força da polícia controla a sua marcha, um a um, sobre a passadeira que une o casco ao cais. Todos são revistados da cabeça aos pés, e só podem seguir em frente quando o agente indostânico ficar convencido de que não levam sequer o mais pequeno canivete. Como êstes homens amarelos se parecem todos uns com os outros pelo fato azul e pelos rostos quási iguais, é difícil distinguir um cooli pacífico que vá tratar dos seus negócios a Macau, de um pirata que prepare com os companheiros o ataque ao vapor, a meio da viagem(…).
Antes de embarcar, tiramos os relógios e as jóias de uso quotidiano. Vem comigo duas senhoras, acompanhadas das suas criadas. Uma das referidas damas, muito formosa e elegante, nasceu em Bombaim, mas é filha de espanhol. É casada com Mr. Stephan, director do Hongkong and Shanghai Banking, a instituição financeira mais importante de todo o Extremo Oriente. O seu director faz parte, por direito próprio, do Conselho de governo de Hongkong, sendo de certo modo o seu ministro da Fazenda. A senhora de Stephan há muitos anos que desejava ir a Macau e nunca se decidiu a fazer a viagem com medo dos piratas. Prudência justificadíssima. Na realidade, não poderiam os bandidos do estuário imaginar um golpe mais frutuoso do que sequestrar a esposa do director do Hongkong and Shanghai Banking. Que resgate de milhares e milhares de libras esterlinas! (...)

Impressões gerais sobre Macau:
“Ao contornar o citado promontório aparece lentamente a velha e interessante cidade de Macau. Tem um aspecto multicolor e ligeiro, de povoação do Extremo Oriente, e ao mesmo tempo, uma estabilidade sólida que revela a origem dos seus fundadores. Os edifícios são, na maior parte, obras de alvenaria, e não de madeira, como nas outras cidades chinesas. A maioria tem um piso superior, com arcadas ou galerias cobertas, e, acima dos telhados, destacam-se os campanários das igrejas católicas. 
Macau, que foi inicialmente denominada ‘Cidade do Santo Nome de Deus na China’ e depois viu esse título substituído por ‘Macau’, de origem indígena, pareceria altamente exótica se fosse possível mudá-la, de repente, para as redondezas de Lisboa. Vista daqui, depois de termos visitado as principais cidades do litoral chinês, recorda-nos o antigo Portugal e parece vir dela um bafo muito longínquo do nosso mundo”. Palavras sentidas de amigo, mas também palavras de um experimentado viajante habituado a ver os contrastes, as afinidades e os pormenores. Depois são “Guiados pelos ajudantes do governador, jovens de grande cultura intelectual, vamos conhecendo a cidade, pitoresca mistura de edifícios chineses e casarões portugueses do século XVII” (...) 
Macau não goza da fama de ser um lugar de virtudes, mas não é por isso que se deve considerar pior que os outros portos do Extremo Oriente. (...)
Vista à Gruta de Camões:
Visitamos por fim o mais interessante para nós, o que nos trouxera a Macau com o atractivo da devoção literária. O governador mostra-nos o jardim onde se encontra a gruta em cujo interior Camões meditava e escrevia, durante as horas de calor desta região quase tropical. Este jardim tem atractivos iguais aos dos móveis que começam a envelhecer. Nos seus alegretes e bosques misturam-se a melancolia das antigas hortas chinesas e a majestade dos jardins portugueses de Sintra. Vemos estátuas de mandarins que têm a cabeça e as mãos de louça; o resto do corpo é feito de plantas a que os jardineiros com as suas tesouras deram forma humana. 
O retiro predilecto do poeta foi desfigurado e banalizado por uma admiração excessiva. A gruta não é mais do que um corredor entre grandes pedras, ocupado agora pelo busto de Camões. Todas as rochas próximas desapareceram sob lápides que têm esculpidos fragmentos poéticos do autor de Os Lusíadas ou versos de autores célebres que o glorificam. Tantas placas de mármore dão a este local, que, com razão, se pode chamar poético, o aspecto antipático de cemitério. 
Alguns moradores de Macau, especialmente casais novos, vêm merendar para o histórico jardim e, ao som de um gramofone ou de um harmónio, dançam diante do busto coroado de louros. Não importa; é fácil suprimir com a imaginação essas fealdades da realidade e ver o antigo jardim tal como foi, com os seus bosques em colina, a sua pequena gruta livre de adornos, e meditando, sob o fresco arco, o fidalgo português que perdeu um olho na guerra, soldado heróico como o manco Cervantes, e desterrado de Goa para um dos pontos mais distantes da monarquia portuguesa, então senhora de colónias nas costas de África, no mar das Índias, e nos arquipélagos situados para além do estreito de Malaca. (...) 
Rua da Felicidade:
Esta Rua da Felicidade é pelo seu tráfico semelhante às que existem em todos os portos de mar, mas aqui oferece o interesse de serem unicamente chineses os que a frequentam, impelidos pelo estímulo da lascívia. Compõe-se de casas estreitas, cujo piso baixo é ocupado inteiramente pela porta. Através da sua abertura vê-se uma espécie de vestíbulo com o renque da escada que conduz às habitações superiores, e alguns assentos chineses, ocupados pelas donas e suas amigas. São mulheres de cabeça volumosa, membros delgados e tronco grosso, com um nariz tão achatado que apenas se torna visível quando mostram de perfil o seu largo rosto, amarelo como a cera. Estas fêmeas maduras, retiradas das pelejas sexuais, fumam grossos cigarros enquanto conversam lentamente. Outras penteiam-se entre elas à luz duma lâmpada colocada diante dos seus ídolos predilectos. (...)

Sobre o governador Rodrigo Rodrigues:
O governador actual, o doutor Rodrigo Rodrigues, é um médico que gosava merecida reputação na pátria antes de entrar na vida política, republicano como os que desinteressadamente combateram a monarquia e que depois tendo triunfado, tiveram de abandonar as suas antigas profissões para servirem a nova República portuguesa.
Durante as horas passadas em Macau pude apreciar o que o meu amigo Rodrigues tem feito em alguns anos de govêrno. Uma cobrança de impostos, bem administrada, deu o suficiente para a construção de um pôrto grandioso.
O governador Rodrigues obsequeia-nos com uma magnífica refeição no seu palácio. Admiro os salões desta residência, que não é velha mas começa a adquirir o encanto do que é antigo. Muitos dos seus móveis vêm de Cantão e têm mais de um século. Nos cantos, há grandes ânforas de porcelana multicolor, como as que fabricavam os chineses noutros tempos”.
Dr. Rodrigo José Rodrigues (1879-1963), formou-se como médico em 1902 ano em que iniciou a sua carreira médica no exército (Cabo-Verde e Goa) atingindo o posto de capitão-médico. 
Político da Primeira República, foi Ministro do Interior do governo de Afonso Costa (1913-1914), governador civil do Distrito de Aveiro (1910) e do Distrito do Porto (1911), deputado (1913; 1918-1922), director da penitenciária de Lisboa e inspector de prisões (1919) e vogal do Conselho Colonial. foi ainda o primeiro governador civil de Macau (de 5 de Janeiro de 1923 a 16 de Julho de 1924) e adido da legação de Portugal na Sociedade das Nações (1924-1927).

