Páginas

sábado, 30 de abril de 2011

A pataca nos séculos XVII a XIX

O Instituto de Estudos Orientais da Universidade Católica Portuguesa realiza este sábado uma palestra a proferir por Ernestina Carreira subordinada ao tema “A Circulação da Pataca e a relação entre os Impérios Português e Espanhol (Sécs. XVII-XIX). A sessão terá lugar, dia 30 do corrente mês, pelas 15h, na Sala Expansão Missionária (piso 1 do edif. da Biblioteca João Paulo II, na sede da Universidade Católica, em Lisboa).
 10 avos de 1946
 Mil patacas de 1995
A pataca (MOP) é a moeda legal emitida em Macau há mais de um século. Em 1905 o Governo de Macau atribuiu a exclusividade da emissão de notas em patacas ao Banco Nacional Ultramarino. A primeira emissão foi posta em circulação a 27 de Janeiro de 1906. A denominação “pataca” deriva de uma então popular moeda em prata que circulava na Ásia, oito reais mexicanos, conhecida pelo nome de pataca mexicana. Macau, Brasil e Timor tiveram a sua 'pataca'. Hoje só existe uma... a de Macau.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Sessão sobre José Vicente Jorge (21 Maio)

No dia 21 de Maio, pelas 18h, na sala multiusos 2 (4º andar do edifíco de investigação da FCSH, Av. de Berna, Lisboa) terá lugar mais uma sessão do "Seminário Permanente de Estudos sobre Macau", que estará a cargo do Dr. Pedro Barreiros, com o título: "José Vicente Jorge (1872-1948), Macaense Ilustre". Pedro Barreiros é neto de J. V. Jorge.
Refiro a propósito alguns elementos de uma notícia do jornal Ponto Final sobre um seminário que versa o mesmo tema e que teve lugar em Macau em Abril de 2010.
(...) José Vicente Jorge, macaense que desempenhou um importante papel enquanto mediador, tradutor e professor na primeira metade do século XX. (...) Nascido em Macau em Dezembro de 1872, José Vicente Jorge entrou para a Repartição do Expediente Sínico em Março de 1890, seguindo o exemplo do pai, que fora intérprete-tradutor. Informações adicionais aqui
Na época, segundo a historiadora Tereza Sena, os intérpretes asseguravam a diplomacia no dia-a-dia da cidade, lidando ainda com assuntos relacionados com a população chinesa, que constitua a grande maioria. “Estes intérpretes eram muito importantes para a economia e manutenção da estabilidade de Macau”, acrescenta a historiadora.
Pelas suas funções de intérpretes, professores e diplomatas, homens como José Vicente Jorge eram os responsáveis pela mediação cultural entre os dois mundos em que viviam: o português e o chinês. José Vicente Jorge contribuiu para este entendimento, nem sempre fácil, de forma notável.
“José Vicente Jorge revelou os segredos da poesia chinesa a Camilo Pessanha, tendo posteriormente trabalhado em conjunto nas traduções, bem como os segredos da arte chinesa que ambos coleccionavam. Por esta razão, os escritores portugueses Camilo Pessanha e Wenceslau de Moraes permaneceram na família Jorge como homens sensatos, dignos de respeito e de honra”, contou ao jornal Tereza Sena.
As privações e atribulações da Guerra do Pacífico levaram José Vicente Jorge a procurar abrigo em Portugal, onde viria a morrer vítima de diabetes em Novembro de 1948, longe da terra natal que tanto estimava. Não voltou a ver Macau, mas conseguiu transmitir aos seus descendentes a afeição pela cidade onde nasceu e o carinho pelas culturas que soube entender.
“José Vicente Jorge viveu coerentemente e de forma honrada numa difícil época de transição à escala mundial: da monarquia à república, da democracia à ditadura, da paz à guerra, do colonialismo ao despontar dos nacionalismos, mas também de profundas e instáveis alterações na vida quotidiana a caminho da modernidade, que num século de tantas mudanças não deixou Macau de fora”, rematou a investigadora ao Ponto Final.
A imagem - Dedicatória a José Vicente Jorge - Introdução ao Catálogo de arte chinesa - e o texto que se seguem são reproduzidos do site do Instituto Camões
Pessanha teve um mestre de língua chinesa e um amigo, o sinólogo José Vicente Jorge, tradutor da Embaixada de Portugal em Pequim, Chefe da Repartição de Expediente Sínico em Macau, grande coleccionador de Arte Chinesa e autor do livro Notas sobre a Arte Chinesa, que o introduziu no conhecimento da Arte e da Literatura chinesas e com quem publicou um livro de Leituras Chinesas o Kuoc Man Kao Fo Shu.
Os seus conhecimentos de língua chinesa permitiram-lhe traduzir as Elegias Chinesas, sempre com a reconhecida ajuda do seu “querido mestre José Vicente Jorge, que a emendou em alguns pontos, aproximando-a mais da intenção original”.
Sobre esses mesmos conhecimentos esclarece Danilo Barreiros que Pessanha saberia cerca de 3.500 caracteres chineses.
No que respeita à Arte Chinesa, Pessanha coleccionou um apreciável conjunto de peças que adquiriu durante a sua longa estada em Macau e que ofereceu a Portugal, estando agora depositadas no Museu Machado de Castro, em Coimbra. Como em tudo, os conhecimentos de Pessanha sobre a Arte Chinesa foram sempre muito contestados.
No seu ensaio Camilo Pessanha, José Vicente Jorge e as Elegias Chinesas, escreve Danilo Barreiros: ... é de referir ter sido publicado em 7 de Fevereiro de 1915 no semanário O Progresso o seguinte convite: “O Governador da província de Macau e D. Berta de Castro e Maia têm a honra de convidar as pessoas das suas relações a visitar hoje, pelas 16 horas, no palácio do Governo, a exposição de preciosidades chinesas da colecção do Exmº. Sr. Dr. Camilo de Almeida Pessanha”. O malogrado governador Carlos da Maia, pessoa de grande cultura e bom gosto, jamais promoveria esta exposição se as peças apresentadas o não merecessem.
http://macauantigo.blogspot.com/2009/04/jose-vicente-jorge-1872-1948.html

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Uma avenida na década de 1970

Década 1970 - Av. Infante D. Henrique
Imagem do Centro de Informaçao e Turismo de Macau - Digitalizada por ACTD - IICT

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Macau logo a seguir ao 25 de Abril de 1974

