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domingo, 30 de novembro de 2025

"Explosion of a Portuguese frigate"

O irmão de Francisco Maria Bordalo (1821-1861) - ver post de ontem - Luíz Maria Bordalo, também oficial da Marinha portuguesa, foi uma das vítimas de uma das maiores tragédias humanas em Macau e um dos maiores desastres navais a envolver a marinha portuguesa. Ocorreu a 29 de Outubro de 1850  - era dia de aniversário do rei D. Fernando II e estava Francisco Maria Bordalo a caminho de Macau - quando por razões ainda hoje desconhecidas ocorreu a explosão no paiol da fragata D. Maria II - ancorada ao largo da Taipa - que continha 300 barris de pólvora. Morreram mais de 200 pessoas. A maioria pertencia à guarnição da D. Maria II. Dos 224 elementos da tripulação morreram 188 e os que se salvaram, apenas 36, foi graças ao facto de estarem em terra (hospitalizados ou destacados) e um grumete, o único que sobreviveu entre os feridos transportados para o hospital de Macau. Consta que apenas foram encontrados 71 cadáveres - os únicos sepultados - tendo os restantes desaparecido. Da lista de vítimas mortais constam ainda três marinheiros franceses presos e cerca de 40 chineses que estavam a bordo da fragata ou em embarcações próximas que foram atingidas pela força da explosão.
Em Portugal, cerca de dois meses depois, o jornal "O Patriota" escreve na edição de 28.12.1850: "Hontem espalhou-se uma noticia que tem causado profunda e geral consternação (…) Há jornaes que a dizem ocorrida em Macau, outros a referem como acontecendo em Calcutá, na India Inglesa. (…)" 
A notícia termina referindo haver esperança que a notícia fosse falsa. Mas não era... E o tema  volta na edição de 30.12.1850 escrevendo que "Por outras notícias parece que mesmo da fragata D. Maria alguém escapou".
A dimensão da tragédia foi amplamente noticiada na imprensa mundial, com especial enfoque na de língua portuguesa, incluindo no Brasil ao longo de 1851. O jornal "O Patriota" dedicou grande parte da edição de 30 de Janeiro de 1851 ao acontecimento publicando em duas páginas relatos oficiais, cartas de testemunhas e os nomes das vítimas. 

"Finalmente chegaram de Macau noticias officiaes e miudas do desastre acontecido á fragata D. Maria II. Infelicidade para o paiz, e para tantas familias! Mas cumpre que aquellas que só tem que lamentar a perda de seus chefes ou de alguns dos seus membros, tenham informações exactas a esse respeito. Por isso, com o officio do sr. Isidoro Francisco Guimarães Junior*, copiamos do Diario de hontem as relações que acompanham o mesmo officio. Fica manifesto que não pereceu ninguem estranho á fragata. Copiamos tambem do Boletim official de Macau sobre a impossibilidade de explicar aquelle infeliz acontecimento. Damos igualmente a nossos leitores a parte principal de uma carta particular que trata do mesmo acontecimento; e abonamos a intelligencia e a por nós conhecida boa fé da pessoa que a escreveu. A tudo isto ajuntamos um resumido extracto de outras cartas, tambem escriptas em Macau por homens que sabem ver as cousas; neste extracto se pinta o estado daquella cidade, e se indica a origem dos seus males. Lamentamos amargamente tanta desgraça! Todas as noticias, tanto officiaes como particulares, são conformes em attestar que a guarnição americana da corveta Marion fez todos os esforços possiveis para salvar os infelizes que podessem ser salvos. O governo de Macau escreveu e publicou officialmente uma carta dos mais expressivos agradecimentos ao commandante daquella corvetta."
* Era na altura capitão-tenente e comandante da corveta D. João 1º, estacionada em Macau. Viria a ser pouco tempo depois governador de Macau.
“Explosão da Fragata D.ª Maria 2.ª  em Macao no anno de 1850”
título desde óleo sobre tela -33x54cm -  de autor anónimo (provavelmente chinês)
Espólio do Museu Marítimo de Hong Kong

Copia de uma carta de Macau datada de 24 de Novembro de 1850 também publicada n'O Patriota a que juntei algumas notas. Não está assinada, mas o autor foi Carlos José Caldeira (1811-1882), que viveu em Macau entre Setembro de 1850 e Dezembro de 1851, e escreveu relato idêntico no livro que publicou em Lisboa em 1852 intitulado "Apontamentos d'uma viagem de Lisboa a China e da China a Lisboa".