quinta-feira, 29 de abril de 2021

A visita de Vicente Blasco Ibanez: 1ª parte

“Se me perguntarem qual a sensação mais profunda e duradoura da minha viagem à volta do mundo, talvez afirme que é a viagem de Macau a Hongkong, sobre um mar adormecido como uma lagoa, sob a cúpula duma noite esplendorosa, com o incentivo de avançar no mistério, rodeando perigos e quase ao nível das águas”.
O excerto faz parte da obra "La Vuelta al Mundo de un Novelista” editada em 1924/25 em três volumes e baseada numa volta ao mundo feita pelo escrito espanhol Vicente Blasco Ibanez (1867-1928) a partir de Outubro de 1923 a bordo do "Franconia". 
O 1.º volume é dedicado aos “Estados Unidos-Cuba-Panamá-Hawai-Japão-Corêa-Mandchúria“; o 2.º é sobre a “China-Macau-HongKong-Filipinas-Java-Singapura-Birmânia-Calcutá“; e o 3º é dedicado a “Índia-Ceilão-Sudão-Núbia-Egito”.
Macau surge no segundo volume.
Em Portugal foi traduzido como "A Volta ao Mundo" e teve a primeira edição em 1931.

Nome maior da arte e cultura espanhola, Blasco Ibanez licenciou-se em direito, foi escritor, jornalista e político. Inicia a sua carreira literária escrevendo em catalão, mas depois passa a escrever em castelhano. Tem alguma actividade política, aderindo ao republicanismo federalista. Desenvolve uma intensa actividade como jornalista e orador, destacando-se na sua juventude como agitador democrático e anticlerical. Em 1891 funda o jornal El Pueblo, criando depois as editoras Prometeo e Sempere, a partir das quais leva a cabo um importante trabalho de divulgação cultural e política entre as classes populares. Em 1909 vai para a Argentina, criando ali duas colónias agrícolas que fracassam economicamente. Em 1914 estabelece-se em Paris e a partir de 1920 faz várias viagens aos Estados Unidos, onde é nomeado doutor honoris causa pela Universidade de Washington. Em desacordo com a política do ditador Primo de Rivera, sai de Espanha e fixa-se em Nice.
Com mais de 40 livros publicados tornou-se mundialmente conhecido devido à adaptação para o cinema de títulos como “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse“/“The Four Horsemen of the Apocalypse), 1921 e "Sangue e Areia" / "Blood and Sand" (com Rodolfo Valentino), 1922.
"Esteve de visita a Macau o conhecido romancista espanhol Blasco Ibanez", é o que escreve a imprensa macaense a 13 de Janeiro de 1924. Em Portugal o Diário de Notícias também dá conta dessa visita: "No dia 13 deste mez desembarcou em Macau o grande escriptor hespanhol Blasco Ibanez. O governador da província, avisado da sua chegada por um telegramma do cônsul de Portugal em Hong-Kong, enviou ao cáes o seu chefe de gabinete, para lhe dar as boas vindas, e offerecer-lhe a hospitalidade que o governo da Republica da colônia entendia dever prestar a tão distincto embaixador da Arte." 
O excerto  também faz parte de um manuscrito intitulado "Notas de Reportagem", sete páginas escritas para o governador de Macau na altura (e revistas por ele), Rodrigo José Rodrigues (1923-1925), que conhecera Ibanez 14 anos antes. Tomé Pires é quem assina o artigo que também seria publicado na edição do jornal brasileiro "A Noite" de 26 de Maio de 1924.
É mais uma prova de que Ibanez se encontrou com Camilo Pessanha e Manuel da Silva Mendes, sendo o próprio governador a acompanhá-lo aos locais mais emblemáticos do território, incluindo o verdadeiro motivo da sua viagem, a Gruta de Camões.
A 12 de Janeiro de 1924 chega a notícia ao Palácio do Governo. Um telegrama do cônsul de Portugal em Hong Kong informa: "Blasco Ibanez chega amanhã Sui An". O Sui An era um dos vapores que assegurava a ligação marítima entre Macau e a colónia britânica.
E assim foi. Às 13 horas de um domingo "luminoso e tépido" desembarcou no Porto Interior tendo à sua espera o chefe de gabinete do governador "para lhe transmitir, com as melhores boas vindas, uma ordem expressa de ficar preso da hospitalidade que o Governo da República na Colónia entendia dever prestar a tão distinto embaixador da Arte."
Ibanez aceita o convite e dirigem-se ao Palácio do Governo de carro através da Avenida Almeida Ribeiro.
À chegada ao palácio, do "grupo de limitadas pessoas escolhidas para lhe fazer companhia durante a permanência em Macau", constam Camilo Pessanha, "o subtil poeta", Manuel da Silva Mendes, "o erudito cultivador e coleccionador da arte chinesa", e António de Meireles, "espírito delicado e vice-presidente do Conselho Legislativo".
Ainda segundo as "Notas de Reportagem" depressa "generalizou-se a conversa em tom de intimidade" com Ibanez a perguntar ao Governador por Bernardino Machado, Afonso Costa, Magalhães Lima, a política em Portugal (onde o escritor ainda iria) e em Espanha...
Ibanez diz que a "A República é uma forma política dentro da qual as conquistas sociais, económicas e outras se podem desenvolver naturalmente sem sobressaltos. É preciso, portanto, que esteja estabelecida a tempo... senão tomam maior vulto as questões que dentro dela se podiam desenvolver. Está a suceder isso com a questão económica. As democracias que se implantaram tarde serão as primeiras a experimentar o atraso que lhe fizeram as classes que o não souberam compreender e adaptar-se". Dá o exemplo da Rússia e teme que o mesmo venha acontecer em Espanha.
"Usa um pequeno bigode (...) não fuma (...) aspecto magnífico" são as palavras das Notas de Reportagem para descrever Ibanez. Fala-se ainda de arte e música. Ibanez adora fado. A certa altura o escritor espanhol vira-se para Pessanha e pergunta: "Estava a ver que me lembrava (Guerra) Junqueiro". E Pessanha responde: "Só exteriormente". Terminada a conversa fica assente que Ibanez só regressaria a Hong Kong (e dali para as Filipinas) à noite, depois de jantar no Palácio do Governo. Até lá, o governador leva-o a passear numa visita guiada pelo território. "Sabe, esta visita a Macau faz parte de um largo plano que trago em laboração. ando numa viagem à volta do mundo, mas não me conduz só o diletantismo. A História, a Arte, a Vida.. são coisas que não se fazem na cozinha, como julgam e fazem tantos outros que escrevem. é preciso senti-las... vivê-las..." confessa Ibanez ao governador no início do passeio marcado por "uma conversa sempre animada e amiga, como entre velhos camaradas", testemunha o autor das Notas.
A primeira paragem é feita no Jardim de Camões onde o governador resume as façanhas dos portugueses até chegarem a Macau no início do século 16. Já na gruta, Ibanez presta homenagem ao poeta "que tão bem conhecia". Um grupo de portugueses ouvia música num gramofone e colocara os chapéus no busto de Camões algo que desagradou ao governador. Nas Notas escreve-se que Ibanez "na sua generosidade esquecerá certamente" o episódio.
Dali a viagem prosseguiu "até à histórica fortaleza do monte" e "pelas obras já concluídas do porto novo" e às "em plena actividade grandes obras do porto exterior". Para o governador "dentro de três a cinco anos Macau poderá voltar a ser um grande entreposto marítimo." Ibanez estranha tal facto não ser conhecido no Ocidente e promete ajudar nesse sentido: "Contem comigo, com a minha pena e as minhas relações..."
"Dali, porque a tarde avançava, foi-se em romagem à Colina da Guia, onde se ergue o primeiro farol que a civilização ocidental, pela mão dos portugueses, acendeu nas praias do Oriente". A vista proporcionada era deslumbrante acentua o governador. "Tombava uma tarde gloriosa de luz, de suavidade e harmonia. (...) Macau oferecia um espectáculo inolvidável, matisada do rubro poente em que o sol se afagava, explodindo entre a Lapa, e Ma-Lau-Chau até à côr glauca do mar e rôxo escuro da noite, vindo das Nove Ilhas e dos montes do Catai, de onde Marco Polo tirou o nome da China."
Fez-se noite e a "cidade salteou-se de luz electrica". Tinham de prosseguir o passeio e "descer para irmos ver as magníficas collecções de arte chineza do Dr. Silva Mendes e para apanhar em flagrante o Macau phosphorescente de fantan (jogo), de culaus (restaurantes) e do ópio."
Ao fim de duas horas, às 8 da noite, estava tudo pronto para o "jantar despido de protocollo" oferecido pelo governador. "À mesa conversou-se como em família. Ibanez falou da guerra e dos seus projectos literários futuros..."
O navio que levaria Ibanez para as Filipinas não tardaria a zarpar de Hong Kong pelo que o repasto foi de curta duração. "Eram dez horas da noite, quando na ponte da capitania * o illustre visitante se despediu do governador e entrou na lancha 'Coloan' do governo, posta às suas ordens para o conduzir a Hong Kong". 
Blasco Ibanez despede-se com um "Adios! Hasta Siempre!"