Macau foi desde sempre vista de Lisboa muito mais como uma “pérola exótica” de diletantes e intelectuais, decorrente dos escritos de poetas e prosadores, nacionais e estrangeiros, que por aqui passavam, do que uma colónia credível, verdadeiramente importante, ou pragmaticamente rentável para o Estado. Os jornalistas das mais diversas nacionalidades acrescentavam pontos ao tema que romancistas e realizadores de cinema desenvolviam sobre este diminuto cantinho peninsular do Sul da China.
O filme “Macau o Inferno do Jogo” permanece como estereótipo protagonizado por Robert Mitchum e Jane Russell sobre uma cidade que, ao mesmo tempo era e não era, nos anos 50 e seguintes. Na literatura o estereótipo permanece no que escreveu, por exemplo, o grande novelista republicano espanhol W. Fernandez Flores sobre a Rua da Felicidade, retracto exacto de um bairro dos anos 30 (século XX) que igualmente era e já não era. Os senhores de “chapéus brancos de abas largas”, o canto morno das “pei-pai-chai” que tocavam cítaras e alaúdes, na pequena viela eram muito mais produto de uma imaginação ocidental fértil perante o exótico oriental do que realidade quotidiana que pouco romance continha. Aliás essa imagem de W. Fernandez Flores é um retrato que já se perdeu da memória da cidade há décadas e décadas tal como a própria viela. Quanto ao “Inferno do Jogo” nem tanto. Um pouco mais realista, já que americano ainda hoje contém em si traços de alguma verdade hodierna ainda que excessivamente ficcionada.
Sendo assim, Macau com os seus 16 quilómetros quadrados de perímetro (actualmente são 28.6 Km2 e mais se aguardam) perfilava-se negligenciável na geoestratégia de Portugal. Porém, nos domínios da cultura o seu estatuto era outro e de quase primeiro plano. Mas a história e a cultura sempre foram disciplinas de ordem negligenciável perante dividendos financeiros e ganhos eleitorais, que só têm em conta estatísticas e grandes números.
Em Macau a demografia era escassa não indo além das duzentas mil almas que habitavam a cidade e as ilhas nos idos da década de 70 do século XX. Além disso, nesses tempos, para a ditadura do “Estado Novo” os votos nada contavam já que a vitória estava sempre assegurada pelo partido único. Primeiro a “União Nacional” de Salazar, depois a “Acção Nacional Popular” de Marcelo Caetano. Por isso, Macau permanecia como sempre, aliás, última prioridade do antigo “Império Português das Descobertas” quanto mais não fosse pela erosão da História!
Não é portanto de admirar que, no cômputo dos problemas gerados pela descolonização de regiões tão vastas como Angola e Moçambique, Macau, mais as suas pequenas ilhas anexas (Taipa e Coloane que na altura nem para Macau contavam coisa que se visse, já que nas ilhas a população era demasiadamente diminuta para mal conter um freguesia e meia), permanecesse durante algum tempo na gaveta dos assuntos pendentes da “Revolução de Abril”, protelando-se até à eventual chegada de representantes oficiais do Governo de Lisboa que trouxessem indicações claras sobre o que iria acontecer, facto que parece ter contribuído para fazer aumentar o “stress” local (Stress: - vocábulo novo com que a psiquiatria moderna elidiu o nervoso e a histeria antigos).
Isto tanto mais que a República Popular da China (RPC), do mesmo modo, parecia não ter pressa em dar qualquer indicação das suas intenções sobre o futuro do território português (se não o tinha dado nos trezentos, ou quatrocentos anos anteriores que urgência teria em fazê-lo agora?...). Mas, nesse tempo a urgência de um sinal claro sentia-se profundamente não só entre portugueses, mas com igual intensidade entre chineses também.
Esse vazio de respostas a interrogações prementes levou o governador Nobre de Carvalho a enviar a Lisboa o seu chefe de Gabinete (Lajes Ribeiro) que manteve um encontro com o Ministro da Coordenação Interterritorial (Almeida Santos) e trouxe boas notícias: - “Vim de lá com uma certa tranquilidade porque senti que o Ministério estava a encarar o Governo de Macau com muito realismo, com muito pragmatismo e foi quando ele (Almeida Santos) anunciou que viria a Timor e a Macau”.
Mas a boa impressão trazida por Lajes Ribeiro, não parecia capaz de apaziguar receios. Por isso, quando é finalmente anunciada oficialmente a deslocação de Almeida Santos para tratar da descolonização extremo-oriental, a notícia é recebida com certo cepticismo, para não dizer mesmo pânico, principalmente entre a população chinesa, já que se registaram nessa altura corridas aos bancos e a toda poderosa Associação Comercial pareceu pela primeira vez titubeante.
Negócios eminentes e apalavrados foram desfeitos de um momento para o outro; projectos de investimento de grande envergadura congelados pelos seus promotores e até pequenos construtores civis deixaram a meio a erecção de edifícios nas avenidas Novas (Horta e Costa e Ouvidor Arriaga) e também, na frontaria principal da Praia Grande, esperando que a situação se clarificasse.
A pataca sem o aval do “Império Português” que patentemente se esboroava com a revolução poderia passar a valer zero e, por isso, o povo reagiu acorrendo às caixas bancárias para levantar as suas economias antes que fosse tarde.
O que é que iria dizer Almeida Santos quando chegasse? Ninguém sabia!...
Tentando desdramatizar a situação, o Governo Português esclarece que o termo “descolonização” contido no dossier do Ministério da Coordenação Inter-territorial se referia exclusivamente a Timor. Os esclarecimentos, porém, não produziram efeitos, nem imediatos nem seguros. Garcia Leandro, que acompanharia o Ministro no seu périplo oriental, refere mesmo ter encontrado em Macau “um grande receio. Era como se para a população local o 25 de Abril tivesse aberto uma grande porta para lá da qual era a mais completa escuridão”.
Garcia Leandro, oficial ligado ao Movimento das Forças Armadas (MFA) e desde o início vocacionado para os assuntos de Macau e Timor, manteve-se no Território algum tempo auscultando a população sobre o perfil do novo governador que deveria substituir Nobre de Carvalho, sobre o qual Almeida Santos, perante o “Teatro Diocesano” repleto, teceria “rasgados” elogios que terão calado fundo nalguns corações, mas não nos da maioria.
Pouco depois, Garcia Leandro regressaria a Portugal, apenas para voltar, mais tarde e dessa vez graduado em major a fim de ocupar o assento vago do Palácio da Praia Grande com a partida do velho general retirado.
Tanto para os democratas como para os conservadores, as notícias da eclosão do 25 de Abril de 1974 causaram generalizada satisfação.
Para os primeiros abria-se uma nova era de liberdade. Para os outros a possibilidade de conseguir a tão almejada autonomia ansiada desde os idos da revolução de 1822. No entanto, passada a euforia inicial, uma parte da população, incluindo a comunidade chinesa temeu (como disse antes) pelo futuro.
A descolonização tomava prioridade em todas as agendas do Portugal político e revolucionário e nenhuma indicação chegava que permitisse claramente depreender que Macau seria tratada de maneira diferente de Angola, Moçambique, Guiné, Timor, Cabo Verde, ou S. Tomé e Príncipe.
É neste contexto de reserva generalizada que o Ministro da Coordenação Interterritorial do primeiro Governo Provisório (Almeida Santos) efectua a referida deslocação ao Oriente.
Uma deslocação vista com ansiedade or Macau (como se disse antes), mas principalmente pela vizinha colónia inglesa de Hong Kong, onde o Governador Lord Crawford Murray MacLehose (preocupado) enviou insistentes telegramas a Almeida Santos para se encontrar com ele antes de embarcar no “hidrofoyl” (“hidrofoyls” eram os navios rápidos que antecederam os “jetfoils” ainda mais rápidos dos dias de hoje, que faziam a carreira entre Macau e Hong Kong e vice-versa) para Macau.
Almeida Santos encontrou-se de facto com o governador britânico antes de chegar a Macau e procurou descansá-lo, ainda que não se saiba se inteiramente o conseguiu. Foi em razão dos receios crescentes que o “Foreign Office” fazia sentir que Almeida Santos, depois de ter estado em Timor entendeu ser indispensável passar por Macau, ainda que aqui pensasse ir tratar de um problema menor e mais fácil de resolver do que o da Insulíndia. Mas não foi assim. Quando chegou constatou que as informações que possuía não seriam exactamente as que esperava: “Quando cheguei havia uma grande ansiedade de facto. A pataca tinha baixado de cotação e as pessoas estavam preocupadas. Qual vai ser o futuro de Macau? E eu pude fazer uma comunicação pública num teatro da cidade em que afirmei: Macau é uma jóia rara. É um caso especial, para nós não é uma colónia. Para Macau não se põe o problema de nenhum processo de descolonização. Isso aquietou os ânimos. No dia seguinte a cidade era outra e eu fiquei muito feliz por ter contribuído para desfazer essa ansiedade”.
Nesse intróito (dramático, pode dizer-se), Nobre de Carvalho teria ainda ensejo de concluir da melhor maneira o seu atribulado mandato inaugurando em 5 de Outubro de 1974 (simbólico acto que coincidiu com a comemoração dos 64 anos da implantação da República Portuguesa) a nova e primeira ponte entre Macau e a Taipa que receberia o seu nome. Cinco dias depois partia para Lisboa convencido de que Macau não viria a beneficiar muito com o 25 de Abril.
– “Viria a beneficiar sim, de uma maior representatividade dada à população nos órgãos do governo próprio do Território e nas autarquias. Isso impunha-se e principalmente aquilo que eu nunca tive, que era ter maior liberdade de acção, não estar piado como sempre estive em consequência das leis que então estavam em vigor, pelo Terreiro do Paço, digamos, por Lisboa”.
Uma opinião subscrita também por Garcia Leandro que sublinha: “A primeira impressão com que fiquei foi que o território teria grandes possibilidades de desenvolvimento, estava numa área económica muito importante, mas devido ao sistema político que existia então se encontrava atrofiado”.
Depois da partida de Nobre de Carvalho, o inevitável processo de adaptação às novas condições levantou ainda mais a agitação. Uma agitação centrada quase exclusivamente na comunidade portuguesa civil e militar. Quanto à liderança da comunidade chinesa perante a “Revolução Cultural” “rampante” tinha muitas outras coisas políticas, financeiras e económicas, com que se preocupar.
Nos meses seguintes acentuaram-se clivagens e divergências, a polémica redobrou nos jornais e os comícios inflamaram-se mais ainda, culminando num período que registou algumas semelhanças, ainda que de escala bem diferente, com o que ficou conhecido em Portugal por “Verão Quente de 1975”. Todavia, apesar das divergências de pontos de vista é hoje unânime que mais do que qualquer outro anseio, o 25 de Abril trouxe para Macau, acima de tudo, uma autonomia que tardava pelo menos desde que os liberais de 1822 tinham fracassado na sua tentativa de se eximir à obediência de Goa e governarem-se a si próprios quase duzentos anos antes. A história repete-se e irá com certeza repetir-se. É pena que as gerações por vezes teimem em esquecer-se da história.
Artigo da autoria de João Guedes publicado no JTM de 26-4-2011
Edição de 30 de Abril de 1974 do suplemento em inglês do diário Gazeta Macaense.
Mais um excusivo "Macau Antigo".