"Eu achava me no dia 29 do mez passado a jantar com o bispo*, quando a explosão abalou todo o palacio, ouvindo se o estrondo como de um forte tiro de canhão. Em poucos momentos, olhando para a Taipa ou ancoradoiro, conhecemos a causa e os tristes effeitos. Sahi logo, e fui dos primeiros a chegar a bordo da curveta americana, onde estavam os dez desgraçados salvos pelos escaleres della; e dos quaes vi morrer dois; soffriam todos horrivelmente. A curveta americana nada soffreu; julga se que quem a salvou foi a proximidade em que se achava da fragata, por ficar exactamente debaixo do arco da curva que descreveu a explosão. Peças de 18** voaram por cima da curveta, com a felicidade de não a tocarem. Disseram me alguns officiaes americanos que um momento antes da explosão viram a fragata elevar se quasi seis pés ***fóra d agua. Tal foi a resistencia que apresentou o paiol e a forte structura do navio!

Gravura publicada no Diário Illustrado a 11.10.1873

A causa desta grande desgraça, isto é, o modo como chegou o fogo ao paiol da polvora, ficará para sempre desconhecido. Os que sobreviveram nenhum esclarecimento deram e só diziam que, estando cada um nos seus misteres, accordaram depois como de um letargo, ja a bordo da curveta americana. Com tudo, entre as varias hypotheses que lembram, a mais provavel parece a de ter sido lançado o fogo ao paiol pelo fiel d artilheria João Antonio, individuo de pessimo caracter e conducta e que naquelle mesmo dia fora asperamente reprehendido pelo commandante depois da salva ao meio dia. Embebedava-se, e dizem, que alguna vez soffrendo castigos, se lhe ouviram ameaças deste successo. Seria cousa bem curiosa a policia procurar a origem de um boato que correu em Lisboa da queima e perda da fragata do qual se fazia menção em uma carta escripta d ahi em Agosto pelo irmão do official Bordalo e por este aqui recebida e mostrada. Esta circumstancia é notavel; talvez o malvado fiel a alguem para Portugal tivesse communicado suas dannadas intenções.
Além da perda deste bello navio e de tantas vidas, havia talvez a bordo delle o valor de trinta a quarenta mil patacas em objectos e dinheiro dos officiaes e de comissões. Particularmente me affectou a morte do Assis e do Bordalo. Naquelle dia tinha o Assis tido o pensamento de jantarmos juntos a bordo da fragata, com o Sequeira Pinto, Guimarães e outros; e por algum inconveniente que teve tinha este jantar ficado para algum dos dias imediatos. Foi a providencia que nos salvou; provavelmente aquella hora por lá estariamos se lá tivessemos ido jantar.
Esta semana houve aqui outro acontecimento tambem desastroso. Um portuguez desta cidade casou se; achou a noiva impura e arrancou lhe a confissão de que o padrasto della era o culpado. Com toda a serenidade procurou a este na sua propria habitação e disparou una pistola n'um ouvido; deixando o nas agonias da norte, sahiu e na escada carregou outra vez a mesma pistola e deu outro tiro na sua propria cabeça morrendo immediatamente Parece que esta terra esta agora fadada para desastres!!!"

* Carlos José Caldeira era primo D. Jerónimo José da Matta, bispo de Macau entre 1845 e 1862; o palácio/residência episcopal era anexa à Sé.
** peso da bala disparada, neste caso, canhão de 18 libras (8,16 Kg).
*** quase 2 metros.

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