* ponte-cais nº1, junto ao actual Museu Marítimo.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

"Pequeno reducto proximo do palacio do governo na Praia Grande"

Após os sucessivos ataques dos holandeses ao território nos primeiros anos do século 17 é iniciada a construção do fortim de S . Pedro (logo após 1622) a meio da baía da Praia Grande, junto ao local onde actualmente se encontra a estátua de Jorge Alvares. Estava artilhado e tinha ao centro um mastro "onde em dias de galla é içado o pavilhão real".
Bocarro refere-se a este baluarte em 1635: "Na praya grande está hua plataforma que tem hum terço de canhão de metal que tira bala de dezoito libras de ferro".
As peças da guarnição foram mudando ao longo dos anos. O pintor George Chinnery retratou esta estrutura militar em muitos dos quadros que fez do território, em particular da Praia Grande (dois deles ilustram este post), no período em que viveu em Macau.
"Esteve de visita em Macau esta semana o sr D Heribesto Garcia Quevedo ministro de Ilespanha na China. S. Exa. partiu sabbado para Cantão. Quando o vapor que o conduzia passou em frente da Praia Grande salvou o fortim de S Pedro com quinze tiros." Este excerto é retirado de uma edição de 1870 do Boletim do Governo.
Nos "Apontamentos para a historia de Macau" (1883), J. Gabriel B. Fernandes escreve: "Além das mencionadas fortalezas encontram se mais o fortim de S. Pedro, pequeno reducto proximo do palacio do governo na Praia Grande com 6 peças de artilheria de campanha (...)
O fortim ou baluarte seria demolido ao fim de 3 séculos de existência, em 1934, aquando dos aterros da Praia Grande.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Chronicles in Stone

"Chronicles in Stone" é um livro da autoria de Shann Davies editado pelo Departamento de Turismo de Macau em 1985. Qualquer semelhança com este título não é pura coincidência.
Alguns dos temas abordados: teatro de Dom Pedro V, Museu Luís de Camões, Igreja de Santo Agostinho, Templo da Barra, Hotel Bela Vista, Santa Casa da Misericórdia, Fortaleza de S. Francisco, Leal Senado, Palácio do Governo, Fortaleza do Monte, Igreja de São Domingos, Ilha Verde, Forte de Mong-Ha, Fortaleza da Barra, Templo de Kun Iam, Palacete de Santa Sancha, Igreja de São Paulo, etc...

segunda-feira, 26 de abril de 2021

"Macao Gambling Differs From Las Vegas Variety"

Curioso por saber como era o cenário dos casinos nos primeiros anos da década de 1970, incluindo o ambiente que se vivia no Casino flutuante ou nas salas de jogo do hotel Lisboa?
Fica a sugestão para ler este artigo da autoria de Kenneth Englade (da agência de notícias UPI) publicado no jornal dos EUA, Sarasota Herald-Tribune a 13 de Abril de 1975.
Macao Gambling Differs From Las Vegas Variety
Macao (UPI) - Gambling is a big business in Macao, a tiny flyspeck of an island 40 miles southwest of Hong Kong within spitting distance of China. But de action is not quiet at the Las Vegas pace. (...)

domingo, 25 de abril de 2021

Sabia que...