terça-feira, 26 de abril de 2011

Emissão selos: 1975

Selo editado em 1975: a emissão foi de diversos valores com a mesma imagem

domingo, 24 de abril de 2011

Macau 25 de Abril de 1974: uma perspectiva e alguns testemunhos


Em 1966, Macau tinha vivido o momento das maiores incertezas. A Revolução Cultural da China, provocara danos incalculáveis que se estenderam ao Território português onde os guardas do socialismo, operários e estudantes, já que em Macau não havia camponeses, a não ser os poucos que cultivavam hortas nas traseiras de suas casas nas ilhas da Taipa e Coloane e nos terrenos vagos do Bairro do Hipódromo (actualmente regurgitante de edifícios). Mas esses não se podiam classificar tecnicamente como tais e por lá ficaram sossegados nas suas hortas a regar hortaliças.
Os outros empunhando o “livrinho vermelho” tinham tido a ousadia de invadir o Palácio da Praia Grande, derrubando as vacilantes barragens policiais e obrigando o recém-chegado governador Nobre de Carvalho, ignorante do que se passava, a ouvir em indecifrável cantonense as palavras revolucionárias do “Livro Vermelho” de Mao Tsé-tung” recitadas pelos pequenos estudantes adolescentes da “Escola Hou Kong”, entre outras, no átrio do seu próprio gabinete, facto que para além de ofender a ordem pública, perturbava o normal despacho da burocracia do Estado que teimava em continuar apesar do “cataclismo” em curso.
Nobre de Carvalho, apesar de ter sido avisado do que se passava apenas à chegada a Hong Kong pelo seu homólogo britânico Sir David Clive Crosbie Trench, saiu-se bem do caos político oriental conseguindo, ao contrário de Vassalo e Silva (em Goa), salvar Macau de uma eventual (ainda que muitos considerem, ainda hoje, duvidosa) invasão e retomar o ritmo de crescimento económico que se prefigurava antes, mas que tinha sido brutalmente interrompido quando ainda mal dava os primeiros passos a dita “Revolução Cultural”.

