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terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

As seculares árvores de pagode

"Sangra-nos o coração ao ver que hoje pouco ou nada resta das solarengas casas apalaçadas da Praia Grande, que em idade rivalizavam com as centenárias árvores de pagode (banyan trees)"... 
Assim escrevia monsenhor Manuel Teixeira na sua 'bíblia', a Toponímia de Macau. De facto, das casas apalaçadas pouco resta, mas muitas das chamadas árvores de pagode - o nome deve dever-se ao facto destas árvores serem habituais nos templos - ainda hoje existem fazendo jus ao adjectivo "centenárias". Existem várias espécies destas árvores em Macau sendo as mais habituais a Lagerstoemia Indica e a Ficus Microcarpa, também conhecida como baniana chinesa.

Árvore de Pagode no Jardim de S. Francisco.
Foto de McKay Savage. 2006

A imagem de cima é do Jardim de S. Francisco, o primeiro jardim público de Macau que remonta a 1861. Cingindo-me só a zona da baía da Praia Grande, onde ainda existem mais de uma centena destas árvores de grande porte, importa dizer que até ao início da segunda metade do século 19 a orla da Praia Grande não tinha praticamente nenhuma árvore. Foram plantadas algumas, a posteriori, e que depois seriam arrasadas com o tufão de Setembro de 1874.
Na imagem acima - de ca. de 1890 - podem ver-se as árvores, hoje centenárias - plantadas após o tufão de 1874 junto ao Palácio do Governo. Um testemunho de 1892 pode ser lido aqui.
Consultando algumas edições da década de 1890 d'"O Occidente: revista illustrada de Portugal e do extrangeiro" pode ler-se:
"A arteria principal de Macau é a Praia Grande, que se acha povoada de elegantes edificações de architectura europea. (...) As babitações dos Europeus são d'aspecto agradavel, ha algumas mesmo notaveis pelo tamanho e bom gosto, quasi todas as da Praia Grande teem os seus jardins e ostentam na fachada da frente grandes varandas ou galerias. O palacio do Governo, antiga habitação dos Barões do Cercal e o actual edificio dos tribunaes, ex palacio do Governo, são edifícios dignos de especial menção".
Já nos primeiros anos do século 20 o "Ta-ssi-yang-kuo" destaca a fama da baía da Praia Grande: (...) Toma-se um rikchá com um par de cules puxadores e passa-se ao longo da Praia Grande sob a sombra das bellas e antigas arvores de pagode, pendentes sobre o attrahente boulevard que orla a pequena bahia, que dá tão grande fama à colónia. (...)"
Em 1927, num texto sobre as obras do novo porto, João Carlos Alves também elogia a beleza da baía: "A larga Avenida que a circunda, orlada de árvores seculares, constitue um dos melhores passeios da cidade."
Década 1960: já com porte significativo

Num texto em inglês, de 1946, referem-se as "banyan trees" (Ficus benghalensis / Ficus Microcarpa (Figueira asiática)):
"A broad avenue, the Praia Grande, follows the curving eastern shore line of the peninsula. Government buildings and large, beautiful homes, many of south European design, rim its landward edge. Sprawling banyan trees paralleling the sea wall cast ragged shadows across the wide roadway."
Já na segunda metade do século 20 as majestosas e frondosas árvores de pagode também não foram esquecidas por Henrique de Senna Fernandes em alguns dos seus livros.
Na obra Nam Van: "A Praia Grande esvaziava- se e ficavam só os embalos do mar de encontro às pedras da muralha, o sussurro das árvores de pagode, ao sopro da viração."
Na obra Mong-Ha: "A baía da Praia Grande fazia ali a mais graciosa das curvas e o mar rumorejante batia junto às árvores de pagode, nos seus eternos soliloquios. (...)
Eu gostava muito da parte superior do Jardim de S. Francisco, paredes-meias com a Rua Nova à Guia. A área era mais larga que hoje, cobria a Calçada do Quartel que não existia, e estava separada da ala das residências dos oficiais, por um muro formando beco. Havia ali um jardim frondoso e bem tratado com áleas, onde se aprumavam frangipanas e bauínias entre arbustos e outra vegetação. As frangipanas davam as chamadas "flores de S. João" branco-amarelas, de cheiro capitoso. As bauínias abriam as suas flores arroxeadas ou róseas na Primavera e eram um regalo para os olhos. As champacas misturavam-se com as roseiras. Sebes de camélias e damas-da-noite dividiam os caminhos. Pairava no ar uma confusão de aromas inebriantes. De manhã à noite, desbobinava-se a sinfonia zangarreante das cigarras, em labor incansável, desmentindo a fábula conhecida. Nos bancos verdes e já veneráveis, sentavam-se os anciãos chineses que traziam, em gaiolas grandes e pequenas, algumas artisticamente ornamentadas, os seus pássaros favoritos - rouxinóis, chevites, melros, canários e outros - que trinavam à compita com a passarada livre, derramada pelas árvores."
Árvores frondosas, também existem, por exemplo, ao longo da Avenida da República, sendo ali plantadas no início do século 20.
Curiosidade: Na toponímia macaense existe a Rua das Árvores do Pagode. Em 1887 o governador Tomás de Sousa Rosa levou a cabo uma grande acção de florestação do território tendo sido plantadas 60 mil árvores, segundo o Conde de Arnoso.

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