... o Pavilhão de Macau feito para a Exposição de Sevilha em 1929 esteve para ser reproduzido em Lisboa pouco tempo depois?
Jaime do Inso escreveu um artigo sobre o assunto no Jornal de Macau a 16 de Abril de 1931... depois reproduzido no Boletim Geral das Colónias em Junho desse ano.

sábado, 24 de abril de 2021

Proibição de cortar lenha nas ruas: 1862

Edital
Faço publico pelo prezente, de Ordem do Ilmo e Leal Senado, que desde esta datta em diante não se permitte cortar lenha, ou qualquer madeira nas ruas, nem tão pouco pôr taes objectos ou outra qualquer coiza nas ruas que possão obstruir o livre tranzito. Os Contraventores da prezente determinação serão devidamente multados. E para que chegue a noticia de todos, se mandou publicar este nos lugares do estilo.
Macao Secretaria da Camara 29 de Setembro de 1862
Maximiano Felix da Roza
Escrivão da Camara
in O Boletim do Governo de Macao - 4.10.1862

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Avenida Dr. Oliveira Salazar

A Avenida Dr. Oliveira Salazar (corresponde à actual Avenida da Amizade e Av. Dr. Mário Soares) surgiu na década de 1940 - era chefe de governo em Portugal - sendo o nome da via com maior extensão nos então recentes aterros do Porto Exterior.
Começava na Rua da Praia Grande, em frente do Palácio das Repartições Públicas (o edifício do antigo tribunal já desactivado), e seguia junto à linha de água em toda a extensão dos aterros do Porto Exterior, terminando na Av. do Dr. Francisco Vieira Machado, então ministro das Colónias (perto da Rua dos Pescadores), um topónimo também com origens nos primeiros anos da década de 1940.

Década 1950: corpo motorizado da PSP na Av. da Amizade

Discurso de Salazar a 20 de Outubro de 1949 sobre a subida ao poder do Partido Comunista chinês: 
"(...) Macau não é um exemplo de conquista ou domínio militar; é um padrão do primeiro contacto da Europa com o Oriente, respeitado historicamente como um símbolo de possibilidade de compreensão e de amizade entre raças diferentes. Ali se juntam, ali se fundem, ali cooperam em paz e no respeito mútuo. Não pode prever-se qual o comportamento das novas autoridades nem as suas intenções para o futuro imediato. (...)"

A apreensão na metrópole viria a originar o reforço do contingente militar com cerca de 6 mil elementos entre 1949 e 1950.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Centro de Recuperação Social da Ilha da Taipa

Num outro post abordei  o tema. Agora recordo esta edição: O centro de recuperação social da ilha da Taipa em Macau, da autoria de Sigismundo Revés e Alberto Cotta Guerra, editado pela Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1962.
O primeiro era o comandante da PSP e um dos grandes impulsionadores da criação deste centro, o segundo o responsável pelos serviços de neuropsiquiatria dos serviços de saúde de Macau e que estavam encarregues dar acompanhamento médico aos que frequentavam o CRS, cujas instalações ficam no quartel militar. 
O médico visitava regularmente o centro e estavam nas instalações em permanência um enfermeiro e um auxiliar. Caso mais graves eram tratados nos hospitais em Macau sendo os pacientes transporte numa vedeta da marinha. Recorde-se que nesta altura não havia ainda uma ponte a ligar a Taipa a Macau. Só seria inaugurada em 1974. Assegurava ligação fluvial em termos de transportes públicos umas embarcações que demoravam cerca de 30 minutos a percorrer a distância e cujos horários estavam dependentes das marés tal era o nível de assoreamento do delta do rio.
Quando o CRS foi criado em  Maio de 1961 'absorveu' o Abrigo de Mendigos e Vadios que já existia e que era da responsabilidade da Administração do Concelho das Ilhas.
 As oficinas do CRS da Taipa
 
Registos fotográficos das várias actividades em que os pacientes internados estavam envolvidos: desde agricultura, ferreiros, costura, fabrico de vassouras e sapatos, etc... Em muitos casos vendiam os seus produtos e as receitas ficavam em pare para eles e noutra parte para o próprio CRS. Também faziam parte do processo de recuperação a prática de desporto.
Recorde-se que a assistência aos toxicómanos em Macau só foi regulamentada em 1946. Até essa data os casos eram tratados de forma avulsa nos hospitais. Com esta legislação foram criados dois centros de tratamento: um no hospital S. Januário e outro na cadeia pública.
Jornal Lodi News-Sentinel: 19.9.1962

quarta-feira, 21 de abril de 2021

"Portugal Will Clean Up 'Plague Spot' In China"

Portugal Will Clean Up Plague Spot In China
By George Haladjian 
(Associated Press Correspondent)

Lisbon - (AP) - Macao, the wild city of Portugese China, on the Bay of Canton, where vice is rampant and opium and gambling den wide open, is to become respectable. The Government has decided to stamp out all forms of vice from this "plague spot" which brought disgrace and contempt on Portuguese colonial administration (...)

"Portugal vai limpar 'mancha da praga' na China" pode ser a tradução deste artigo publicado no jornal Evening Tribune a 8 de Dezembro de 1929. Da autoria do correspondente da agência  noticiosa Associated Press em Portugal, tem por base declarações do recém nomeado governador Artur Tamagnini Barbosa que pretendia eliminar a "praga" que era o consumo do ópio no território nesta altura e que 'manchava' o nome de Portugal no mundo.

terça-feira, 20 de abril de 2021

"Um extenso caes, chamado praia-grande"

Praia Grande - perspectiva Sul/Norte - por G. Chinnery

"(...) O pequeno territorio que occupamos em Macáu tem uma legua escaça de comprimento e meia legua ainda mais escaça na maior largura: uma muralha de pedra ensôssa, collocada n'uma lingua de terra distante das portas da cidade marca os limites do terreno chamado portuguez, que com todo o ciúme e vigilancia são guardados pelos chins, e que não é dado a europeus ultrapassar, salvo em auxilio para apagar fogos conduzindo agua e instrumentos adequados. 
Tanto da parte do norte como da do sul é murada a cidade; daquella tem sahida para o campo por duas portas, entre as quaes se eleva o forte de S. Paulo do Monte; pela outra a limitam dois fortes entre os quaes a cavalleiro se vê a ermida de N. Sa. da Penha que já foi fortificação. Outros três fortes defendem a bahia e entrada do porto: n'uma alcantilada montanha, fóra das mencionadas portas, apparece o forte de N. Sa. da Guia dominando o mar e todo o espaço adjacente. 
Um extenso caes, chamado praia-grande, da parte de leste em frente da bahia, offerece uma morada aprazivel, pois alem da vantagem da posição é ventilado pelas aragens refrigerantes no verão e resguardado das furias das nortadas no inverno. A parte occidental goza a vista do porto, e da ilha por sua constante primavera, appellidada ilha verde.  O porto é formado pelo rio Tigre, que desce de Cantão, não tem capacidade para admittir navios de grande porte. (...)
in O Panorama, 1839
Porto Interior e Ilha Verde (já com istmo) ao fundo. Foto ca. 1900

segunda-feira, 19 de abril de 2021

"A secret gateway for mainland China trips"