“Nobre de Carvalho teve muito azar. Quando chegou a Macau apanhou com o “1, 2, 3”, sobre o qual sabia talvez menos do que eu e no fim do mandato apanhou com o 25 de Abril”, recorda o então director da “Rádio Macau” (“RM”), Alberto Alecrim, um veterano da queda de Goa, onde conheceu o cativeiro como prisioneiro de guerra.
Mas se o Governador nada sabia da “Revolução Cultural” que conheceria do que se preparava em vésperas de 25 de Abril de 1974 em Portugal? Provavelmente saberia o mesmo, ou seja nada mais do que rumores sem importância, pensaria o general... Quando muito, o seu chefe de gabinete, Lajes Ribeiro, seria o mais avisado para os efeitos do que uma guerra colonial, que se prolongava há anos consecutivos, provocava nas fileiras militares, cada vez mais desmoralizadas. Isto a avaliar pelos contactos que Lajes Ribeiro tinha mantido pouco antes na Metrópole durante um dos seus cursos de promoção com oficiais que participariam activamente na revolta de Abril, nomeadamente com o major Ramalho Eanes (seu contemporâneo). A mobilização para Macau (e regresso já que antes tinha aqui cumprido comissão de serviço anterior) afastou-o, porém, dos labirintos da conspiração impedindo-o de seguir os acontecimentos que se desenvolviam em movimento acelerado na “Metrópole” nos anos de estertor do “Estado Novo”. Quanto à generalidade da população de Macau mantinha-se alheia já que as notícias de Portugal chegavam previamente censuradas de Lisboa aos jornais e à “RM” e as notícias trazidas pelas cartas do correio, ou por um ou outro qualquer novo oficial, ou funcionário público, que chegava não eram nem suficientemente claras nem consistentes para serem consideradas como mais do que anedotas, boatos e opiniões pessoais.
Tudo isso provocava, naturalmente, discussão (em voz baixa, é claro) no “Clube Militar”, “Restaurante Solmar” (centro da “má-língua” e dos diz-se que se diz), algumas conversas no “Clube de Macau” (local onde tudo interessava menos isso) e nas tertúlias em casa de cada uma. O “Universo” local não passava disso mesmo: Tertúlia conspirativa eventualmente sem consequências de maior que se manifestava sem consequências há décadas e décadas. Dizer mal do Governador e da República era, pode dizer-se, desde sempre uma exercício cultural interessante mas politicamente inconsequente. Macau estava muito longe das “tricas” políticas do outro lado do Mundo, ou seja de Lisboa. O que interessava, de facto, eram os desenvolvimentos da China.
A tentativa fracassada de sublevação do regimento de infantaria 5 das Caldas da Rainha de 16 de Março de 1974, também não esclareceu ninguém já que, mais uma vez, os três jornais de Macau (“Gazeta”, “Notícias” e “Clarim”) recebiam apenas para publicação inócuos telexes do regime através da “Agência ANI” (antecessora da “ANOP” e da actual “Lusa”) informando que “a situação estava calma em todo o país” e nada mais.
Esses telegramas eram tão parcos que nem sequer referiam que tinha havido uma sublevação militar ainda que frustrada na Metrópole (?...). Na prática não diziam nada a não ser que Portugal do Minho a Timor continuava a vogar no “melhor dos mundos”... Por seu turno o serviço mundial da “BBC” e amplamente escutado em Macau pouco mais acrescentava. No entanto, “que o ambiente andava tenso em Portugal todos sabíamos, mas ninguém esperava uma acção tão súbita das forças militares. E que a insatisfação no país e a guerra em África tinham de ter um desfecho, também se sabia”, escreve nas suas memórias Graciete Batalha, professora do ensino secundário interventora na vida social e política local, membro do então chamado “Conselho Legislativo” e acérrima defensora dos princípios mais conservadores do “Estado Novo”.
Apesar da sensação de que algo ia mal na Metrópole certo é que esse sentimento partilhado esteve longe de constituir óbice à reunião solene da sessão legislativa (no rés-do-chão do Palácio da Praia Grande) para ouvir um longo discurso do governador Nobre de Carvalho, no qual figuravam as grandes linhas de acção governativa para o ano seguinte, com destaque para os benefícios evidentes que a eminente conclusão da ponte entre Macau e a Taipa trariam ao Território (e que de facto trouxeram, ainda que fosse pouco e parco, mesmo nesse tempo). Principalmente numa altura em que Macau se debatia com a escassez de abastecimento de água e electricidade por falta de meios de pagamento). Terminado o discurso foi a vez do deputado Henrique de Senna Fernandes, agradecer protocolarmente a presença e os esclarecimentos do Governador. Depois disso e também de acordo com os costumes, o “Conselho” elaborou o habitual telegrama de apoio ao regime e à sua política ultramarina (que elaborava todos os anos numa burocracia antiga). “Fui até eu que redigi o telegrama, que seguiu para Lisboa e que chegou à capital precisamente no dia 25 de Abril”, lembra Henrique de Senna Fernandes, que acrescenta: “Fi-lo com convicção, porque nós ultramarinos gozávamos de uma situação privilegiada no antigo regime. Sentíamo-nos garantidos com essa política”. Mais de 20 anos depois, Senna Fernandes (entrevista que me concedeu para um documentário sobre a passagem dos 15 anos do 25 de Abril em Macau para a “TDM”) recordou com humor a situação então vivida, ainda que na altura a chegada das notícias da revolução estivessem longe de lhe ser agradáveis.
Palácio do Governo
“Cerca das três e tal, da tarde do dia 25 de Abril fui para o meu escritório, quando recebo um telefonema do Pedrinho Lobo que me diz: - Tu estás ‘lixado’! Acabaste de fazer o discurso de apoio ao regime e o regime caiu! Exclamou o Pedrinho. Cinco minutos depois telefona-me meu pai a dizer também que Marcelo Caetano e Américo Tomas tinham ido ao ar. Claro que já não trabalhei mais nesse dia. Eram notícias impossíveis para nós que tínhamos sido criados no regime. Como era possível?”. Durante todo esse dia, Alberto Alecrim continuou a manter no ar a programação normal da “RM” sem que os telexes das agências “Reuters” e “France Press”, recentemente instalados nos estúdios da “emissora” mostrassem nada que merecesse particular destaque para inserir no boletim noticioso seguinte, a não ser um desastre de combóio na Índia, uns mortos em combate na guerra do ditador Marcos das Filipinas contra os comunistas em Manila e arredores e os últimos avanços do Vietname recém-unificado (em Janeiro do ano anterior) sobre os países vizinhos. De resto, mais nada de relevante para o mundo e muito menos para Macau. Só à noite Alecrim soube da revolução e não através dos telexes, mas sim graças a um convidado para o seu programa.
O visitante era Rui de Mascarenhas, um dos maiores expoentes do que era conhecido então como “nacional cançonetismo” que tinha combinado entrevista com Alecrim para essa noite antes de actuar no Hotel Lisboa (como é que Rui de Mascarenhas soube? Alecrim não explica. Qualquer dia hei-de lhe perguntar porquê...).
“Ficamos logo a recolher toda a informação disponível nos telexes e nas rádios estrangeiras, que levei depois ao ‘Portas do Sol’ (famoso restaurante do Hotel Lisboa) onde estava o senhor major Lajes Ribeiro a jantar (era o ‘Abril em Portugal’ que se comemorava todos os anos) e ao qual entreguei o que tinha podido colher”.
Mas Lajes Ribeiro já sabia. “A notícia chegou-me por um telefonema do posto de rádio da polícia o qual recebia a ‘Press’ (‘Press’ eram os chamados ‘SITREPES’, espécie de relatórios de conjuntura distribuídos diariamente pelo ‘Estado Maior das Forças Armadas’ para todas as unidades militares de Portugal e do Ultramar) que me deu conhecimento de que tinha acontecido o movimento e sido feita aquela declaração inicial que eu recebi passado algum tempo e tive ocasião de dar a notícia ao major Rocha Vieira (Chefe de Estado Maior da Guarnição de Macau). Foi com muita alegria, porque todos nós, ou pelo menos muitos de nós ansiavam que a solução viesse”.
Independentemente das suas próprias convicções, também o seu chefe Nobre de Carvalho confirmaria, em entrevista à “TDM”, onze anos depois dos acontecimentos, que “o 25 de Abril foi recebido bem por todos os portugueses e chineses. Os chineses, evidentemente, tendo uma ignorância grande sobre o que se estava passando embora eu tivesse tido ocasião de no ‘Conselho Legislativo’, com as notícias que recebia de Lisboa os pôr ao corrente do que se passava”. No entanto, Macau (comunidade portuguesa e chinesa) recebia com cautela as novas informações que iam chegando, estando longe de registar (como seria de esperar, aliás) as esfusiantes cenas de entusiasmo das ruas de Lisboa. “Aqueles factos mais emblemáticos do 25 de Abril, não tinham possibilidade de concretização em Macau. Em Portugal, foram abertas as prisões e soltos os presos políticos, mas em Macau não tínhamos presos políticos. Foi o encerramento da PIDE/DGS, até com cenas de algum dramatismo. Mas, Macau era o único ponto do território português que não tinha PIDE/DGS (sublinha Lajes Ribeiro). Se alguns vivas se pronunciaram, ou garrafas de champanhe se abriram em honra da revolução não foi nas ruas mas tão-somente na discrição disciplinada de alguns quartéis ou na intimidade das casas dos democratas”.
A este propósito diga-se que se efectivamente em Macau, formalmente, não havia PIDE/DGS (como a RPC tinha imposto anos antes, ao que se diz), de facto, esta funcionava efectivamente sob cobertura de subsecções nas Polícias Judiciária e de Segurança Pública. O primeiro sinal verdadeiro de entusiasmo e rebeldia que se coadunava perfeitamente com o espírito da revolução veio não em forma de manifestação, de rua, mas através de um soneto à liberdade do então poeta proscrito Manuel Alegre, declamado de forma arrebatada em plena sessão do Conselho de Governo. Quem o fez foi o jovem deputado José Celestino Maneiras, um arquitecto formado no Porto, que ali se tinha ligado aos círculos estudantis da oposição. Homem de esquerda que sempre manteve as suas convicções.Um acto inesperado de um jovem renovador que deixou estupefactos os seus colegas. Mas a atitude desse deputado ainda que de uma forma anti-regimental limitava-se, na prática, a declarar oficialmente, em nome de todos, autorizada a liberdade no território português da China. Isto ainda que o carimbo da censura perdurasse por mais de um mês em Macau depois da revolução de Abril.
O Conselho de Governo e o próprio Governador ficaram estupefactos, tanto mais que em Macau o autor de “A Praça da Canção” e de “O Canto e as Armas”, por não constar dos manuais do liceu era absolutamente desconhecido de quase todos, embora o não fosse há muito tempo dos círculos da oposição “portuguesa continental insular e ultramarina”. Manuel Alegre e Zeca Afonso já eram há muito os trovadores da liberdade em Portugal. Mas a Macau nunca tinha chegado até então a voz grave e séria de Manuel Alegre que falava contra o regime nas ondas curtas desde Argel (Argélia) através da “Rádio Portugal Livre”. Enfim! Uma surpresa para Macau habituada no liceu a ouvir apenas as rimas de Camões, António Lopes Vieira e quejandos que constavam da selecta literária que Graciete Batalha ensinava no liceu e que via com maus olhos (supõe-se) a “Primavera Marcelista” que já admitia outros trovadores mais hodiernos.
O caso ocorria em vésperas da fundação da primeira associação cívica local (concomitantemente com a restauração dos partidos políticos em Portugal) o “Centro Democrático de Macau” (CDM) agrupamento de democratas de diversas tendências formado com vista a contribuir para a liberalização política do Território.
Até ali a timidez continuava imperar, ainda que no dia 29 de Abril, os deputados (que então ainda não possuíam essa designação) tivessem concordado em obliterar o telegrama de Senna Fernandes enviado alguns dias antes e a insistências (diz-se) do Governador reformular o dito decidindo-se por nova fórmula do mesmo texto, ou quase, reenviando desta vez com novo endereço e esse era não já o Palácio de S. Bento, mas o da Cova da Moura onde o General Spínola liderava a “Junta de Salvação Nacional” novo telegrama.
Porto Interior: década 1970
Este, agora, transmitia incondicional apoio de Macau à nova liderança Nacional Revolucionária. Para além de uma deputada (a inevitável Graciete Batalha), que se recusou a aprovar o teor do novo texto (como seria de esperar), ninguém mais pareceu registar qualquer contradição no facto.
O governador Nobre de Carvalho, acabava de anunciar ter sido confirmado no cargo pelo novo poder de Lisboa, o que parecia bom sinal, levando a generalidade dos deputados a acreditar nas boas intenções dos elementos da “Junta de Salvação Nacional”, entre os quais se contava o general Jaime Silvério Marques que governara Macau (1959/62) onde deixou numerosos amigos e saudades (ainda que também inimigos como é natural nestas coisas da política) e ao qual foi enviada igualmente uma mensagem especial de regozijo por constar na primeira fila da Revolução de 25 de Abril de 1974.
No “entrementes”, como se diria nas telenovelas brasileiras, Macau inteiro ficava na expectativa sobre o que iria acontecer a seguir. E o que se seguiria não seria fácil para ninguém. 
Artigo da autoria de João Guedes publicado no JTM de 19-04-2011
Fotos várias da época: algumas de Susan Blumberg-Kason
Outros - entre muitos - posts sobre o tema:

