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sábado, 29 de junho de 2024

A banca do clu-clu

Sôbre a banca de Clu-clu está uma tijela invertida que tapa os dados. Aproximam-se os jogadores e fazem as suas paradas. No tampo da mesa encontra-se traçado uma espécie de largo xadrez com números e caractêres chineses, numa policromia de côres que se casa bem com o ambiente festivo, e o banqueiro, metendo os dados na tijela que cobre com as mãos, vae-os sacudindo, o que produz um ruído característico, que se ouve por todas as ruas do Bazar, ao mesmo tempo que exclama – Able! Able!
Poisa, então, os dados sôbre a mesa, conservando-os tapados com a tijela, à espera que os pontos se animem a jogar, cobrindo os diferentes quadrados, e convida ainda os jogadores, com o mesmo estribilho, às vezes variado com a expressão nhonha que, em dialecto macaense, significa senhora:
– Able, nhonha, able!
E quando vê a banca suficientemente guarnecida, abre, isto é, levanta a tijela e vê os dados, não sendo raro suceder que o banqueiro dê às de Vila Diogo, abandonando a banca, quando esta vá à glória.
Os chineses são apaixonados pelo jôgo e tudo lhes serve para jogar, até os dedos, quando não teem outro meio, mostrando dois jogadores uma das mãos, simultaneamente, com um certo número de dedos estendidos e verificando, a seguir, se o número de dedos apresentados é par ou impar. Por isso, as bancas de Clu-clu, apesar de abundarem por todo o Bazar e imediações – naquele ano foram concedidas mais de quatrocentas licenças – é raro estarem desertas durante os cinco dias em que o jôgo é permitido, constituindo também uma diversão para os europeus. Aquela primeira banca de Clu-clu com que topamos, é uma banca pobre, mal armada e quási solitária mas, à medida que avançamos, vão aparecendo outras, mais animadas, mais ricas e cada vez mais frequentes, quási a cada passo, chegando, algumas, a ostentar certo luxo, desde a iluminação, à noite, uma iluminação a jorros, com electricidade e luzes de incandescência, até ao sortear dos dados,substituindo-se a tijela por uma esfera, donde saem, a correr, pela boca dum dragão.
– Able nhonha, able, able!
O pregâo corre pelas ruas e travessas, de mistura com o tic-tac do bater dos dados, como uma nota característica do Ano Novo em Macau, e até nos pontos extremos da influência festiva do Bazar, se vêem míseras bancas de Clu-clu, desgarradas e solitárias, iluminadas a custo com a luz amarela dum velho candieiro de petróleo. O china triste fareja algum ponto de acaso e, com paciência evangélica, poisa ali horas a fio, até que acaba por levar a traquitana para outro lado.
-Quanta pataca fôra, Mimi?
– Nunca ganhá !
E a nhonhazinha galante, ao ser interpelada, esquiva-se à curiosidade do compatriota, a caminho dum Cou-lau, ou restaurante chinês, para saborear a tradicional sopas de fitas. É Ano Novo e o Clu-clu reina no Bazar.
- Able! Able!.
Texto de Jaime do Inso incluído no nº 70 da colecção Cadernos Coloniais (o último número desta colecção da editora Cosmos); o texto foi escrito no final da década de 1920 o mesmo período em que José Neves Catela tirou estas fotos do jogo clu-clu nas ruas de Macau.

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