Deng Xiaoping chega ao poder na China em 1978 e em pouco tempo as políticas que implementa vão transformar de forma radical o país - reformas económicas -  e a sua relação com o resto do mundo - abertura como nunca antes ocorrera.
No final de 1979 - ano em que Portugal e China restabeleceram relações diplomáticas - assistiu-se a uma pequena revolução no sector do turismo para quem pretendia visitar a China.
Por regra, o país não permitia a entrada a estrangeiros embora existissem excepções, ainda assim apenas permitidas em condições muito especiais e com restrições nas deslocações no interior do país sempre acompanhas por elementos das autoridades locais. Em 1965 apenas 4 mil estrangeiros foram autorizados a visitar a China. Em 1979 foram 960 mil! 
No final da década de 1970 o turismo era o sector com maior crescimento no país. Entre 1977 e 1979 o número de turistas a entrar no país triplicou. A maioria era ainda composto por cidadãos chineses a residir no estrangeiro, mas já havia norte-americanos, ingleses, australianos, japoneses e tailandeses... 
Em 1979 nas primeiras estatísticas reveladas sobre as receitas deixadas por estes turistas indicam uma subida de 54% face ao ano anterior.
Em 1980 - ano em que o governador de Macau Melo Egídio visitou a china, a primeira visita depois do reatar das relações diplomáticas - as agências de viagens escreviam nos anúncios:
"Why not combine your trip with a two or three night holiday in exotic Macau or a visit to mainland China!"
Numa primeira fase as entradas na China só eram permitidas a partir de Macau mas depois também foram autorizadas a partir de Hong Kong. 
Os chineses de Hong Kong faziam a viagem de comboio ou autocarro. No caso de Macau, bastava fazer umas escassas dezenas de metros a pé e entrava-se na China passando literalmente por baixo do arco da Porta do Cerco (o postal ilustrado acima é dessa época). As visitas à China eram apenas permitidas por um dia - não se pernoitava - e limitadas à região de Zhuhai, que acabara de ser tornada em região económica especial. 
A novidade era enorme e representava uma diferença abissal - recorde-se que nem fotografias eram permitidas na zona da porta do Cerco.  Tudo começou a 15 de Outubro de 1979 - sem anúncio formal - com um número limite de 200 estrangeiros por dia e durante um período experimental de seis meses. As visitas eram feitas em excursões de autocarros - ficaram famosos as dezenas de Isuzu com ar condicionado que passaram a circular - sempre acompanhados de guias turísticos.
Vejamos o artigo de um jornal do Canadá, o The Montreal Gazette de ‎10 de Novembro de 1979 com o título "Macao, A secret gateway for mainland China trips" / "Macau, uma porta secreta para viagens à China continental".
"One of the best kep secrets of the enigmatic Orient is out. China is now welcoming day trippers - yes, day trippers! - with open arms. Virtually all you need to slip through the Bamboo Curtain is a valid passport, the tour fee of about Cdn$30 and your sea fare to Hong kong's neighbouring Portuguese province of Macao. (...) In fact, right until the day-tours started last month, Brian Cuthbertson. who heads the Macao Information Bureau in Hong Kong wasn't too sure what visitors were going to be offered. (...)
It's been a similar story in Macao, where visitors have been unable to photograph — let alone pass through — the massive arched border gate (Portas do Cerco) for years. With the advent of the one-day junkets, all this has changed. (...)" 
"Um dos segredos mais bem guardados  do enigmático Oriente foi descoberto. A China passou a recebendo turistas - sim, turistas! - de braços abertos. Praticamente tudo que precisa para passar a chamada Cortina de Bambu é um passaporte válido, a taxa de turismo de cerca de 30 dólares do Canadá e o bilhete da passagem por via marítima para a vizinha província portuguesa de Hong Kong, Macau. (...) Na verdade, até ao início das excursões diurnas no mês passado, Brian Cuthbertson, que dirige o Gabinete de Informação de Macau em Hong Kong, não sabia muito bem o que os visitantes iriam poder ver. (...) É uma história semelhante em Macau, onde os visitantes não conseguiam fotografar - muito menos atravessar - o enorme portão em arco da fronteira (Portas do Cerco) há anos. Com a chegada destas excursões de um dia de duração, tudo isso mudou. (...) "
Dados sobre fluxo de turistas na China de 1979 a 1989* 
Artigo de 12 de Agosto de 1979

* Em 1979 Pequim permitiu que um conjunto de 30 cidades chineses pudessem ser visitadas por turistas estrangeiros. A estadia no país não poia ultrapassar os 20 dias. Era sempre feita em regime de excursão e os visitantes acompanhados por guias turísticos chineses.

domingo, 18 de abril de 2021

19th Century View of the Praya Grande from the North

A base de licitação desta pintura - Chinese School, 19th Century View of the Praya Grande from the North, Macao - num leilão em Boston (EUA) em 2004 rondava os 15.000 dólares, mas acabou por ser vendida por 35.250 dólares.
Trata-se de um óleo sobre tela (76x43 cm) de ca. 1850 não assinado (da chamada Escola Chinesa). Apresenta uma perspectiva da baía da Praia Grande vista de Norte para Sul. Nos edifícios civis destaque para um que tem hasteada uma bandeira do EUA e ainda a Sé catedral com as duas torres (lado direito). À esquerda a colina Penha e a ermida com o mesmo nome. Ancorados na baía estão várias embarcações, incluindo juncos, tancares, sampanas e ainda um navio de pás a vapor com bandeira dos EUA. As figuras humanas são apresentadas junto ao (que viria ser) jardim de S. Francisco, primeiro passeio público do território (1860).
This painting  - 17 x 30 inches - was sold in an auction in Boston in 2004 for $35.250.  It's from 19th century c. 1850 - "Chinese School" - and it shows a biew of the Praya Grande bay from the North. Unsigned. 
This oil on canvas shows a row of western style buildings with an American flag flying above one, the sweeping curve of the Praya Grande to the right, the hill Penha to the left with a church, several Chinese junks and a sidewheeler flying an American flag in the foreground. Human figures on the right, near S. Francisco garden already a green spot but built in 1860.

sábado, 17 de abril de 2021

Colonial Army of Portugal

Colonial Army of Portugal
The colonies of Portugal are quite extensive, those of Africa being of considerable importance. For administrative purposes the colonies are divided into seven governments of which five are in Africa, one in India and one in Oceania. They are Cape Verde, Guinea, St Thomas, Angola and Mozambique, India and Macao and Timor. (...) 
Macao
A battalion of infantry stationed in this district as early as 1869 constituted for a number of years the only force of the first line for Macao and dependencies but in 1876 a battalion of the Ultramar infantry regiment was sent there. In 1876 the strength of the officers at Macao and Timor was fixed at 1 colonel, 1 lieutenant colonel, 2 majors, 8 captains, 8 lieutenants and 12 ensigns and the old infantry battalion was disbanded and replaced by a police corps. When the Ultramar infantry regiment was disbanded in 1893 a company of artillery for Macao was created with a strength of 86 men, all Europeans, but the reorganization law of 1895 changed all the formation into two infantry companies at war strength.
in "Colonial Army Systems of the Netherlands, Great Britain, France, Germany, Portugal, Italy and Belgium". Vol. 34. United States. Adjutant-General's Office. Military Information Division, 1901.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