sexta-feira, 22 de abril de 2011

28 Abril 1937: primeiro vôo correio-aéreo

Passam poucos minutos das 10 horas da manhã quando o ‘Hong Kong Clipper’ da Pan Am amara nas águas do Porto Exterior dando assim início às viagens regulares da Pan Am para Macau (cidade terminal da ligação S. Francisco-Honolulu-Manila-China). A bordo só tripulantes. Um pequeno balde água fria para quem achava que com esta ligação chegariam os turistas.
À partida de Macau seguem dois americanos com destino a Hong Kong e 42 mil cartas/aerogramas. Um recorde para os correios de Macau que montaram especialmente para o efeito um pequeno escritório ao lado do hangar da Pan Am no Porto Exterior. Era a primeira vez que o correio aéreo saia directamente da cidade e todos se lembraram de escrever aos amigos e familiares assinalando a data.
Esta ligação terminará em Março de 1939 por causa do agudizar do conflito sino-nipónico. Curiosamente, um mês depois a Pan Am inicia a ligação regular com Lisboa.
Esta veio dos EUA - 21 Abril de 1937
  


quarta-feira, 20 de abril de 2011

Revista Oriente nº 20

A Fundação Oriente lançou o primeiro número desta revista em Setembro de 2001, então sobre a direcção de António Alçada Baptista. Revista bilingue, português/inglês, tem sido, durante os últimos 10 anos, um importante repositório de temas e estudos sobre o Oriente. 
Na edição nº 20, na pág. 112 um artigo sobre Macau - A avifauna de Macau: uma nota sobre Aomen Jilüe / Roderich Ptak.
Uma publicação, entre outras, disponível para consulta/venda no Centro de Documentação do Museu da Fundação Oriente. http://publicacoes.foriente.pt