"Java, Siam, Canton: Voyage Autour Du Monde": 2ª parte

Depois dos excertos em inglês no post de ontem aqui fica o essencial da descrição relativa a Macau  (Fevereiro de 1867) numa tradução livre que fiz para português. Boa leitura!
"Chegamos ao cais (de Hong Kong) para seguir para Macau a bordo do Fire-Dart, um vapor americano de dois andares em que tínhamos como companheiros de viagem seiscentos chineses com as suas mulheres, abarrotados como anchovas num pote. De forma calma fumam ópio aconchegando-se para evitarem o frio. (...)  Três navios desta empresa já caíram nas mãos dos piratas com a cumplicidade dos passageiros que prenderam o capitão e a tripulação quando não tiveram coragem para os massacrar. (...)
Após três horas e meia de viagem, dobramos o molhe da Taipa e a península de Macau aparece-nos sob os últimos raios de sol: as cores portuguesas flutuam nos fortes. (...) Imaginem sete ou oito colinas coroadas de ameias de granito vermelho; uma aglomeração de picos que chegam até aos duzentos metros acima do nível do mar,  nas encostas uma aglomeração de casas com terraços e telhados pintadas de azul, verde e vermelho; uma dúzia de campanários de catedrais, janelas protegidas por barras de ferro, ruelas pavimentadas com dois metros de largura (...) e uma enseada circular e envolvente em que se aglomeram milhares de juncos: eis Macau. (...)
O que existe aqui de mais curioso são as casas de jogo, já que Macau é o Mónaco do Celeste Império. A maior parte dos chineses ricos de Hai-Nan, Kwang-Tong e Fou-Kien são suficientemente doidos para vir aqui perder o seu dinheiro (...). Um croupier patriarca, de trança branca, uma barbicha de quatro pontas e unhas imensamente compridas, preside à banca sobre a qual se acotovelam centenas de jogadores. (...)
(...) conduzidos n parte da manhã por D. Osório, ajudante de campo do governador, e à tarde, por Sua Excelência, D. José Maria da Ponte Horta, major de artilharia, visitámos hoje toda a possessão, o que é fácil visto ter uns cinco quilómetros de comprimento e dois de largura. Esta península tem a forma exacta de uma pegada humana em que o calcanhar está virado para o mar e o polegar termina numa língua de terra que, com quatrocentos metros de largura, liga a península a Hiang-Chan. 
O calcanhar é formado por nove colinas rochosas dominadas pelas fortalezas de Bom Parto, Barra, S. João e S. Jerónimo. A grande curva interior da planta do pé está repleta de habitações sobrelotadas de chineses que são cento e vinte cinco mil, enquanto os dois mil residentes portugueses se concentram na parte oposta e exterior. 
Praia Grande (ilustração não incluída no livro)

A Praia Grande, esplanada marítima, é o passeio: mansões com grades sombrias, palácio do governador, capitania do porto, casas oficiais ou comerciais alinham-se, apresentando claramente a marca colorida, recurvada e monástica da mãe pátria. 
Imaginem agora que uma muralha (...) vai escalando pelo peito do pé e que todas as articulações dos dedos se crispam formando montanhas no cimo das quais estão os fortes de S. Francisco, da Guia, de S. Paulo do Monte, mais outros sete ou oito. Em baixo fica a planície cultivada pelos horticultores, a vila de Mong-Há e a muralha de dezasseis pés de altura que separa a colónia do território chinês.
As ruas que vamos percorrendo ao longo do nosso interessante passeio são talhadas em granito com o mais belo efeito. Uma centena de canhões de grande calibre, distribuídos pelas alturas, têm o dever de defender a península. (...)
Visitámos depois a Praça da Sé, a catedral e a velha sede do Senado onde se exibe desde 1654 a seguinte inscrição: "Cidade do Nome de Deos - Não há outra mais Leal".
Percorremos as casernas, os mosteiros, a igreja de São Paulo construída pelos jesuítas em 1594 e agora praticamente toda destruída por um incêndio, o Asilo dos Pobres, etc.; numa palavra, uma série de edifícios antigos e cristãos encimada por cruzes, ornada de santos nos seus nichos, cobertos de frescos curiosos. Acrescente-se a mantilha que esconde a cabeça das mulheres, o chapéu escuro e oblongo sobre o qual caminham os frades, a corneta branca das Irmãs de Caridade, e jurar-se-ia, asseguro, estarmos à sombra das basílicas de Lisboa ou de Génova! (...)
Depois (...) percorremos bosques (...) e chegamos à gruta de Camões! A história conta que, em 1556, o grande poeta tinha acabado de escapar a um naufrágio nestes mares pouco hospitaleiros e, tendo salvo apenas os primeiros versos de Os Lusíadas, chegou a nado à colónia que então acabara de começar. Refugiou-se nesta gruta batida pelo mar e, chorando o seu exílio, cantou as glórias da pátria. O sítio (...) isolado e selvagem (...) oferece um espaço que deve ter inspirado a sua admirável epopeia. (...)
Gruta Camões por G. Chinnery (ilustração não incluída no livro)
13 Fevereiro
Já nos vamos habituando à temperatura de Inverno e às longas caminhadas nestes lugares interessantes. (...). No alto do Monte, visitámos as ruínas de um convento de jesuítas e, depois, estudámos em detalhe a coisa mais característica de Macau: os “barracões”, entrepostos famosos da pretensa “emigração dos cules”, mais justamente conhecida por tráfico de chineses. (...)
Numa primeira impressão tudo parece magnífico. Mas (...) apercebemo-nos que, ao longo dos corredores, à direita e à esquerda, se amontoam em armazéns todos os chineses “de partida para a emigração”. Esperam a partida com os corpos de cores macilentas, vestidos de farrapos, exibindo a marca odiosa de uma miséria. (...) É totalmente deplorável esta história do tráfico de chineses. Apesar de ter surgido há apenas dezanove anos, conta já com os mais horríveis massacres, as mais infames especulações, mil vezes mais atrocidades do que as do tráfico negreiro que veio substituir. (...)
Todos os anos partem de Macau cerca de cinco mil chineses para Havana e oito mil para Callao. Certamente, se a emigração fosse dirigida por escritórios desinteressados e honestos poderia ser um imenso benefício para os países que escasseiam em víveres como para os que precisam de trabalhadores. (...)
Felicito do fundo do meu coração a colónia inglesa de Hong Kong por ter, num dos seus primeiros éditos, proibido sobre no seu solo e nas suas águas a emigração dos cules! (...)
Às seis da manhã, embarcámos no “Príncipe Carlos”, bonita canhoneira que o governador de Macau pôs ao serviço do príncipe (francês que fazia parte da comitiva) para ir a Cantão. Contornamos as partes rochosas da península e, a pouco e pouco, a Praia Grande, o forte da Guia onde foi construído o primeiro farol dos mares da China, o Monte e as colinas das fortalezas perdem-se no horizonte; dizemos adeus à colónia, o último entreposto europeu que nos foi dado ver antes de entrarmos no Celeste Império. Macau é o primeiro calcanhar que os navegadores do ocidente colocaram nos bordos da China e a sua história liga-se a todos os eventos da guerra entre a Europa e a grande potência asiática. Foi o português Perestrelo que a abordou, antes de qualquer outro, no rio de Cantão, em 1516. (...)
Mapas de uma edição a cores do livro

Macau conta cerca de 125.000 chineses e 2.000 portugueses. (...) O comércio quase se resume à importação de 7.500 caixas de ópio num valor de 16.310.000 francos e à exportação de chá no valor de 3.400.000 francos. Como podem imaginar, é sobre os chineses que habitam em Macau que caem todos os impostos e, seguindo a regra fatal dos povos asiáticos, é impondo os seus vícios que mais se ganha. Mais de 100.000 piastras (500.000 francos) provêm das casas de jogo; mais de 300.000 francos do ópio e dos barracões! E é significativo num orçamento de receitas de 1.188.000 francos apenas. Quanto às despesas, como o território é exíguo e os dispêndios modestos (18.750 francos para o governador, 11.500 francos para o juiz, 3.900 francos para o coronel, 3.000 francos para o procurador) não ultrapassam os 973.000 francos: os 215.000 francos de benefício entram nos cofres da metrópole. (...)

quinta-feira, 15 de abril de 2021

"Java, Siam, Canton: Voyage Autour Du Monde": 1ª parte

"Java, Siam, Canton: Voyage Autour Du Monde", de Ludovic marquis de Beauvoir, foi publicado original em francês no ano de 1869.  
Como o título indica trata-se do testemunho de uma viagem à volta do mundo que passou por "Australie - Java - Siam - Canton - Pékin - Yeddo - San Francisco", Hong Kong e Macau.
A obra de 3 volumes teve várias edições e traduções. A versão que escolhi para este post é a inglesa publicada em Londres em 1870.
Conde e depois marquês Ludovic Hébert assina uma obra que é considerada um dos melhores relatos de viagens da segunda metade do século 19, sendo inclusivamente premiada pela Academia de França na época.
Excerto do capítulo 27 do vol. 2 com testemunho sobre uma visita a Macau em Fevereiro de 1867.  Foi do território que a comitiva partiu rumo a várias cidades chinesas, incluindo Pequim.
O tráfico de cules é o assunto principal, mas aborda-se também o panorama do comércio e dá-se testemunho de uma visita à gruta de Camões, entre outros.


"We (...) take ship for Macao on board the Fire Dart an American two decked steamer where we have for travelling companions six hundred Chinamen with their wives packed together like anchovies. They are all peacefully smoking opium huddled up in their quilted wrappers to keep out the cold. (...) Three of this American Company's vessels have already fallen into the hands of the pirates thanks to the connivance of the passengers who secured the persons of the captain and crew when they had not courage to murder them. (...)
After a passage of three hours and half we rounded the harbour of Typa and the peninsula of Macao appeared to us lighted by the last rays of the sun the Portuguese flag floating over the steep fortifications which command this rocky country. Imagine seven or eight bold peaks crowned with red granite battlements an agglomeration of barren mounds reaching to within two hundred yards of the level of the sea succeeded by a chaos of houses with southern looking terraces for roofs and painted blue green and red a dozen church steeples windows barricaded with iron bars paved a alleys two yards wide winding through suburbs built in sugar loaf shape and below all this the circular harbour where thousands of junks are crowded together. Such is Macao. (...)
The most curious things here are the gambling houses for Macao is the Monaco of the Celestial Empire. Most of the wealthy Chinamen from Hainan, Kwang Tong and Tonkin are fools enough to come and lose their money here (...).  A patriarchal croupier with a white tail a beard consisting of four hairs well gummed together and immensely long nails presides at the table round which crowd hundreds of players. (...)
12th February 
Our courteous guides to day have been in the morning Don Osorio the Governor's aidede camp and in the afternoon His Excellency himself Don José Maria do Ponte Horta, major in the artillery, with whom we have visited the whole domain no very difficult matter as it appears to be about three miles long by one and a quarter wide.
This promontory is of the exact shape of the impression of a human footstep of which the heel is turned to the sea while the big toe meets a tongue of land some four hundred yards wide which joins it to the great island of HianShan. The heel is formed of nine high rocky hills which command the forts of Bour Parto, Barra, San João and San Jeronimo. The inner curve of the sole is crowded with the houses of the Chinese who number a hundred and twenty five thousand. (...)
We inspected the barracks the monasteries the church of St Paul built by the Jesuits in 1594 and of which three parts have been destroyed by fire, Asylos dos Pobres, etc.... In short a whole series of old Christian buildings surmounted with crosses ornamented with images of saints in niches covered with curious frescoes. Add to these the mantillas covering the women's heads the huge long black hat under whose shade the monks walk about the white caps of the sisters of charity and one might swear that one was in the shadow of the basilicas of Lisbon or Genoa. (...) 
Then we took the shore road under groves of evergreen trees washed by the waves (...) where we found ourselves in the Grotto of Camoëns. History relates how the great poet having been wrecked on these inhospitable shores only saving the first lines of the Lusiades reached by swimming the Portuguese colony then just coming into existence. He took refuge in this grotto washed by the waves and while weeping over his exiled lot sang the glories of his country. (...)
The twilight was nearly over as we came to the end of the domain of the colony and found ourselves on the narrow tongue of land which joins Macao to HiangShan. Two hundred yards from us on either hand the waves of the rising tide were breaking and the granite barrier of the Chinese Empire barred our forward way.  (...)
13th February 
We are beginning to get accustomed to the wintry weather and long walks over the most interesting ground make the time pass quickly. On the summit of the Monte we visited first the ruins of a Jesuit convent and then proceeded to study the details of the most characteristic feature of Macao the Barracons the celebrated establishments for the pretended emigration of coolies more justly branded with the name of trade in Chinamen. The first shop of these human salesmen that we entered presented the most smiling exterior terraces decked with flowers great porcelain vases mahogany furniture in the reception rooms of the officials. (...) Every year about 5000 Chinese leave Macao for Havannah and 8000 for Callao. Certes and if this emigration were conducted by honest and disinterested officials it would be an immense benefit both to the country that is short of provisions and that which is short of labourers and we should hail with the liveliest sympathy the vessels which carry off the surplus of the most prolific population in the world from this country whose soil is not everywhere fertile and which is far from sufficing to feed all the dwellers on it. (...)
Baía da Praia Grande