terça-feira, 19 de abril de 2011

Emelie 9735: operação frustrada inglesa para vender Macau

No quadro de desmoralização moral política e económica que se vivia em Portugal na segunda metade do século XIX, desde finais da guerra civil (1834), vender o império ultramarino em parcelas parecia (a alguns) a única forma de resolver a crise financeira em que o país estava mergulhado. E o que se dizia à boca pequena nos corredores da intriga de Lisboa acabaria por ser assumido pública e notoriamente pelo deputado José Bento Ferreira de Almeida que num discurso no Parlamento, em 21 de Janeiro 1892 propôs, sem medo de perder votos, ou ficar de mal com a opinião pública, colocar em leilão as colónias para fazer face ao défice orçamental do Estado que ascendia a 10 mil contos. Excluía da eventual venda apenas Angola, Goa e S. Tomé e Príncipe (não sei por que não Cabo Verde!...). “A ideia gerou uma violenta repulsa” como seria natural antever.
Apesar do atrevimento político, que actualmente produziria, sem dúvida, aberturas sucessivas de telejornais, primeiras páginas da imprensa e os mais variados comentários da “blogosfera”, mais a queda do Governo, os ecos do discurso, não foram muito além dos corredores de S. Bento, ainda que tenham tido repercussão nos “media” da época. O discurso de Ferreira de Almeida foi seguido, em concordância, por alguns dos mais influentes políticos e intelectuais de Portugal, nomeadamente o influente ministro Conde de Casal Ribeiro que o secundava dizendo no Parlamento: “nós havemos de viver ou deixar de viver segundo o juízo que tivermos cá dentro e não pela nossa grandeza colonial”.
Oliveira Martins juntava-se ao coro afirmando que “as possessões ultramarinas seriam a causa da ruína nacional”. Cumulativamente em “As Farpas” Ramalho Ortigão colocava a questão: “Para que temos colónias?”. Finalmente não se pode deixar de citar Eça de Queiroz que redundantemente dizia mais ou menos o mesmo: “Para evitar esse dia de humilhação, sejamos vilmente agiotas, como compete a uma nação do século XIX e vendamos as colónias”. A inteligência portuguesa parecia nesse momento histórico afinar pelo mesmo diapasão. Mas a verdade é que Ferreira de Almeida ia, tal com os outros todos, já bem contra corrente. Uma opinião pública maioritária que pugnava resolutamente pela defesa “à outrance” do império ultramarino português, contra as ambições das potências europeias que entre si dividiam o mundo a tira-linhas sobre mapas convenientes que não correspondiam minimamente a territórios verdadeiros, gentes e culturas, mas apenas às ambições imperialistas e comerciais de quem sabia, ou pensava, que tinha o Mundo na mão tomava a supremacia.
Por outro lado a opinião pública portuguesa dispersa pelo Mundo e de séculos inter-étnica manifestava também supremacia sobre os hodiernos mapas que representavam na prática a divisão de povos, de culturas e até de famílias sem cuidar de mais nada. O sentimento popular sobrepunha-se ao positivismo global que tinha em pouca conta esses pormenores da “política agiota” e contabilística concentrados em Lisboa. Pouco ouvida em Portugal, a voz do deputado Ferreira de Almeida (e dos outros) não deixou no entanto de ser notada e transmitida pelos embaixadores estrangeiros acreditados na capital portuguesa aos seus governos, em relatórios que acrescentavam exagerados pontos de intriga política ao que eram apenas posições minoritárias entre correntes de vanguarda do pensamento nacional (dir-se-iam os “WikiLeaks” dos dias de hoje) . Quem terá prestado mais atenção ao discurso do mais ou menos obscuro deputado, terá sido o britânico “Foreign Office” que dele terá dado conhecimento a Sir Robert Hart, Inspector-geral das alfândegas marítimas da China. Este irlandês nascido em 1835, tinha a seu cargo todo o sistema alfandegário do “Celeste Império” decorrente dos acordos (designados, posteriormente, por Pequim como “Tratados Desiguais”) resultantes das guerras do ópio que a China tinha perdido e fora obrigada, por isso, a abrir ao comércio internacional vários portos das suas costas para além de ceder inúmeras vertentes da sua soberania nacional e irracionais indemnizações compensatórias sobre prejuízos de guerras que, para além de não ter desencadeado, tinha perdido. Independentemente de justezas morais, ou de direito internacional, certo é que todos esses portos se passaram a pautar por um regime uniforme (Xangai, Hamoy, Shiamen, etc.). Desse conjunto apenas se exceptuava Macau, colónia portuguesa e porto igualmente livre que se encontrava fora da alçada do imperialismo britânico. Perante esse panorama de aparente anomalia (ponto de vista inglês!...) era não só necessário como urgente normalizar a situação, ou seja regularizar as pautas alfandegárias pelos princípios da “Common Law” e foi o que Robert Hart pôs em execução. Num primeiro passo rodeou Macau de uma série de postos alfandegários, nomeadamente sedeados na ilha da Lapa que se destinavam a inviabilizar, na prática, a franquia do porto de Macau, ou seja qualquer navio comercial que aqui aportasse, não pagaria taxas nem impostos desde que as suas mercadorias se destinassem a Macau como porto final de destino. Se fossem mais além os funcionários ingleses ali estavam a dois passos para travar o passo ao comércio livre internacional por que tanto pugnavam (Contrabando patente! clamava Robert Hart, nos jornais da China e no conservador “The Times”).
Na verdade do que se tratava era de um verdadeiro embargo ao comércio livre. No entanto, o cerco não se revelava suficiente nem eficaz, pelo que Robert Hart teve que congeminar melhor forma de acautelar os interesses de Sua Majestade Britânica (que não da China, naturalmente...). Para isso, e fundando-se na história (sempre a história!...), não encontrou melhor fórmula para resolver a questão senão a de congeminar um plano de integrar Macau no âmbito dos “Portos do Tratado” negociados entre as potências ocidentais – Grã-Bretanha, Alemanha e França, entre outras, mas de que Portugal tinha sido excluído). Para o efeito lançou uma operação secreta que visava, não a reocupação de Macau por Pequim, mas antes a venda da colónia portuguesa à China. Para isso engendrou um cálculo financeiro baseado no antigo pagamento anual que Macau rendia à capital do “Império do Meio” chamado “foro do chão”. Um contrato de arrendamento que o governador Ferreira do Amaral (1846-49) tinha deixado de satisfazer, ainda que pagando com a vida o unilateral termo de tal entendimento que vinha de séculos anteriores.
Feitas as contas, Portugal deveria em rendas atrasadas cerca de um milhão e trezentos mil taéis (cerca de 314 mil patacas) que tendo em conta a inflação, nos dias de hoje, seriam bem mais de três mil e quatrocentos milhões de patacas. A “bolada” seria repartida em proporções definidas entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China (Zongliyamen), as alfândegas (inglesas) de Sir Robert Hart (não se sabe ao certo em que partes) e Portugal. O mediador de todo o projecto seria, nem mais nem menos, do que o bem conhecido D. Sinibaldo de Mas (de que falei em artigos anteriores), um dos fundadores da ideia do Iberismo, que Robert Hart tinha escolhido como pivot essencial para toda a operação, pelas suas excepcionais ligações às cúpulas políticas portuguesas. A proposta idealizada por Hart, foi feita ao veterano funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Espanha por James Duncan Campbel, líder de uma missão secreta a Madrid destinada a convencer D. Sinibaldo das boas razões de Inglaterra (ainda que sob o interposto nome e oficial mandato da China). D. Sinibaldo de Mas, já velho e retirado da política aceitou a proposta. Sir Robert Hart exultou com a boa vontade do prestigiado diplomata reformado.
Nesse momento, porém, os “desígnios de Deus” mudaram-se de um momento para o outro. Em Portugal a opinião pública juntava-se aos que recusavam a venda do império português em nome dos ideais e contra o lucro agiota, como diria o poeta Guerra Junqueiro. O iberismo tinha passado, de um momento para o outro das mãos dos conservadores e absolutistas de D. Miguel para as Conferências do casino, liberais, democratas e anarquistas da geração de 70 que declaravam que de Portugal nenhuma parcela se encontrava à venda.
Apesar disso, Sir Robert Hart e o “Forheign Ofice” ainda acreditavam que a operação poderia ter sucesso. D. Sinibaldo de Mas tinha na mão (pensavam os ingleses), o “think tank” das elites portuguesas. Erro maior. Não tinha! A política portuguesa que parecia estar sensível à venda já não estava. Mas, como as comunicações nesses tempos tardavam uns dias, o “Foreign Office” também tardou a saber que D. Sinibaldo de Mas se tinha finado (idoso) na sua casa espanhola antes de ter podido empreender qualquer diligência no sentido de vender Macau. Se D. Sinibaldo de Mas não tivesse falecido nessa altura talvez a “Operação Emelie” redundasse num rotundo e universal sucesso que poderia ter desembocado numa curva maior da história universal. Por ele tinha em Portugal não só a Igreja Católica como a classe política (inter-partidária) e a Maçonaria, ou seja todos os mais importantes decisores do Portugal de então. Mas a verdade é que o desaparecimento de um “pivot” essencial do curso dos tempos (D. Sinibaldo) mudou o rumo dos ventos do futuro. Sir Robert Hart recebeu de Duncan Campbel, pelo telégrafo, em cifra, o número de código fatal: - “9735”. Os quatro números de código significavam que a “Operação Emillie” não tinha tido sucesso. Portugal não considerava à venda nenhuma das suas colónias. Os serviços de inteligência ingleses sofreram então um dos mais rotundos fracassos e Macau continuou até hoje a singrar na história.
Artigo da autoria do jornalista/ investigador João Guedes publicado no JTM de 22-3-2011

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A guerra na Europa... n'A Voz de Macau

A 2ª Guerra Mundial ainda não se tornara verdadeiramente 'mundial.' Chegaria ao Pacífico em Dezembro de 1941. O jornal "A Voz de Macau" noticia os desenvolvimentos na Europa no final de 1939. 

domingo, 17 de abril de 2011

Guia turístico: década 1960





Editada pela Agência Geral do Ultramar (criada em 1951) no início da década de 1960. Neste caso em inglês. "Land of Wonder" era o mote naquela época. A AGU visava fomentar o conhecimento recíproco das províncias ultramarinas e da metrópole, divulgar no estrangeiro informações relativas àquelas, orientar e desenvolver o turismo nas províncias e exercer na metrópole procuradoria de interesses ultramarinos.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Melancia escreve livro de memórias

O antigo Governador de Macau, Carlos Melancia, disse hoje que pretende publicar até ao final do ano um livro de memórias sobre os cerca de três anos (1987-1990) que liderou a Região para “pôr algumas coisas preto no branco”.
“O general Garcia Leandro publicou um livro sobre as memórias do tempo em que cá esteve (1974-1979). Combinámos entre os ex-governadores de Macau fazer depoimentos dessa natureza e vou tentar fazê-lo até ao fim do ano”, disse Carlos Melancia aos jornalistas durante a sua primeira visita a Macau desde a transferência de administração para a China, em 1999.
À margem de uma receção na residência consular portuguesa, Carlos Melancia, que regressou a Macau com outro antigo governador Garcia Leandro, lembrou que Rocha Vieira (governador entre 1991-1999) também já publicou um livro, “com caráter mais autobiográfico”, realçando que pretende elaborar um “depoimento histórico”, por considerar “valer a pena ousar pôr algumas coisas preto no branco”.
“Por exemplo, tive quatro reuniões em Pequim no período do início da transição com o então primeiro-ministro chinês, Li Peng, mas nunca contei a ninguém o que lá aconteceu e vou ver se consigo sublinhar esses aspetos que mostram a importância que, na prática, Macau tinha em relação a essa estratégia”, disse.
“Todas as conversações com a China que visavam - e tinham abertura no quadro da Declaração Conjunta Sino-Portuguesa - assegurar para Macau a autonomia que estava prevista” será um dos principais temas que o ex-Governador pretende desenvolver no seu livro, considerando o “início do período de transição mais importante do que os últimos três anos”, sob a liderança de Rocha Vieira.
“Não estou a minimizar nada”, salientou ao sustentar que nos três anos antes da transferência de administração “já não havia espaço para se fazer nada por a China estar a chegar”.
O ex-Governador considera mesmo que “se não tivesse conseguido aquele objetivo, a Declaração Conjunta (assinada em abril de 1987) era um ‘bluff’”, realçando que “era fundamental fazê-lo no período inicial da entrada em vigor da Declaração para se ter espaço para se desenvolverem estratégias”: “Não era com certeza nos últimos quatro anos, em que já não havia tempo”, acrescentou.
Carlos Melancia, que abandonou o cargo de governador em 1990, entre alegações de corrupção passiva no processo de lançamento do projeto do aeroporto de Macau, no que ficou conhecido como o "caso do fax", tendo sido ilibado de todas as acusações em 2002, disse que também pretende explicar no seu livro o processo de negociações para a construção daquela infraestrutura.
“A decisão de se construir o aeroporto de Macau não foi pacífica. Era muito mais fácil fazer-se um aeroporto na China do que um em Macau”, disse aquele responsável ao lembrar que foi difícil “conseguir o apoio da China” para tal.
Carlos Melancia e Garcia Leandro iniciaram hoje uma visita a Macau de cinco dias a convite do Governo local. PNE- Lusa
Reprodução de 'take' da Agência Lusa de 12 Abril 2011
Calros Melancia enquanto governador numa das visitas do então Presidente da República, Mário Soares, a Macau.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