14th February 
At six o clock this morning we went on board the Principe Carlos a beautiful gunboat lent by the Governor of Macao to the Prince* to take him to Canton. We skirted the rocky bays of the peninsula and gradually the Praye Grande the Guia fort where the first lighthouse in the China seas was erected the Monte and the battlements of the fortifications are lost in the dim horizon and we bade farewell to this colony, the last European outpost we shall see before the Celestial Empire itself Macao was the first beacon planted on the outskirts of China by the western navigators and its history is consequently connected with all the struggles between Europe and the great Asiatic power. (...)
Macao contains about 125,000 Chinese and 2000 Portuguese. In 1865 it registered only 206 vessels clearing the harbour against the 1000 of thirty years back. Its trade resolves itself almost into the importation of 7500 chests of opium worth 652 000l. and the exportation of tea to the value of 136 000l. 
As you may easily imagine the imposts all fall upon the Chinese inhabitants and according to the fatal rule of Asiatic nations it is by taxing their vices that the largest profit is made. More than 100,000 piastres 20 000l. is drawn from the gambling licenses more than 12 000l. from opium and the Barracons and this is no small sum in a budget of receipts of only 47 500l. As regards expenses thanks to the insignificance of the place and the smallness of the salaries they only amount to 38 900l. The 8600l. of surplus flow into the coffers of the mother country where according to all accounts there is plenty of room for them. (...)
* o autor do livro acompanhou na viagem o duque Penthièvre, filho do príncipe de Joinville.
PS: imagens de ca. 1870 mas não pertencem ao livro e foram coloridas de forma digital. 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Comerciantes estrangeiros

Em 1685 o imperador da China Kangxi (governou entre 1662 e 1722) abriu o porto de Cantão ao comércio com os estrangeiros, uma abertura ainda assim parcial, já que ocorria apenas alguns meses por ano e o acesso só era permitido a partir de Macau.
Com esta medida os portugueses de Macau perdem o exclusivo do comércio com a China e passam a ter concorrência de outros países. Em 1688 as autoridades chinesas instalam no porto interior de Macau uma alfândega - o denominado hopu - para cobrança de direitos sobre as mercadorias. Outro hopu seria criado na Praia Grande em 1732. *
Macau entra assim no século 18 com uma frota comercial limitada a 25 embarcações e com maior fiscalização das autoridades chinesas sobre a actividade dos estrangeiros no território. Em 1736 é instituída a figura do Mandarim que a partir da Casa Branca superintende a governação de Macau, já de si dividida entre o Senado e o Governador.
É neste contexto que a vida no território vai mudar de forma substancial. A até então sociedade fechada passa a ter a presença constante de estrangeiros. Sobretudo britânicos, holandeses e norte-americanos.
A maior dessas comunidades era a da "Companhia Inglesa da Índias Orientais" / East India Company (E.I.C.), formada por comerciantes londrinos nos primeiros anos de 1600 baseada numa carta real de outorga de direitos, privilégios e obrigações.
O poderio era de tal ordem - milhares de homens e centenas de navios - que para além dos armazéns em Cantão arrendam (não podiam comprar) vários edifícios apalaçados na orla da baía da Praia Grande. Mais tarde chegou ainda a arrendar durante muitos anos o que hoje se conhece por Jardim Camões e Casa Garden.
Da Holanda chegou a "Companhia Holandesa das Índias Orientais" ou "Companhia Unida das Índias Orientais", resultado da fusão numa única entidade de várias pequenas companhias de comércio que tinham surgido nos Países Baixos. A V.O.C. (Verenigde Oost-Indische Compagnie) estava mandatada para agir em nome do estado holandês, não só para comércio como também para acções militares. Foram os homens da VOC que por diversas vezes, na primeira metade do século 17, atacaram Macau tentando tomar o território de asssalto. 
A China era o último ponto da expansão comercial, mas antes era preciso comerciar na Índia de modo a obter a prata necessária para comprar produtos na China. Chá, seda e porcelana, sobretudo. Não obstante a falta de experiência na região estas "companhias" vão agora sobretudo de forma autónoma.
Por Macau o comércio era feito por privados, mercadores ricos a quem a coroa portuguesa cobrava impostos e que também deixavam parte do lucro nos cofres macaenses.
Um dos comerciantes desses tempos era António José Gamboa. Há registo da actividade desde 1780 no ópio e algodão sendo proprietário de diversos navios. Por via do matrimónio conseguiu ligar-se às famílias de comerciantes reinóis locais, entrando assim no grupo restrito da rica elite macaense (che­ga a ser vereador do Senado várias vezes).
Outro dos homens era Manuel Homem de Carvalho. Com percurso semelhante, por via do matrimónio ficou a pertencer à família Vicente Rosa, uma das mais importantes da cidade, e foi tam­bém membro das vereações do Senado.
Esta situação de comerciantes estrangeiros estabelecidos em Macau - também houve a Companhia Francesa das Índias Orientais e a Companhia Sueca das Índias Orientais - durou sem grandes sobressaltos durante mais de um século. Até que a ganância por lucros maiores e a falta de prata na Europa levam à introdução na China do ópio por parte dos britânicos (pretendem a troca pelo chá). 
O imperador chinês acaba por expulsar os estrangeiros de Cantão que num primeiro momento se refugiam em Macau. A situação levaria à primeira guerra do ópio em 1839, entre chineses e ingleses, que acabaria com a vitória europeia em 1842 dando origem a Hong Kong. 
Entretanto, estas "companhias" extinguem-se dando lugar ao comércio de iniciativa particular.
Sugestão de leitura:
An East India Company Cemetery: Protestant Burials in Macao
Nota: as imagens que seleccionei para este post são desenhos da autoria de George Chinnery e mostam alguns dos edifícios que a Companhia Inglesa das Índias Orientais tinham arrendados na Praia Grande por volta de 1840.
Curiosidade: em 2010 foram comprados todos os direitos - incluindo do brasão de armas - da  The East India Company - e a empresa foi reactivada agora com outros fins, naturalmente.
* os hopus seriam banidos pelo Governador Ferreira do Amaral em 1847.