“Jogos, Brinquedos e outras Diversões de Macau” - 2ª parte

É a “feérie lúdica que Macau representa” que Ana Maria Amaro procura registar na sua obra “Jogos, Brinquedos e outras Diversões de Macau”. A sinóloga está a ultimar a segunda parte do livro, que conta publicar ainda no primeiro semestre do ano, em edição de autor, mas com o apoio da Fundação Macau e, talvez, da Fundação Jorge Álvares. Com prefácio do jornalista João Botas, o volume terá cerca de 700 páginas e surge complementado por fotografias e ilustrações da época.
Nele são descritos pormenorizadamente jogos de azar (incluindo o ‘fan tan’ e jogos de dados), jogos de cartas e dominós, adivinhas populares de Macau (de tradição oral e impressas), puzzles e jogos relacionados com práticas divinatórias.
Nascida em 1929, a autora é professora catedrática jubilada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e também presidente do Instituto Português de Sinologia (criado em 2007). Tem vindo a estudar a China e Macau há mais de 50 anos, desde que veio viver para o território, onde permaneceu entre 1957 e 1973. O primeiro tomo de “Jogos, Brinquedos e outras Diversões de Macau” foi publicado em 1976, mas já estava esgotado nos anos 80. É dedicado aos jogos populares de Macau entre as crianças, enquanto os dois volumes da segunda parte da obra centram-se nos jogos que preenchem – ou preenchiam, dado que alguns deles caíram em desuso – os tempos lúdicos da população adulta.
Jogo de Fant Tan em desenho de Felipe Emilio de Paiva em 1902
O hiato de tempo entre as duas partes desta obra quase enciclopédica deve-se ao facto de manuscritos terem estado em Macau “durante muitos anos” para publicação, pelo Instituto Cultural e por uma editora local. A ideia foi sendo protelada e parte das ilustrações perderam-se, pelo que a autora decidiu tomar em mãos o projecto. Se já é certo que o primeiro volume da segunda parte vai ser publicado, ainda não está totalmente garantido o financiamento do segundo volume, onde são descritos mais de 40 jogos de tabuleiro e “outras diversões”, culminando a obra com uma investigação sobre a ópera de Cantão. É bastante provável, no entanto, que este trabalho venha a ser patrocinado pelo Albergue da SCM, dado que inclui referências às lanternas do coelhinho. Para reunir apoios para a publicação, que tem muitas ilustrações e é onerosa, será organizado um lançamento público da primeira parte, em Lisboa. A autora refere que alguns dos 500 exemplares serão vendidos na RAEM, mas está posta de parte uma visita sua, para fazer a apresentação localmente. Por opção pessoal, Ana Maria Amaro não quer voltar a Macau, apesar de acompanhar regularmente as notícias do território. “Macau já não é a minha Macau” – aponta – e um regresso iria ser “uma desilusão”.
Em declarações ao JTM, a autora recorda que, quando veio para Macau, se sentiu pouco estimulada pela vida social da comunidade portuguesa então residente no território. Motivada por uma “curiosidade imensa” em perceber a cultura chinesa que via pelas ruas, aprendeu a falar cantonense e procurou uma Associação de Artes Marciais chinesas, um mundo onde o mestre Pun Su Sam foi o seu guia. Paralelamente, surgiu o interesse pelos jogos, que motivou uma recolha exaustiva de materiais – tais como baralhos ou tabuleiros – e testemunhos orais. “Não fiz mais nada nos tempos livres (...) Pedia às pessoas para descrever como é que se jogava. Os chineses achavam muita graça ao facto de querer jogar com eles e aprender com eles”, descreve a académica, frisando a dificuldade de alguns dos jogos com que se deparou: “Os carteados não são nada fáceis, são sequências e sequências. No caso dos jogos de tabuleiro, é ainda pior.”
Ao longo dos 16 anos em que viveu na região, Ana Maria Amaro foi “apanhando no terreno coisas que se estão a perder”, não só em Macau, mas em vários locais da China. Tais como, por exemplo, um jogo que viu ilha de Lama [em Hong Kong], em que os jogadores rasgavam as cartas depois de as usarem. 
Perguntas e Respostas: década 1970
Na nota prévia à edição que está em fase de publicação, a investigadora considera que a “simplicidade do primeiro volume” foi tida como o modelo para os seguintes. “A simplicidade será, pois, o traço de união entre os dois trabalhos. E isso porque foi o povo simples de Macau que nos ensinou como, ali, se jogava; como ali, se ocupavam os tempos livres”, escreve. Para Ana Maria Amaro, em Macau os jogos – por regra disputados a dinheiro e não unicamente origem chinesa -, são “algo que domina as pessoas como passatempo”, e até como compensação para as agruras do quotidiano: “Alguns daqueles que jogavam em Macau esqueciam, através do jogo, o próprio desemprego, o desenraizamento, ou , por vezes, até, a fome: fome de arroz, de afecto, ou de estupefacientes. É que o jogo, de certo modo, e em certas condições, desempenha também um notável papel psico-profiláctico, além de indiscutível indicador social”, analisa a autora.
Jogando Seng Kwan Tou nos anos 60 na Areia Preta
O fervor pelo jogo é particularmente vivo durante as comemorações de ano novo, quando os “os chineses jogam para atrair a sorte, procuram abrir o ano novo com sorte”, como descreve a autora na já referida nota prévia: “No Ano Novo Lunar, é o jogo que reina em Macau. É o jogo que prenuncia a boa sorte e a abastança no ano que vai entrar. É o jogo o áugure mais procurado quando o ano abre, com o abrir das flores de pessegueiro e das flores de ameixieira. Joga-se no casino, em casa, na rua, na loja de tomar chá; tão bem sobre um caixote, como sobre um pano de feltro ou de flanela verde. Jogam xadrez os anciãos, à sombra amena das árvores dos jardins e esquecem o seu Outono. Jogam as crianças, também, xadrez, ingenuamente, sobre um papel que colocam no chão, preparando o êxito do seu Outono futuro. Jogo, jogo, jogo!".
Artigo publicado no JTM de 7-4-2011
em cima: tabuleiro de Pat Sin
em baixo: sequência de imagens publicadas num artigo sobre o jogo em Macau na década de 1930 pela revista francesa L'Illustration: "Un Monte Carlo Populaire en Extrême-Orient"
  


terça-feira, 12 de abril de 2011

Pavilhão do Chá no Porto em 1934

Pavilhão do Chá (Macau) na Exposição Colonial Portuguesa realizada no Porto em 1934. Ali foram também exibidos diversos trabalhos em talha, no estilo oriental. Entre eles, este exemplar que um leitor do "Macau Antigo" me fez chegar.
Informações adicionais sobre aquela que foi a 1ª Exposição Colonial Portuguesa aqui http://macauantigo.blogspot.com/2009/05/1-exposicao-colonial-portuguesa-1934.html

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Chinnery na Sociedade de Geografia

No próximo dia 19 de Abril, às 18h30, terá lugar na Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL) mais um seminário, desta feita acompanhado por uma exposição das obras de George Chinnery da colecção da SGL, e que terá lugar nessa instituição. O seminário estará a cargo de Patrick Conner (Martin Gregory Gallery, Londres), especialista em George Chinnery e China Trade, e Rogério Miguel Puga (CETAPS). Esta é ainda uma oportunidade única para visionar as obras do pintor que normalmente não se encontram expostas.
reprodução de um dos quadros de Chinnery que estão na SGL